O streaming virou uma alternativa viável para a indústria musical – e finalmente o modelo começa a tomar forma no Brasil
Camilo RochaTatiana de Mello Dias
SÃO PAULO – Enquanto morava nos Estados Unidos, o desenvolvedor Anderson Ferminiano passava o dia escutando música no Spotify. Quando voltou para o Brasil, o serviço parou de funcionar – e ficou o vácuo. Alguém lhe sugeriu a gambiarra de usar um proxy para acessar o Spotify; outros recomendaram o Grooveshark, mas o aplicativo não funcionou. “Ainda testei os brasileiros e achei a maioria confusa”, reclama. Então ele pensou: “vou criar um produto para ouvir música”.
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Em uma noite de sexta-feira, ele se reuniu com dois amigos – o desenvolvedor João Motta e Marcello Ballona, fundador do Submarino e investidor. Naquela mesma madrugada o trio criou o 4me.fm, um player que cria listas de reprodução e toca músicas que estão em vídeos no YouTube. “Estávamos entediados, achamos as APIs (interface de programação de aplicativos) e começamos a programar”, conta Ballona. “Não largamos enquanto não estivesse rodando.”
O 4me.fm é um site que toca e recomenda músicas com um algoritmo próprio. “Eu não vejo isso como um negócio. Eu vejo como inovação. Quando não existe a solução, as pessoas criam.” Em três dias o site registrou 1 milhão de minutos de música e 150 mil visitantes. “Isso mostra a necessidade do usuário”, diz Ballona.
Foi só no ano passado que serviços robustos de streaming começaram a chegar ao País. Embora algumas empresas já oferecessem a alternativa, o mercado por aqui ainda estava longe de ver a revolução que aconteceu no mundo: o streaming aos poucos mudou a maneira como as pessoas consomem música.
Em 2012 pela primeira vez os lucros gerados pela música digital superaram os da mídia física. Quem puxou isso foram serviços como Spotify e Pandora, que movimentaram mais de US$ 1 bilhão em 2012. Os números mostram que, embora os downloads ainda sejam a parte mais lucrativa, o streaming vai superá-los.
Nos EUA, 40% dos lucros são gerados por streaming (o Spotify só estreou no país em 2011). Na Suécia, terra natal do Spotify, o streaming responde por 79% dos lucros e é visto como responsável por ter diminuído os downloads ilegais naquele país. Mathieu Le Roux, diretor do site francês Deezer, diz que o streaming é “a melhor saída” contra a pirataria por ser “barato e de fácil uso”.
A indústria fonográfica norte-americana apoia o streaming. A RIAA, principal órgão do setor, chegou a escrever ao Congresso dos EUA para pedir a liberação do acesso ao Spotify nos computadores da casa legislativa. Na carta, o serviço é descrito como um “provedor digital legal e seguro”.
“As pessoas começam a reconhecer os benefícios de acessar a coleção musical de qualquer lugar”, disse ao Link um porta-voz do Rdio, serviço criado pelos fundadores do Kazaa e Skype que se gaba de ter um acervo maior do que o do Spotify (18 milhões de música ante 15 milhões).
Rdio e Deezer inauguraram o mercado de streaming no Brasil – primeiro o Rdio, que chegou no ano passado sob a alcunha de Oi Rdio, e depois o Deezer, no início de 2013. Quem completa a tríade dos grandes serviços é o Grooveshark, que não opera oficialmente, mas pode ser acessado no País com seu modelo provocativo.
O Grooveshark é considerado pirata porque permite que o usuário publique e ouça músicas sem pagar às gravadoras. A Apple e o Google chegaram a banir o aplicativo do Grooveshark – que tratou de criar uma versão mobile liberada que funciona exatamente como o aplicativo. Burocracia. O licenciamento é uma das barreiras para a chegada de serviços legalizados e acessíveis. “Não é um problema só do Brasil”, diz Paulo Lima, diretor executivo do iMusica, empresa que negocia esse tipo de contrato. “Mas aqui existe um problema a mais: não há uma única entidade de direitos autorais”, explica.
Foi essa negociação que atrapalhou a oferta de seis meses de música gratuita no Oi Rdio. O serviço lançou em 15 dos 17 países onde opera uma promoção de streaming ilimitado grátis, mas no Brasil não houve acordo para viabilizar a oferta.
O Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (Ecad), que centraliza a cobrança de direitos autorais, disse que está analisando com as gravadoras e editoras a definição da cobrança para serviços do tipo.
A demora desse tipo de acordos foi o que atrasou a chegada do Spotify aos EUA – e talvez ao Brasil. Uma funcionária da empresa esteve aqui no fim de 2012 para sondar o mercado. “O aspecto mais atraente da região é a incrível diversidade de gostos musicais”, disse ao Link Graham James, diretor de comunicação do Spotify. James relutou em comentar o mercado brasileiro, mas disse que o País está “definitivamente no nosso radar”.
Para Paulo Lima, o mercado brasileiro se prepara para a mudança. “Precisamos agora mudar o hábito de possuir uma música para acessar um banco de músicas”, diz. “Esse é o desafio de toda a indústria.”
O brasileiro, porém, já usa streaming – e massivamente. Embora não se classifique como um serviço musical, o YouTube não consegue se esquivar deste mercado: ele é a principal forma para se ouvir música online (nos Estados Unidos, supera rádio e outras mídias entre os adolescentes). No Brasil, todos os 10 vídeos mais executados no YouTube são de músicas.
Para evitar problemas, o Google fez um acordo com o Ecad para pagar por direitos autorais. E é essa brecha que os criadores do 4me.fm aproveitaram: no ano passado, depois de uma polêmica cobrança por um vídeo do YouTube incorporado em um blog, o Google se posicionou afirmando que “o Ecad não pode cobrar por vídeos do YouTube inseridos em sites de terceiros”.
“O 4me é mais um movimento do que um negócio. Não tem dono. Não tem investidores e acionistas. É uma plataforma aberta”, defende Ballona. Se o site dele concorre com os outros? “É o usuário que vai decidir”, diz.
O que todos concordam é que o País tem um vácuo a ser preenchido – e 2013 é o ano em que esse mercado se definirá por aqui. Paulo Lima do iMusica, acha que o Spotify chegará finalmente neste ano. “Eu torço para que todos cheguem. Temos de ter vários serviços porque somos um país continental com milhões de pessoas para consumir música de forma legalizada.”
—-Leia mais:• As cartadas • O lado dos músicos• Link no papel – 25/02/13