Teatro on-line não é teatro: é uma maneira de lamentar sua ausência


Para quem depende do teatro para se sustentar, 'pesar' é o termo para descrever o que sentimos neste tempo de limbo

Por Laura Collins-Hughes

Já vi isso várias vezes em outras produções: Nick Bottom, o tecelão transformado em um burro no clássico Sonho de uma Noite de Verão, de Shakespeare, acordando na manhã seguinte à festa. Com o encanto quebrado, ele volta à forma humana, com lembranças estranhas que não consegue articular.

É um interlúdio cômico bobo, e se eu não tivesse assistido à produção de Nicholas Hytner no ano passado, no Bridge Theatre, em Londres, não teria sido a mesma coisa para mim dessa vez. Na gravação do National Theatre at Home (Teatro Nacional em Casa), transmitida em meu laptop, Bottom se coloca na beira de uma cama cheia de confetes, aperta um travesseiro no colo e declama seus pensamentos desordenados: "Os olhos do homem não ouviram. Os ouvidos do homem não viram, a mão do homem não é capaz de provar, a língua para conceber, nem o coração para relatar o que era esse sonho."

A indústria do teatro mascara uma verdade mais difícil que não há substituto para a interação ao vivo entre artista e público. Foto: Patrik Svensson The New York Times
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E assim, sem mais nem menos, eu estava chorando ao assistir a um diálogo ridículo que nunca havia me comovido antes. As visões indescritíveis de Bottom foram uma metáfora dolorosa e súbita para os sonhos coletivos que sonhamos – artistas, público e tudo o mais – quando o teatro ao vivo, em todo o seu esplendor, coloca-nos sob seu feitiço.

Corporalmente imersos em uma experiência, compartilhando um único espaço, emergimos no fim daquelas performances com memórias sensoriais impressas em nós. E, depois, não possuímos mais poder do que Bottom tem para traduzir sua totalidade. Muitas pessoas, famintas por teatro, estão devorando-o digitalmente. Mas, para sentir toda a sua força, você precisa estar lá – para absorvê-lo fisicamente.

"Tive uma visão muito rara", diz Bottom, e também poderia ser eu, tentando explicar por que estou tão inconsolável nesses meses de palcos na escuridão. Uma dor temporária Os teatros fechados não são o pior aspecto de uma pandemia que já matou centenas de milhares de pessoas. Nos dias anteriores a seu fechamento, parecia que não era mais seguro se reunir neles, e, enquanto os teatros britânicos continuaram abertos por mais algum tempo, olhávamos o outro lado do oceano com um alarme crescente. Por isso, não se trata de falta de noção das coisas ou do perigo.

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E o teatro ao vivo, embora predominantemente MIA (jargão militar que significa "desaparecido em missão"), não ficará assim para sempre. Mas sua ausência é profunda e será prolongada – para a Broadway, pelo menos durante todo o resto do ano. Portanto, não é exagerado falar em pesar, uma palavra carregada que associamos mais à morte, mas é simplesmente o pesar que resulta de grandes perdas. Para alguns de nós que dependem do teatro para se sustentar – criativos, espirituais, econômicos ou todos os itens citados –, esse é o termo para descrever o que sentimos neste tempo de limbo.

A incerteza torna tudo assustador, e não se sabe que danos serão irreparáveis quando o mercado ressurgir. Que empresas, artistas e carreiras conseguirão superar esse momento? Essa é a ansiedade que incomoda e penetra, misturada com tristeza e futilidade. O que as pessoas do teatro fazem é montar um espetáculo; o que a plateia faz é se reunir. É um ritual, um reflexo. Também é, em qualquer sentido convencional, algo amplamente inoperante no momento.

Assim, recorremos à opção mais próxima que temos, sendo que até isso pode ter consequências. Apenas o fato de encomendar um ingresso virtual para a apresentação de Lungs (Pulmões), no Old Vic – um experimento montado com atores renomados, com distanciamento social, que nasceu do risco financeiro que ameaça a empresa –, fez minha garganta ficar apertada ao pensar na casa vazia, o eco do silêncio do ar.

