Tatuadores da Coreia do Sul se unem contra ilegalidade da profissão no país


Apenas médicos podem fazer tatuagens e o descumprimento pode levar o profissional à prisão

Por Christine Chung

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - SEUL, COREIA DO SUL - Em um tranquilo estúdio com grandes janelas e repleto de plantas, Kim Do-yoon tatua clientes do mundo inteiro que o visitam na Coreia do Sul em busca de seus traços finos. Um polvo diáfano com tentáculos espalhados, uma delicada flor silvestre recobrindo um antebraço, o retrato de um pet querido que é eternizado.

Os tatuadores sul-coreanos, há muito tratados como criminosos por seu trabalho, dizem que é hora de acabar com o estigma contra seus negócios. Foto: Chang W. Lee/The New York Times

Kim, conhecido como Doy, é um dos favoritos das celebridades, que incluem o ator Brad Pitt e a atriz Han Ye-seul, mas trabalha com discrição. Não há nenhuma placa na frente do estúdio, escondido em um edifício genérico no centro-norte de Seul, perto de um palácio do século XIV. Ele verifica cuidadosamente os clientes, baixa as persianas durante os atendimentos e muda a localização do estúdio a cada dois anos.

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Na Coreia do Sul, sua arte é crime. Conforme legislação vigente desde 1992, tatuar sem licença médica pode levar a multas de até US$ 40 mil ou até à prisão. As pessoas que são contra a tatuagem decorativa mencionam preocupações com a tradicional associação desta com o crime organizado, bem como temores em relação à falta de higiene e a possíveis danos causados pelos tatuadores, que, segundo elas, não possuem as habilidades adequadas.

As tentativas de derrubar essa proibição vêm falhando sucessivamente. Em março, o Tribunal Constitucional de Seul ratificou a ilegalidade da indústria da tatuagem, por cinco votos a quatro. Tatuadores sul-coreanos e seus clientes acreditam que a decisão não condiz com a realidade, e citam normas sociais drasticamente diferentes que incentivaram uma próspera indústria clandestina, maior abertura e aceitação da tatuagem, e a crescente demanda internacional pela chamada “k-tattoo”.

Embora a tatuagem venha sendo cada vez mais aceita na maior parte do mundo - diversos países islâmicos estão entre as exceções -, a Coreia do Sul ainda é um dos poucos locais em que um tatuador é tratado como criminoso. Dezenas de milhares deles trabalham em segredo aqui, sob constante ameaça de ser descobertos pela polícia. Sobre o trabalho clandestino, Kim, de 41 anos, afirmou: “Já faz tanto tempo que é quase engraçado.”

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Segundo Sohyun Lim, de 38 anos, estudante de tatuagem em Seul, a exigência de licença médica não faz sentido: “Ninguém faz medicina para se tornar tatuador.”

Escondidos, mas à vista

Os tatuadores ressaltam que a indústria da tatuagem da Coreia explodiu na última década. Em Seul, eles se escondem à vista de todos. Costumam alugar um escritório no último andar de prédios por toda a cidade, especialmente em Hongdae, bairro de artistas. É fácil encontrá-los, sabendo onde procurar: no Instagram. “Há muitos tatuadores incríveis na Coreia, e as redes sociais permitem escolhê-los e acessá-los facilmente”, comentou Lim.

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As redes sociais também disseminaram tendências, como a k-tattoo, termo que descreve as tatuagens detalhadas inspiradas em ilustrações que se tornaram sinônimo dos artistas coreanos. De acordo com Kim, a k-tattoo criou uma nova onda de consumidores.

Celebridades sul-coreanas, incluindo Jungkook, da banda de K-pop BTS, o rapper Jay Park e a cantora HyunA, deram mais visibilidade à tatuagem, exibindo as suas sempre que possível e ajudando a cultivar uma cultura jovem mais apaixonada por ela.

A primeira tatuagem de Park, feita há uma década, foi uma homenagem a seu grupo de dança break. O rapper de 35 anos contou que, desde então, já perdeu a conta de quantas fez. “No início, foi um choque para muita gente. Mas, com o tempo e com o avanço da minha carreira, comecei a conquistar as pessoas apesar das minhas tatuagens, e elas começaram a achar legal.” Mas observou que algumas marcas viam suas tatuagens como um problema, e que ele teve de cobri-las ao aparecer na TV coreana, assim como outros artistas.

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No último mês de junho, uma pesquisa da Gallup com mais de mil sul-coreanos adultos descobriu que mais da metade deles era a favor da legalização. Os resultados refletem um claro conflito geracional: 81 por cento dos entrevistados na faixa dos 20 anos eram a favor, comparados a 60 por cento dos entrevistados na faixa dos 40 anos.

