Vermont vê epidemia de opioides piorar drasticamente durante pandemia


Mais de 40 estados nos EUA registraram aumentos nas overdoses; Vermont registrou 82 overdoses de opioides até julho deste ano, ante 60 no mesmo período do ano passado

Por Hilary Swift e Abby Goodnough
Atualização:

BARRE, VERMONT - Na primeira sexta-feira de junho, Jefrey Cameron, 29 anos, saiu de casa por volta da meia-noite para comprar heroína. Ele lutara contra o vício por sete anos, mas parecia ter dado um passo à frente, pois conseguira um emprego que amava na Pizzeria Basil, levava a irmã adolescente para fazer compras no shopping e morava com a avó. Mas aí chegou a pandemia do coronavírus.

Quando voltou para casa naquela noite e experimentou o produto, sentiu que era tão potente que caiu e bateu a cabeça no banheiro. Cameron mandou uma mensagem para um amigo logo em seguida, dizendo que tinha pisado na bola e que iria a uma reunião sobre os 12 passos com um amigo naquele fim de semana. “Juro que estou bem e que não vou mais causar problemas esta noite”, escreveu ele.

A família e os amigos de Jefrey Scott Cameron, que morreu de overdose acidental no início deste ano, em seu enterro em Barre. Foto: Hilary Swift/The New York Times
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“Bons sonhos, se você acordar antes de ter notícias minhas, não deixe de ligar para mim. Quanto mais cedo eu me levantar e ir para a cidade, melhor”. Quando Cameron acordou, ele usou o resto do pó – em grande parte fentanil, não heroína, sua família descobriria mais tarde – que vinha num saquinho com um coelho estampado. Menos de cinco horas depois de enviar a mensagem, sua avó o encontrou morto.

Nos seis meses desde que a covid-19 levou o país à estagnação, a epidemia de opioides piorou drasticamente. Mais de quarenta estados registraram aumentos nas mortes relacionadas aos opioides desde o início da pandemia, de acordo com a Associação de Medicina Americana.

No Arkansas, triplicou o uso de Narcan, um medicamento que pode reverter a overdose. Jacksonville, Flórida, observou um aumento de 40% nas chamadas relacionadas a overdose. Só em março, o condado de York, na Pensilvânia, registrou três vezes mais mortes por overdose do que o normal.

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Para Cameron, a paralisação da vida cotidiana não apenas o levou de volta às drogas, mas também o obrigou a usá-las sozinho – uma condição especialmente perigosa. “Normalmente ele usaria com alguém, ainda mais quando se tratava de um traficante desconhecido ou de um lote diferente”, disse sua mãe, Tara Reil.

“Acho que ele não tinha ninguém com quem usar, para ter aquela rede de segurança”. Cameron morava em Barre, uma pequena cidade a cerca de 20 minutos da capital do estado, Montpelier. Ele dirigia um Subaru Legacy vermelho, tinha uma cobra de estimação chamada Lucy e adorava cozinhar para as outras pessoas.

Tara Reil, cujo filho, Jefrey Scott Cameron, morreu de overdose acidental no início deste ano, em sua casa. Foto: Hilary Swift/The New York Times
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A pizzaria onde ele trabalhava fechou as portas por dois dias depois de sua morte; agora suas fotos estampam as janelas e os clientes podem comprar adesivos, camisetas e braceletes feitos em sua memória. Quando Vermont fechou em março, as portas também se fecharam no trabalho de Cameron, onde ele encontrava sua maior rede de apoio.

Ele estava sozinho e tinha dinheiro de sobra: os US $ 600 por semana que recebia em benefícios extras do governo federal eram mais do que ganhava em seu emprego. O vício em opioides é um flagelo em Vermont há mais de duas décadas. Quando traficantes e organizações de drogas ilegais perceberam que poderiam cobrar mais pelos narcóticos aqui do que em cidades próximas como Boston, Nova York ou Montreal, o mercado foi inundado.

