Tratamento para fibrose cística prolonga a vida de pacientes, que já podem fazer planos duradouros


Uso de um medicamento melhorou a expectativa de vida de muitas pessoas, que agora se planejam para o futuro com casamentos, carreira e filhos

Por Daniela J. Lamas

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - Imagine se você soubesse, desde cedo, que provavelmente não viveria além dos 20 anos. Você terminaria o ensino médio, mas e a faculdade? Você se permitiria se apaixonar? Quanto você investiria em um futuro que talvez nunca visse?

Quando Molly Pam nasceu em 1988, essas perguntas impossíveis eram a realidade das pessoas com fibrose cística, uma doença genética que leva à morte precoce por insuficiência pulmonar. Mas Pam tem agora 34 anos. E graças a um novo medicamento que revolucionou o tratamento desta doença, ela provavelmente viverá para comemorar seus 40 e até 50 anos. Sua expectativa de vida mudou drasticamente ao longo de sua vida.

É uma experiência notável e complicada. E à medida que a ciência avança com a terapia genética e tratamentos direcionados contra o câncer que prometem transformar doenças terminais em doenças crônicas, essa também é uma lição sobre o que pode estar por vir.

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Rodrigo Rockenbach, 11, que vive com fibrose cística, usa um nebulizador enquanto seus pais assistem. Foto: Dado Galdieri/The New York Times

Pam foi diagnosticada com fibrose cística algumas semanas antes de completar 10 anos. No ensino médio, ela fez um mergulho profundo - descobrindo as memórias de um homem com a doença que ficou surpreso por viver mais de 25 anos. Era isso que a esperava? Embora ela tenha seguido o legado de sua família e feito faculdade em Stanford, depois se mudado para Manhattan, essa questão persistia.

Assim como a realidade de sua função pulmonar limitada. Logo após a faculdade, ela percebeu que seu corpo não suportaria o trabalho em tempo integral. Ainda assim, ela foi capaz de construir uma vida. Ela foi para a escola de culinária e construiu uma carreira como chef freelance. Ela se apaixonou e se casou.

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Então, quando ela se aproximou de seu aniversário de 30 anos, tudo começou a desmoronar. Sua função pulmonar despencou sob múltiplas infecções resistentes a medicamentos e um eventual colapso pulmonar. Ela parou de trabalhar e se mudou para a Califórnia para que ela e o marido pudessem ficar perto da família e dos filhos da irmã. Eles não teriam filhos, isso estava claro. A avaliação para um transplante de pulmão começou.

Mas, enquanto se preparava para a possibilidade de um transplante, Pam iniciou uma nova terapia medicamentosa que visa a causa subjacente de sua doença. E agora, três anos depois, ela está mais saudável do que nunca. Sua função pulmonar dobrou. A possibilidade se expande mais uma vez.

Desde sua aprovação em 2019, a terapia medicamentosa, chamada Trikafta (que ainda não está disponível no Brasil), foi anunciada como uma mudança no jogo para a maioria das pessoas com fibrose cística. A doença é causada por defeitos em uma proteína que afeta as células e tecidos do corpo, levando ao acúmulo de muco nos pulmões e outros órgãos. O Trikafta, uma combinação de três drogas, ajuda a proteína defeituosa a funcionar de forma mais eficaz. Sem o muco espesso, as infecções e cicatrizes que o acompanham, os pacientes podem idealmente evitar o inevitável declínio respiratório que caracteriza a vida com F.C.

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Algumas pessoas têm mutações genéticas que não permitem que elas se beneficiem do Trikafta, que tem como alvo a mutação mais comum da F.C. Ainda assim, muitos dos nascidos com a doença hoje podem esperar viver até os 60 anos - um prognóstico que provavelmente continuará a melhorar durante suas vidas. Eles crescerão com uma perspectiva totalmente diferente, com uma doença que para muitos será crônica e controlável. Mas para aqueles que têm a idade de Pam ou mais, muitos dos quais tomaram decisões sobre carreira e família com base em uma expectativa de vida mais curta, esse impressionante avanço científico os deixou diante de questões existenciais.

