Tenoch Huerta Mejía e a beleza da representação em ‘Wakanda Para Sempre’


O momento decisivo do ator mexicano interpretando Namor na sequência de “Pantera Negra” é especialmente gratificante para o ativista antirracismo

Por Carlos Aguilar

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - Foi durante um verão ocioso quando ele tinha 17 anos que Tenoch Huerta Mejía participou de sua primeira oficina de atuação. Seu pai o havia matriculado e, assim como ele jogava futebol desde os 5 anos por diversão, ele pensava em atuar apenas como mais um passatempo divertido, não como uma vocação em potencial.

“Tornar-se um ator foi tão improvável quanto me tornar um jogador profissional de futebol americano do México”, disse Huerta em espanhol por telefone de um carro em movimento na Cidade do México. “Você não pode sonhar com o que não pode ver. Eu não via pessoas com a minha cor de pele na tela.”

Mas agora a estrela mexicana, 41, da cidade de Ecatepec, nos arredores da capital mexicana, levou esse primeiro gostinho pelas artes dramáticas para uma carreira florescente que lhe rendeu o papel de Namor, o governante voador do fictício reino subaquático de Talokan, no épico de super-heróis Pantera Negra: Wakanda Para Sempre.

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O ator mexicano Tenoch Huerta Mejía, que intepreta Namor em 'Pantera Negra: Wakanda Para Sempre'. Foto: Elliott Jerome Brown Jr./The New York Times

Representando seu avanço internacional, a performance vem ganhando aplausos da crítica. Para o The Hollywood Reporter, David Rooney elogiou o “comportamento carrancudo e a fisicalidade corpulenta de Huerta no papel”, enquanto David Sims, do The Atlantic, elogiou como o ator infunde o personagem com “grande dignidade”.

Desde que Huerta consegue se lembrar, a televisão mexicana e a indústria cinematográfica parecem “feitas para os escandinavos”, como ele disse. As produções apresentam principalmente estrelas mexicanas ou latino-americanas brancas, enquanto artistas de pele morena como ele são relegados a papéis subservientes, de criminosos ou geralmente depreciativos.

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Felizmente, mesmo quando não estava incluído na narrativa, ele recebeu incentivo da confiança incondicional de seu pai. Quando ele perguntou ao pai por que o havia matriculado na aula de atuação, a resposta aparentemente ambígua o tocou.

“Ele me disse: ‘Vi algo em você’”, lembrou Huerta. “Para mim, o significado dessa frase era que meu pai estava me vendo plenamente, que ele sempre prestava atenção em mim.”

Muito antes dos Estúdios Marvel colocarem asas em seus pés, Huerta já havia conquistado seu lugar, trabalhando por mais de 15 anos em ambos os lados da fronteira em aclamados títulos independentes como Sem Identidade, Güeros e Filho das Monarcas.

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Ainda assim, Huerta admitiu que muitas vezes sofria da síndrome do impostor como resultado da hostilidade que os atores de pele morena enfrentam na indústria do entretenimento mexicana. O fato de ele não ter recebido uma educação formal de atuação de uma grande instituição não ajudou.

Um momento decisivo veio quando ele foi escalado para o papel principal no thriller abrasador de 2011 Days of Grace, dirigido por Everardo Gout. Para se preparar para o exigente papel de um policial que se entrega à violência, Huerta se alistou na academia de polícia de Ecatepec sem que seus colegas cadetes soubessem que ele estava fazendo pesquisas para o papel.

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A atuação visceral não apenas rendeu a Huerta seu primeiro prêmio Ariel de melhor ator (o equivalente ao Oscar na academia de cinema mexicana), mas também o convenceu de seu próprio talento.

“Aquele filme mudou minha vida porque foi onde me vi pela primeira vez como ator e comecei a construir minha vida em torno do fato de ser ator”, ele disse. “Antes eu não conseguia ver isso.”

Gout, que havia trabalhado pela primeira vez com Huerta em um videoclipe vários anos antes, vê a ascensão do perfil de seu amigo como uma vitória pessoal.