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Isso também me fez pensar em um pequeno restaurante do qual gosto muito e que fica na mesma região. Inúmeros lugares queridos como esse fazem parte do ecossistema de cada cidade. Se eles sobreviverem, e dependendo das condições, poderão curar nossa dor ou aumentá-la. Mantendo a vela acesa. Por enquanto, mantemos uma vigília, aguardando o despertar. Não é uma vigília silenciosa, lembre-se, ou mesmo adormecida.

Todo o frenesi de atividades on-line – leituras virtuais e talk shows, vídeos antigos e novas peças de teatro sobre a atualidade – fazem parte do processo de manter a chama acesa. Econômica e artisticamente, a indústria e seus trabalhadores ociosos estão em modo de sobrevivência, improvisando uma resposta a um desastre inacabado. Muitas ofertas digitais são inerentemente exploratórias, avaliando o potencial de um meio ainda desconhecido.

Mas o grosso do público do teatro exibe um sorriso que passa a ideia de que o show não pode parar, por isso há uma desconexão estranha e autodestrutiva, como se apoiá-lo fosse fingir que esses trabalhos são tão emocionantes quanto os ao vivo. Você não precisa ser um radical ou nostálgico para acreditar que isso não é verdadeiro, ou que o teatro diante das câmeras se transforma em outra coisa.

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Mesmo o filme Hamilton, um testemunho emocionante e democratizante do poder da performance no palco, não consegue capturar a alma do teatro, porque esta vive no próprio espaço de representação. A presença física faz parte da essência do teatro, assim como a ocupação de um espaço comum. Uma das coisas mais alienantes sobre essa vigília é a necessidade de mantê-la em separado. Sozinha no meu apartamento, assistindo on-line a um imersivo Sonho de uma Noite de Verão de Hytner, eu não queria nada além de me catapultar de volta no tempo para o público do Bridge Theatre.

Como sempre acontece quando assisto a teatro on-line, eu me senti muito distante da experiência – o que não significa que não tenha me acrescentado algo. Nos últimos momentos da performance, o elfo Puck fica pendurado de cabeça para baixo em um tecido acrobático, suspenso acima do palco.

"Dê-me suas mãos, se formos amigos", diz ele – um pedido de aplausos de Shakespeare que se transforma em outra coisa enquanto Puck estica os braços para dar as mãos a um espectador abaixo de onde está. Presencialmente, tenho certeza de que foi encantador. Mas, no vidro da tela do meu computador, neste verão boreal enclausurado, tornou-se um quadro de pungência oculta, incorporando a conexão carregada que o teatro ao vivo pode ter quando se está na sala de espetáculo. Essa comunhão é o que buscamos; a vigília é para essa comunhão. Não há chance de deixarmos essa chama se apagar.

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The New York Times Licensing Group – Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times.

Já vi isso várias vezes em outras produções: Nick Bottom, o tecelão transformado em um burro no clássico Sonho de uma Noite de Verão, de Shakespeare, acordando na manhã seguinte à festa. Com o encanto quebrado, ele volta à forma humana, com lembranças estranhas que não consegue articular.

É um interlúdio cômico bobo, e se eu não tivesse assistido à produção de Nicholas Hytner no ano passado, no Bridge Theatre, em Londres, não teria sido a mesma coisa para mim dessa vez. Na gravação do National Theatre at Home (Teatro Nacional em Casa), transmitida em meu laptop, Bottom se coloca na beira de uma cama cheia de confetes, aperta um travesseiro no colo e declama seus pensamentos desordenados: "Os olhos do homem não ouviram. Os ouvidos do homem não viram, a mão do homem não é capaz de provar, a língua para conceber, nem o coração para relatar o que era esse sonho."

A indústria do teatro mascara uma verdade mais difícil que não há substituto para a interação ao vivo entre artista e público. Foto: Patrik Svensson The New York Times

E assim, sem mais nem menos, eu estava chorando ao assistir a um diálogo ridículo que nunca havia me comovido antes. As visões indescritíveis de Bottom foram uma metáfora dolorosa e súbita para os sonhos coletivos que sonhamos – artistas, público e tudo o mais – quando o teatro ao vivo, em todo o seu esplendor, coloca-nos sob seu feitiço.