Belinda Nell com fotos de suas irmãs Lorryn e Jennifer: as duas morreram de fibrose cística. Foto: João Silva/The New York Times

Uma mulher de 40 anos com fibrose cística sacou o dinheiro da aposentadoria alguns anos atrás para “viver o momento”, ela disse, porque presumiu que morreria antes de qualquer aposentadoria tradicional. Ela está viva agora, mas está sem rumo. Há outros que nunca foram para a faculdade ou planejaram uma carreira porque eles e seus pais acreditavam que sua saúde tornaria tal decisão desnecessária. Interiorizando o prognóstico que tiveram ao nascer, nunca investiram na idade adulta, e ainda assim aqui estão, adultos, com anos pela frente. Aqueles que estavam doentes o suficiente antes do Trikafta para se encontrarem à beira do transplante foram retirados dessa situação. Mas e agora? E eles podem confiar que esse alívio vai durar?

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“Muitos pacientes continuam se ajustando ao impacto dessa era transformadora em suas vidas”, disse a Dra. Manuela Cernadas, pneumologista especializada em fibrose cística no Boston Children’s Hospital e no Brigham and Women’s Hospital, onde trabalho. Mesmo enquanto comemora a melhora da função pulmonar que muitos de seus pacientes tiveram desde o início do Trikafta, ela pensa nos pacientes que morreram pouco antes da aprovação do medicamento ou que receberam transplantes de pulmão apenas para morrer mesmo assim. Eles estavam tão próximos, mas há tanta aleatoriedade nesse tipo de sorte, tantas questões. A Dra. Cernadas também está ciente de que nada disso é simples para pacientes que viveram suas vidas sob a sombra de uma morte precoce.

“É uma tremenda bênção para a maioria dos pacientes, mas também pode ser uma fonte de ansiedade”, observou a Dra. Cernadas. “Você tinha essa ideia de como sua vida seria. É para isso que você se preparou. Mas agora você vai viver muito mais. Pode ser muito para pensar, muito para processar. O que você vai fazer com esse tempo?”

Para alguns, a resposta é comprometer-se totalmente com o futuro e até mesmo repensar as decisões anteriores sobre família. O Trikafta pode aumentar a fertilidade, e as mulheres que há muito pararam de usar anticoncepcionais agora estão grávidas - e saudáveis o suficiente para suportar essas gestações com segurança. É uma espécie de despertar, corpos funcionando como nunca antes. Os médicos também estão vendo um aumento na gravidez planejada, naquelas que há muito decidiram que não deveriam ou não podiam ter filhos, mas agora percebem que ainda há tempo e isso é algo de que não querem se arrepender.

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Existem outras escolhas, pequenos mas comoventes atos de esperança. Um especialista em fibrose cística me contou sobre uma paciente na casa dos 40 anos que finalmente decidiu colocar aparelho para endireitar os dentes tortos e outra que estava planejando um procedimento cosmético nos olhos há muito adiado. Enquanto conversávamos, me peguei pensando em uma jovem com F.C. que conheci há alguns anos. Ela me disse que houve um momento em que ela decidiu começar a usar protetor solar, pensando que talvez fosse viver o suficiente para que os danos do sol importassem.

Um médico chamou essa geração de pacientes de F.C., aqueles na faixa dos 30, 40 e até 50 anos, de uma “geração de transição”. Muitos dos mais jovens nunca saberão como foi para eles nos primeiros anos, quando lhes disseram que talvez não passassem dos 30 anos. Aqueles que já fizeram transplantes de pulmão podem assistir a essa mudança do lado de fora, mas provavelmente não verão um benefício direto dela. Há tanto que ainda não sabemos. Como a doença progredirá para aqueles usando Trikafta? O que acontece com as pessoas com deficiência, que estão mais saudáveis agora, mas talvez não estejam saudáveis o suficiente para voltar ao trabalho em tempo integral? Quais terapias virão a seguir e os medicamentos concorrentes reduzirão o alto custo do Trikafta e tornarão esse tratamento acessível a pessoas em países de baixa e média renda? Mas o aqui e agora é algo notável.

Hoje em dia, Pam está simplesmente animada para experimentar uma vida que antes parecia impossível. Ela voltou a fazer caminhadas de longa distância e está maravilhada com a facilidade com que consegue respirar. Quando chega o inverno, ela sobe nas encostas e, com a ajuda de oxigênio suplementar, pode voltar a praticar um esporte que praticou pela última vez no colégio. Sua função pulmonar continua a melhorar, e melhora a cada visita à clínica. E talvez o mais importante, ela e o marido estão pensando em começar uma família. Ela sonha com uma casa perto da irmã, onde possam viver numa espécie de condomínio familiar, criando os filhos juntos. Não será fácil e nada disso é definitivo, mas há esperança e vida para viver.