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“Estou muito feliz com tudo o que está acontecendo com Tenoch agora”, disse o diretor por telefone. “Finalmente, outras pessoas estão vendo o que eu vi nele há cerca de 15 anos. Seu sucesso valida todas as minhas decisões de lutar para tê-lo em muitos dos meus projetos.”

Em Wakanda Para Sempre, o diretor Ryan Coogler testemunhou a devoção de Huerta ao processo enquanto ele aprendia as múltiplas habilidades necessárias para interpretar Namor - o ator não sabia nadar antes de ser escalado - e a seriedade de sua presença na tela.

“Ele estava trabalhando em dois idiomas que não eram os seus, inglês e Yucatec Maya, enquanto se apresentava com próteses a 15 pés debaixo d’água”, disse Coogler por áudio. “Ele é um verdadeiro camaleão e um dos atores mais impressionantes com quem já trabalhei.”

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Fora da tela, Huerta é um ativista antirracismo que usa sua plataforma para exigir reparações para os mexicanos de pele morena, quer eles se identifiquem como indígenas ou não. Ele relatou profundamente como Namor orgulhosamente abraçou e protegeu suas origens maias.

O ator lançou recentemente o livro 'Orgullo Prieto'. Foto: Alex Cruz/EFE

Sou filho de civilizações mesoamericanas, mesmo que minhas veias tenham sangue de muitas partes do mundo”, disse Huerta. “Em termos de minha identidade, cultural e emocionalmente, estou ligado, moldado e sincronizado com minha história, com minha herança.”

O primeiro nome do ator, Tenoch (pronuncia-se teh-NOTCH), que ele compartilha com um líder asteca do século 14, vem da língua náuatle e pode ser traduzido como “figo da índia”. O nome, acredita o ator, é uma evidência de que seu pai via sua identidade mexicana como inseparável de sua fundação indígena.

“Como você é mexicano, vou lhe dar um nome mexicano”, o pai de Huerta lhe disse.

O racismo predominante na sociedade mexicana, disse Huerta, é a consequência viva do genocídio cultural perpetrado pelos colonizadores europeus contra os povos indígenas nas Américas. Por meio da mistura intercultural, eles tentaram romper os laços da população com seus antepassados indígenas.

“Eles nos ensinaram a ter vergonha de nossa pele morena, a desprezar os pardos, a maltratar os indígenas, a ter vergonha de nossos ancestrais, e eu não posso mais tolerar isso”, disse um apaixonado Huerta. “Não havia nada de errado conosco. Eles não precisavam nos forçar a falar espanhol. Eles não precisavam tentar nos ocidentalizar”.

Ele abordou essas questões em um livro destinado a empoderar jovens leitores. Lançado este ano, “Orgullo Prieto” usa anedotas pessoais, tanto como vítima quanto como perpetrador de comportamento discriminatório, para explicar conceitos essenciais do antirracismo.

Tenoch Huerta Mejí como Namor. Foto: Eli AdŽ/MARVEL

O fato de Wakanda Para Sempre apresentar personagens indígenas de pele morena com habilidades sobrenaturais vivendo em um reino hipnotizante permite que qualquer um que se conecte com os princípios de Huerta finalmente se sinta respeitosamente representado. O filme também desafia empresas de mídia e artistas da América Latina e outros lugares a repensar suas representações e a inclusão de pessoas não brancas em seus projetos.

“O sucesso deste filme derruba os argumentos de racistas e supremacistas brancos no México e em todos os lugares, que afirmam que a pele morena não vende ou que a representação não vende”, disse Huerta. “É lindo nos vermos representados de uma forma diferente.”

Incorporar um personagem divino da Mesoamérica em um filme da Marvel deu a Huerta uma de suas maiores satisfações. Quando sua filha de 9 anos, que raramente assiste a seus filmes, viu sua imagem na figura do Funko Pop de Namor, ela validou toda a sua carreira em um instante.

“Ela me disse: ‘Pai, agora você é um ator! Há um Funko seu‘”, lembrou Huerta com uma risada barulhenta.