Corporalmente imersos em uma experiência, compartilhando um único espaço, emergimos no fim daquelas performances com memórias sensoriais impressas em nós. E, depois, não possuímos mais poder do que Bottom tem para traduzir sua totalidade. Muitas pessoas, famintas por teatro, estão devorando-o digitalmente. Mas, para sentir toda a sua força, você precisa estar lá – para absorvê-lo fisicamente.

"Tive uma visão muito rara", diz Bottom, e também poderia ser eu, tentando explicar por que estou tão inconsolável nesses meses de palcos na escuridão. Uma dor temporária Os teatros fechados não são o pior aspecto de uma pandemia que já matou centenas de milhares de pessoas. Nos dias anteriores a seu fechamento, parecia que não era mais seguro se reunir neles, e, enquanto os teatros britânicos continuaram abertos por mais algum tempo, olhávamos o outro lado do oceano com um alarme crescente. Por isso, não se trata de falta de noção das coisas ou do perigo.

E o teatro ao vivo, embora predominantemente MIA (jargão militar que significa "desaparecido em missão"), não ficará assim para sempre. Mas sua ausência é profunda e será prolongada – para a Broadway, pelo menos durante todo o resto do ano. Portanto, não é exagerado falar em pesar, uma palavra carregada que associamos mais à morte, mas é simplesmente o pesar que resulta de grandes perdas. Para alguns de nós que dependem do teatro para se sustentar – criativos, espirituais, econômicos ou todos os itens citados –, esse é o termo para descrever o que sentimos neste tempo de limbo.

A incerteza torna tudo assustador, e não se sabe que danos serão irreparáveis quando o mercado ressurgir. Que empresas, artistas e carreiras conseguirão superar esse momento? Essa é a ansiedade que incomoda e penetra, misturada com tristeza e futilidade. O que as pessoas do teatro fazem é montar um espetáculo; o que a plateia faz é se reunir. É um ritual, um reflexo. Também é, em qualquer sentido convencional, algo amplamente inoperante no momento.

Assim, recorremos à opção mais próxima que temos, sendo que até isso pode ter consequências. Apenas o fato de encomendar um ingresso virtual para a apresentação de Lungs (Pulmões), no Old Vic – um experimento montado com atores renomados, com distanciamento social, que nasceu do risco financeiro que ameaça a empresa –, fez minha garganta ficar apertada ao pensar na casa vazia, o eco do silêncio do ar.

Isso também me fez pensar em um pequeno restaurante do qual gosto muito e que fica na mesma região. Inúmeros lugares queridos como esse fazem parte do ecossistema de cada cidade. Se eles sobreviverem, e dependendo das condições, poderão curar nossa dor ou aumentá-la. Mantendo a vela acesa. Por enquanto, mantemos uma vigília, aguardando o despertar. Não é uma vigília silenciosa, lembre-se, ou mesmo adormecida.

Todo o frenesi de atividades on-line – leituras virtuais e talk shows, vídeos antigos e novas peças de teatro sobre a atualidade – fazem parte do processo de manter a chama acesa. Econômica e artisticamente, a indústria e seus trabalhadores ociosos estão em modo de sobrevivência, improvisando uma resposta a um desastre inacabado. Muitas ofertas digitais são inerentemente exploratórias, avaliando o potencial de um meio ainda desconhecido.

Mas o grosso do público do teatro exibe um sorriso que passa a ideia de que o show não pode parar, por isso há uma desconexão estranha e autodestrutiva, como se apoiá-lo fosse fingir que esses trabalhos são tão emocionantes quanto os ao vivo. Você não precisa ser um radical ou nostálgico para acreditar que isso não é verdadeiro, ou que o teatro diante das câmeras se transforma em outra coisa.

Mesmo o filme Hamilton, um testemunho emocionante e democratizante do poder da performance no palco, não consegue capturar a alma do teatro, porque esta vive no próprio espaço de representação. A presença física faz parte da essência do teatro, assim como a ocupação de um espaço comum. Uma das coisas mais alienantes sobre essa vigília é a necessidade de mantê-la em separado. Sozinha no meu apartamento, assistindo on-line a um imersivo Sonho de uma Noite de Verão de Hytner, eu não queria nada além de me catapultar de volta no tempo para o público do Bridge Theatre.

