Último lançamento do Depeche Mode flerta com a morte mais que qualquer outro álbum da banda


Dave Gahan e Martin Gore voltaram com o 15º disco do grupo, mas depois de perder o colega de banda Andy Fletcher no ano passado, seu retorno era tudo menos certo

Por Alex Pappademas
Atualização:

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - Martin Gore, que agora é 50% do Depeche Mode, trabalha em um estúdio em uma colina baixa perto de Santa Bárbara, escondido atrás de uma folhagem verdejante e arbustos com flores perfumadas.

Em uma manhã de terça-feira em janeiro, ele se sentou em um console no centro da sala de controle, que era espaçosa, organizada e cheia de sol do inverno da Califórnia - um lugar limpo e bem iluminado para fazer canções sobre poder, desejo, fé e um mundo girando cada vez mais longe de seu eixo.

Dave Gahan, à direita, e Martin Gore, ao fundo, integrantes remanescentes do Depeche Mode durante show em Roma  Foto: Ettore Ferrari/EFE/EPA
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Gore usava roupas pretas e botas pretas impecáveis. Ele parecia um inglês que passou décadas na Califórnia - bronzeado vibrante, dentes brancos e alinhados. Ele tinha o corte de cabelo que você faria se pedisse a um barbeiro experiente para lhe fazer um corte no estilo “Martin Gore”: alto e firme, com vários centímetros de tufo rebelde no topo.

Dois verões atrás, Gore fez 60 anos e “isso realmente foi um soco na cara”, disse ele com uma risada mórbida.

“Eu particularmente não sinto que tenho 60 anos, mas você tem que aceitar os fatos. Parece que você já tem pé na cova, pelo menos”.

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No primeiro semestre deste ano, o Depeche Mode lançou seu 15º álbum, gravado principalmente neste estúdio, por uma equipe reduzida da era pandêmica: Gore; o vocalista Dave Gahan; o produtor James Ford (Florence + the Machine, Arctic Monkeys); e uma engenheira/co-produtora, Marta Salogni. Como sempre, o som é sombrio e elegante, sardônico, mas comovente - música para amantes em compartimentos de trem-bala revestidos de couro preto correndo em direção a destinos sinistros.

O título é Memento Mori e o tema dominante é a mortalidade - o que não é, em si, um desvio.

“A morte está em toda parte”, escreveu Gore anos atrás em uma música chamada Fly on the Windscreen, cujo narrador canta: “Venha aqui, me beije agora”, porque nunca se sabe.

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Obsessão pela morte

Memento Mori, no entanto, é um álbum obcecado pela morte até mesmo para os padrões do Depeche, com letras cheias de fantasmas, anjos e flores fúnebres. Gore disse que sua própria mortalidade estava em sua mente, junto com a covid-19, que ainda estava destruindo a população mundial, já que ele escreveu em 2020.

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Mas Gore sabe que o álbum e seu título estão destinados a ser lidos por uma lente diferente. Em maio de 2022, Andy Fletcher, conhecido como Fletch, morreu aos 60 anos de dissecção aórtica. Fletcher foi um membro fundador do Depeche Mode; ele e Gore eram amigos desde a escola primária.

Nominalmente um tecladista, Fletch desempenhou um papel nebuloso, mas espiritualmente indispensável: em algum lugar entre gerente, supervisor de controle de qualidade e superfã.

“Sem Andy, não haveria Depeche Mode”, disse o locutor de rádio de longa data e fã do Depeche, Richard Blade, em uma entrevista por vídeo. “Não foi ele quem compôs as músicas, mas foi ele quem as juntou.”

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Gore viu Fletcher pessoalmente pela última vez em 2019, em um casamento na Inglaterra. Ele morreu poucas semanas antes de a banda começar a gravar Memento Mori, a primeira coleção de músicas do Depeche Mode que ele nunca ouvirá.

Gore e Gahan dizem que se perguntaram se poderiam ou deveriam continuar sem ele. Mas o Depeche Mode sobreviveu a eventos que potencialmente teriam acabado com a banda antes, começando com a saída de Vince Clarke, um membro fundador que deixou o grupo em 1981 após o lançamento de seu álbum de estreia, Speak & Spell, no qual ele foi o compositor principal.

Nos anos 1990, a banda resistiu à ascensão do grunge - que tornou sintetizadores e baterias eletrônicas temporariamente um tabu - bem como a saída do tecladista Alan Wilder e a luta de Gahan contra o vício em heroína. (Tecnicamente, Gahan é o primeiro membro do Depeche Mode a morrer. Em 1996, após uma overdose, ele disse que ficou sem batimentos cardíacos por dois minutos antes que os paramédicos o reanimassem. Ele está limpo e sóbrio desde então.)

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Início por baixo

Desde o início ridicularizado pela imprensa de rock britânica, o Depeche Mode conquistou adeptos na América, particularmente no sul da Califórnia, onde os fãs da banda incluíam Blade, então um influente DJ da KROQ-FM. O avanço nos Estados Unidos veio com o álbum de platina Some Great Reward em 1984 e o single People Are People, um lamento anti-preconceito estranhamente estridente que se tornou um sucesso de rádio pop, bem como um hino de clubes gay.