“O ódio fica com os haters e nós exercemos nossa capacidade e direito de ser feliz”, ele disse. Como diz o cineasta indígena Luna Marán, ele acrescentou: “’Que a felicidade seja nossa melhor vingança’”. /TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES

The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - Foi durante um verão ocioso quando ele tinha 17 anos que Tenoch Huerta Mejía participou de sua primeira oficina de atuação. Seu pai o havia matriculado e, assim como ele jogava futebol desde os 5 anos por diversão, ele pensava em atuar apenas como mais um passatempo divertido, não como uma vocação em potencial.

“Tornar-se um ator foi tão improvável quanto me tornar um jogador profissional de futebol americano do México”, disse Huerta em espanhol por telefone de um carro em movimento na Cidade do México. “Você não pode sonhar com o que não pode ver. Eu não via pessoas com a minha cor de pele na tela.”

Mas agora a estrela mexicana, 41, da cidade de Ecatepec, nos arredores da capital mexicana, levou esse primeiro gostinho pelas artes dramáticas para uma carreira florescente que lhe rendeu o papel de Namor, o governante voador do fictício reino subaquático de Talokan, no épico de super-heróis Pantera Negra: Wakanda Para Sempre.

O ator mexicano Tenoch Huerta Mejía, que intepreta Namor em 'Pantera Negra: Wakanda Para Sempre'. Foto: Elliott Jerome Brown Jr./The New York Times

Representando seu avanço internacional, a performance vem ganhando aplausos da crítica. Para o The Hollywood Reporter, David Rooney elogiou o “comportamento carrancudo e a fisicalidade corpulenta de Huerta no papel”, enquanto David Sims, do The Atlantic, elogiou como o ator infunde o personagem com “grande dignidade”.

Desde que Huerta consegue se lembrar, a televisão mexicana e a indústria cinematográfica parecem “feitas para os escandinavos”, como ele disse. As produções apresentam principalmente estrelas mexicanas ou latino-americanas brancas, enquanto artistas de pele morena como ele são relegados a papéis subservientes, de criminosos ou geralmente depreciativos.

Felizmente, mesmo quando não estava incluído na narrativa, ele recebeu incentivo da confiança incondicional de seu pai. Quando ele perguntou ao pai por que o havia matriculado na aula de atuação, a resposta aparentemente ambígua o tocou.

“Ele me disse: ‘Vi algo em você’”, lembrou Huerta. “Para mim, o significado dessa frase era que meu pai estava me vendo plenamente, que ele sempre prestava atenção em mim.”

Muito antes dos Estúdios Marvel colocarem asas em seus pés, Huerta já havia conquistado seu lugar, trabalhando por mais de 15 anos em ambos os lados da fronteira em aclamados títulos independentes como Sem Identidade, Güeros e Filho das Monarcas.

Ainda assim, Huerta admitiu que muitas vezes sofria da síndrome do impostor como resultado da hostilidade que os atores de pele morena enfrentam na indústria do entretenimento mexicana. O fato de ele não ter recebido uma educação formal de atuação de uma grande instituição não ajudou.

Um momento decisivo veio quando ele foi escalado para o papel principal no thriller abrasador de 2011 Days of Grace, dirigido por Everardo Gout. Para se preparar para o exigente papel de um policial que se entrega à violência, Huerta se alistou na academia de polícia de Ecatepec sem que seus colegas cadetes soubessem que ele estava fazendo pesquisas para o papel.

A atuação visceral não apenas rendeu a Huerta seu primeiro prêmio Ariel de melhor ator (o equivalente ao Oscar na academia de cinema mexicana), mas também o convenceu de seu próprio talento.

“Aquele filme mudou minha vida porque foi onde me vi pela primeira vez como ator e comecei a construir minha vida em torno do fato de ser ator”, ele disse. “Antes eu não conseguia ver isso.”

Gout, que havia trabalhado pela primeira vez com Huerta em um videoclipe vários anos antes, vê a ascensão do perfil de seu amigo como uma vitória pessoal.