Como sempre acontece quando assisto a teatro on-line, eu me senti muito distante da experiência – o que não significa que não tenha me acrescentado algo. Nos últimos momentos da performance, o elfo Puck fica pendurado de cabeça para baixo em um tecido acrobático, suspenso acima do palco.

"Dê-me suas mãos, se formos amigos", diz ele – um pedido de aplausos de Shakespeare que se transforma em outra coisa enquanto Puck estica os braços para dar as mãos a um espectador abaixo de onde está. Presencialmente, tenho certeza de que foi encantador. Mas, no vidro da tela do meu computador, neste verão boreal enclausurado, tornou-se um quadro de pungência oculta, incorporando a conexão carregada que o teatro ao vivo pode ter quando se está na sala de espetáculo. Essa comunhão é o que buscamos; a vigília é para essa comunhão. Não há chance de deixarmos essa chama se apagar.

The New York Times Licensing Group – Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times.

Já vi isso várias vezes em outras produções: Nick Bottom, o tecelão transformado em um burro no clássico Sonho de uma Noite de Verão, de Shakespeare, acordando na manhã seguinte à festa. Com o encanto quebrado, ele volta à forma humana, com lembranças estranhas que não consegue articular.

É um interlúdio cômico bobo, e se eu não tivesse assistido à produção de Nicholas Hytner no ano passado, no Bridge Theatre, em Londres, não teria sido a mesma coisa para mim dessa vez. Na gravação do National Theatre at Home (Teatro Nacional em Casa), transmitida em meu laptop, Bottom se coloca na beira de uma cama cheia de confetes, aperta um travesseiro no colo e declama seus pensamentos desordenados: "Os olhos do homem não ouviram. Os ouvidos do homem não viram, a mão do homem não é capaz de provar, a língua para conceber, nem o coração para relatar o que era esse sonho."

A indústria do teatro mascara uma verdade mais difícil que não há substituto para a interação ao vivo entre artista e público. Foto: Patrik Svensson The New York Times

E assim, sem mais nem menos, eu estava chorando ao assistir a um diálogo ridículo que nunca havia me comovido antes. As visões indescritíveis de Bottom foram uma metáfora dolorosa e súbita para os sonhos coletivos que sonhamos – artistas, público e tudo o mais – quando o teatro ao vivo, em todo o seu esplendor, coloca-nos sob seu feitiço.

Corporalmente imersos em uma experiência, compartilhando um único espaço, emergimos no fim daquelas performances com memórias sensoriais impressas em nós. E, depois, não possuímos mais poder do que Bottom tem para traduzir sua totalidade. Muitas pessoas, famintas por teatro, estão devorando-o digitalmente. Mas, para sentir toda a sua força, você precisa estar lá – para absorvê-lo fisicamente.

"Tive uma visão muito rara", diz Bottom, e também poderia ser eu, tentando explicar por que estou tão inconsolável nesses meses de palcos na escuridão. Uma dor temporária Os teatros fechados não são o pior aspecto de uma pandemia que já matou centenas de milhares de pessoas. Nos dias anteriores a seu fechamento, parecia que não era mais seguro se reunir neles, e, enquanto os teatros britânicos continuaram abertos por mais algum tempo, olhávamos o outro lado do oceano com um alarme crescente. Por isso, não se trata de falta de noção das coisas ou do perigo.

E o teatro ao vivo, embora predominantemente MIA (jargão militar que significa "desaparecido em missão"), não ficará assim para sempre. Mas sua ausência é profunda e será prolongada – para a Broadway, pelo menos durante todo o resto do ano. Portanto, não é exagerado falar em pesar, uma palavra carregada que associamos mais à morte, mas é simplesmente o pesar que resulta de grandes perdas. Para alguns de nós que dependem do teatro para se sustentar – criativos, espirituais, econômicos ou todos os itens citados –, esse é o termo para descrever o que sentimos neste tempo de limbo.