À medida que, cerca de uma década atrás, ficou mais difícil obter os analgésicos em que muitos jovens do estado se viciaram no início dos anos 2000, a heroína chegou com tudo. Depois veio o fentanil, que é muito mais potente e tem causado mortes em quase todos os cantos do país.

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No ano passado, após esforços agressivos para expandir o acesso ao tratamento, Vermont viu sua primeira redução nas mortes relacionadas a opioides desde 2014; naquele ano, o então governador Peter Shumlin dedicou toda a sua mensagem sobre o “Estado do Estado” ao que chamou de “uma crise total de heroína” que afetava Vermont. Mas Vermont registrou 82 overdoses de opioides até julho deste ano, ante 60 no mesmo período do ano passado.

Nenhum outro lugar do estado é tão atingido quanto o condado de Windham, que faz fronteira com New Hampshire e Massachusetts e que normalmente tem o maior número anual de mortes relacionadas a opioides. Nos primeiros três meses deste ano, equipes de emergência em Brattleboro, a capital do condado, responderam a 10 ligações de overdose, nenhuma delas fatal. Mas, em agosto, elas responderam a um total de 53 overdoses, entre elas sete fatais.

“Quando tudo isso começou, a coisa disparou”, disse o tenente Adam Petlock do Departamento de Polícia de Brattleboro. Antes da pandemia, Petlock e um conselheiro civil com conhecimento sobre o vício levavam Narcan e panfletos informativos para usuários de drogas e moradores de rua a cada duas semanas, por meio de um programa chamado Projeto CARE.

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Preocupações com a saúde e a segurança os impediram de realizar as visitas durante o pico do isolamento, mas recentemente eles reiniciaram o programa. Enquanto a maioria das empresas do condado se fechava em março, o Brattleboro Retreat, um hospital psiquiátrico e de tratamento de dependência, continuou aberto.

O hospital conseguiu estocar desinfetante para as mãos e equipamentos de proteção e até criou uma unidade com 22 leitos para acomodar pacientes com coronavírus em caso de surto. Mas, para serem admitidos, os pacientes precisam testar negativo para covid-19 – um revés potencialmente mortal para algumas pessoas que não podem ou não querem esperar vários dias pelos resultados. Muito mais comum do que a internação é o tratamento com três medicamentos que ajudam a suprimir os desejos e os sintomas de abstinência que atormentam as pessoas viciadas em opioides.

Vermont foi mais longe do que a maioria dos estados na expansão do acesso ao tratamento assistido por medicamentos, como é conhecido: pelo menos 8.960 habitantes do estado – cerca de 1,5% da população – estavam tomando um dos três medicamentos, buprenorfina, metadona e naltrexona, durante o primeiro trimestre deste ano. Assim que a pandemia começou, o governo federal tentou facilitar o acesso dos pacientes aos medicamentos numa época em que as clínicas e consultórios médicos geralmente estavam fechados e as pessoas recebiam instruções para ficar em casa.

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Nik Rowley, 37 anos, toma Suboxone – uma marca registrada de buprenorfina – todos os dias há cerca de oito anos. Normalmente, Rowley tem que consultar um médico a cada duas semanas para obter 38 doses de Suboxone – duas por dia. “O que eles começaram a fazer foram as doses de emergência.

Então, você recebia o equivalente a um mês de doses de emergência”, disse ele. Rowley estava se recuperando depois de ter sido hospitalizado com pneumonia quando a pandemia o atingiu. Sem ter para onde ir, ele encontrou moradia num hotel, por meio de um programa financiado pelo estado para manter as pessoas fora das ruas.

O suprimento extra de medicamentos o ajudou a evitar as drogas, mas, em seu quarto de hotel, ele teve uma recaída com álcool. “Tomei algumas cervejas no hotel porque você está lá preso num quarto, sozinho”, disse ele. “Você não tem nada para fazer. Então, tudo o que você faz é sentar e ruminar, aí sua depressão piora”.