Tatuador Apro Lee em seu estúdio que fica em uma cidade a uma hora ao norte de Seul. Foto: Chang W. Lee/The New York Times

Um estigma centenário

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As mais antigas tatuagens de que se tem registro pertenceram a um homem europeu, agora apelidado de Ötzi, que viveu há 5.300 anos, segundo pesquisadores. Estes descobriram que culturas ancestrais utilizavam a tatuagem para diversos fins: decoração, proteção, punição.

Na Coreia do Sul, as tatuagens, também chamadas de munshin, há muito tempo têm associações negativas. Durante a dinastia Koryo, que reinou do ano de 918 até 1392, as pessoas eram tatuadas à força no rosto ou nos braços, para registrar os crimes que haviam cometido, ou para identificá-las como escravas. Essa punição, um grau abaixo da pena de morte, relegava as pessoas tatuadas a párias, que então viviam à margem da sociedade. O castigo foi banido em 1740.

No século 20, a tatuagem foi adotada por gangues inspiradas em costumes japoneses, reafirmando o desenho corporal como emblema da criminalidade.

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Vários tatuadores modernos da Coreia do Sul afirmaram ter deliberadamente se afastado de imagens ameaçadoras como dragões e iconografia japonesa, geralmente solicitadas por membros de gangues.

Sanlee, que se recusou a nos dar seu sobrenome, trabalha perto de Apgujeong Rodeo, em Seul, área conhecida por lojas da moda. Ela tem a pretensão de mostrar que a tatuagem não é relegada a apenas algumas pessoas, mas que está na moda.

Os pedidos dos clientes também mudaram, contou Kim: “Quando comecei a tatuar, as pessoas queriam uma imagem que representasse a coragem. Agora, querem uma tatuagem bonita.”

Uma longa campanha pela legalização

Kim é o fundador de um sindicato de tatuadores com 650 membros que defende os direitos desses artistas. Ele disse que a legalização criaria ambientes mais seguros e higiênicos, tanto para os profissionais quanto para seus clientes.

O tatuador geralmente se encontra com o cliente sozinho, e confia que esse estranho vai guardar seu segredo. Toda tatuadora é particularmente vulnerável à violência sexual. No passado, a polícia conduziu buscas para apreendeu tatuadores, informou Sanlee, acrescentando que estúdios concorrentes já denunciaram tatuadores à polícia: “Como o que fazemos é ilegal, ficamos em um ponto cego. Por conta disso, muitas pessoas se aproveitam de nossa situação.”

O número de tatuadores aumentou na última década, incentivando a concorrência por clientes. Apro Lee, de 40 anos, cujo estúdio fica em uma cidade uma hora ao norte de Seul, comentou que viajara o mundo durante a maior parte da carreira, porque seus trabalhos marcantes inspirados na arte folclórica coreana eram mais cobiçados no exterior: “O mundo está mudando. Assim, por que estamos ficando para trás? Vamos mudar também.”

Outros, como Lee Dong-kyu, de 37 anos, deixaram a Coreia para sempre. Ele assina “Q”, e agora vive em Los Angeles. “Não estamos errados - tatuar não é errado, mas é ilegal, e isso é péssimo. Amo meu trabalho, tenho orgulho de mim mesmo, mas não posso demonstrar. Aqui me sinto livre. É muito melhor para trabalhar, mas, por outro lado, não é meu país.”

Sanghyuk Ko, ou Mr. K, de 41 anos, um dos mais procurados tatuadores dos Estados Unidos, conhecido por suas tatuagens ultradetalhadas, foi direto ao afirmar que nunca teria chegado tão longe se não tivesse deixado Seul: “Na América é diferente - os artistas são respeitados.”

Ryu Ho-jeong, membro da Assembleia Nacional da Coreia do Sul que ajudou a propor uma lei para legalizar a tatuagem no último verão, declarou que a decisão apertada do Tribunal Constitucional de manter a proibição sinaliza uma mudança para “uma indústria que o mundo ama”. A tatuagem é uma bênção para a economia sul-coreana, afirmou Ryu por e-mail. Ela informou que continuará a apoiar a legalização até que a opinião pública se mostre mais favorável.

Os clientes também estão à espera. Segundo Kim Ae-min, professor de 38 anos da cidade de Dongducheon, suas tatuagens homenageiam seus valores. Um braço está coberto com várias obras-primas de Shakespeare, e ele está fazendo uma Vênus nas costas, inspirada na esposa. Raramente expõe suas tatuagens, ciente de que outras pessoas podem não as encarar como arte. “Mal posso esperar pelo momento em que as pessoas se sintam seguras para mostrar suas tatuagens e expressar seus sentimentos por meio delas. Tenho esperança.”