A incerteza torna tudo assustador, e não se sabe que danos serão irreparáveis quando o mercado ressurgir. Que empresas, artistas e carreiras conseguirão superar esse momento? Essa é a ansiedade que incomoda e penetra, misturada com tristeza e futilidade. O que as pessoas do teatro fazem é montar um espetáculo; o que a plateia faz é se reunir. É um ritual, um reflexo. Também é, em qualquer sentido convencional, algo amplamente inoperante no momento.

Assim, recorremos à opção mais próxima que temos, sendo que até isso pode ter consequências. Apenas o fato de encomendar um ingresso virtual para a apresentação de Lungs (Pulmões), no Old Vic – um experimento montado com atores renomados, com distanciamento social, que nasceu do risco financeiro que ameaça a empresa –, fez minha garganta ficar apertada ao pensar na casa vazia, o eco do silêncio do ar.

Isso também me fez pensar em um pequeno restaurante do qual gosto muito e que fica na mesma região. Inúmeros lugares queridos como esse fazem parte do ecossistema de cada cidade. Se eles sobreviverem, e dependendo das condições, poderão curar nossa dor ou aumentá-la. Mantendo a vela acesa. Por enquanto, mantemos uma vigília, aguardando o despertar. Não é uma vigília silenciosa, lembre-se, ou mesmo adormecida.

Todo o frenesi de atividades on-line – leituras virtuais e talk shows, vídeos antigos e novas peças de teatro sobre a atualidade – fazem parte do processo de manter a chama acesa. Econômica e artisticamente, a indústria e seus trabalhadores ociosos estão em modo de sobrevivência, improvisando uma resposta a um desastre inacabado. Muitas ofertas digitais são inerentemente exploratórias, avaliando o potencial de um meio ainda desconhecido.

Mas o grosso do público do teatro exibe um sorriso que passa a ideia de que o show não pode parar, por isso há uma desconexão estranha e autodestrutiva, como se apoiá-lo fosse fingir que esses trabalhos são tão emocionantes quanto os ao vivo. Você não precisa ser um radical ou nostálgico para acreditar que isso não é verdadeiro, ou que o teatro diante das câmeras se transforma em outra coisa.

Mesmo o filme Hamilton, um testemunho emocionante e democratizante do poder da performance no palco, não consegue capturar a alma do teatro, porque esta vive no próprio espaço de representação. A presença física faz parte da essência do teatro, assim como a ocupação de um espaço comum. Uma das coisas mais alienantes sobre essa vigília é a necessidade de mantê-la em separado. Sozinha no meu apartamento, assistindo on-line a um imersivo Sonho de uma Noite de Verão de Hytner, eu não queria nada além de me catapultar de volta no tempo para o público do Bridge Theatre.

Como sempre acontece quando assisto a teatro on-line, eu me senti muito distante da experiência – o que não significa que não tenha me acrescentado algo. Nos últimos momentos da performance, o elfo Puck fica pendurado de cabeça para baixo em um tecido acrobático, suspenso acima do palco.

"Dê-me suas mãos, se formos amigos", diz ele – um pedido de aplausos de Shakespeare que se transforma em outra coisa enquanto Puck estica os braços para dar as mãos a um espectador abaixo de onde está. Presencialmente, tenho certeza de que foi encantador. Mas, no vidro da tela do meu computador, neste verão boreal enclausurado, tornou-se um quadro de pungência oculta, incorporando a conexão carregada que o teatro ao vivo pode ter quando se está na sala de espetáculo. Essa comunhão é o que buscamos; a vigília é para essa comunhão. Não há chance de deixarmos essa chama se apagar.

The New York Times Licensing Group – Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times.

Já vi isso várias vezes em outras produções: Nick Bottom, o tecelão transformado em um burro no clássico Sonho de uma Noite de Verão, de Shakespeare, acordando na manhã seguinte à festa. Com o encanto quebrado, ele volta à forma humana, com lembranças estranhas que não consegue articular.

É um interlúdio cômico bobo, e se eu não tivesse assistido à produção de Nicholas Hytner no ano passado, no Bridge Theatre, em Londres, não teria sido a mesma coisa para mim dessa vez. Na gravação do National Theatre at Home (Teatro Nacional em Casa), transmitida em meu laptop, Bottom se coloca na beira de uma cama cheia de confetes, aperta um travesseiro no colo e declama seus pensamentos desordenados: "Os olhos do homem não ouviram. Os ouvidos do homem não viram, a mão do homem não é capaz de provar, a língua para conceber, nem o coração para relatar o que era esse sonho."