Brattleboro tem vários hotéis que o estado ajudou a converter em unidades habitacionais temporárias para desabrigados e outras pessoas em situação de risco. O Groundworks, um serviço de habitação do condado de Windham, normalmente coloca 33 pessoas em hotéis durante os meses de inverno; na primavera, o número aumentou para 150. Muitas das recentes overdoses letais na cidade ocorreram nesses hotéis.

Nick Luoma, um usuário de heroína que vive em um hotel por meio de um programa financiado pelo estado, em Barre. Foto: Hilary Swift/The New York Times

“Vimos imediatamente uma disparada na quantidade de substâncias que as pessoas estavam usando”, disse Rhianna Kendrick, diretora de operações da Groundworks. Nick Luoma, usuário de heroína que mora num dos hotéis, disse que várias pessoas que tiveram overdose durante a pandemia sofreram uma recaída depois que ela começou.

“Eu entendo – tipo, o que você vai fazer?” disse Luoma, 35 anos. Quando ele foi alojado num hotel no final de março, ele estava usando menos de um envelope de heroína por dia, mas seu uso aumentou. Apesar dos esforços para deixar o vício – ele tentou um tratamento assistido por medicamentos – Luoma teve duas overdoses em julho.

“Não estou honrando algumas das partes de mim que têm muito potencial”, escreveu Luoma numa mensagem de texto naquele mês. “Na noite passada, quase morri de novo”, escreveu ele. “Talvez tenha que esperar duas ou três semanas para entrar na reabilitação. Tenho a sorte de ter o pessoal da Groundworks disposto a encontrar jeitos de me ajudar durante este período de espera, mas o desejo persistente, a besta dentro de mim esperando por um momento de fraqueza, pode me matar antes que eu consiga entrar”. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times

BARRE, VERMONT - Na primeira sexta-feira de junho, Jefrey Cameron, 29 anos, saiu de casa por volta da meia-noite para comprar heroína. Ele lutara contra o vício por sete anos, mas parecia ter dado um passo à frente, pois conseguira um emprego que amava na Pizzeria Basil, levava a irmã adolescente para fazer compras no shopping e morava com a avó. Mas aí chegou a pandemia do coronavírus.

Quando voltou para casa naquela noite e experimentou o produto, sentiu que era tão potente que caiu e bateu a cabeça no banheiro. Cameron mandou uma mensagem para um amigo logo em seguida, dizendo que tinha pisado na bola e que iria a uma reunião sobre os 12 passos com um amigo naquele fim de semana. “Juro que estou bem e que não vou mais causar problemas esta noite”, escreveu ele.

A família e os amigos de Jefrey Scott Cameron, que morreu de overdose acidental no início deste ano, em seu enterro em Barre. Foto: Hilary Swift/The New York Times

“Bons sonhos, se você acordar antes de ter notícias minhas, não deixe de ligar para mim. Quanto mais cedo eu me levantar e ir para a cidade, melhor”. Quando Cameron acordou, ele usou o resto do pó – em grande parte fentanil, não heroína, sua família descobriria mais tarde – que vinha num saquinho com um coelho estampado. Menos de cinco horas depois de enviar a mensagem, sua avó o encontrou morto.

Nos seis meses desde que a covid-19 levou o país à estagnação, a epidemia de opioides piorou drasticamente. Mais de quarenta estados registraram aumentos nas mortes relacionadas aos opioides desde o início da pandemia, de acordo com a Associação de Medicina Americana.

No Arkansas, triplicou o uso de Narcan, um medicamento que pode reverter a overdose. Jacksonville, Flórida, observou um aumento de 40% nas chamadas relacionadas a overdose. Só em março, o condado de York, na Pensilvânia, registrou três vezes mais mortes por overdose do que o normal.

Para Cameron, a paralisação da vida cotidiana não apenas o levou de volta às drogas, mas também o obrigou a usá-las sozinho – uma condição especialmente perigosa. “Normalmente ele usaria com alguém, ainda mais quando se tratava de um traficante desconhecido ou de um lote diferente”, disse sua mãe, Tara Reil.