The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - SEUL, COREIA DO SUL - Em um tranquilo estúdio com grandes janelas e repleto de plantas, Kim Do-yoon tatua clientes do mundo inteiro que o visitam na Coreia do Sul em busca de seus traços finos. Um polvo diáfano com tentáculos espalhados, uma delicada flor silvestre recobrindo um antebraço, o retrato de um pet querido que é eternizado.

Os tatuadores sul-coreanos, há muito tratados como criminosos por seu trabalho, dizem que é hora de acabar com o estigma contra seus negócios. Foto: Chang W. Lee/The New York Times

Kim, conhecido como Doy, é um dos favoritos das celebridades, que incluem o ator Brad Pitt e a atriz Han Ye-seul, mas trabalha com discrição. Não há nenhuma placa na frente do estúdio, escondido em um edifício genérico no centro-norte de Seul, perto de um palácio do século XIV. Ele verifica cuidadosamente os clientes, baixa as persianas durante os atendimentos e muda a localização do estúdio a cada dois anos.

Na Coreia do Sul, sua arte é crime. Conforme legislação vigente desde 1992, tatuar sem licença médica pode levar a multas de até US$ 40 mil ou até à prisão. As pessoas que são contra a tatuagem decorativa mencionam preocupações com a tradicional associação desta com o crime organizado, bem como temores em relação à falta de higiene e a possíveis danos causados pelos tatuadores, que, segundo elas, não possuem as habilidades adequadas.

As tentativas de derrubar essa proibição vêm falhando sucessivamente. Em março, o Tribunal Constitucional de Seul ratificou a ilegalidade da indústria da tatuagem, por cinco votos a quatro. Tatuadores sul-coreanos e seus clientes acreditam que a decisão não condiz com a realidade, e citam normas sociais drasticamente diferentes que incentivaram uma próspera indústria clandestina, maior abertura e aceitação da tatuagem, e a crescente demanda internacional pela chamada “k-tattoo”.

Embora a tatuagem venha sendo cada vez mais aceita na maior parte do mundo - diversos países islâmicos estão entre as exceções -, a Coreia do Sul ainda é um dos poucos locais em que um tatuador é tratado como criminoso. Dezenas de milhares deles trabalham em segredo aqui, sob constante ameaça de ser descobertos pela polícia. Sobre o trabalho clandestino, Kim, de 41 anos, afirmou: “Já faz tanto tempo que é quase engraçado.”

Segundo Sohyun Lim, de 38 anos, estudante de tatuagem em Seul, a exigência de licença médica não faz sentido: “Ninguém faz medicina para se tornar tatuador.”

Escondidos, mas à vista

Os tatuadores ressaltam que a indústria da tatuagem da Coreia explodiu na última década. Em Seul, eles se escondem à vista de todos. Costumam alugar um escritório no último andar de prédios por toda a cidade, especialmente em Hongdae, bairro de artistas. É fácil encontrá-los, sabendo onde procurar: no Instagram. “Há muitos tatuadores incríveis na Coreia, e as redes sociais permitem escolhê-los e acessá-los facilmente”, comentou Lim.

As redes sociais também disseminaram tendências, como a k-tattoo, termo que descreve as tatuagens detalhadas inspiradas em ilustrações que se tornaram sinônimo dos artistas coreanos. De acordo com Kim, a k-tattoo criou uma nova onda de consumidores.

Celebridades sul-coreanas, incluindo Jungkook, da banda de K-pop BTS, o rapper Jay Park e a cantora HyunA, deram mais visibilidade à tatuagem, exibindo as suas sempre que possível e ajudando a cultivar uma cultura jovem mais apaixonada por ela.

A primeira tatuagem de Park, feita há uma década, foi uma homenagem a seu grupo de dança break. O rapper de 35 anos contou que, desde então, já perdeu a conta de quantas fez. “No início, foi um choque para muita gente. Mas, com o tempo e com o avanço da minha carreira, comecei a conquistar as pessoas apesar das minhas tatuagens, e elas começaram a achar legal.” Mas observou que algumas marcas viam suas tatuagens como um problema, e que ele teve de cobri-las ao aparecer na TV coreana, assim como outros artistas.

No último mês de junho, uma pesquisa da Gallup com mais de mil sul-coreanos adultos descobriu que mais da metade deles era a favor da legalização. Os resultados refletem um claro conflito geracional: 81 por cento dos entrevistados na faixa dos 20 anos eram a favor, comparados a 60 por cento dos entrevistados na faixa dos 40 anos.