A comunidade gay foi apenas uma das muitas subculturas díspares a partir das quais o Depeche Mode construiu uma base de fãs. Na Costa Oeste, disse Blade, a banda conquistou “os garotos brancos que iam surfar”, mas também se conectou com ouvintes latinos que ouviram um reflexo de sua própria experiência nos hinos desajustados do Depeche Mode.

Gore concordou que a banda se tornou um terreno comum para aqueles que sentiam que não pertenciam: “Acho que a humanidade é composta de muitos outsiders, e essa é uma das razões pelas quais conseguimos nos sair tão bem”.

Em 1988, o grupo era grande o suficiente para lotar o Rose Bowl em Pasadena, Califórnia, um show documentado no filme do cineasta D.A. Pennebaker Depeche Mode 101. O álbum triplo de platina Violator, lançado dois anos depois, rendeu singles de sucesso como Personal Jesus e Enjoy the Silence.

Esse álbum foi o pico comercial da banda na América; com a exceção de uma coleção de singles de 2005, nenhum novo álbum do Depeche Mode foi certificado como ouro nos Estados Unidos em 22 anos. Mas, enquanto houver novos adolescentes, sempre haverá novos fãs do Depeche Mode, preparados para responder a letras como “Tudo parece tão estúpido que me faz querer desistir / Mas por que devo desistir quando tudo parece tão estúpido?”

Em uma entrevista por vídeo de Nova York, onde mora desde o final dos anos 90, Gahan apareceu na tela contra o que parecia ser uma parede de veludo vermelho. Parecia o forro de um caixão, o que gerou uma pergunta sobre o boato de que Gahan dormiu em um caixão durante a supostamente devassa Devotional Tour do Depeche Mode em 1993. (Não é verdade, Gahan disse - embora ele possuísse uma cama em forma de caixão naquela época e uma vez tenha tirado uma soneca em um caixão de verdade que um carpinteiro deixou nos bastidores para ele. Mas apenas uma vez.)

Em 2019, Gahan e sua banda Soulsavers gravaram Imposter, uma coleção de 12 covers dramáticos de canções que ficaram famosas por artistas como Nat King Cole e Cat Power, interpretadas por Gahan de uma maneira que evocava Tom Jones e Nick Cave. Engavetado durante a pandemia, o álbum finalmente saiu em novembro de 2021. No mês seguinte, quando Gahan tocou as músicas em alguns shows na Europa, parecia o fim de algo; ele passou aquele Natal se perguntando se continuaria fazendo música.

Durante a covid, ele disse, gostou de ficar em casa, cercado por familiares e amigos, finalmente passando um tempo em uma casa de férias em Montauk, em Long Island, que mal conseguia usar.

“Posso caminhar na praia no inverno. Você não vê ninguém”, disse ele. “Estou por aí tocando minha guitarra junto com os discos dos Stones. Eu fico tipo, ‘Eu gosto da minha vida agora. Por que eu iria querer interromper tudo isso para fazer um disco do Depeche Mode, que vai me tirar disso pelos próximos três anos?’”

As sessões de gravação do álbum anterior do Depeche Mode, Spirit, foram controversas. Desde a saída de Clarke, houve uma clara divisão de trabalho na banda. Gore escreveu praticamente todas as letras e Gahan cantou as letras de Gore. Mas no início dos anos 2000, Gahan começou a fazer álbuns solo e também a trazer suas próprias canções para as sessões do Depeche Mode.

“Martin não gostou muito de algumas das músicas de Dave”, disse o produtor de Spirit, Ford, “e Dave estava pressionando muito para que elas entrassem no álbum. Foi muito, muito difícil.”

Ford disse que foi informado pela administração do Depeche que o projeto estava em risco. Sua solução foi banir todos, exceto Gahan e Gore, do estúdio - incluindo Fletcher, que tradicionalmente acalmava as coisas.

“Fletch não gostou disso”, disse Gahan. “Acho que, no final, nosso empresário Jonathan teve que tirá-lo literalmente, fisicamente”.

Ford disse que o dia seguinte parecia uma sessão de terapia de casal. Gahan lembrou que o confronto “foi muito difícil. Depois de todos esses anos, ele disse algumas coisas. Eu disse algumas coisas”.

Eles apararam as arestas o suficiente para terminar Spirit, lançado em 2017. E Gahan disse que todas as reservas que ele tinha sobre fazer o próximo álbum desapareceram no momento em que ouviu a demo de Gore para a música Ghosts Again.

“Eu pensei, ‘Mal posso esperar para cantar essa música’.”

Então chegou maio e, de repente, Fletcher estava morto.

“Senti, imediatamente, que precisava apoiar Martin”, disse Gahan. “Tipo, ‘eu tenho que cuidar dele; isso é realmente muito mais difícil para Martin do que para mim.’”

Eles decidiram seguir em frente com Memento Mori e, de acordo com Gore e Gahan, a morte de Fletcher promoveu uma intimidade que eles nunca experimentaram em 40 anos como companheiros de banda.

“Toda decisão que precisa ser tomada deve ser feita por nós dois agora”, disse Gore.

