UPOLU, SAMOA - A bebê de Nuu Lameko irradiava alegria. Ela dançava ao som das canções da igreja. Com frequência, Nuu rolava um coco pelo chão para ouvi-la rir. “Sempre que eu tinha um dia ruim, havia o sorriso dela para me animar", disse Nuu. No fim de novembro, essa alegria se converteu em desespero.
Lemina - apelidada de Mina - contraiu sarampo enquanto uma calamitosa epidemia varre a ilha de Samoa, país situado no Pacífico. Dias depois, Mina, de apenas 10 meses, morreu nos braços da mãe. “Não consigo aceitar, disse Nuu. “Meu Deus, por quê? Por que minha bebê?”. Essa pergunta consumiu Samoa enquanto a epidemia matava dezenas de crianças nos meses mais recentes, infectando milhares de outras. Quando o sarampo chegou à ilha, Samoa estava terrivelmente despreparada.
O governo tinha permitido que a taxa de vacinação tivesse caído até níveis baixíssimos, colocando em risco milhares de crianças. O fracasso começou com a complacência do governo, agravada pela decisão equivocada de suspender o programa de vacinação após um alerta médico. E o ceticismo do país em relação à vacinação foi ampliado pelos ativistas do movimento antivacinação e pelos curandeiros tradicionais.
Samoa é um exemplo de como a desconfiança sem fundamento nas vacinas e falhas no atendimento de saúde padrão levaram ao ressurgimento do sarampo. Surtos foram informados em todas as regiões, emergindo em locais onde o vírus era considerado eliminado. Em todo o mundo, o número de casos teve alta de 300% nos primeiros três meses de 2019, em comparação com o mesmo período de 2018.
O governo adotou medidas para controlar o avanço da doença após os atrasos iniciais. Durante campanha de vacinação em massa no início de dezembro, famílias penduraram bandeiras vermelhas do lado de fora de seus lares para alertar aos funcionários de saúde que precisavam de vacinação. Com isso, Samoa se aproximou de uma taxa de vacinação de 95%, vista como limiar da “imunidade de rebanho".
Mas, para muitos, era tarde demais. Ao todo, 77 pessoas morreram, e pelo menos 5,4 mil casos de sarampo foram informados em meio a uma população de 200 mil habitantes, embora os números reais sejam provavelmente mais altos. Faz semanas que famílias realizam enterros por toda a ilha. Em Faleasiu, a família de Valisa Talosaga, de dois anos, beijou o corpo da menina antes de enterrá-la diante de casa. Em Vailele, Timoteo Fuatogi, 29 anos, enxugava as lágrimas com a camisa enquanto um pastor orava diante do túmulo de seu irmão mais novo.
O sarampo é uma das doenças mais contagiosas. Uma pessoa infectada pode transmiti-la a outras 12 ou até 18. Os médicos só podem tratar os sintomas: febre, tosse e coceira na pele. As mortes de bebês decorrem de complicações como a pneumonia. Em 2013, 90% dos bebês samoanos recebiam a vacinam tríplice viral, que protege contra sarampo, rubéola e caxumba. Mas essa proporção caiu. “Relaxamos nas práticas corriqueiras de imunização", disse Take Naseri, diretor-geral do ministério da saúde de Samoa, acrescentando, “Nunca esperamos um surto de sarampo".
Em 2018, a proporção de imunizados caiu para aproximadamente 30%, comparável à de alguns dos países mais pobres da África. A fé no sistema foi abalada depois que dois bebês vacinados morreram - tragédia posteriormente atribuída a um erro médico. “Depois do incidente, todos os pais ficaram com medo de perder os filhos", disse Taupau Siimamao, avô de Valisa Talosaga.
O governo suspendeu o programa de imunização contra o sarampo por nove meses enquanto o episódio era investigado. De acordo com a Organização Mundial da Saúde, a decisão ajudou a criar “um conjunto de crianças suscetíveis com menos de cinco anos, que são agora as mais afetadas". Siimamao disse que o governo deveria ter insistido mais para convencer os pais a vacinarem seus filhos. “Em parte somos responsáveis por não tomar conta dela", acrescentou ele.
De acordo com o ministério da saúde, a epidemia teve início quanto uma pessoa chegou com sarampo vinda da Nova Zelândia. O governo anunciou um caso suspeito no dia 9 de outubro, e o surto foi anunciado oficialmente no dia 16 de outubro. Um mês depois, foi declarado estado de emergência, com o fechamento das escolas. Seguiu-se uma campanha intensiva de imunização.
Nuu ainda é assombrada pelo tempo passado no hospital. Ela perguntou se poderia segurar a filha uma última vez. Cantou para ela. “Quem poderia imaginar que eu seria escolhida por Deus para dar à luz e criar um anjo?” disse Nuu. “Meu coração ainda está partido com a morte do meu anjo.” Tutuila Farao contribuiu com a reportagem. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL