Nos últimos anos, temos testemunhado uma revolução tecnológica que está moldando profundamente nossa sociedade e nossas vidas. Em 2023, por exemplo, mesmo os mais céticos perceberam que o assunto inteligência artificial deixou de ser uma promessa para o futuro, ou assunto de ficção, para se tornar parte cada vez mais importante de nossas atividades diárias, e, que certamente irá transformar profundamente a nossa forma de trabalhar.
Por essa razão, uma questão que surge com frequência é como essa revolução afeta nossos jovens e suas escolhas de carreira. E isso tem preocupado cada vez mais os pais. De fato, nos últimos anos tornou-se muito comum ser procurado ao final de reuniões ou palestras por pais e mães com questões sobre recomendações para o preparo de seus filhos diante dos avanços da inteligência artificial ou outras tecnologias exponenciais. Como um pai, eu também tenho dúvidas e interesse no assunto, assim, essas oportunidades sempre rendem uma conversa boa com trocas de opiniões, e, muitas incertezas.
Como estou sempre buscando conhecer mais sobre o tema, eu li o recém-lançado livro "Para os seus próximos mil anos: Um manual para as profissões que ainda não existem" do Ricardo Cavallini. Como eu curti muito a leitura, tanto pela abrangência como pelos vários insights e exemplos, eu resolvi ter uma conversa com o autor e compartilhá-la aqui na íntegra, para que tanto pais como jovens diante de escolhas profissionais possam conhecer um pouco mais sobre a perspectiva sobre o tema que Ricardo traz em sua obra.
[Eu] Como você começou a se interessar pelo tema das transformações tecnológicas e sua influência nas escolhas de carreira dos jovens?
[Ricardo] Praticamente toda a minha carreira foi sobre o impacto que a tecnologia tem em mudança de comportamento, cultura e ambiente de negócios. Há 17, quando virei pai, foi natural que a perspectiva dos jovens ganhasse relevância para mim. Nos últimos 10 anos, além dos executivos, dei muitas aulas para crianças e adolescentes, descobri que outras pessoas compartilhavam dessa preocupação.
[Eu] Em seu livro, você aborda o que está mudando na sociedade devido à tecnologia. Pode compartilhar algumas das mudanças mais significativas que observou?
[Ricardo] Hoje é fácil falar sobre o impacto, pois a maioria das pessoas sentiu na pela a mudança trazida por internet, redes sociais e celulares. É fácil explicar o que uma mudança de base tecnológica pode ter de mudança em cultura na sociedade e nos negócios.
Olhando para a frente, acredito que vamos viver uma nova onda de democratização, assim como a internet proporcionou, mas desta vez, muito mais ampla. Nos últimos 20, descobrimos que qualquer pessoa poderia criar, produzir e distribuir qualquer tipo de conteúdo. Isso abriu espaço para Porta dos Fundos, Winderson Nunes e Nathalia Arcuri. Nos próximos 20 vamos descobrir que poderemos criar, produzir e distribuir qualquer coisa.
[Eu] Qual é a importância de os pais estarem cientes das tendências tecnológicas e de como elas afetam as escolhas de carreira de seus filhos?
[Ricardo] Os pais sempre tiveram papel fundamental na carreira dos filhos, seja passando educação ou valores, seja dando benefícios como uma boa escola ou um curso de inglês. Mas o cenário está muito mais complexo, não apenas por termos muito mais opções, mas pelo fantasma da inteligência artificial. O cenário também mudou muito, hoje sentimos as mudanças tecnológicas em vida. O que antes levava 50 ou 60 anos hoje tem levado 15 ou 20. A verdade é que somente nas últimas gerações fez sentido nos preparar para os próximos 40 ou 50 anos. Não fomos treinados para isso e agora precisamos preparar nossos filhos e filhas. A gente não aprendeu a fazer e agora temos que ensinar a fazer.
[Eu] Como você vê o futuro das carreiras em um mundo cada vez mais tecnológico? Quais são as principais áreas de crescimento?
[Ricardo] Tecnologia hoje é vista como uma área, mas cada vez mais será entendida como transversal. A nova geração passará por 2, 3, talvez 4 grandes ondas de revolução tecnológica. A próxima é a IA mas outras virão. Também acredito que muitas pessoas mudarão de profissão ao longo de suas carreiras. Por esses e outros motivos, cada vez mais a expressão "carreira do futuro" deixará de fazer sentido e precisaremos pensar em como nos preparar para esse cenário que mudará tanto e tantas vezes.
[Eu] No seu livro, você menciona a necessidade de os jovens adaptarem suas habilidades e conhecimentos para acompanhar as mudanças tecnológicas. Como os pais podem apoiar seus filhos nesse processo?