O clima nas sessões, disse Ford, “era muito sombrio”. Mas também houve muitas reminiscências - histórias de Fletcher contadas durante longos almoços.

“Foi honestamente uma experiência realmente adorável e bonita”, disse ele. /TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES

The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - Martin Gore, que agora é 50% do Depeche Mode, trabalha em um estúdio em uma colina baixa perto de Santa Bárbara, escondido atrás de uma folhagem verdejante e arbustos com flores perfumadas.

Em uma manhã de terça-feira em janeiro, ele se sentou em um console no centro da sala de controle, que era espaçosa, organizada e cheia de sol do inverno da Califórnia - um lugar limpo e bem iluminado para fazer canções sobre poder, desejo, fé e um mundo girando cada vez mais longe de seu eixo.

Dave Gahan, à direita, e Martin Gore, ao fundo, integrantes remanescentes do Depeche Mode durante show em Roma  Foto: Ettore Ferrari/EFE/EPA

Gore usava roupas pretas e botas pretas impecáveis. Ele parecia um inglês que passou décadas na Califórnia - bronzeado vibrante, dentes brancos e alinhados. Ele tinha o corte de cabelo que você faria se pedisse a um barbeiro experiente para lhe fazer um corte no estilo “Martin Gore”: alto e firme, com vários centímetros de tufo rebelde no topo.

Dois verões atrás, Gore fez 60 anos e “isso realmente foi um soco na cara”, disse ele com uma risada mórbida.

“Eu particularmente não sinto que tenho 60 anos, mas você tem que aceitar os fatos. Parece que você já tem pé na cova, pelo menos”.

No primeiro semestre deste ano, o Depeche Mode lançou seu 15º álbum, gravado principalmente neste estúdio, por uma equipe reduzida da era pandêmica: Gore; o vocalista Dave Gahan; o produtor James Ford (Florence + the Machine, Arctic Monkeys); e uma engenheira/co-produtora, Marta Salogni. Como sempre, o som é sombrio e elegante, sardônico, mas comovente - música para amantes em compartimentos de trem-bala revestidos de couro preto correndo em direção a destinos sinistros.

O título é Memento Mori e o tema dominante é a mortalidade - o que não é, em si, um desvio.

“A morte está em toda parte”, escreveu Gore anos atrás em uma música chamada Fly on the Windscreen, cujo narrador canta: “Venha aqui, me beije agora”, porque nunca se sabe.

Obsessão pela morte

Memento Mori, no entanto, é um álbum obcecado pela morte até mesmo para os padrões do Depeche, com letras cheias de fantasmas, anjos e flores fúnebres. Gore disse que sua própria mortalidade estava em sua mente, junto com a covid-19, que ainda estava destruindo a população mundial, já que ele escreveu em 2020.

Mas Gore sabe que o álbum e seu título estão destinados a ser lidos por uma lente diferente. Em maio de 2022, Andy Fletcher, conhecido como Fletch, morreu aos 60 anos de dissecção aórtica. Fletcher foi um membro fundador do Depeche Mode; ele e Gore eram amigos desde a escola primária.

Nominalmente um tecladista, Fletch desempenhou um papel nebuloso, mas espiritualmente indispensável: em algum lugar entre gerente, supervisor de controle de qualidade e superfã.

“Sem Andy, não haveria Depeche Mode”, disse o locutor de rádio de longa data e fã do Depeche, Richard Blade, em uma entrevista por vídeo. “Não foi ele quem compôs as músicas, mas foi ele quem as juntou.”

Gore viu Fletcher pessoalmente pela última vez em 2019, em um casamento na Inglaterra. Ele morreu poucas semanas antes de a banda começar a gravar Memento Mori, a primeira coleção de músicas do Depeche Mode que ele nunca ouvirá.

Gore e Gahan dizem que se perguntaram se poderiam ou deveriam continuar sem ele. Mas o Depeche Mode sobreviveu a eventos que potencialmente teriam acabado com a banda antes, começando com a saída de Vince Clarke, um membro fundador que deixou o grupo em 1981 após o lançamento de seu álbum de estreia, Speak & Spell, no qual ele foi o compositor principal.

Nos anos 1990, a banda resistiu à ascensão do grunge - que tornou sintetizadores e baterias eletrônicas temporariamente um tabu - bem como a saída do tecladista Alan Wilder e a luta de Gahan contra o vício em heroína. (Tecnicamente, Gahan é o primeiro membro do Depeche Mode a morrer. Em 1996, após uma overdose, ele disse que ficou sem batimentos cardíacos por dois minutos antes que os paramédicos o reanimassem. Ele está limpo e sóbrio desde então.)

Início por baixo

Desde o início ridicularizado pela imprensa de rock britânica, o Depeche Mode conquistou adeptos na América, particularmente no sul da Califórnia, onde os fãs da banda incluíam Blade, então um influente DJ da KROQ-FM. O avanço nos Estados Unidos veio com o álbum de platina Some Great Reward em 1984 e o single People Are People, um lamento anti-preconceito estranhamente estridente que se tornou um sucesso de rádio pop, bem como um hino de clubes gay.