“Estou muito feliz com tudo o que está acontecendo com Tenoch agora”, disse o diretor por telefone. “Finalmente, outras pessoas estão vendo o que eu vi nele há cerca de 15 anos. Seu sucesso valida todas as minhas decisões de lutar para tê-lo em muitos dos meus projetos.”

Em Wakanda Para Sempre, o diretor Ryan Coogler testemunhou a devoção de Huerta ao processo enquanto ele aprendia as múltiplas habilidades necessárias para interpretar Namor - o ator não sabia nadar antes de ser escalado - e a seriedade de sua presença na tela.

“Ele estava trabalhando em dois idiomas que não eram os seus, inglês e Yucatec Maya, enquanto se apresentava com próteses a 15 pés debaixo d’água”, disse Coogler por áudio. “Ele é um verdadeiro camaleão e um dos atores mais impressionantes com quem já trabalhei.”

Fora da tela, Huerta é um ativista antirracismo que usa sua plataforma para exigir reparações para os mexicanos de pele morena, quer eles se identifiquem como indígenas ou não. Ele relatou profundamente como Namor orgulhosamente abraçou e protegeu suas origens maias.

O ator lançou recentemente o livro 'Orgullo Prieto'. Foto: Alex Cruz/EFE

Sou filho de civilizações mesoamericanas, mesmo que minhas veias tenham sangue de muitas partes do mundo”, disse Huerta. “Em termos de minha identidade, cultural e emocionalmente, estou ligado, moldado e sincronizado com minha história, com minha herança.”

O primeiro nome do ator, Tenoch (pronuncia-se teh-NOTCH), que ele compartilha com um líder asteca do século 14, vem da língua náuatle e pode ser traduzido como “figo da índia”. O nome, acredita o ator, é uma evidência de que seu pai via sua identidade mexicana como inseparável de sua fundação indígena.

“Como você é mexicano, vou lhe dar um nome mexicano”, o pai de Huerta lhe disse.

O racismo predominante na sociedade mexicana, disse Huerta, é a consequência viva do genocídio cultural perpetrado pelos colonizadores europeus contra os povos indígenas nas Américas. Por meio da mistura intercultural, eles tentaram romper os laços da população com seus antepassados indígenas.

“Eles nos ensinaram a ter vergonha de nossa pele morena, a desprezar os pardos, a maltratar os indígenas, a ter vergonha de nossos ancestrais, e eu não posso mais tolerar isso”, disse um apaixonado Huerta. “Não havia nada de errado conosco. Eles não precisavam nos forçar a falar espanhol. Eles não precisavam tentar nos ocidentalizar”.

Ele abordou essas questões em um livro destinado a empoderar jovens leitores. Lançado este ano, “Orgullo Prieto” usa anedotas pessoais, tanto como vítima quanto como perpetrador de comportamento discriminatório, para explicar conceitos essenciais do antirracismo.

Tenoch Huerta Mejí como Namor. Foto: Eli AdŽ/MARVEL

O fato de Wakanda Para Sempre apresentar personagens indígenas de pele morena com habilidades sobrenaturais vivendo em um reino hipnotizante permite que qualquer um que se conecte com os princípios de Huerta finalmente se sinta respeitosamente representado. O filme também desafia empresas de mídia e artistas da América Latina e outros lugares a repensar suas representações e a inclusão de pessoas não brancas em seus projetos.

“O sucesso deste filme derruba os argumentos de racistas e supremacistas brancos no México e em todos os lugares, que afirmam que a pele morena não vende ou que a representação não vende”, disse Huerta. “É lindo nos vermos representados de uma forma diferente.”

Incorporar um personagem divino da Mesoamérica em um filme da Marvel deu a Huerta uma de suas maiores satisfações. Quando sua filha de 9 anos, que raramente assiste a seus filmes, viu sua imagem na figura do Funko Pop de Namor, ela validou toda a sua carreira em um instante.

“Ela me disse: ‘Pai, agora você é um ator! Há um Funko seu‘”, lembrou Huerta com uma risada barulhenta.