“Acho que ele não tinha ninguém com quem usar, para ter aquela rede de segurança”. Cameron morava em Barre, uma pequena cidade a cerca de 20 minutos da capital do estado, Montpelier. Ele dirigia um Subaru Legacy vermelho, tinha uma cobra de estimação chamada Lucy e adorava cozinhar para as outras pessoas.

Tara Reil, cujo filho, Jefrey Scott Cameron, morreu de overdose acidental no início deste ano, em sua casa. Foto: Hilary Swift/The New York Times

A pizzaria onde ele trabalhava fechou as portas por dois dias depois de sua morte; agora suas fotos estampam as janelas e os clientes podem comprar adesivos, camisetas e braceletes feitos em sua memória. Quando Vermont fechou em março, as portas também se fecharam no trabalho de Cameron, onde ele encontrava sua maior rede de apoio.

Ele estava sozinho e tinha dinheiro de sobra: os US $ 600 por semana que recebia em benefícios extras do governo federal eram mais do que ganhava em seu emprego. O vício em opioides é um flagelo em Vermont há mais de duas décadas. Quando traficantes e organizações de drogas ilegais perceberam que poderiam cobrar mais pelos narcóticos aqui do que em cidades próximas como Boston, Nova York ou Montreal, o mercado foi inundado.

À medida que, cerca de uma década atrás, ficou mais difícil obter os analgésicos em que muitos jovens do estado se viciaram no início dos anos 2000, a heroína chegou com tudo. Depois veio o fentanil, que é muito mais potente e tem causado mortes em quase todos os cantos do país.

No ano passado, após esforços agressivos para expandir o acesso ao tratamento, Vermont viu sua primeira redução nas mortes relacionadas a opioides desde 2014; naquele ano, o então governador Peter Shumlin dedicou toda a sua mensagem sobre o “Estado do Estado” ao que chamou de “uma crise total de heroína” que afetava Vermont. Mas Vermont registrou 82 overdoses de opioides até julho deste ano, ante 60 no mesmo período do ano passado.

Nenhum outro lugar do estado é tão atingido quanto o condado de Windham, que faz fronteira com New Hampshire e Massachusetts e que normalmente tem o maior número anual de mortes relacionadas a opioides. Nos primeiros três meses deste ano, equipes de emergência em Brattleboro, a capital do condado, responderam a 10 ligações de overdose, nenhuma delas fatal. Mas, em agosto, elas responderam a um total de 53 overdoses, entre elas sete fatais.

“Quando tudo isso começou, a coisa disparou”, disse o tenente Adam Petlock do Departamento de Polícia de Brattleboro. Antes da pandemia, Petlock e um conselheiro civil com conhecimento sobre o vício levavam Narcan e panfletos informativos para usuários de drogas e moradores de rua a cada duas semanas, por meio de um programa chamado Projeto CARE.

Preocupações com a saúde e a segurança os impediram de realizar as visitas durante o pico do isolamento, mas recentemente eles reiniciaram o programa. Enquanto a maioria das empresas do condado se fechava em março, o Brattleboro Retreat, um hospital psiquiátrico e de tratamento de dependência, continuou aberto.

O hospital conseguiu estocar desinfetante para as mãos e equipamentos de proteção e até criou uma unidade com 22 leitos para acomodar pacientes com coronavírus em caso de surto. Mas, para serem admitidos, os pacientes precisam testar negativo para covid-19 – um revés potencialmente mortal para algumas pessoas que não podem ou não querem esperar vários dias pelos resultados. Muito mais comum do que a internação é o tratamento com três medicamentos que ajudam a suprimir os desejos e os sintomas de abstinência que atormentam as pessoas viciadas em opioides.

Vermont foi mais longe do que a maioria dos estados na expansão do acesso ao tratamento assistido por medicamentos, como é conhecido: pelo menos 8.960 habitantes do estado – cerca de 1,5% da população – estavam tomando um dos três medicamentos, buprenorfina, metadona e naltrexona, durante o primeiro trimestre deste ano. Assim que a pandemia começou, o governo federal tentou facilitar o acesso dos pacientes aos medicamentos numa época em que as clínicas e consultórios médicos geralmente estavam fechados e as pessoas recebiam instruções para ficar em casa.