A comunidade gay foi apenas uma das muitas subculturas díspares a partir das quais o Depeche Mode construiu uma base de fãs. Na Costa Oeste, disse Blade, a banda conquistou “os garotos brancos que iam surfar”, mas também se conectou com ouvintes latinos que ouviram um reflexo de sua própria experiência nos hinos desajustados do Depeche Mode.

Gore concordou que a banda se tornou um terreno comum para aqueles que sentiam que não pertenciam: “Acho que a humanidade é composta de muitos outsiders, e essa é uma das razões pelas quais conseguimos nos sair tão bem”.

Em 1988, o grupo era grande o suficiente para lotar o Rose Bowl em Pasadena, Califórnia, um show documentado no filme do cineasta D.A. Pennebaker Depeche Mode 101. O álbum triplo de platina Violator, lançado dois anos depois, rendeu singles de sucesso como Personal Jesus e Enjoy the Silence.

Esse álbum foi o pico comercial da banda na América; com a exceção de uma coleção de singles de 2005, nenhum novo álbum do Depeche Mode foi certificado como ouro nos Estados Unidos em 22 anos. Mas, enquanto houver novos adolescentes, sempre haverá novos fãs do Depeche Mode, preparados para responder a letras como “Tudo parece tão estúpido que me faz querer desistir / Mas por que devo desistir quando tudo parece tão estúpido?”

Em uma entrevista por vídeo de Nova York, onde mora desde o final dos anos 90, Gahan apareceu na tela contra o que parecia ser uma parede de veludo vermelho. Parecia o forro de um caixão, o que gerou uma pergunta sobre o boato de que Gahan dormiu em um caixão durante a supostamente devassa Devotional Tour do Depeche Mode em 1993. (Não é verdade, Gahan disse - embora ele possuísse uma cama em forma de caixão naquela época e uma vez tenha tirado uma soneca em um caixão de verdade que um carpinteiro deixou nos bastidores para ele. Mas apenas uma vez.)

Em 2019, Gahan e sua banda Soulsavers gravaram Imposter, uma coleção de 12 covers dramáticos de canções que ficaram famosas por artistas como Nat King Cole e Cat Power, interpretadas por Gahan de uma maneira que evocava Tom Jones e Nick Cave. Engavetado durante a pandemia, o álbum finalmente saiu em novembro de 2021. No mês seguinte, quando Gahan tocou as músicas em alguns shows na Europa, parecia o fim de algo; ele passou aquele Natal se perguntando se continuaria fazendo música.

Durante a covid, ele disse, gostou de ficar em casa, cercado por familiares e amigos, finalmente passando um tempo em uma casa de férias em Montauk, em Long Island, que mal conseguia usar.

“Posso caminhar na praia no inverno. Você não vê ninguém”, disse ele. “Estou por aí tocando minha guitarra junto com os discos dos Stones. Eu fico tipo, ‘Eu gosto da minha vida agora. Por que eu iria querer interromper tudo isso para fazer um disco do Depeche Mode, que vai me tirar disso pelos próximos três anos?’”

As sessões de gravação do álbum anterior do Depeche Mode, Spirit, foram controversas. Desde a saída de Clarke, houve uma clara divisão de trabalho na banda. Gore escreveu praticamente todas as letras e Gahan cantou as letras de Gore. Mas no início dos anos 2000, Gahan começou a fazer álbuns solo e também a trazer suas próprias canções para as sessões do Depeche Mode.

“Martin não gostou muito de algumas das músicas de Dave”, disse o produtor de Spirit, Ford, “e Dave estava pressionando muito para que elas entrassem no álbum. Foi muito, muito difícil.”

Ford disse que foi informado pela administração do Depeche que o projeto estava em risco. Sua solução foi banir todos, exceto Gahan e Gore, do estúdio - incluindo Fletcher, que tradicionalmente acalmava as coisas.

“Fletch não gostou disso”, disse Gahan. “Acho que, no final, nosso empresário Jonathan teve que tirá-lo literalmente, fisicamente”.

Ford disse que o dia seguinte parecia uma sessão de terapia de casal. Gahan lembrou que o confronto “foi muito difícil. Depois de todos esses anos, ele disse algumas coisas. Eu disse algumas coisas”.

Eles apararam as arestas o suficiente para terminar Spirit, lançado em 2017. E Gahan disse que todas as reservas que ele tinha sobre fazer o próximo álbum desapareceram no momento em que ouviu a demo de Gore para a música Ghosts Again.

“Eu pensei, ‘Mal posso esperar para cantar essa música’.”

Então chegou maio e, de repente, Fletcher estava morto.

“Senti, imediatamente, que precisava apoiar Martin”, disse Gahan. “Tipo, ‘eu tenho que cuidar dele; isso é realmente muito mais difícil para Martin do que para mim.’”

Eles decidiram seguir em frente com Memento Mori e, de acordo com Gore e Gahan, a morte de Fletcher promoveu uma intimidade que eles nunca experimentaram em 40 anos como companheiros de banda.

“Toda decisão que precisa ser tomada deve ser feita por nós dois agora”, disse Gore.

O clima nas sessões, disse Ford, “era muito sombrio”. Mas também houve muitas reminiscências - histórias de Fletcher contadas durante longos almoços.

