Por que Wall Street adora líderes autoritários?


Mercados são amorais e não se queixam de comportamento autocrático se produzir crescimento econômico

Por Ruchir Sharma

Wall Street sempre existiu como um universo paralelo onde líderes criticados na mídia como vilões autocráticos podem ser saudados como heróis se suas ações forem favoráveis à economia. Ultimamente, essa dissociação tem chegado a novos extremos. Para os críticos, vivemos em uma era que se distancia cada vez mais dos ideais liberais, povoada por líderes autoritários perigosamente erráticos.

Os principais exemplos incluem o presidente Jair Bolsonaro, do Brasil, que, nas Nações Unidas, defendeu em tom desafiador seu governo contra acusações de que estaria dando as costas às queimadas na Amazônia; o presidente Abdel-Fattah al-Sisi, do Egito, cujo regime repressor apoiado pelos militares tem sido alvo de recentes protestos; e o príncipe Mohammed bin Salman, da Arábia Saudita, amplamente criticado pelo assassinato do jornalista Jamal Khashoogi por agentes sauditas.

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Ainda que muitos investidores globais considerem esses três como promissores reformistas da economia, que seguem uma clássica cartilha que poderia ter sido (e em alguns casos foi) escrita por analistas do Fundo Monetário Internacional. Os mercados os recompensam de acordo. Durante boa parte dos seus recentes governos, tanto o Brasil de Bolsonaro quanto a Arábia Saudita do príncipe Mohammed têm figurado entre os mais aquecidos mercados de ações. Até poucas semanas atrás, o mercado com melhor desempenho era o egípcio.

A dura realidade é que os mercados são barômetros instintivamente neutros e amorais do desempenho econômico, que por vezes ignoram brutalidades e excessos de líderes autoritários por uma razão simples: enfrentando pouca ou nenhuma resistência do Legislativo, do Judiciário ou de observadores independentes, os líderes autoritários têm o poder de aprovar abrangentes reformas - particularmente em economias emergentes, em que as instituições políticas e o estado de direito são relativamente fracos. 

Analisando os registros de 150 países entre 1950 e 2010, encontrei 43 casos em que uma economia cresceu a uma taxa de 7% ao ano, ou mais, ao longo de décadas inteiras. O impressionante é que 35 dessas economias - mais de 80% delas - eram governadas por autocratas.

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O lado negativo é que nações submetidas aos descontrolados caprichos dos autocratas também são vulneráveis a radicais oscilações de crescimento - e longas recessões. Entre os mesmos 150 países, encontrei 138 casos em que uma economia cresceu a uma taxa de 3% ou menos por uma década, e 100 dessas economias eram lideradas por autocratas.

Os mercados sentem a natureza errática de economias governadas por líderes autoritários e apostam alto nessas figuras até o momento em que as reformas econômicas perdem o ímpeto. Mercados de ações se aproveitaram de tendências de alta favorecidas por autocratas que instituíram políticas de crescimento elevado, como Augusto Pinochet, do Chile, Suharto, da Indonésia, e Mahathir Mohamad, da Malásia, nas décadas de 1970, 1980 e 1990. Depois de 2000, uma nova geração de autocratas queridinhos dos mercados apareceu, liderada pelo presidente Vladimir Putin, da Rússia, e pelo presidente Recep Tayyip Erdogan, da Turquia.

Em seus primeiros mandatos, os mercados de ações da Rússia e da Turquia cresceram, respectivamente, a uma taxa de aproximadamente 100 pontos percentuais e 300 pontos percentuais mais rapidamente do que a média dos países em crescimento. Posteriormente, os investidores se voltariam contra Rússia e Turquia - não porque seus líderes se tornaram autocratas cada vez mais problemáticos, mas porque eles pararam de aplicar reformas econômicas drásticas.

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Quando o crescimento chega a 7%, será que os mercados ainda se importam com os direitos humanos? Foto: Ross MacDonald

O que os mercados procuram - talvez acima de tudo - é estabilidade financeira, uma condição necessária para um crescimento sólido. Atualmente, ainda que haja muitas diferenças entre Bolsonaro, Sisi e o príncipe Mohammed, todos eles deram passos para colocar em ordem suas casas, financeiramente.

Bolsonaro planeja diminuir a burocracia, privatizar estatais e cortar até US$ 250 bilhões em pagamentos previdenciários, que poderiam levar o Brasil à falência. Sisi, em parte para garantir a ajuda do FMI, elevou impostos sobre os ricos e sobre os ganhos de capital, além de diminuir os subsídios aos combustíveis em mais de 50%. O príncipe Mohammed avançou contra os ricos sonegadores de impostos, incluindo membros da família real saudita, elevou impostos sobre vendas e cortou subsídios de energia, como maneiras de reduzir um grande déficit no orçamento.