Nik Rowley, 37 anos, toma Suboxone – uma marca registrada de buprenorfina – todos os dias há cerca de oito anos. Normalmente, Rowley tem que consultar um médico a cada duas semanas para obter 38 doses de Suboxone – duas por dia. “O que eles começaram a fazer foram as doses de emergência.

Então, você recebia o equivalente a um mês de doses de emergência”, disse ele. Rowley estava se recuperando depois de ter sido hospitalizado com pneumonia quando a pandemia o atingiu. Sem ter para onde ir, ele encontrou moradia num hotel, por meio de um programa financiado pelo estado para manter as pessoas fora das ruas.

O suprimento extra de medicamentos o ajudou a evitar as drogas, mas, em seu quarto de hotel, ele teve uma recaída com álcool. “Tomei algumas cervejas no hotel porque você está lá preso num quarto, sozinho”, disse ele. “Você não tem nada para fazer. Então, tudo o que você faz é sentar e ruminar, aí sua depressão piora”.

Brattleboro tem vários hotéis que o estado ajudou a converter em unidades habitacionais temporárias para desabrigados e outras pessoas em situação de risco. O Groundworks, um serviço de habitação do condado de Windham, normalmente coloca 33 pessoas em hotéis durante os meses de inverno; na primavera, o número aumentou para 150. Muitas das recentes overdoses letais na cidade ocorreram nesses hotéis.

Nick Luoma, um usuário de heroína que vive em um hotel por meio de um programa financiado pelo estado, em Barre. Foto: Hilary Swift/The New York Times

“Vimos imediatamente uma disparada na quantidade de substâncias que as pessoas estavam usando”, disse Rhianna Kendrick, diretora de operações da Groundworks. Nick Luoma, usuário de heroína que mora num dos hotéis, disse que várias pessoas que tiveram overdose durante a pandemia sofreram uma recaída depois que ela começou.

“Eu entendo – tipo, o que você vai fazer?” disse Luoma, 35 anos. Quando ele foi alojado num hotel no final de março, ele estava usando menos de um envelope de heroína por dia, mas seu uso aumentou. Apesar dos esforços para deixar o vício – ele tentou um tratamento assistido por medicamentos – Luoma teve duas overdoses em julho.

“Não estou honrando algumas das partes de mim que têm muito potencial”, escreveu Luoma numa mensagem de texto naquele mês. “Na noite passada, quase morri de novo”, escreveu ele. “Talvez tenha que esperar duas ou três semanas para entrar na reabilitação. Tenho a sorte de ter o pessoal da Groundworks disposto a encontrar jeitos de me ajudar durante este período de espera, mas o desejo persistente, a besta dentro de mim esperando por um momento de fraqueza, pode me matar antes que eu consiga entrar”. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times

BARRE, VERMONT - Na primeira sexta-feira de junho, Jefrey Cameron, 29 anos, saiu de casa por volta da meia-noite para comprar heroína. Ele lutara contra o vício por sete anos, mas parecia ter dado um passo à frente, pois conseguira um emprego que amava na Pizzeria Basil, levava a irmã adolescente para fazer compras no shopping e morava com a avó. Mas aí chegou a pandemia do coronavírus.

Quando voltou para casa naquela noite e experimentou o produto, sentiu que era tão potente que caiu e bateu a cabeça no banheiro. Cameron mandou uma mensagem para um amigo logo em seguida, dizendo que tinha pisado na bola e que iria a uma reunião sobre os 12 passos com um amigo naquele fim de semana. “Juro que estou bem e que não vou mais causar problemas esta noite”, escreveu ele.

A família e os amigos de Jefrey Scott Cameron, que morreu de overdose acidental no início deste ano, em seu enterro em Barre. Foto: Hilary Swift/The New York Times

“Bons sonhos, se você acordar antes de ter notícias minhas, não deixe de ligar para mim. Quanto mais cedo eu me levantar e ir para a cidade, melhor”. Quando Cameron acordou, ele usou o resto do pó – em grande parte fentanil, não heroína, sua família descobriria mais tarde – que vinha num saquinho com um coelho estampado. Menos de cinco horas depois de enviar a mensagem, sua avó o encontrou morto.