Tatuador Apro Lee em seu estúdio que fica em uma cidade a uma hora ao norte de Seul. Foto: Chang W. Lee/The New York Times

Um estigma centenário

As mais antigas tatuagens de que se tem registro pertenceram a um homem europeu, agora apelidado de Ötzi, que viveu há 5.300 anos, segundo pesquisadores. Estes descobriram que culturas ancestrais utilizavam a tatuagem para diversos fins: decoração, proteção, punição.

Na Coreia do Sul, as tatuagens, também chamadas de munshin, há muito tempo têm associações negativas. Durante a dinastia Koryo, que reinou do ano de 918 até 1392, as pessoas eram tatuadas à força no rosto ou nos braços, para registrar os crimes que haviam cometido, ou para identificá-las como escravas. Essa punição, um grau abaixo da pena de morte, relegava as pessoas tatuadas a párias, que então viviam à margem da sociedade. O castigo foi banido em 1740.

No século 20, a tatuagem foi adotada por gangues inspiradas em costumes japoneses, reafirmando o desenho corporal como emblema da criminalidade.

Vários tatuadores modernos da Coreia do Sul afirmaram ter deliberadamente se afastado de imagens ameaçadoras como dragões e iconografia japonesa, geralmente solicitadas por membros de gangues.

Sanlee, que se recusou a nos dar seu sobrenome, trabalha perto de Apgujeong Rodeo, em Seul, área conhecida por lojas da moda. Ela tem a pretensão de mostrar que a tatuagem não é relegada a apenas algumas pessoas, mas que está na moda.

Os pedidos dos clientes também mudaram, contou Kim: “Quando comecei a tatuar, as pessoas queriam uma imagem que representasse a coragem. Agora, querem uma tatuagem bonita.”

Uma longa campanha pela legalização

Kim é o fundador de um sindicato de tatuadores com 650 membros que defende os direitos desses artistas. Ele disse que a legalização criaria ambientes mais seguros e higiênicos, tanto para os profissionais quanto para seus clientes.

O tatuador geralmente se encontra com o cliente sozinho, e confia que esse estranho vai guardar seu segredo. Toda tatuadora é particularmente vulnerável à violência sexual. No passado, a polícia conduziu buscas para apreendeu tatuadores, informou Sanlee, acrescentando que estúdios concorrentes já denunciaram tatuadores à polícia: “Como o que fazemos é ilegal, ficamos em um ponto cego. Por conta disso, muitas pessoas se aproveitam de nossa situação.”

O número de tatuadores aumentou na última década, incentivando a concorrência por clientes. Apro Lee, de 40 anos, cujo estúdio fica em uma cidade uma hora ao norte de Seul, comentou que viajara o mundo durante a maior parte da carreira, porque seus trabalhos marcantes inspirados na arte folclórica coreana eram mais cobiçados no exterior: “O mundo está mudando. Assim, por que estamos ficando para trás? Vamos mudar também.”

Outros, como Lee Dong-kyu, de 37 anos, deixaram a Coreia para sempre. Ele assina “Q”, e agora vive em Los Angeles. “Não estamos errados - tatuar não é errado, mas é ilegal, e isso é péssimo. Amo meu trabalho, tenho orgulho de mim mesmo, mas não posso demonstrar. Aqui me sinto livre. É muito melhor para trabalhar, mas, por outro lado, não é meu país.”

Sanghyuk Ko, ou Mr. K, de 41 anos, um dos mais procurados tatuadores dos Estados Unidos, conhecido por suas tatuagens ultradetalhadas, foi direto ao afirmar que nunca teria chegado tão longe se não tivesse deixado Seul: “Na América é diferente - os artistas são respeitados.”

Ryu Ho-jeong, membro da Assembleia Nacional da Coreia do Sul que ajudou a propor uma lei para legalizar a tatuagem no último verão, declarou que a decisão apertada do Tribunal Constitucional de manter a proibição sinaliza uma mudança para “uma indústria que o mundo ama”. A tatuagem é uma bênção para a economia sul-coreana, afirmou Ryu por e-mail. Ela informou que continuará a apoiar a legalização até que a opinião pública se mostre mais favorável.

Os clientes também estão à espera. Segundo Kim Ae-min, professor de 38 anos da cidade de Dongducheon, suas tatuagens homenageiam seus valores. Um braço está coberto com várias obras-primas de Shakespeare, e ele está fazendo uma Vênus nas costas, inspirada na esposa. Raramente expõe suas tatuagens, ciente de que outras pessoas podem não as encarar como arte. “Mal posso esperar pelo momento em que as pessoas se sintam seguras para mostrar suas tatuagens e expressar seus sentimentos por meio delas. Tenho esperança.”