“Foi honestamente uma experiência realmente adorável e bonita”, disse ele. /TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES

The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - Martin Gore, que agora é 50% do Depeche Mode, trabalha em um estúdio em uma colina baixa perto de Santa Bárbara, escondido atrás de uma folhagem verdejante e arbustos com flores perfumadas.

Em uma manhã de terça-feira em janeiro, ele se sentou em um console no centro da sala de controle, que era espaçosa, organizada e cheia de sol do inverno da Califórnia - um lugar limpo e bem iluminado para fazer canções sobre poder, desejo, fé e um mundo girando cada vez mais longe de seu eixo.

Dave Gahan, à direita, e Martin Gore, ao fundo, integrantes remanescentes do Depeche Mode durante show em Roma  Foto: Ettore Ferrari/EFE/EPA

Gore usava roupas pretas e botas pretas impecáveis. Ele parecia um inglês que passou décadas na Califórnia - bronzeado vibrante, dentes brancos e alinhados. Ele tinha o corte de cabelo que você faria se pedisse a um barbeiro experiente para lhe fazer um corte no estilo “Martin Gore”: alto e firme, com vários centímetros de tufo rebelde no topo.

Dois verões atrás, Gore fez 60 anos e “isso realmente foi um soco na cara”, disse ele com uma risada mórbida.

“Eu particularmente não sinto que tenho 60 anos, mas você tem que aceitar os fatos. Parece que você já tem pé na cova, pelo menos”.

No primeiro semestre deste ano, o Depeche Mode lançou seu 15º álbum, gravado principalmente neste estúdio, por uma equipe reduzida da era pandêmica: Gore; o vocalista Dave Gahan; o produtor James Ford (Florence + the Machine, Arctic Monkeys); e uma engenheira/co-produtora, Marta Salogni. Como sempre, o som é sombrio e elegante, sardônico, mas comovente - música para amantes em compartimentos de trem-bala revestidos de couro preto correndo em direção a destinos sinistros.

O título é Memento Mori e o tema dominante é a mortalidade - o que não é, em si, um desvio.

“A morte está em toda parte”, escreveu Gore anos atrás em uma música chamada Fly on the Windscreen, cujo narrador canta: “Venha aqui, me beije agora”, porque nunca se sabe.

Obsessão pela morte

Memento Mori, no entanto, é um álbum obcecado pela morte até mesmo para os padrões do Depeche, com letras cheias de fantasmas, anjos e flores fúnebres. Gore disse que sua própria mortalidade estava em sua mente, junto com a covid-19, que ainda estava destruindo a população mundial, já que ele escreveu em 2020.

Mas Gore sabe que o álbum e seu título estão destinados a ser lidos por uma lente diferente. Em maio de 2022, Andy Fletcher, conhecido como Fletch, morreu aos 60 anos de dissecção aórtica. Fletcher foi um membro fundador do Depeche Mode; ele e Gore eram amigos desde a escola primária.

Nominalmente um tecladista, Fletch desempenhou um papel nebuloso, mas espiritualmente indispensável: em algum lugar entre gerente, supervisor de controle de qualidade e superfã.

“Sem Andy, não haveria Depeche Mode”, disse o locutor de rádio de longa data e fã do Depeche, Richard Blade, em uma entrevista por vídeo. “Não foi ele quem compôs as músicas, mas foi ele quem as juntou.”

Gore viu Fletcher pessoalmente pela última vez em 2019, em um casamento na Inglaterra. Ele morreu poucas semanas antes de a banda começar a gravar Memento Mori, a primeira coleção de músicas do Depeche Mode que ele nunca ouvirá.

Gore e Gahan dizem que se perguntaram se poderiam ou deveriam continuar sem ele. Mas o Depeche Mode sobreviveu a eventos que potencialmente teriam acabado com a banda antes, começando com a saída de Vince Clarke, um membro fundador que deixou o grupo em 1981 após o lançamento de seu álbum de estreia, Speak & Spell, no qual ele foi o compositor principal.

Nos anos 1990, a banda resistiu à ascensão do grunge - que tornou sintetizadores e baterias eletrônicas temporariamente um tabu - bem como a saída do tecladista Alan Wilder e a luta de Gahan contra o vício em heroína. (Tecnicamente, Gahan é o primeiro membro do Depeche Mode a morrer. Em 1996, após uma overdose, ele disse que ficou sem batimentos cardíacos por dois minutos antes que os paramédicos o reanimassem. Ele está limpo e sóbrio desde então.)

Início por baixo

Desde o início ridicularizado pela imprensa de rock britânica, o Depeche Mode conquistou adeptos na América, particularmente no sul da Califórnia, onde os fãs da banda incluíam Blade, então um influente DJ da KROQ-FM. O avanço nos Estados Unidos veio com o álbum de platina Some Great Reward em 1984 e o single People Are People, um lamento anti-preconceito estranhamente estridente que se tornou um sucesso de rádio pop, bem como um hino de clubes gay.