Nos seis meses desde que a covid-19 levou o país à estagnação, a epidemia de opioides piorou drasticamente. Mais de quarenta estados registraram aumentos nas mortes relacionadas aos opioides desde o início da pandemia, de acordo com a Associação de Medicina Americana.

No Arkansas, triplicou o uso de Narcan, um medicamento que pode reverter a overdose. Jacksonville, Flórida, observou um aumento de 40% nas chamadas relacionadas a overdose. Só em março, o condado de York, na Pensilvânia, registrou três vezes mais mortes por overdose do que o normal.

Para Cameron, a paralisação da vida cotidiana não apenas o levou de volta às drogas, mas também o obrigou a usá-las sozinho – uma condição especialmente perigosa. “Normalmente ele usaria com alguém, ainda mais quando se tratava de um traficante desconhecido ou de um lote diferente”, disse sua mãe, Tara Reil.

“Acho que ele não tinha ninguém com quem usar, para ter aquela rede de segurança”. Cameron morava em Barre, uma pequena cidade a cerca de 20 minutos da capital do estado, Montpelier. Ele dirigia um Subaru Legacy vermelho, tinha uma cobra de estimação chamada Lucy e adorava cozinhar para as outras pessoas.

Tara Reil, cujo filho, Jefrey Scott Cameron, morreu de overdose acidental no início deste ano, em sua casa. Foto: Hilary Swift/The New York Times

A pizzaria onde ele trabalhava fechou as portas por dois dias depois de sua morte; agora suas fotos estampam as janelas e os clientes podem comprar adesivos, camisetas e braceletes feitos em sua memória. Quando Vermont fechou em março, as portas também se fecharam no trabalho de Cameron, onde ele encontrava sua maior rede de apoio.

Ele estava sozinho e tinha dinheiro de sobra: os US $ 600 por semana que recebia em benefícios extras do governo federal eram mais do que ganhava em seu emprego. O vício em opioides é um flagelo em Vermont há mais de duas décadas. Quando traficantes e organizações de drogas ilegais perceberam que poderiam cobrar mais pelos narcóticos aqui do que em cidades próximas como Boston, Nova York ou Montreal, o mercado foi inundado.

À medida que, cerca de uma década atrás, ficou mais difícil obter os analgésicos em que muitos jovens do estado se viciaram no início dos anos 2000, a heroína chegou com tudo. Depois veio o fentanil, que é muito mais potente e tem causado mortes em quase todos os cantos do país.

No ano passado, após esforços agressivos para expandir o acesso ao tratamento, Vermont viu sua primeira redução nas mortes relacionadas a opioides desde 2014; naquele ano, o então governador Peter Shumlin dedicou toda a sua mensagem sobre o “Estado do Estado” ao que chamou de “uma crise total de heroína” que afetava Vermont. Mas Vermont registrou 82 overdoses de opioides até julho deste ano, ante 60 no mesmo período do ano passado.

Nenhum outro lugar do estado é tão atingido quanto o condado de Windham, que faz fronteira com New Hampshire e Massachusetts e que normalmente tem o maior número anual de mortes relacionadas a opioides. Nos primeiros três meses deste ano, equipes de emergência em Brattleboro, a capital do condado, responderam a 10 ligações de overdose, nenhuma delas fatal. Mas, em agosto, elas responderam a um total de 53 overdoses, entre elas sete fatais.

“Quando tudo isso começou, a coisa disparou”, disse o tenente Adam Petlock do Departamento de Polícia de Brattleboro. Antes da pandemia, Petlock e um conselheiro civil com conhecimento sobre o vício levavam Narcan e panfletos informativos para usuários de drogas e moradores de rua a cada duas semanas, por meio de um programa chamado Projeto CARE.