The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - SEUL, COREIA DO SUL - Em um tranquilo estúdio com grandes janelas e repleto de plantas, Kim Do-yoon tatua clientes do mundo inteiro que o visitam na Coreia do Sul em busca de seus traços finos. Um polvo diáfano com tentáculos espalhados, uma delicada flor silvestre recobrindo um antebraço, o retrato de um pet querido que é eternizado.

Os tatuadores sul-coreanos, há muito tratados como criminosos por seu trabalho, dizem que é hora de acabar com o estigma contra seus negócios. Foto: Chang W. Lee/The New York Times

Kim, conhecido como Doy, é um dos favoritos das celebridades, que incluem o ator Brad Pitt e a atriz Han Ye-seul, mas trabalha com discrição. Não há nenhuma placa na frente do estúdio, escondido em um edifício genérico no centro-norte de Seul, perto de um palácio do século XIV. Ele verifica cuidadosamente os clientes, baixa as persianas durante os atendimentos e muda a localização do estúdio a cada dois anos.

Na Coreia do Sul, sua arte é crime. Conforme legislação vigente desde 1992, tatuar sem licença médica pode levar a multas de até US$ 40 mil ou até à prisão. As pessoas que são contra a tatuagem decorativa mencionam preocupações com a tradicional associação desta com o crime organizado, bem como temores em relação à falta de higiene e a possíveis danos causados pelos tatuadores, que, segundo elas, não possuem as habilidades adequadas.

As tentativas de derrubar essa proibição vêm falhando sucessivamente. Em março, o Tribunal Constitucional de Seul ratificou a ilegalidade da indústria da tatuagem, por cinco votos a quatro. Tatuadores sul-coreanos e seus clientes acreditam que a decisão não condiz com a realidade, e citam normas sociais drasticamente diferentes que incentivaram uma próspera indústria clandestina, maior abertura e aceitação da tatuagem, e a crescente demanda internacional pela chamada “k-tattoo”.

Embora a tatuagem venha sendo cada vez mais aceita na maior parte do mundo - diversos países islâmicos estão entre as exceções -, a Coreia do Sul ainda é um dos poucos locais em que um tatuador é tratado como criminoso. Dezenas de milhares deles trabalham em segredo aqui, sob constante ameaça de ser descobertos pela polícia. Sobre o trabalho clandestino, Kim, de 41 anos, afirmou: “Já faz tanto tempo que é quase engraçado.”

Segundo Sohyun Lim, de 38 anos, estudante de tatuagem em Seul, a exigência de licença médica não faz sentido: “Ninguém faz medicina para se tornar tatuador.”

Escondidos, mas à vista

Os tatuadores ressaltam que a indústria da tatuagem da Coreia explodiu na última década. Em Seul, eles se escondem à vista de todos. Costumam alugar um escritório no último andar de prédios por toda a cidade, especialmente em Hongdae, bairro de artistas. É fácil encontrá-los, sabendo onde procurar: no Instagram. “Há muitos tatuadores incríveis na Coreia, e as redes sociais permitem escolhê-los e acessá-los facilmente”, comentou Lim.

As redes sociais também disseminaram tendências, como a k-tattoo, termo que descreve as tatuagens detalhadas inspiradas em ilustrações que se tornaram sinônimo dos artistas coreanos. De acordo com Kim, a k-tattoo criou uma nova onda de consumidores.

Celebridades sul-coreanas, incluindo Jungkook, da banda de K-pop BTS, o rapper Jay Park e a cantora HyunA, deram mais visibilidade à tatuagem, exibindo as suas sempre que possível e ajudando a cultivar uma cultura jovem mais apaixonada por ela.

A primeira tatuagem de Park, feita há uma década, foi uma homenagem a seu grupo de dança break. O rapper de 35 anos contou que, desde então, já perdeu a conta de quantas fez. “No início, foi um choque para muita gente. Mas, com o tempo e com o avanço da minha carreira, comecei a conquistar as pessoas apesar das minhas tatuagens, e elas começaram a achar legal.” Mas observou que algumas marcas viam suas tatuagens como um problema, e que ele teve de cobri-las ao aparecer na TV coreana, assim como outros artistas.

No último mês de junho, uma pesquisa da Gallup com mais de mil sul-coreanos adultos descobriu que mais da metade deles era a favor da legalização. Os resultados refletem um claro conflito geracional: 81 por cento dos entrevistados na faixa dos 20 anos eram a favor, comparados a 60 por cento dos entrevistados na faixa dos 40 anos.