A indústria do teatro mascara uma verdade mais difícil que não há substituto para a interação ao vivo entre artista e público. Foto: Patrik Svensson The New York Times

E assim, sem mais nem menos, eu estava chorando ao assistir a um diálogo ridículo que nunca havia me comovido antes. As visões indescritíveis de Bottom foram uma metáfora dolorosa e súbita para os sonhos coletivos que sonhamos – artistas, público e tudo o mais – quando o teatro ao vivo, em todo o seu esplendor, coloca-nos sob seu feitiço.

Corporalmente imersos em uma experiência, compartilhando um único espaço, emergimos no fim daquelas performances com memórias sensoriais impressas em nós. E, depois, não possuímos mais poder do que Bottom tem para traduzir sua totalidade. Muitas pessoas, famintas por teatro, estão devorando-o digitalmente. Mas, para sentir toda a sua força, você precisa estar lá – para absorvê-lo fisicamente.

"Tive uma visão muito rara", diz Bottom, e também poderia ser eu, tentando explicar por que estou tão inconsolável nesses meses de palcos na escuridão. Uma dor temporária Os teatros fechados não são o pior aspecto de uma pandemia que já matou centenas de milhares de pessoas. Nos dias anteriores a seu fechamento, parecia que não era mais seguro se reunir neles, e, enquanto os teatros britânicos continuaram abertos por mais algum tempo, olhávamos o outro lado do oceano com um alarme crescente. Por isso, não se trata de falta de noção das coisas ou do perigo.

E o teatro ao vivo, embora predominantemente MIA (jargão militar que significa "desaparecido em missão"), não ficará assim para sempre. Mas sua ausência é profunda e será prolongada – para a Broadway, pelo menos durante todo o resto do ano. Portanto, não é exagerado falar em pesar, uma palavra carregada que associamos mais à morte, mas é simplesmente o pesar que resulta de grandes perdas. Para alguns de nós que dependem do teatro para se sustentar – criativos, espirituais, econômicos ou todos os itens citados –, esse é o termo para descrever o que sentimos neste tempo de limbo.

A incerteza torna tudo assustador, e não se sabe que danos serão irreparáveis quando o mercado ressurgir. Que empresas, artistas e carreiras conseguirão superar esse momento? Essa é a ansiedade que incomoda e penetra, misturada com tristeza e futilidade. O que as pessoas do teatro fazem é montar um espetáculo; o que a plateia faz é se reunir. É um ritual, um reflexo. Também é, em qualquer sentido convencional, algo amplamente inoperante no momento.

Assim, recorremos à opção mais próxima que temos, sendo que até isso pode ter consequências. Apenas o fato de encomendar um ingresso virtual para a apresentação de Lungs (Pulmões), no Old Vic – um experimento montado com atores renomados, com distanciamento social, que nasceu do risco financeiro que ameaça a empresa –, fez minha garganta ficar apertada ao pensar na casa vazia, o eco do silêncio do ar.

Isso também me fez pensar em um pequeno restaurante do qual gosto muito e que fica na mesma região. Inúmeros lugares queridos como esse fazem parte do ecossistema de cada cidade. Se eles sobreviverem, e dependendo das condições, poderão curar nossa dor ou aumentá-la. Mantendo a vela acesa. Por enquanto, mantemos uma vigília, aguardando o despertar. Não é uma vigília silenciosa, lembre-se, ou mesmo adormecida.

Todo o frenesi de atividades on-line – leituras virtuais e talk shows, vídeos antigos e novas peças de teatro sobre a atualidade – fazem parte do processo de manter a chama acesa. Econômica e artisticamente, a indústria e seus trabalhadores ociosos estão em modo de sobrevivência, improvisando uma resposta a um desastre inacabado. Muitas ofertas digitais são inerentemente exploratórias, avaliando o potencial de um meio ainda desconhecido.