Preocupações com a saúde e a segurança os impediram de realizar as visitas durante o pico do isolamento, mas recentemente eles reiniciaram o programa. Enquanto a maioria das empresas do condado se fechava em março, o Brattleboro Retreat, um hospital psiquiátrico e de tratamento de dependência, continuou aberto.

O hospital conseguiu estocar desinfetante para as mãos e equipamentos de proteção e até criou uma unidade com 22 leitos para acomodar pacientes com coronavírus em caso de surto. Mas, para serem admitidos, os pacientes precisam testar negativo para covid-19 – um revés potencialmente mortal para algumas pessoas que não podem ou não querem esperar vários dias pelos resultados. Muito mais comum do que a internação é o tratamento com três medicamentos que ajudam a suprimir os desejos e os sintomas de abstinência que atormentam as pessoas viciadas em opioides.

Vermont foi mais longe do que a maioria dos estados na expansão do acesso ao tratamento assistido por medicamentos, como é conhecido: pelo menos 8.960 habitantes do estado – cerca de 1,5% da população – estavam tomando um dos três medicamentos, buprenorfina, metadona e naltrexona, durante o primeiro trimestre deste ano. Assim que a pandemia começou, o governo federal tentou facilitar o acesso dos pacientes aos medicamentos numa época em que as clínicas e consultórios médicos geralmente estavam fechados e as pessoas recebiam instruções para ficar em casa.

Nik Rowley, 37 anos, toma Suboxone – uma marca registrada de buprenorfina – todos os dias há cerca de oito anos. Normalmente, Rowley tem que consultar um médico a cada duas semanas para obter 38 doses de Suboxone – duas por dia. “O que eles começaram a fazer foram as doses de emergência.

Então, você recebia o equivalente a um mês de doses de emergência”, disse ele. Rowley estava se recuperando depois de ter sido hospitalizado com pneumonia quando a pandemia o atingiu. Sem ter para onde ir, ele encontrou moradia num hotel, por meio de um programa financiado pelo estado para manter as pessoas fora das ruas.

O suprimento extra de medicamentos o ajudou a evitar as drogas, mas, em seu quarto de hotel, ele teve uma recaída com álcool. “Tomei algumas cervejas no hotel porque você está lá preso num quarto, sozinho”, disse ele. “Você não tem nada para fazer. Então, tudo o que você faz é sentar e ruminar, aí sua depressão piora”.

Brattleboro tem vários hotéis que o estado ajudou a converter em unidades habitacionais temporárias para desabrigados e outras pessoas em situação de risco. O Groundworks, um serviço de habitação do condado de Windham, normalmente coloca 33 pessoas em hotéis durante os meses de inverno; na primavera, o número aumentou para 150. Muitas das recentes overdoses letais na cidade ocorreram nesses hotéis.

Nick Luoma, um usuário de heroína que vive em um hotel por meio de um programa financiado pelo estado, em Barre. Foto: Hilary Swift/The New York Times

“Vimos imediatamente uma disparada na quantidade de substâncias que as pessoas estavam usando”, disse Rhianna Kendrick, diretora de operações da Groundworks. Nick Luoma, usuário de heroína que mora num dos hotéis, disse que várias pessoas que tiveram overdose durante a pandemia sofreram uma recaída depois que ela começou.

“Eu entendo – tipo, o que você vai fazer?” disse Luoma, 35 anos. Quando ele foi alojado num hotel no final de março, ele estava usando menos de um envelope de heroína por dia, mas seu uso aumentou. Apesar dos esforços para deixar o vício – ele tentou um tratamento assistido por medicamentos – Luoma teve duas overdoses em julho.

“Não estou honrando algumas das partes de mim que têm muito potencial”, escreveu Luoma numa mensagem de texto naquele mês. “Na noite passada, quase morri de novo”, escreveu ele. “Talvez tenha que esperar duas ou três semanas para entrar na reabilitação. Tenho a sorte de ter o pessoal da Groundworks disposto a encontrar jeitos de me ajudar durante este período de espera, mas o desejo persistente, a besta dentro de mim esperando por um momento de fraqueza, pode me matar antes que eu consiga entrar”. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

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