Tatuador Apro Lee em seu estúdio que fica em uma cidade a uma hora ao norte de Seul. Foto: Chang W. Lee/The New York Times

Um estigma centenário

As mais antigas tatuagens de que se tem registro pertenceram a um homem europeu, agora apelidado de Ötzi, que viveu há 5.300 anos, segundo pesquisadores. Estes descobriram que culturas ancestrais utilizavam a tatuagem para diversos fins: decoração, proteção, punição.

Na Coreia do Sul, as tatuagens, também chamadas de munshin, há muito tempo têm associações negativas. Durante a dinastia Koryo, que reinou do ano de 918 até 1392, as pessoas eram tatuadas à força no rosto ou nos braços, para registrar os crimes que haviam cometido, ou para identificá-las como escravas. Essa punição, um grau abaixo da pena de morte, relegava as pessoas tatuadas a párias, que então viviam à margem da sociedade. O castigo foi banido em 1740.

No século 20, a tatuagem foi adotada por gangues inspiradas em costumes japoneses, reafirmando o desenho corporal como emblema da criminalidade.

Vários tatuadores modernos da Coreia do Sul afirmaram ter deliberadamente se afastado de imagens ameaçadoras como dragões e iconografia japonesa, geralmente solicitadas por membros de gangues.

Sanlee, que se recusou a nos dar seu sobrenome, trabalha perto de Apgujeong Rodeo, em Seul, área conhecida por lojas da moda. Ela tem a pretensão de mostrar que a tatuagem não é relegada a apenas algumas pessoas, mas que está na moda.

Os pedidos dos clientes também mudaram, contou Kim: “Quando comecei a tatuar, as pessoas queriam uma imagem que representasse a coragem. Agora, querem uma tatuagem bonita.”

Uma longa campanha pela legalização

Kim é o fundador de um sindicato de tatuadores com 650 membros que defende os direitos desses artistas. Ele disse que a legalização criaria ambientes mais seguros e higiênicos, tanto para os profissionais quanto para seus clientes.

O tatuador geralmente se encontra com o cliente sozinho, e confia que esse estranho vai guardar seu segredo. Toda tatuadora é particularmente vulnerável à violência sexual. No passado, a polícia conduziu buscas para apreendeu tatuadores, informou Sanlee, acrescentando que estúdios concorrentes já denunciaram tatuadores à polícia: “Como o que fazemos é ilegal, ficamos em um ponto cego. Por conta disso, muitas pessoas se aproveitam de nossa situação.”

O número de tatuadores aumentou na última década, incentivando a concorrência por clientes. Apro Lee, de 40 anos, cujo estúdio fica em uma cidade uma hora ao norte de Seul, comentou que viajara o mundo durante a maior parte da carreira, porque seus trabalhos marcantes inspirados na arte folclórica coreana eram mais cobiçados no exterior: “O mundo está mudando. Assim, por que estamos ficando para trás? Vamos mudar também.”

Outros, como Lee Dong-kyu, de 37 anos, deixaram a Coreia para sempre. Ele assina “Q”, e agora vive em Los Angeles. “Não estamos errados - tatuar não é errado, mas é ilegal, e isso é péssimo. Amo meu trabalho, tenho orgulho de mim mesmo, mas não posso demonstrar. Aqui me sinto livre. É muito melhor para trabalhar, mas, por outro lado, não é meu país.”

Sanghyuk Ko, ou Mr. K, de 41 anos, um dos mais procurados tatuadores dos Estados Unidos, conhecido por suas tatuagens ultradetalhadas, foi direto ao afirmar que nunca teria chegado tão longe se não tivesse deixado Seul: “Na América é diferente - os artistas são respeitados.”

Ryu Ho-jeong, membro da Assembleia Nacional da Coreia do Sul que ajudou a propor uma lei para legalizar a tatuagem no último verão, declarou que a decisão apertada do Tribunal Constitucional de manter a proibição sinaliza uma mudança para “uma indústria que o mundo ama”. A tatuagem é uma bênção para a economia sul-coreana, afirmou Ryu por e-mail. Ela informou que continuará a apoiar a legalização até que a opinião pública se mostre mais favorável.

Os clientes também estão à espera. Segundo Kim Ae-min, professor de 38 anos da cidade de Dongducheon, suas tatuagens homenageiam seus valores. Um braço está coberto com várias obras-primas de Shakespeare, e ele está fazendo uma Vênus nas costas, inspirada na esposa. Raramente expõe suas tatuagens, ciente de que outras pessoas podem não as encarar como arte. “Mal posso esperar pelo momento em que as pessoas se sintam seguras para mostrar suas tatuagens e expressar seus sentimentos por meio delas. Tenho esperança.”