Mas o grosso do público do teatro exibe um sorriso que passa a ideia de que o show não pode parar, por isso há uma desconexão estranha e autodestrutiva, como se apoiá-lo fosse fingir que esses trabalhos são tão emocionantes quanto os ao vivo. Você não precisa ser um radical ou nostálgico para acreditar que isso não é verdadeiro, ou que o teatro diante das câmeras se transforma em outra coisa.

Mesmo o filme Hamilton, um testemunho emocionante e democratizante do poder da performance no palco, não consegue capturar a alma do teatro, porque esta vive no próprio espaço de representação. A presença física faz parte da essência do teatro, assim como a ocupação de um espaço comum. Uma das coisas mais alienantes sobre essa vigília é a necessidade de mantê-la em separado. Sozinha no meu apartamento, assistindo on-line a um imersivo Sonho de uma Noite de Verão de Hytner, eu não queria nada além de me catapultar de volta no tempo para o público do Bridge Theatre.

Como sempre acontece quando assisto a teatro on-line, eu me senti muito distante da experiência – o que não significa que não tenha me acrescentado algo. Nos últimos momentos da performance, o elfo Puck fica pendurado de cabeça para baixo em um tecido acrobático, suspenso acima do palco.

"Dê-me suas mãos, se formos amigos", diz ele – um pedido de aplausos de Shakespeare que se transforma em outra coisa enquanto Puck estica os braços para dar as mãos a um espectador abaixo de onde está. Presencialmente, tenho certeza de que foi encantador. Mas, no vidro da tela do meu computador, neste verão boreal enclausurado, tornou-se um quadro de pungência oculta, incorporando a conexão carregada que o teatro ao vivo pode ter quando se está na sala de espetáculo. Essa comunhão é o que buscamos; a vigília é para essa comunhão. Não há chance de deixarmos essa chama se apagar.

The New York Times Licensing Group – Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times.

Já vi isso várias vezes em outras produções: Nick Bottom, o tecelão transformado em um burro no clássico Sonho de uma Noite de Verão, de Shakespeare, acordando na manhã seguinte à festa. Com o encanto quebrado, ele volta à forma humana, com lembranças estranhas que não consegue articular.

É um interlúdio cômico bobo, e se eu não tivesse assistido à produção de Nicholas Hytner no ano passado, no Bridge Theatre, em Londres, não teria sido a mesma coisa para mim dessa vez. Na gravação do National Theatre at Home (Teatro Nacional em Casa), transmitida em meu laptop, Bottom se coloca na beira de uma cama cheia de confetes, aperta um travesseiro no colo e declama seus pensamentos desordenados: "Os olhos do homem não ouviram. Os ouvidos do homem não viram, a mão do homem não é capaz de provar, a língua para conceber, nem o coração para relatar o que era esse sonho."

A indústria do teatro mascara uma verdade mais difícil que não há substituto para a interação ao vivo entre artista e público. Foto: Patrik Svensson The New York Times

E assim, sem mais nem menos, eu estava chorando ao assistir a um diálogo ridículo que nunca havia me comovido antes. As visões indescritíveis de Bottom foram uma metáfora dolorosa e súbita para os sonhos coletivos que sonhamos – artistas, público e tudo o mais – quando o teatro ao vivo, em todo o seu esplendor, coloca-nos sob seu feitiço.

Corporalmente imersos em uma experiência, compartilhando um único espaço, emergimos no fim daquelas performances com memórias sensoriais impressas em nós. E, depois, não possuímos mais poder do que Bottom tem para traduzir sua totalidade. Muitas pessoas, famintas por teatro, estão devorando-o digitalmente. Mas, para sentir toda a sua força, você precisa estar lá – para absorvê-lo fisicamente.

"Tive uma visão muito rara", diz Bottom, e também poderia ser eu, tentando explicar por que estou tão inconsolável nesses meses de palcos na escuridão. Uma dor temporária Os teatros fechados não são o pior aspecto de uma pandemia que já matou centenas de milhares de pessoas. Nos dias anteriores a seu fechamento, parecia que não era mais seguro se reunir neles, e, enquanto os teatros britânicos continuaram abertos por mais algum tempo, olhávamos o outro lado do oceano com um alarme crescente. Por isso, não se trata de falta de noção das coisas ou do perigo.