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Os relatórios das pesquisas de Wall Street a respeito de Brasil, Egito e Arábia Saudita quase não mencionam as tendências autocráticas. Em vez disso, afirmam que as reformas “ainda estão nos trilhos” na Arábia Saudita, que o Egito tem “o melhor histórico de reformas” em sua região e que “o mercado considera Bolsonaro a ‘última chance’ do Brasil para reformar a economia”. A diferença entre as narrativas do mercado e da grande mídia se tornou agora um enorme abismo.

Em maio, Bolsonaro foi escorraçado de Manhattan por manifestantes que o chamavam de “fascista”, pouco depois de seu ministro da Economia, Paulo Guedes, com passagem pela Universidade de Chicago, ter sido saudado como um salvador pelos investidores presentes na reunião semestral do FMI em Washington. Uma das participantes (liberal de Wall Street) me disse que o discurso de Guedes, que delineou os planos de Bolsonaro a respeito do livre-mercado, foi "o mais inspirador” que ela já havia assistido na conferência.

Uma característica que os novos líderes autoritários compartilham é a tendência de distorcer linhas ideológicas. Políticas antiliberais frequentemente são combinadas com teorias econômicas ecléticas, o que dificulta situá-las no tradicional espectro político entre esquerda e direita. O presidente Donald Trump, o defensor do emprego na indústria e dos cortes de impostos aos ricos, é um proeminente exemplo. 

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Mais do que qualquer outro presidente americano, ele tentou agradar o mercado de ações. E conforme as batalhas envolvendo o pedido de impeachment esquentam, é capaz que ele o agrade ainda mais, de sua maneira errática - talvez buscando um rápido acordo comercial com a China ou atormentando ainda mais o Federal Reserve para a aprovação de novos cortes nas taxas de juros.

Não por coincidência, Trump esbanjou elogios a Bolsonaro, Sisi e ao príncipe Mohammed, que ocupam a mesma área cinzenta. O príncipe herdeiro liberou as mulheres para dirigir carros, como parte de uma campanha por modernização econômica, ao mesmo tempo que reprimiu ativistas que advogam pela ampliação dos direitos das mulheres. Ele é de direita ou de esquerda? Progressista ou reacionário? Ou está além das antigas categorias?

Não é que as pessoas em Wall Street sejam amorais ou não se impressionem facilmente com os excessos dos autocratas. Mas seu trabalho é filtrar as manchetes que retratam os presidentes ou primeiros-ministros autoritários como vilões cruéis e, em vez disso, manter o foco na probabilidade de suas políticas estimularem ou não o crescimento. Com líderes desse tipo ainda em ascensão em todo o mundo, esta era política poderá produzir mais líderes autoritários que cairão nas graças do mercado.

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Ruchir Sharma, autor de The Rise and Fall of Nations: Forces of Change in the Post-Crisis World (A ascensão e queda das nações: forças transformadoras no mundo pós-crise, em tradução livre), é o chefe de estratégias globais da Morgan Stanley Investment Management. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

Wall Street sempre existiu como um universo paralelo onde líderes criticados na mídia como vilões autocráticos podem ser saudados como heróis se suas ações forem favoráveis à economia. Ultimamente, essa dissociação tem chegado a novos extremos. Para os críticos, vivemos em uma era que se distancia cada vez mais dos ideais liberais, povoada por líderes autoritários perigosamente erráticos.

Os principais exemplos incluem o presidente Jair Bolsonaro, do Brasil, que, nas Nações Unidas, defendeu em tom desafiador seu governo contra acusações de que estaria dando as costas às queimadas na Amazônia; o presidente Abdel-Fattah al-Sisi, do Egito, cujo regime repressor apoiado pelos militares tem sido alvo de recentes protestos; e o príncipe Mohammed bin Salman, da Arábia Saudita, amplamente criticado pelo assassinato do jornalista Jamal Khashoogi por agentes sauditas.

Ainda que muitos investidores globais considerem esses três como promissores reformistas da economia, que seguem uma clássica cartilha que poderia ter sido (e em alguns casos foi) escrita por analistas do Fundo Monetário Internacional. Os mercados os recompensam de acordo. Durante boa parte dos seus recentes governos, tanto o Brasil de Bolsonaro quanto a Arábia Saudita do príncipe Mohammed têm figurado entre os mais aquecidos mercados de ações. Até poucas semanas atrás, o mercado com melhor desempenho era o egípcio.