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“Como é a minha vida?” perguntou Pam. “Se você me perguntasse três anos atrás, eu não teria sonhado com o quão incrível seria e como tenho sorte de poder pensar tão longe no futuro. Há perguntas. Mas estamos vivendo. Nós somos a pesquisa.” /TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES

The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - Imagine se você soubesse, desde cedo, que provavelmente não viveria além dos 20 anos. Você terminaria o ensino médio, mas e a faculdade? Você se permitiria se apaixonar? Quanto você investiria em um futuro que talvez nunca visse?

Quando Molly Pam nasceu em 1988, essas perguntas impossíveis eram a realidade das pessoas com fibrose cística, uma doença genética que leva à morte precoce por insuficiência pulmonar. Mas Pam tem agora 34 anos. E graças a um novo medicamento que revolucionou o tratamento desta doença, ela provavelmente viverá para comemorar seus 40 e até 50 anos. Sua expectativa de vida mudou drasticamente ao longo de sua vida.

É uma experiência notável e complicada. E à medida que a ciência avança com a terapia genética e tratamentos direcionados contra o câncer que prometem transformar doenças terminais em doenças crônicas, essa também é uma lição sobre o que pode estar por vir.

Rodrigo Rockenbach, 11, que vive com fibrose cística, usa um nebulizador enquanto seus pais assistem. Foto: Dado Galdieri/The New York Times

Pam foi diagnosticada com fibrose cística algumas semanas antes de completar 10 anos. No ensino médio, ela fez um mergulho profundo - descobrindo as memórias de um homem com a doença que ficou surpreso por viver mais de 25 anos. Era isso que a esperava? Embora ela tenha seguido o legado de sua família e feito faculdade em Stanford, depois se mudado para Manhattan, essa questão persistia.

Assim como a realidade de sua função pulmonar limitada. Logo após a faculdade, ela percebeu que seu corpo não suportaria o trabalho em tempo integral. Ainda assim, ela foi capaz de construir uma vida. Ela foi para a escola de culinária e construiu uma carreira como chef freelance. Ela se apaixonou e se casou.

Então, quando ela se aproximou de seu aniversário de 30 anos, tudo começou a desmoronar. Sua função pulmonar despencou sob múltiplas infecções resistentes a medicamentos e um eventual colapso pulmonar. Ela parou de trabalhar e se mudou para a Califórnia para que ela e o marido pudessem ficar perto da família e dos filhos da irmã. Eles não teriam filhos, isso estava claro. A avaliação para um transplante de pulmão começou.

Mas, enquanto se preparava para a possibilidade de um transplante, Pam iniciou uma nova terapia medicamentosa que visa a causa subjacente de sua doença. E agora, três anos depois, ela está mais saudável do que nunca. Sua função pulmonar dobrou. A possibilidade se expande mais uma vez.

Desde sua aprovação em 2019, a terapia medicamentosa, chamada Trikafta (que ainda não está disponível no Brasil), foi anunciada como uma mudança no jogo para a maioria das pessoas com fibrose cística. A doença é causada por defeitos em uma proteína que afeta as células e tecidos do corpo, levando ao acúmulo de muco nos pulmões e outros órgãos. O Trikafta, uma combinação de três drogas, ajuda a proteína defeituosa a funcionar de forma mais eficaz. Sem o muco espesso, as infecções e cicatrizes que o acompanham, os pacientes podem idealmente evitar o inevitável declínio respiratório que caracteriza a vida com F.C.

Algumas pessoas têm mutações genéticas que não permitem que elas se beneficiem do Trikafta, que tem como alvo a mutação mais comum da F.C. Ainda assim, muitos dos nascidos com a doença hoje podem esperar viver até os 60 anos - um prognóstico que provavelmente continuará a melhorar durante suas vidas. Eles crescerão com uma perspectiva totalmente diferente, com uma doença que para muitos será crônica e controlável. Mas para aqueles que têm a idade de Pam ou mais, muitos dos quais tomaram decisões sobre carreira e família com base em uma expectativa de vida mais curta, esse impressionante avanço científico os deixou diante de questões existenciais.

Belinda Nell com fotos de suas irmãs Lorryn e Jennifer: as duas morreram de fibrose cística. Foto: João Silva/The New York Times

Uma mulher de 40 anos com fibrose cística sacou o dinheiro da aposentadoria alguns anos atrás para “viver o momento”, ela disse, porque presumiu que morreria antes de qualquer aposentadoria tradicional. Ela está viva agora, mas está sem rumo. Há outros que nunca foram para a faculdade ou planejaram uma carreira porque eles e seus pais acreditavam que sua saúde tornaria tal decisão desnecessária. Interiorizando o prognóstico que tiveram ao nascer, nunca investiram na idade adulta, e ainda assim aqui estão, adultos, com anos pela frente. Aqueles que estavam doentes o suficiente antes do Trikafta para se encontrarem à beira do transplante foram retirados dessa situação. Mas e agora? E eles podem confiar que esse alívio vai durar?