A comunidade gay foi apenas uma das muitas subculturas díspares a partir das quais o Depeche Mode construiu uma base de fãs. Na Costa Oeste, disse Blade, a banda conquistou “os garotos brancos que iam surfar”, mas também se conectou com ouvintes latinos que ouviram um reflexo de sua própria experiência nos hinos desajustados do Depeche Mode.

Gore concordou que a banda se tornou um terreno comum para aqueles que sentiam que não pertenciam: “Acho que a humanidade é composta de muitos outsiders, e essa é uma das razões pelas quais conseguimos nos sair tão bem”.

Em 1988, o grupo era grande o suficiente para lotar o Rose Bowl em Pasadena, Califórnia, um show documentado no filme do cineasta D.A. Pennebaker Depeche Mode 101. O álbum triplo de platina Violator, lançado dois anos depois, rendeu singles de sucesso como Personal Jesus e Enjoy the Silence.

Esse álbum foi o pico comercial da banda na América; com a exceção de uma coleção de singles de 2005, nenhum novo álbum do Depeche Mode foi certificado como ouro nos Estados Unidos em 22 anos. Mas, enquanto houver novos adolescentes, sempre haverá novos fãs do Depeche Mode, preparados para responder a letras como “Tudo parece tão estúpido que me faz querer desistir / Mas por que devo desistir quando tudo parece tão estúpido?”

Em uma entrevista por vídeo de Nova York, onde mora desde o final dos anos 90, Gahan apareceu na tela contra o que parecia ser uma parede de veludo vermelho. Parecia o forro de um caixão, o que gerou uma pergunta sobre o boato de que Gahan dormiu em um caixão durante a supostamente devassa Devotional Tour do Depeche Mode em 1993. (Não é verdade, Gahan disse - embora ele possuísse uma cama em forma de caixão naquela época e uma vez tenha tirado uma soneca em um caixão de verdade que um carpinteiro deixou nos bastidores para ele. Mas apenas uma vez.)

Em 2019, Gahan e sua banda Soulsavers gravaram Imposter, uma coleção de 12 covers dramáticos de canções que ficaram famosas por artistas como Nat King Cole e Cat Power, interpretadas por Gahan de uma maneira que evocava Tom Jones e Nick Cave. Engavetado durante a pandemia, o álbum finalmente saiu em novembro de 2021. No mês seguinte, quando Gahan tocou as músicas em alguns shows na Europa, parecia o fim de algo; ele passou aquele Natal se perguntando se continuaria fazendo música.

Durante a covid, ele disse, gostou de ficar em casa, cercado por familiares e amigos, finalmente passando um tempo em uma casa de férias em Montauk, em Long Island, que mal conseguia usar.

“Posso caminhar na praia no inverno. Você não vê ninguém”, disse ele. “Estou por aí tocando minha guitarra junto com os discos dos Stones. Eu fico tipo, ‘Eu gosto da minha vida agora. Por que eu iria querer interromper tudo isso para fazer um disco do Depeche Mode, que vai me tirar disso pelos próximos três anos?’”

As sessões de gravação do álbum anterior do Depeche Mode, Spirit, foram controversas. Desde a saída de Clarke, houve uma clara divisão de trabalho na banda. Gore escreveu praticamente todas as letras e Gahan cantou as letras de Gore. Mas no início dos anos 2000, Gahan começou a fazer álbuns solo e também a trazer suas próprias canções para as sessões do Depeche Mode.

“Martin não gostou muito de algumas das músicas de Dave”, disse o produtor de Spirit, Ford, “e Dave estava pressionando muito para que elas entrassem no álbum. Foi muito, muito difícil.”

Ford disse que foi informado pela administração do Depeche que o projeto estava em risco. Sua solução foi banir todos, exceto Gahan e Gore, do estúdio - incluindo Fletcher, que tradicionalmente acalmava as coisas.

“Fletch não gostou disso”, disse Gahan. “Acho que, no final, nosso empresário Jonathan teve que tirá-lo literalmente, fisicamente”.

Ford disse que o dia seguinte parecia uma sessão de terapia de casal. Gahan lembrou que o confronto “foi muito difícil. Depois de todos esses anos, ele disse algumas coisas. Eu disse algumas coisas”.

Eles apararam as arestas o suficiente para terminar Spirit, lançado em 2017. E Gahan disse que todas as reservas que ele tinha sobre fazer o próximo álbum desapareceram no momento em que ouviu a demo de Gore para a música Ghosts Again.

“Eu pensei, ‘Mal posso esperar para cantar essa música’.”

Então chegou maio e, de repente, Fletcher estava morto.

“Senti, imediatamente, que precisava apoiar Martin”, disse Gahan. “Tipo, ‘eu tenho que cuidar dele; isso é realmente muito mais difícil para Martin do que para mim.’”

Eles decidiram seguir em frente com Memento Mori e, de acordo com Gore e Gahan, a morte de Fletcher promoveu uma intimidade que eles nunca experimentaram em 40 anos como companheiros de banda.

“Toda decisão que precisa ser tomada deve ser feita por nós dois agora”, disse Gore.

O clima nas sessões, disse Ford, “era muito sombrio”. Mas também houve muitas reminiscências - histórias de Fletcher contadas durante longos almoços.