A dura realidade é que os mercados são barômetros instintivamente neutros e amorais do desempenho econômico, que por vezes ignoram brutalidades e excessos de líderes autoritários por uma razão simples: enfrentando pouca ou nenhuma resistência do Legislativo, do Judiciário ou de observadores independentes, os líderes autoritários têm o poder de aprovar abrangentes reformas - particularmente em economias emergentes, em que as instituições políticas e o estado de direito são relativamente fracos. 

Analisando os registros de 150 países entre 1950 e 2010, encontrei 43 casos em que uma economia cresceu a uma taxa de 7% ao ano, ou mais, ao longo de décadas inteiras. O impressionante é que 35 dessas economias - mais de 80% delas - eram governadas por autocratas.

O lado negativo é que nações submetidas aos descontrolados caprichos dos autocratas também são vulneráveis a radicais oscilações de crescimento - e longas recessões. Entre os mesmos 150 países, encontrei 138 casos em que uma economia cresceu a uma taxa de 3% ou menos por uma década, e 100 dessas economias eram lideradas por autocratas.

Os mercados sentem a natureza errática de economias governadas por líderes autoritários e apostam alto nessas figuras até o momento em que as reformas econômicas perdem o ímpeto. Mercados de ações se aproveitaram de tendências de alta favorecidas por autocratas que instituíram políticas de crescimento elevado, como Augusto Pinochet, do Chile, Suharto, da Indonésia, e Mahathir Mohamad, da Malásia, nas décadas de 1970, 1980 e 1990. Depois de 2000, uma nova geração de autocratas queridinhos dos mercados apareceu, liderada pelo presidente Vladimir Putin, da Rússia, e pelo presidente Recep Tayyip Erdogan, da Turquia.

Em seus primeiros mandatos, os mercados de ações da Rússia e da Turquia cresceram, respectivamente, a uma taxa de aproximadamente 100 pontos percentuais e 300 pontos percentuais mais rapidamente do que a média dos países em crescimento. Posteriormente, os investidores se voltariam contra Rússia e Turquia - não porque seus líderes se tornaram autocratas cada vez mais problemáticos, mas porque eles pararam de aplicar reformas econômicas drásticas.

Quando o crescimento chega a 7%, será que os mercados ainda se importam com os direitos humanos? Foto: Ross MacDonald

O que os mercados procuram - talvez acima de tudo - é estabilidade financeira, uma condição necessária para um crescimento sólido. Atualmente, ainda que haja muitas diferenças entre Bolsonaro, Sisi e o príncipe Mohammed, todos eles deram passos para colocar em ordem suas casas, financeiramente.

Bolsonaro planeja diminuir a burocracia, privatizar estatais e cortar até US$ 250 bilhões em pagamentos previdenciários, que poderiam levar o Brasil à falência. Sisi, em parte para garantir a ajuda do FMI, elevou impostos sobre os ricos e sobre os ganhos de capital, além de diminuir os subsídios aos combustíveis em mais de 50%. O príncipe Mohammed avançou contra os ricos sonegadores de impostos, incluindo membros da família real saudita, elevou impostos sobre vendas e cortou subsídios de energia, como maneiras de reduzir um grande déficit no orçamento.

Os relatórios das pesquisas de Wall Street a respeito de Brasil, Egito e Arábia Saudita quase não mencionam as tendências autocráticas. Em vez disso, afirmam que as reformas “ainda estão nos trilhos” na Arábia Saudita, que o Egito tem “o melhor histórico de reformas” em sua região e que “o mercado considera Bolsonaro a ‘última chance’ do Brasil para reformar a economia”. A diferença entre as narrativas do mercado e da grande mídia se tornou agora um enorme abismo.

Em maio, Bolsonaro foi escorraçado de Manhattan por manifestantes que o chamavam de “fascista”, pouco depois de seu ministro da Economia, Paulo Guedes, com passagem pela Universidade de Chicago, ter sido saudado como um salvador pelos investidores presentes na reunião semestral do FMI em Washington. Uma das participantes (liberal de Wall Street) me disse que o discurso de Guedes, que delineou os planos de Bolsonaro a respeito do livre-mercado, foi "o mais inspirador” que ela já havia assistido na conferência.

Uma característica que os novos líderes autoritários compartilham é a tendência de distorcer linhas ideológicas. Políticas antiliberais frequentemente são combinadas com teorias econômicas ecléticas, o que dificulta situá-las no tradicional espectro político entre esquerda e direita. O presidente Donald Trump, o defensor do emprego na indústria e dos cortes de impostos aos ricos, é um proeminente exemplo. 