“Muitos pacientes continuam se ajustando ao impacto dessa era transformadora em suas vidas”, disse a Dra. Manuela Cernadas, pneumologista especializada em fibrose cística no Boston Children’s Hospital e no Brigham and Women’s Hospital, onde trabalho. Mesmo enquanto comemora a melhora da função pulmonar que muitos de seus pacientes tiveram desde o início do Trikafta, ela pensa nos pacientes que morreram pouco antes da aprovação do medicamento ou que receberam transplantes de pulmão apenas para morrer mesmo assim. Eles estavam tão próximos, mas há tanta aleatoriedade nesse tipo de sorte, tantas questões. A Dra. Cernadas também está ciente de que nada disso é simples para pacientes que viveram suas vidas sob a sombra de uma morte precoce.

“É uma tremenda bênção para a maioria dos pacientes, mas também pode ser uma fonte de ansiedade”, observou a Dra. Cernadas. “Você tinha essa ideia de como sua vida seria. É para isso que você se preparou. Mas agora você vai viver muito mais. Pode ser muito para pensar, muito para processar. O que você vai fazer com esse tempo?”

Para alguns, a resposta é comprometer-se totalmente com o futuro e até mesmo repensar as decisões anteriores sobre família. O Trikafta pode aumentar a fertilidade, e as mulheres que há muito pararam de usar anticoncepcionais agora estão grávidas - e saudáveis o suficiente para suportar essas gestações com segurança. É uma espécie de despertar, corpos funcionando como nunca antes. Os médicos também estão vendo um aumento na gravidez planejada, naquelas que há muito decidiram que não deveriam ou não podiam ter filhos, mas agora percebem que ainda há tempo e isso é algo de que não querem se arrepender.

Existem outras escolhas, pequenos mas comoventes atos de esperança. Um especialista em fibrose cística me contou sobre uma paciente na casa dos 40 anos que finalmente decidiu colocar aparelho para endireitar os dentes tortos e outra que estava planejando um procedimento cosmético nos olhos há muito adiado. Enquanto conversávamos, me peguei pensando em uma jovem com F.C. que conheci há alguns anos. Ela me disse que houve um momento em que ela decidiu começar a usar protetor solar, pensando que talvez fosse viver o suficiente para que os danos do sol importassem.

Um médico chamou essa geração de pacientes de F.C., aqueles na faixa dos 30, 40 e até 50 anos, de uma “geração de transição”. Muitos dos mais jovens nunca saberão como foi para eles nos primeiros anos, quando lhes disseram que talvez não passassem dos 30 anos. Aqueles que já fizeram transplantes de pulmão podem assistir a essa mudança do lado de fora, mas provavelmente não verão um benefício direto dela. Há tanto que ainda não sabemos. Como a doença progredirá para aqueles usando Trikafta? O que acontece com as pessoas com deficiência, que estão mais saudáveis agora, mas talvez não estejam saudáveis o suficiente para voltar ao trabalho em tempo integral? Quais terapias virão a seguir e os medicamentos concorrentes reduzirão o alto custo do Trikafta e tornarão esse tratamento acessível a pessoas em países de baixa e média renda? Mas o aqui e agora é algo notável.

Hoje em dia, Pam está simplesmente animada para experimentar uma vida que antes parecia impossível. Ela voltou a fazer caminhadas de longa distância e está maravilhada com a facilidade com que consegue respirar. Quando chega o inverno, ela sobe nas encostas e, com a ajuda de oxigênio suplementar, pode voltar a praticar um esporte que praticou pela última vez no colégio. Sua função pulmonar continua a melhorar, e melhora a cada visita à clínica. E talvez o mais importante, ela e o marido estão pensando em começar uma família. Ela sonha com uma casa perto da irmã, onde possam viver numa espécie de condomínio familiar, criando os filhos juntos. Não será fácil e nada disso é definitivo, mas há esperança e vida para viver.