E o teatro ao vivo, embora predominantemente MIA (jargão militar que significa "desaparecido em missão"), não ficará assim para sempre. Mas sua ausência é profunda e será prolongada – para a Broadway, pelo menos durante todo o resto do ano. Portanto, não é exagerado falar em pesar, uma palavra carregada que associamos mais à morte, mas é simplesmente o pesar que resulta de grandes perdas. Para alguns de nós que dependem do teatro para se sustentar – criativos, espirituais, econômicos ou todos os itens citados –, esse é o termo para descrever o que sentimos neste tempo de limbo.

A incerteza torna tudo assustador, e não se sabe que danos serão irreparáveis quando o mercado ressurgir. Que empresas, artistas e carreiras conseguirão superar esse momento? Essa é a ansiedade que incomoda e penetra, misturada com tristeza e futilidade. O que as pessoas do teatro fazem é montar um espetáculo; o que a plateia faz é se reunir. É um ritual, um reflexo. Também é, em qualquer sentido convencional, algo amplamente inoperante no momento.

Assim, recorremos à opção mais próxima que temos, sendo que até isso pode ter consequências. Apenas o fato de encomendar um ingresso virtual para a apresentação de Lungs (Pulmões), no Old Vic – um experimento montado com atores renomados, com distanciamento social, que nasceu do risco financeiro que ameaça a empresa –, fez minha garganta ficar apertada ao pensar na casa vazia, o eco do silêncio do ar.

Isso também me fez pensar em um pequeno restaurante do qual gosto muito e que fica na mesma região. Inúmeros lugares queridos como esse fazem parte do ecossistema de cada cidade. Se eles sobreviverem, e dependendo das condições, poderão curar nossa dor ou aumentá-la. Mantendo a vela acesa. Por enquanto, mantemos uma vigília, aguardando o despertar. Não é uma vigília silenciosa, lembre-se, ou mesmo adormecida.

Todo o frenesi de atividades on-line – leituras virtuais e talk shows, vídeos antigos e novas peças de teatro sobre a atualidade – fazem parte do processo de manter a chama acesa. Econômica e artisticamente, a indústria e seus trabalhadores ociosos estão em modo de sobrevivência, improvisando uma resposta a um desastre inacabado. Muitas ofertas digitais são inerentemente exploratórias, avaliando o potencial de um meio ainda desconhecido.

Mas o grosso do público do teatro exibe um sorriso que passa a ideia de que o show não pode parar, por isso há uma desconexão estranha e autodestrutiva, como se apoiá-lo fosse fingir que esses trabalhos são tão emocionantes quanto os ao vivo. Você não precisa ser um radical ou nostálgico para acreditar que isso não é verdadeiro, ou que o teatro diante das câmeras se transforma em outra coisa.

Mesmo o filme Hamilton, um testemunho emocionante e democratizante do poder da performance no palco, não consegue capturar a alma do teatro, porque esta vive no próprio espaço de representação. A presença física faz parte da essência do teatro, assim como a ocupação de um espaço comum. Uma das coisas mais alienantes sobre essa vigília é a necessidade de mantê-la em separado. Sozinha no meu apartamento, assistindo on-line a um imersivo Sonho de uma Noite de Verão de Hytner, eu não queria nada além de me catapultar de volta no tempo para o público do Bridge Theatre.

Como sempre acontece quando assisto a teatro on-line, eu me senti muito distante da experiência – o que não significa que não tenha me acrescentado algo. Nos últimos momentos da performance, o elfo Puck fica pendurado de cabeça para baixo em um tecido acrobático, suspenso acima do palco.

"Dê-me suas mãos, se formos amigos", diz ele – um pedido de aplausos de Shakespeare que se transforma em outra coisa enquanto Puck estica os braços para dar as mãos a um espectador abaixo de onde está. Presencialmente, tenho certeza de que foi encantador. Mas, no vidro da tela do meu computador, neste verão boreal enclausurado, tornou-se um quadro de pungência oculta, incorporando a conexão carregada que o teatro ao vivo pode ter quando se está na sala de espetáculo. Essa comunhão é o que buscamos; a vigília é para essa comunhão. Não há chance de deixarmos essa chama se apagar.

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