Mais do que qualquer outro presidente americano, ele tentou agradar o mercado de ações. E conforme as batalhas envolvendo o pedido de impeachment esquentam, é capaz que ele o agrade ainda mais, de sua maneira errática - talvez buscando um rápido acordo comercial com a China ou atormentando ainda mais o Federal Reserve para a aprovação de novos cortes nas taxas de juros.

Não por coincidência, Trump esbanjou elogios a Bolsonaro, Sisi e ao príncipe Mohammed, que ocupam a mesma área cinzenta. O príncipe herdeiro liberou as mulheres para dirigir carros, como parte de uma campanha por modernização econômica, ao mesmo tempo que reprimiu ativistas que advogam pela ampliação dos direitos das mulheres. Ele é de direita ou de esquerda? Progressista ou reacionário? Ou está além das antigas categorias?

Não é que as pessoas em Wall Street sejam amorais ou não se impressionem facilmente com os excessos dos autocratas. Mas seu trabalho é filtrar as manchetes que retratam os presidentes ou primeiros-ministros autoritários como vilões cruéis e, em vez disso, manter o foco na probabilidade de suas políticas estimularem ou não o crescimento. Com líderes desse tipo ainda em ascensão em todo o mundo, esta era política poderá produzir mais líderes autoritários que cairão nas graças do mercado.

Ruchir Sharma, autor de The Rise and Fall of Nations: Forces of Change in the Post-Crisis World (A ascensão e queda das nações: forças transformadoras no mundo pós-crise, em tradução livre), é o chefe de estratégias globais da Morgan Stanley Investment Management. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

Wall Street sempre existiu como um universo paralelo onde líderes criticados na mídia como vilões autocráticos podem ser saudados como heróis se suas ações forem favoráveis à economia. Ultimamente, essa dissociação tem chegado a novos extremos. Para os críticos, vivemos em uma era que se distancia cada vez mais dos ideais liberais, povoada por líderes autoritários perigosamente erráticos.

Os principais exemplos incluem o presidente Jair Bolsonaro, do Brasil, que, nas Nações Unidas, defendeu em tom desafiador seu governo contra acusações de que estaria dando as costas às queimadas na Amazônia; o presidente Abdel-Fattah al-Sisi, do Egito, cujo regime repressor apoiado pelos militares tem sido alvo de recentes protestos; e o príncipe Mohammed bin Salman, da Arábia Saudita, amplamente criticado pelo assassinato do jornalista Jamal Khashoogi por agentes sauditas.

Ainda que muitos investidores globais considerem esses três como promissores reformistas da economia, que seguem uma clássica cartilha que poderia ter sido (e em alguns casos foi) escrita por analistas do Fundo Monetário Internacional. Os mercados os recompensam de acordo. Durante boa parte dos seus recentes governos, tanto o Brasil de Bolsonaro quanto a Arábia Saudita do príncipe Mohammed têm figurado entre os mais aquecidos mercados de ações. Até poucas semanas atrás, o mercado com melhor desempenho era o egípcio.

A dura realidade é que os mercados são barômetros instintivamente neutros e amorais do desempenho econômico, que por vezes ignoram brutalidades e excessos de líderes autoritários por uma razão simples: enfrentando pouca ou nenhuma resistência do Legislativo, do Judiciário ou de observadores independentes, os líderes autoritários têm o poder de aprovar abrangentes reformas - particularmente em economias emergentes, em que as instituições políticas e o estado de direito são relativamente fracos. 

Analisando os registros de 150 países entre 1950 e 2010, encontrei 43 casos em que uma economia cresceu a uma taxa de 7% ao ano, ou mais, ao longo de décadas inteiras. O impressionante é que 35 dessas economias - mais de 80% delas - eram governadas por autocratas.

O lado negativo é que nações submetidas aos descontrolados caprichos dos autocratas também são vulneráveis a radicais oscilações de crescimento - e longas recessões. Entre os mesmos 150 países, encontrei 138 casos em que uma economia cresceu a uma taxa de 3% ou menos por uma década, e 100 dessas economias eram lideradas por autocratas.

Os mercados sentem a natureza errática de economias governadas por líderes autoritários e apostam alto nessas figuras até o momento em que as reformas econômicas perdem o ímpeto. Mercados de ações se aproveitaram de tendências de alta favorecidas por autocratas que instituíram políticas de crescimento elevado, como Augusto Pinochet, do Chile, Suharto, da Indonésia, e Mahathir Mohamad, da Malásia, nas décadas de 1970, 1980 e 1990. Depois de 2000, uma nova geração de autocratas queridinhos dos mercados apareceu, liderada pelo presidente Vladimir Putin, da Rússia, e pelo presidente Recep Tayyip Erdogan, da Turquia.