“O ódio fica com os haters e nós exercemos nossa capacidade e direito de ser feliz”, ele disse. Como diz o cineasta indígena Luna Marán, ele acrescentou: “’Que a felicidade seja nossa melhor vingança’”. /TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES

The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - Foi durante um verão ocioso quando ele tinha 17 anos que Tenoch Huerta Mejía participou de sua primeira oficina de atuação. Seu pai o havia matriculado e, assim como ele jogava futebol desde os 5 anos por diversão, ele pensava em atuar apenas como mais um passatempo divertido, não como uma vocação em potencial.

“Tornar-se um ator foi tão improvável quanto me tornar um jogador profissional de futebol americano do México”, disse Huerta em espanhol por telefone de um carro em movimento na Cidade do México. “Você não pode sonhar com o que não pode ver. Eu não via pessoas com a minha cor de pele na tela.”

Mas agora a estrela mexicana, 41, da cidade de Ecatepec, nos arredores da capital mexicana, levou esse primeiro gostinho pelas artes dramáticas para uma carreira florescente que lhe rendeu o papel de Namor, o governante voador do fictício reino subaquático de Talokan, no épico de super-heróis Pantera Negra: Wakanda Para Sempre.

O ator mexicano Tenoch Huerta Mejía, que intepreta Namor em 'Pantera Negra: Wakanda Para Sempre'. Foto: Elliott Jerome Brown Jr./The New York Times

Representando seu avanço internacional, a performance vem ganhando aplausos da crítica. Para o The Hollywood Reporter, David Rooney elogiou o “comportamento carrancudo e a fisicalidade corpulenta de Huerta no papel”, enquanto David Sims, do The Atlantic, elogiou como o ator infunde o personagem com “grande dignidade”.

Desde que Huerta consegue se lembrar, a televisão mexicana e a indústria cinematográfica parecem “feitas para os escandinavos”, como ele disse. As produções apresentam principalmente estrelas mexicanas ou latino-americanas brancas, enquanto artistas de pele morena como ele são relegados a papéis subservientes, de criminosos ou geralmente depreciativos.

Felizmente, mesmo quando não estava incluído na narrativa, ele recebeu incentivo da confiança incondicional de seu pai. Quando ele perguntou ao pai por que o havia matriculado na aula de atuação, a resposta aparentemente ambígua o tocou.

“Ele me disse: ‘Vi algo em você’”, lembrou Huerta. “Para mim, o significado dessa frase era que meu pai estava me vendo plenamente, que ele sempre prestava atenção em mim.”

Muito antes dos Estúdios Marvel colocarem asas em seus pés, Huerta já havia conquistado seu lugar, trabalhando por mais de 15 anos em ambos os lados da fronteira em aclamados títulos independentes como Sem Identidade, Güeros e Filho das Monarcas.

Ainda assim, Huerta admitiu que muitas vezes sofria da síndrome do impostor como resultado da hostilidade que os atores de pele morena enfrentam na indústria do entretenimento mexicana. O fato de ele não ter recebido uma educação formal de atuação de uma grande instituição não ajudou.

Um momento decisivo veio quando ele foi escalado para o papel principal no thriller abrasador de 2011 Days of Grace, dirigido por Everardo Gout. Para se preparar para o exigente papel de um policial que se entrega à violência, Huerta se alistou na academia de polícia de Ecatepec sem que seus colegas cadetes soubessem que ele estava fazendo pesquisas para o papel.

A atuação visceral não apenas rendeu a Huerta seu primeiro prêmio Ariel de melhor ator (o equivalente ao Oscar na academia de cinema mexicana), mas também o convenceu de seu próprio talento.

“Aquele filme mudou minha vida porque foi onde me vi pela primeira vez como ator e comecei a construir minha vida em torno do fato de ser ator”, ele disse. “Antes eu não conseguia ver isso.”

Gout, que havia trabalhado pela primeira vez com Huerta em um videoclipe vários anos antes, vê a ascensão do perfil de seu amigo como uma vitória pessoal.

“Estou muito feliz com tudo o que está acontecendo com Tenoch agora”, disse o diretor por telefone. “Finalmente, outras pessoas estão vendo o que eu vi nele há cerca de 15 anos. Seu sucesso valida todas as minhas decisões de lutar para tê-lo em muitos dos meus projetos.”