“Como é a minha vida?” perguntou Pam. “Se você me perguntasse três anos atrás, eu não teria sonhado com o quão incrível seria e como tenho sorte de poder pensar tão longe no futuro. Há perguntas. Mas estamos vivendo. Nós somos a pesquisa.” /TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES

The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - Imagine se você soubesse, desde cedo, que provavelmente não viveria além dos 20 anos. Você terminaria o ensino médio, mas e a faculdade? Você se permitiria se apaixonar? Quanto você investiria em um futuro que talvez nunca visse?

Quando Molly Pam nasceu em 1988, essas perguntas impossíveis eram a realidade das pessoas com fibrose cística, uma doença genética que leva à morte precoce por insuficiência pulmonar. Mas Pam tem agora 34 anos. E graças a um novo medicamento que revolucionou o tratamento desta doença, ela provavelmente viverá para comemorar seus 40 e até 50 anos. Sua expectativa de vida mudou drasticamente ao longo de sua vida.

É uma experiência notável e complicada. E à medida que a ciência avança com a terapia genética e tratamentos direcionados contra o câncer que prometem transformar doenças terminais em doenças crônicas, essa também é uma lição sobre o que pode estar por vir.

Rodrigo Rockenbach, 11, que vive com fibrose cística, usa um nebulizador enquanto seus pais assistem. Foto: Dado Galdieri/The New York Times

Pam foi diagnosticada com fibrose cística algumas semanas antes de completar 10 anos. No ensino médio, ela fez um mergulho profundo - descobrindo as memórias de um homem com a doença que ficou surpreso por viver mais de 25 anos. Era isso que a esperava? Embora ela tenha seguido o legado de sua família e feito faculdade em Stanford, depois se mudado para Manhattan, essa questão persistia.

Assim como a realidade de sua função pulmonar limitada. Logo após a faculdade, ela percebeu que seu corpo não suportaria o trabalho em tempo integral. Ainda assim, ela foi capaz de construir uma vida. Ela foi para a escola de culinária e construiu uma carreira como chef freelance. Ela se apaixonou e se casou.

Então, quando ela se aproximou de seu aniversário de 30 anos, tudo começou a desmoronar. Sua função pulmonar despencou sob múltiplas infecções resistentes a medicamentos e um eventual colapso pulmonar. Ela parou de trabalhar e se mudou para a Califórnia para que ela e o marido pudessem ficar perto da família e dos filhos da irmã. Eles não teriam filhos, isso estava claro. A avaliação para um transplante de pulmão começou.

Mas, enquanto se preparava para a possibilidade de um transplante, Pam iniciou uma nova terapia medicamentosa que visa a causa subjacente de sua doença. E agora, três anos depois, ela está mais saudável do que nunca. Sua função pulmonar dobrou. A possibilidade se expande mais uma vez.

Desde sua aprovação em 2019, a terapia medicamentosa, chamada Trikafta (que ainda não está disponível no Brasil), foi anunciada como uma mudança no jogo para a maioria das pessoas com fibrose cística. A doença é causada por defeitos em uma proteína que afeta as células e tecidos do corpo, levando ao acúmulo de muco nos pulmões e outros órgãos. O Trikafta, uma combinação de três drogas, ajuda a proteína defeituosa a funcionar de forma mais eficaz. Sem o muco espesso, as infecções e cicatrizes que o acompanham, os pacientes podem idealmente evitar o inevitável declínio respiratório que caracteriza a vida com F.C.

Algumas pessoas têm mutações genéticas que não permitem que elas se beneficiem do Trikafta, que tem como alvo a mutação mais comum da F.C. Ainda assim, muitos dos nascidos com a doença hoje podem esperar viver até os 60 anos - um prognóstico que provavelmente continuará a melhorar durante suas vidas. Eles crescerão com uma perspectiva totalmente diferente, com uma doença que para muitos será crônica e controlável. Mas para aqueles que têm a idade de Pam ou mais, muitos dos quais tomaram decisões sobre carreira e família com base em uma expectativa de vida mais curta, esse impressionante avanço científico os deixou diante de questões existenciais.

Belinda Nell com fotos de suas irmãs Lorryn e Jennifer: as duas morreram de fibrose cística. Foto: João Silva/The New York Times

Uma mulher de 40 anos com fibrose cística sacou o dinheiro da aposentadoria alguns anos atrás para “viver o momento”, ela disse, porque presumiu que morreria antes de qualquer aposentadoria tradicional. Ela está viva agora, mas está sem rumo. Há outros que nunca foram para a faculdade ou planejaram uma carreira porque eles e seus pais acreditavam que sua saúde tornaria tal decisão desnecessária. Interiorizando o prognóstico que tiveram ao nascer, nunca investiram na idade adulta, e ainda assim aqui estão, adultos, com anos pela frente. Aqueles que estavam doentes o suficiente antes do Trikafta para se encontrarem à beira do transplante foram retirados dessa situação. Mas e agora? E eles podem confiar que esse alívio vai durar?