“Foi honestamente uma experiência realmente adorável e bonita”, disse ele. /TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES

The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - Martin Gore, que agora é 50% do Depeche Mode, trabalha em um estúdio em uma colina baixa perto de Santa Bárbara, escondido atrás de uma folhagem verdejante e arbustos com flores perfumadas.

Em uma manhã de terça-feira em janeiro, ele se sentou em um console no centro da sala de controle, que era espaçosa, organizada e cheia de sol do inverno da Califórnia - um lugar limpo e bem iluminado para fazer canções sobre poder, desejo, fé e um mundo girando cada vez mais longe de seu eixo.

Dave Gahan, à direita, e Martin Gore, ao fundo, integrantes remanescentes do Depeche Mode durante show em Roma  Foto: Ettore Ferrari/EFE/EPA

Gore usava roupas pretas e botas pretas impecáveis. Ele parecia um inglês que passou décadas na Califórnia - bronzeado vibrante, dentes brancos e alinhados. Ele tinha o corte de cabelo que você faria se pedisse a um barbeiro experiente para lhe fazer um corte no estilo “Martin Gore”: alto e firme, com vários centímetros de tufo rebelde no topo.

Dois verões atrás, Gore fez 60 anos e “isso realmente foi um soco na cara”, disse ele com uma risada mórbida.

“Eu particularmente não sinto que tenho 60 anos, mas você tem que aceitar os fatos. Parece que você já tem pé na cova, pelo menos”.

No primeiro semestre deste ano, o Depeche Mode lançou seu 15º álbum, gravado principalmente neste estúdio, por uma equipe reduzida da era pandêmica: Gore; o vocalista Dave Gahan; o produtor James Ford (Florence + the Machine, Arctic Monkeys); e uma engenheira/co-produtora, Marta Salogni. Como sempre, o som é sombrio e elegante, sardônico, mas comovente - música para amantes em compartimentos de trem-bala revestidos de couro preto correndo em direção a destinos sinistros.

O título é Memento Mori e o tema dominante é a mortalidade - o que não é, em si, um desvio.

“A morte está em toda parte”, escreveu Gore anos atrás em uma música chamada Fly on the Windscreen, cujo narrador canta: “Venha aqui, me beije agora”, porque nunca se sabe.

Obsessão pela morte

Memento Mori, no entanto, é um álbum obcecado pela morte até mesmo para os padrões do Depeche, com letras cheias de fantasmas, anjos e flores fúnebres. Gore disse que sua própria mortalidade estava em sua mente, junto com a covid-19, que ainda estava destruindo a população mundial, já que ele escreveu em 2020.

Mas Gore sabe que o álbum e seu título estão destinados a ser lidos por uma lente diferente. Em maio de 2022, Andy Fletcher, conhecido como Fletch, morreu aos 60 anos de dissecção aórtica. Fletcher foi um membro fundador do Depeche Mode; ele e Gore eram amigos desde a escola primária.

Nominalmente um tecladista, Fletch desempenhou um papel nebuloso, mas espiritualmente indispensável: em algum lugar entre gerente, supervisor de controle de qualidade e superfã.

“Sem Andy, não haveria Depeche Mode”, disse o locutor de rádio de longa data e fã do Depeche, Richard Blade, em uma entrevista por vídeo. “Não foi ele quem compôs as músicas, mas foi ele quem as juntou.”

Gore viu Fletcher pessoalmente pela última vez em 2019, em um casamento na Inglaterra. Ele morreu poucas semanas antes de a banda começar a gravar Memento Mori, a primeira coleção de músicas do Depeche Mode que ele nunca ouvirá.

Gore e Gahan dizem que se perguntaram se poderiam ou deveriam continuar sem ele. Mas o Depeche Mode sobreviveu a eventos que potencialmente teriam acabado com a banda antes, começando com a saída de Vince Clarke, um membro fundador que deixou o grupo em 1981 após o lançamento de seu álbum de estreia, Speak & Spell, no qual ele foi o compositor principal.

Nos anos 1990, a banda resistiu à ascensão do grunge - que tornou sintetizadores e baterias eletrônicas temporariamente um tabu - bem como a saída do tecladista Alan Wilder e a luta de Gahan contra o vício em heroína. (Tecnicamente, Gahan é o primeiro membro do Depeche Mode a morrer. Em 1996, após uma overdose, ele disse que ficou sem batimentos cardíacos por dois minutos antes que os paramédicos o reanimassem. Ele está limpo e sóbrio desde então.)

Início por baixo

Desde o início ridicularizado pela imprensa de rock britânica, o Depeche Mode conquistou adeptos na América, particularmente no sul da Califórnia, onde os fãs da banda incluíam Blade, então um influente DJ da KROQ-FM. O avanço nos Estados Unidos veio com o álbum de platina Some Great Reward em 1984 e o single People Are People, um lamento anti-preconceito estranhamente estridente que se tornou um sucesso de rádio pop, bem como um hino de clubes gay.

A comunidade gay foi apenas uma das muitas subculturas díspares a partir das quais o Depeche Mode construiu uma base de fãs. Na Costa Oeste, disse Blade, a banda conquistou “os garotos brancos que iam surfar”, mas também se conectou com ouvintes latinos que ouviram um reflexo de sua própria experiência nos hinos desajustados do Depeche Mode.