The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - SEUL, COREIA DO SUL - Em um tranquilo estúdio com grandes janelas e repleto de plantas, Kim Do-yoon tatua clientes do mundo inteiro que o visitam na Coreia do Sul em busca de seus traços finos. Um polvo diáfano com tentáculos espalhados, uma delicada flor silvestre recobrindo um antebraço, o retrato de um pet querido que é eternizado.

Os tatuadores sul-coreanos, há muito tratados como criminosos por seu trabalho, dizem que é hora de acabar com o estigma contra seus negócios. Foto: Chang W. Lee/The New York Times

Kim, conhecido como Doy, é um dos favoritos das celebridades, que incluem o ator Brad Pitt e a atriz Han Ye-seul, mas trabalha com discrição. Não há nenhuma placa na frente do estúdio, escondido em um edifício genérico no centro-norte de Seul, perto de um palácio do século XIV. Ele verifica cuidadosamente os clientes, baixa as persianas durante os atendimentos e muda a localização do estúdio a cada dois anos.

Na Coreia do Sul, sua arte é crime. Conforme legislação vigente desde 1992, tatuar sem licença médica pode levar a multas de até US$ 40 mil ou até à prisão. As pessoas que são contra a tatuagem decorativa mencionam preocupações com a tradicional associação desta com o crime organizado, bem como temores em relação à falta de higiene e a possíveis danos causados pelos tatuadores, que, segundo elas, não possuem as habilidades adequadas.

As tentativas de derrubar essa proibição vêm falhando sucessivamente. Em março, o Tribunal Constitucional de Seul ratificou a ilegalidade da indústria da tatuagem, por cinco votos a quatro. Tatuadores sul-coreanos e seus clientes acreditam que a decisão não condiz com a realidade, e citam normas sociais drasticamente diferentes que incentivaram uma próspera indústria clandestina, maior abertura e aceitação da tatuagem, e a crescente demanda internacional pela chamada “k-tattoo”.

Embora a tatuagem venha sendo cada vez mais aceita na maior parte do mundo - diversos países islâmicos estão entre as exceções -, a Coreia do Sul ainda é um dos poucos locais em que um tatuador é tratado como criminoso. Dezenas de milhares deles trabalham em segredo aqui, sob constante ameaça de ser descobertos pela polícia. Sobre o trabalho clandestino, Kim, de 41 anos, afirmou: “Já faz tanto tempo que é quase engraçado.”

Segundo Sohyun Lim, de 38 anos, estudante de tatuagem em Seul, a exigência de licença médica não faz sentido: “Ninguém faz medicina para se tornar tatuador.”

Escondidos, mas à vista

Os tatuadores ressaltam que a indústria da tatuagem da Coreia explodiu na última década. Em Seul, eles se escondem à vista de todos. Costumam alugar um escritório no último andar de prédios por toda a cidade, especialmente em Hongdae, bairro de artistas. É fácil encontrá-los, sabendo onde procurar: no Instagram. “Há muitos tatuadores incríveis na Coreia, e as redes sociais permitem escolhê-los e acessá-los facilmente”, comentou Lim.

As redes sociais também disseminaram tendências, como a k-tattoo, termo que descreve as tatuagens detalhadas inspiradas em ilustrações que se tornaram sinônimo dos artistas coreanos. De acordo com Kim, a k-tattoo criou uma nova onda de consumidores.

Celebridades sul-coreanas, incluindo Jungkook, da banda de K-pop BTS, o rapper Jay Park e a cantora HyunA, deram mais visibilidade à tatuagem, exibindo as suas sempre que possível e ajudando a cultivar uma cultura jovem mais apaixonada por ela.

A primeira tatuagem de Park, feita há uma década, foi uma homenagem a seu grupo de dança break. O rapper de 35 anos contou que, desde então, já perdeu a conta de quantas fez. “No início, foi um choque para muita gente. Mas, com o tempo e com o avanço da minha carreira, comecei a conquistar as pessoas apesar das minhas tatuagens, e elas começaram a achar legal.” Mas observou que algumas marcas viam suas tatuagens como um problema, e que ele teve de cobri-las ao aparecer na TV coreana, assim como outros artistas.

No último mês de junho, uma pesquisa da Gallup com mais de mil sul-coreanos adultos descobriu que mais da metade deles era a favor da legalização. Os resultados refletem um claro conflito geracional: 81 por cento dos entrevistados na faixa dos 20 anos eram a favor, comparados a 60 por cento dos entrevistados na faixa dos 40 anos.