“Muitos pacientes continuam se ajustando ao impacto dessa era transformadora em suas vidas”, disse a Dra. Manuela Cernadas, pneumologista especializada em fibrose cística no Boston Children’s Hospital e no Brigham and Women’s Hospital, onde trabalho. Mesmo enquanto comemora a melhora da função pulmonar que muitos de seus pacientes tiveram desde o início do Trikafta, ela pensa nos pacientes que morreram pouco antes da aprovação do medicamento ou que receberam transplantes de pulmão apenas para morrer mesmo assim. Eles estavam tão próximos, mas há tanta aleatoriedade nesse tipo de sorte, tantas questões. A Dra. Cernadas também está ciente de que nada disso é simples para pacientes que viveram suas vidas sob a sombra de uma morte precoce.

“É uma tremenda bênção para a maioria dos pacientes, mas também pode ser uma fonte de ansiedade”, observou a Dra. Cernadas. “Você tinha essa ideia de como sua vida seria. É para isso que você se preparou. Mas agora você vai viver muito mais. Pode ser muito para pensar, muito para processar. O que você vai fazer com esse tempo?”

Para alguns, a resposta é comprometer-se totalmente com o futuro e até mesmo repensar as decisões anteriores sobre família. O Trikafta pode aumentar a fertilidade, e as mulheres que há muito pararam de usar anticoncepcionais agora estão grávidas - e saudáveis o suficiente para suportar essas gestações com segurança. É uma espécie de despertar, corpos funcionando como nunca antes. Os médicos também estão vendo um aumento na gravidez planejada, naquelas que há muito decidiram que não deveriam ou não podiam ter filhos, mas agora percebem que ainda há tempo e isso é algo de que não querem se arrepender.

Existem outras escolhas, pequenos mas comoventes atos de esperança. Um especialista em fibrose cística me contou sobre uma paciente na casa dos 40 anos que finalmente decidiu colocar aparelho para endireitar os dentes tortos e outra que estava planejando um procedimento cosmético nos olhos há muito adiado. Enquanto conversávamos, me peguei pensando em uma jovem com F.C. que conheci há alguns anos. Ela me disse que houve um momento em que ela decidiu começar a usar protetor solar, pensando que talvez fosse viver o suficiente para que os danos do sol importassem.

Um médico chamou essa geração de pacientes de F.C., aqueles na faixa dos 30, 40 e até 50 anos, de uma “geração de transição”. Muitos dos mais jovens nunca saberão como foi para eles nos primeiros anos, quando lhes disseram que talvez não passassem dos 30 anos. Aqueles que já fizeram transplantes de pulmão podem assistir a essa mudança do lado de fora, mas provavelmente não verão um benefício direto dela. Há tanto que ainda não sabemos. Como a doença progredirá para aqueles usando Trikafta? O que acontece com as pessoas com deficiência, que estão mais saudáveis agora, mas talvez não estejam saudáveis o suficiente para voltar ao trabalho em tempo integral? Quais terapias virão a seguir e os medicamentos concorrentes reduzirão o alto custo do Trikafta e tornarão esse tratamento acessível a pessoas em países de baixa e média renda? Mas o aqui e agora é algo notável.

Hoje em dia, Pam está simplesmente animada para experimentar uma vida que antes parecia impossível. Ela voltou a fazer caminhadas de longa distância e está maravilhada com a facilidade com que consegue respirar. Quando chega o inverno, ela sobe nas encostas e, com a ajuda de oxigênio suplementar, pode voltar a praticar um esporte que praticou pela última vez no colégio. Sua função pulmonar continua a melhorar, e melhora a cada visita à clínica. E talvez o mais importante, ela e o marido estão pensando em começar uma família. Ela sonha com uma casa perto da irmã, onde possam viver numa espécie de condomínio familiar, criando os filhos juntos. Não será fácil e nada disso é definitivo, mas há esperança e vida para viver.

“Como é a minha vida?” perguntou Pam. “Se você me perguntasse três anos atrás, eu não teria sonhado com o quão incrível seria e como tenho sorte de poder pensar tão longe no futuro. Há perguntas. Mas estamos vivendo. Nós somos a pesquisa.” /TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES

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