Em Wakanda Para Sempre, o diretor Ryan Coogler testemunhou a devoção de Huerta ao processo enquanto ele aprendia as múltiplas habilidades necessárias para interpretar Namor - o ator não sabia nadar antes de ser escalado - e a seriedade de sua presença na tela.

“Ele estava trabalhando em dois idiomas que não eram os seus, inglês e Yucatec Maya, enquanto se apresentava com próteses a 15 pés debaixo d’água”, disse Coogler por áudio. “Ele é um verdadeiro camaleão e um dos atores mais impressionantes com quem já trabalhei.”

Fora da tela, Huerta é um ativista antirracismo que usa sua plataforma para exigir reparações para os mexicanos de pele morena, quer eles se identifiquem como indígenas ou não. Ele relatou profundamente como Namor orgulhosamente abraçou e protegeu suas origens maias.

O ator lançou recentemente o livro 'Orgullo Prieto'. Foto: Alex Cruz/EFE

Sou filho de civilizações mesoamericanas, mesmo que minhas veias tenham sangue de muitas partes do mundo”, disse Huerta. “Em termos de minha identidade, cultural e emocionalmente, estou ligado, moldado e sincronizado com minha história, com minha herança.”

O primeiro nome do ator, Tenoch (pronuncia-se teh-NOTCH), que ele compartilha com um líder asteca do século 14, vem da língua náuatle e pode ser traduzido como “figo da índia”. O nome, acredita o ator, é uma evidência de que seu pai via sua identidade mexicana como inseparável de sua fundação indígena.

“Como você é mexicano, vou lhe dar um nome mexicano”, o pai de Huerta lhe disse.

O racismo predominante na sociedade mexicana, disse Huerta, é a consequência viva do genocídio cultural perpetrado pelos colonizadores europeus contra os povos indígenas nas Américas. Por meio da mistura intercultural, eles tentaram romper os laços da população com seus antepassados indígenas.

“Eles nos ensinaram a ter vergonha de nossa pele morena, a desprezar os pardos, a maltratar os indígenas, a ter vergonha de nossos ancestrais, e eu não posso mais tolerar isso”, disse um apaixonado Huerta. “Não havia nada de errado conosco. Eles não precisavam nos forçar a falar espanhol. Eles não precisavam tentar nos ocidentalizar”.

Ele abordou essas questões em um livro destinado a empoderar jovens leitores. Lançado este ano, “Orgullo Prieto” usa anedotas pessoais, tanto como vítima quanto como perpetrador de comportamento discriminatório, para explicar conceitos essenciais do antirracismo.

Tenoch Huerta Mejí como Namor. Foto: Eli AdŽ/MARVEL

O fato de Wakanda Para Sempre apresentar personagens indígenas de pele morena com habilidades sobrenaturais vivendo em um reino hipnotizante permite que qualquer um que se conecte com os princípios de Huerta finalmente se sinta respeitosamente representado. O filme também desafia empresas de mídia e artistas da América Latina e outros lugares a repensar suas representações e a inclusão de pessoas não brancas em seus projetos.

“O sucesso deste filme derruba os argumentos de racistas e supremacistas brancos no México e em todos os lugares, que afirmam que a pele morena não vende ou que a representação não vende”, disse Huerta. “É lindo nos vermos representados de uma forma diferente.”

Incorporar um personagem divino da Mesoamérica em um filme da Marvel deu a Huerta uma de suas maiores satisfações. Quando sua filha de 9 anos, que raramente assiste a seus filmes, viu sua imagem na figura do Funko Pop de Namor, ela validou toda a sua carreira em um instante.

“Ela me disse: ‘Pai, agora você é um ator! Há um Funko seu‘”, lembrou Huerta com uma risada barulhenta.

“O ódio fica com os haters e nós exercemos nossa capacidade e direito de ser feliz”, ele disse. Como diz o cineasta indígena Luna Marán, ele acrescentou: “’Que a felicidade seja nossa melhor vingança’”. /TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES

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