Tatuador Apro Lee em seu estúdio que fica em uma cidade a uma hora ao norte de Seul. Foto: Chang W. Lee/The New York Times

Um estigma centenário

As mais antigas tatuagens de que se tem registro pertenceram a um homem europeu, agora apelidado de Ötzi, que viveu há 5.300 anos, segundo pesquisadores. Estes descobriram que culturas ancestrais utilizavam a tatuagem para diversos fins: decoração, proteção, punição.

Na Coreia do Sul, as tatuagens, também chamadas de munshin, há muito tempo têm associações negativas. Durante a dinastia Koryo, que reinou do ano de 918 até 1392, as pessoas eram tatuadas à força no rosto ou nos braços, para registrar os crimes que haviam cometido, ou para identificá-las como escravas. Essa punição, um grau abaixo da pena de morte, relegava as pessoas tatuadas a párias, que então viviam à margem da sociedade. O castigo foi banido em 1740.

No século 20, a tatuagem foi adotada por gangues inspiradas em costumes japoneses, reafirmando o desenho corporal como emblema da criminalidade.

Vários tatuadores modernos da Coreia do Sul afirmaram ter deliberadamente se afastado de imagens ameaçadoras como dragões e iconografia japonesa, geralmente solicitadas por membros de gangues.

Sanlee, que se recusou a nos dar seu sobrenome, trabalha perto de Apgujeong Rodeo, em Seul, área conhecida por lojas da moda. Ela tem a pretensão de mostrar que a tatuagem não é relegada a apenas algumas pessoas, mas que está na moda.

Os pedidos dos clientes também mudaram, contou Kim: “Quando comecei a tatuar, as pessoas queriam uma imagem que representasse a coragem. Agora, querem uma tatuagem bonita.”

Uma longa campanha pela legalização

Kim é o fundador de um sindicato de tatuadores com 650 membros que defende os direitos desses artistas. Ele disse que a legalização criaria ambientes mais seguros e higiênicos, tanto para os profissionais quanto para seus clientes.

O tatuador geralmente se encontra com o cliente sozinho, e confia que esse estranho vai guardar seu segredo. Toda tatuadora é particularmente vulnerável à violência sexual. No passado, a polícia conduziu buscas para apreendeu tatuadores, informou Sanlee, acrescentando que estúdios concorrentes já denunciaram tatuadores à polícia: “Como o que fazemos é ilegal, ficamos em um ponto cego. Por conta disso, muitas pessoas se aproveitam de nossa situação.”

O número de tatuadores aumentou na última década, incentivando a concorrência por clientes. Apro Lee, de 40 anos, cujo estúdio fica em uma cidade uma hora ao norte de Seul, comentou que viajara o mundo durante a maior parte da carreira, porque seus trabalhos marcantes inspirados na arte folclórica coreana eram mais cobiçados no exterior: “O mundo está mudando. Assim, por que estamos ficando para trás? Vamos mudar também.”

Outros, como Lee Dong-kyu, de 37 anos, deixaram a Coreia para sempre. Ele assina “Q”, e agora vive em Los Angeles. “Não estamos errados - tatuar não é errado, mas é ilegal, e isso é péssimo. Amo meu trabalho, tenho orgulho de mim mesmo, mas não posso demonstrar. Aqui me sinto livre. É muito melhor para trabalhar, mas, por outro lado, não é meu país.”

Sanghyuk Ko, ou Mr. K, de 41 anos, um dos mais procurados tatuadores dos Estados Unidos, conhecido por suas tatuagens ultradetalhadas, foi direto ao afirmar que nunca teria chegado tão longe se não tivesse deixado Seul: “Na América é diferente - os artistas são respeitados.”

Ryu Ho-jeong, membro da Assembleia Nacional da Coreia do Sul que ajudou a propor uma lei para legalizar a tatuagem no último verão, declarou que a decisão apertada do Tribunal Constitucional de manter a proibição sinaliza uma mudança para “uma indústria que o mundo ama”. A tatuagem é uma bênção para a economia sul-coreana, afirmou Ryu por e-mail. Ela informou que continuará a apoiar a legalização até que a opinião pública se mostre mais favorável.

Os clientes também estão à espera. Segundo Kim Ae-min, professor de 38 anos da cidade de Dongducheon, suas tatuagens homenageiam seus valores. Um braço está coberto com várias obras-primas de Shakespeare, e ele está fazendo uma Vênus nas costas, inspirada na esposa. Raramente expõe suas tatuagens, ciente de que outras pessoas podem não as encarar como arte. “Mal posso esperar pelo momento em que as pessoas se sintam seguras para mostrar suas tatuagens e expressar seus sentimentos por meio delas. Tenho esperança.”

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