[Ricardo] É um mundo novo para todos nós, mas a experiência conta. Muitos executivos e executivas viveram o impacto da transformação digital. O que teriam feito diferente? Quais os erros? Quais os acertos? Ter essa conversa pode ser de grande utilidade para quem vai passar por isso muitas vezes durante a carreira.
[Eu] Quais são os principais desafios que os adolescentes enfrentam ao escolher uma carreira em um mundo tecnológico em constante evolução?
[Ricardo] O dilema atual é o fantasma da inteligência artificial. Quais profissões terão maior impacto? Esta é uma resposta que ninguém tem. Estou falando sobre IA há mais de 20 anos e vejo o quanto essa discussão já mudou. No passado, o senso comum dizia que a automação tiraria primeiro os empregos manuais, depois os menos qualificados, seguidos pelos mais qualificados. Por último e com um grande talvez, os criativos. Hoje já sabemos que essa ordem não existe, a IA pode impactar designers, músicos, advogados ou motoristas de caminhão na mesma geração.
[Eu] Quais são os cinco principais conselhos ou insights que os pais devem ter em mente ao orientar seus filhos sobre carreiras em um mundo tecnológico?
[Ricardo]
- A mudança é a única constante.
- É preciso refletir e discutir sobre o longo prazo.
- O cenário está diferente, quais conceitos você acredita que continuam valendo e quais não fazem mais sentido?
- Você gostando ou não, concordando ou não, novas gerações encaram a vida de forma diferente.
- Escute seus filhos. Você pode achar que eles não conhecem a vida, mas o mundo mudou e, em alguns sentidos, eles estão melhor preparados que nós para entender essa nova realidade.
[Eu] E quanto aos adolescentes? Quais são os cinco principais pontos que eles devem considerar ao planejar seu futuro profissional?
[Ricardo]
- É preciso inserir o aprendizado no dia a dia e isso é mais difícil do que parece ser. E não, isso não tem nada a ver com todas as horas de escola que você faz todos os dias.
- As redes sociais são maravilhosas e, ao mesmo tempo, catastróficas para a nossa saúde mental, nosso poder de concentração e muito mais. É preciso impor limites e você precisa aprender a fazer isso, com soluções decididas por você e que funcionam para você.
- O empreendedorismo será a solução para criar o seu próprio emprego quando o mercado não te oferecer um.
- Criatividade é uma maneira de trabalhar, pode ser desenvolvida e será cada vez mais importante.
- Escute seus pais. Você pode achar que eles não te entendem, mas a experiência deles conta demais.
[Eu] No seu livro, você fala sobre a importância do autoconhecimento na escolha de carreira. Quais são algumas estratégias práticas que os pais podem adotar para ajudar seus filhos a se conhecerem melhor nesse contexto?
[Ricardo] Saúde mental, inteligência emocional e autoconhecimento. Hoje são coisas óbvias mas que passaram a ser discutidas com profundidade apenas nas últimas 2 décadas. Pais e mães que são mais velhos, meu caso, só descobriram a importância de algumas dessas expressões bem tarde. Acredito que a melhor estratégia é saber já sobre a importância e dificuldade de se trabalhar esses temas, pois não são questões que se resolvem em um curso, é um trabalho de toda uma vida, mas quanto antes começar, maiores serão os benefícios.
[Eu] Os pais ficam desesperados quando percebem que os filhos ficam horas jogando videogame. Em algumas famílias isso é tema de brigas e lutas incansáveis entre pais e filhos... Como você vê isso? Você acredita que a postura dos pais deveria ser diferente?
[Ricardo] Precisamos amadurecer a discussão sobre redes sociais e videogames. Nem ao céu, nem ao inferno. São inclusive campos de trabalho (e democratização) bastante relevantes nos dias de hoje. Do outro lado, o exagero também se tornou um problema grave, para os indivíduos e para a sociedade. Sem definir números, pois acredito que esta é uma decisão de cada família, acredito que para primeira infância deveria ser proibido, para os mais novos, limitada. Já para os adolescentes, é preciso conversar e fazê-los entender os riscos e problemas que estão envolvidos, inclusive de longo prazo, inclusive em questões físicas (relacionadas ao cérebro). Se eles não tiverem consciência do problema, dificilmente uma proibição vai resolver. Quanto mais velhos, mais as decisões partirão deles.
[Eu] Quais são os recursos adicionais que os pais e os jovens podem acessar para obter mais informações e orientações sobre esse assunto?
[Ricardo] Além das dicas do livro, acredito em intercalar o tempo que gastamos com entretenimento (que é necessário) com conteúdo. Tem muita gente legal criando conteúdo, desde gigantes como o Iberê Thenório (Manual do Mundo) até pessoas com muito menos audiência como Conrado Schlochauer (aprendizado contínuo), Carla Tieppo (neurociência), Alexandre Nascimento (IA) etc. Achar essas pessoas nem sempre é fácil, mas ficar atento e procurá-las é uma boa forma de começar essa jornada.