Gore concordou que a banda se tornou um terreno comum para aqueles que sentiam que não pertenciam: “Acho que a humanidade é composta de muitos outsiders, e essa é uma das razões pelas quais conseguimos nos sair tão bem”.

Em 1988, o grupo era grande o suficiente para lotar o Rose Bowl em Pasadena, Califórnia, um show documentado no filme do cineasta D.A. Pennebaker Depeche Mode 101. O álbum triplo de platina Violator, lançado dois anos depois, rendeu singles de sucesso como Personal Jesus e Enjoy the Silence.

Esse álbum foi o pico comercial da banda na América; com a exceção de uma coleção de singles de 2005, nenhum novo álbum do Depeche Mode foi certificado como ouro nos Estados Unidos em 22 anos. Mas, enquanto houver novos adolescentes, sempre haverá novos fãs do Depeche Mode, preparados para responder a letras como “Tudo parece tão estúpido que me faz querer desistir / Mas por que devo desistir quando tudo parece tão estúpido?”

Em uma entrevista por vídeo de Nova York, onde mora desde o final dos anos 90, Gahan apareceu na tela contra o que parecia ser uma parede de veludo vermelho. Parecia o forro de um caixão, o que gerou uma pergunta sobre o boato de que Gahan dormiu em um caixão durante a supostamente devassa Devotional Tour do Depeche Mode em 1993. (Não é verdade, Gahan disse - embora ele possuísse uma cama em forma de caixão naquela época e uma vez tenha tirado uma soneca em um caixão de verdade que um carpinteiro deixou nos bastidores para ele. Mas apenas uma vez.)

Em 2019, Gahan e sua banda Soulsavers gravaram Imposter, uma coleção de 12 covers dramáticos de canções que ficaram famosas por artistas como Nat King Cole e Cat Power, interpretadas por Gahan de uma maneira que evocava Tom Jones e Nick Cave. Engavetado durante a pandemia, o álbum finalmente saiu em novembro de 2021. No mês seguinte, quando Gahan tocou as músicas em alguns shows na Europa, parecia o fim de algo; ele passou aquele Natal se perguntando se continuaria fazendo música.

Durante a covid, ele disse, gostou de ficar em casa, cercado por familiares e amigos, finalmente passando um tempo em uma casa de férias em Montauk, em Long Island, que mal conseguia usar.

“Posso caminhar na praia no inverno. Você não vê ninguém”, disse ele. “Estou por aí tocando minha guitarra junto com os discos dos Stones. Eu fico tipo, ‘Eu gosto da minha vida agora. Por que eu iria querer interromper tudo isso para fazer um disco do Depeche Mode, que vai me tirar disso pelos próximos três anos?’”

As sessões de gravação do álbum anterior do Depeche Mode, Spirit, foram controversas. Desde a saída de Clarke, houve uma clara divisão de trabalho na banda. Gore escreveu praticamente todas as letras e Gahan cantou as letras de Gore. Mas no início dos anos 2000, Gahan começou a fazer álbuns solo e também a trazer suas próprias canções para as sessões do Depeche Mode.

“Martin não gostou muito de algumas das músicas de Dave”, disse o produtor de Spirit, Ford, “e Dave estava pressionando muito para que elas entrassem no álbum. Foi muito, muito difícil.”

Ford disse que foi informado pela administração do Depeche que o projeto estava em risco. Sua solução foi banir todos, exceto Gahan e Gore, do estúdio - incluindo Fletcher, que tradicionalmente acalmava as coisas.

“Fletch não gostou disso”, disse Gahan. “Acho que, no final, nosso empresário Jonathan teve que tirá-lo literalmente, fisicamente”.

Ford disse que o dia seguinte parecia uma sessão de terapia de casal. Gahan lembrou que o confronto “foi muito difícil. Depois de todos esses anos, ele disse algumas coisas. Eu disse algumas coisas”.

Eles apararam as arestas o suficiente para terminar Spirit, lançado em 2017. E Gahan disse que todas as reservas que ele tinha sobre fazer o próximo álbum desapareceram no momento em que ouviu a demo de Gore para a música Ghosts Again.

“Eu pensei, ‘Mal posso esperar para cantar essa música’.”

Então chegou maio e, de repente, Fletcher estava morto.

“Senti, imediatamente, que precisava apoiar Martin”, disse Gahan. “Tipo, ‘eu tenho que cuidar dele; isso é realmente muito mais difícil para Martin do que para mim.’”

Eles decidiram seguir em frente com Memento Mori e, de acordo com Gore e Gahan, a morte de Fletcher promoveu uma intimidade que eles nunca experimentaram em 40 anos como companheiros de banda.

“Toda decisão que precisa ser tomada deve ser feita por nós dois agora”, disse Gore.

O clima nas sessões, disse Ford, “era muito sombrio”. Mas também houve muitas reminiscências - histórias de Fletcher contadas durante longos almoços.

“Foi honestamente uma experiência realmente adorável e bonita”, disse ele. /TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES

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