Em seus primeiros mandatos, os mercados de ações da Rússia e da Turquia cresceram, respectivamente, a uma taxa de aproximadamente 100 pontos percentuais e 300 pontos percentuais mais rapidamente do que a média dos países em crescimento. Posteriormente, os investidores se voltariam contra Rússia e Turquia - não porque seus líderes se tornaram autocratas cada vez mais problemáticos, mas porque eles pararam de aplicar reformas econômicas drásticas.

Quando o crescimento chega a 7%, será que os mercados ainda se importam com os direitos humanos? Foto: Ross MacDonald

O que os mercados procuram - talvez acima de tudo - é estabilidade financeira, uma condição necessária para um crescimento sólido. Atualmente, ainda que haja muitas diferenças entre Bolsonaro, Sisi e o príncipe Mohammed, todos eles deram passos para colocar em ordem suas casas, financeiramente.

Bolsonaro planeja diminuir a burocracia, privatizar estatais e cortar até US$ 250 bilhões em pagamentos previdenciários, que poderiam levar o Brasil à falência. Sisi, em parte para garantir a ajuda do FMI, elevou impostos sobre os ricos e sobre os ganhos de capital, além de diminuir os subsídios aos combustíveis em mais de 50%. O príncipe Mohammed avançou contra os ricos sonegadores de impostos, incluindo membros da família real saudita, elevou impostos sobre vendas e cortou subsídios de energia, como maneiras de reduzir um grande déficit no orçamento.

Os relatórios das pesquisas de Wall Street a respeito de Brasil, Egito e Arábia Saudita quase não mencionam as tendências autocráticas. Em vez disso, afirmam que as reformas “ainda estão nos trilhos” na Arábia Saudita, que o Egito tem “o melhor histórico de reformas” em sua região e que “o mercado considera Bolsonaro a ‘última chance’ do Brasil para reformar a economia”. A diferença entre as narrativas do mercado e da grande mídia se tornou agora um enorme abismo.

Em maio, Bolsonaro foi escorraçado de Manhattan por manifestantes que o chamavam de “fascista”, pouco depois de seu ministro da Economia, Paulo Guedes, com passagem pela Universidade de Chicago, ter sido saudado como um salvador pelos investidores presentes na reunião semestral do FMI em Washington. Uma das participantes (liberal de Wall Street) me disse que o discurso de Guedes, que delineou os planos de Bolsonaro a respeito do livre-mercado, foi "o mais inspirador” que ela já havia assistido na conferência.

Uma característica que os novos líderes autoritários compartilham é a tendência de distorcer linhas ideológicas. Políticas antiliberais frequentemente são combinadas com teorias econômicas ecléticas, o que dificulta situá-las no tradicional espectro político entre esquerda e direita. O presidente Donald Trump, o defensor do emprego na indústria e dos cortes de impostos aos ricos, é um proeminente exemplo. 

Mais do que qualquer outro presidente americano, ele tentou agradar o mercado de ações. E conforme as batalhas envolvendo o pedido de impeachment esquentam, é capaz que ele o agrade ainda mais, de sua maneira errática - talvez buscando um rápido acordo comercial com a China ou atormentando ainda mais o Federal Reserve para a aprovação de novos cortes nas taxas de juros.

Não por coincidência, Trump esbanjou elogios a Bolsonaro, Sisi e ao príncipe Mohammed, que ocupam a mesma área cinzenta. O príncipe herdeiro liberou as mulheres para dirigir carros, como parte de uma campanha por modernização econômica, ao mesmo tempo que reprimiu ativistas que advogam pela ampliação dos direitos das mulheres. Ele é de direita ou de esquerda? Progressista ou reacionário? Ou está além das antigas categorias?

Não é que as pessoas em Wall Street sejam amorais ou não se impressionem facilmente com os excessos dos autocratas. Mas seu trabalho é filtrar as manchetes que retratam os presidentes ou primeiros-ministros autoritários como vilões cruéis e, em vez disso, manter o foco na probabilidade de suas políticas estimularem ou não o crescimento. Com líderes desse tipo ainda em ascensão em todo o mundo, esta era política poderá produzir mais líderes autoritários que cairão nas graças do mercado.

Ruchir Sharma, autor de The Rise and Fall of Nations: Forces of Change in the Post-Crisis World (A ascensão e queda das nações: forças transformadoras no mundo pós-crise, em tradução livre), é o chefe de estratégias globais da Morgan Stanley Investment Management. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

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