Adriana Moreira Camilo Rocha
Na última semana, duas importantes redes sociais lançaram iniciativas de combate à disseminação de conteúdos ofensivos, um leque que vai do racismo à humilhação pública, em clara admissão de que esse tipo de material tinha atingido um nível preocupante em suas plataformas.
O Tumblr deu início à campanha “Post It Forward” (publique isso para o próximo, em inglês) que incentiva o compartilhamento de boas experiências com quem “está vivendo um momento difícil”, uma óbvia alusão a vítimas de agressões virtuais. A iniciativa conta com o apoio do vice-presidente americano Joe Biden.
Enquanto isso, o Reddit, que chegou a hospedar conversas com trocas de links de fotos íntimas de celebridades no ano passado, se posicionou contra abuso ou assédio na rede e mudou sua política de uso para banir casos do gênero.
Não são casos isolados. Em abril, o Twitter também mudou sua política para garantir que mensagens de ódio sejam prontamente reportadas e seus usuários banidos. Além disso, passou a testar um mecanismo que identifica conteúdo abusivo e automaticamente diminui seu alcance.
No mesmo mês, o fechamento do Secret soou como sinal de derrota diante do mau uso da rede. Utilizado para mensagens anônimas, o Secret foi acusado de se transformar num repositório de maledicência e assédio moral, que “não representa a visão que eu tinha quando comecei a empresa”, conforme disse o criador do app, David Byttow, na mensagem em que comunicou seu encerramento.
Para a pesquisadora especializada em questões de gênero, raça e direitos humanos do Internetlab, Natália Neris, as ações das empresas vêm como resultado de uma maior divulgação de casos e mobilização de grupos da sociedade civil preocupados com violação de direitos nas redes. Para ela, suas respostas “não têm sido consideradas completamente satisfatórias.”
Só no Brasil, foram registradas 189,2 mil denúncias relacionadas a crimes e abusos na internet em 2014, segundo números da Safernet, organização de defesa de direitos humanos na rede e que gerencia, em parceria com o Ministério Público Federal e a Polícia Federal, a Central Nacional de Denúncias de Crimes Cibernéticos.
Shaming
Existe uma modalidade de mau comportamento online bem mais ambígua e, portanto, mais difícil de coibir. É o “shaming” (expressão derivada de vergonha, em inglês), termo usado para perseguições e humilhações contra pessoas que cometem erros e deslizes ou por questões pessoais.
No site de autopublicação Medium, a lista dos artigos mais lidos foi coroada no fim da semana passada pelo artigo “Social shaming”, do escritor Marc V. Calderaro. “Em muitas situações, envergonhar uma instituição é a melhor maneira de driblar a burocracia, mas são bem poucas as situações onde envergonhar socialmente um indivíduo tem recebido repercussões positivas”, escreveu Calderaro.
Se nem mesmo as celebridades escapam da ira dos justiceiros da rede por um eventual comportamento fora do socialmente adequado, quando o erro vem de um anônimo as consequências podem ser muito mais devastadoras – e, na maioria das vezes, desproporcionais.
Uma das armadilhas das campanhas de humilhação é que muita vezes elas vêm disfarçadas de justiça, contra supostos autores de delitos inegáveis como homofobia e racismo.
Para o pesquisador Fabio Malini, do Labic (Laboratório de Internet e Cultura da Universidade Federal do Espírito Santo), a apropriação da linguagem violenta por parte de grupos que eram originalmente vítimas é um indicativo da escalada do comportamento raivoso na internet.
Casos
Há cerca de um ano, Fátima (nome fictício) publicou um post no Facebook considerado preconceituoso, que viralizou em todo Brasil. Por razões óbvias, ela prefere não se identificar – além de não poder falar em razão de um acordo judicial, reavivar o assunto e correr o risco de passar por tudo novamente não é algo que deseja.
Fátima conta que tudo não passou de uma piada, e que achou estar segura em sua conta fechada apenas para amigos no Facebook. “Quem me conhece sabe que não sou nada preconceituosa”, explica. Segundo Raquel Recuero, do projeto Mídia RS – grupo de pesquisa de diversas universidades que discute a violência nas redes sociais – a linguagem usada nas redes não é entendida como escrita, mas como falada. “Justamente por isso, as pessoas não pensam muito quando se expressam. Querem comentar ou tuitar rapidinho e não avaliam como aquilo será interpretado”, explica.
Nos Estados Unidos, o caso de Justine Sacco ficou famoso em 2013. Ela tuitou para sua rede de apenas 170 seguidores: “Partindo para a África. Espero não pegar aids. Brincadeirinha. Sou branca!” e embarcou no avião rumo à África do Sul. Ao desembarcar, 11 horas depois, ficou assustada com as proporções que o caso tinha tomado – houve até quem a esperasse no aeroporto para fotografar sua reação.
Na interação offline, afirma Raquel, as pessoas não pensam claramente em quem está recebendo aquela mensagem. “Há coisas que podem ser ditas no bar e não no ambiente de trabalho”, exemplifica. “O problema na rede social é que as pessoas agem como se estivessem num bar, mas esquecem que todas as suas interações, de várias áreas, estão ali. É uma questão de contexto.”
Fora do contexto – e do círculo social correto – a expressão é lida de forma literal. “Sarcasmo e ironia são muito difíceis de interpretar online”, diz Raquel. Justine sentiu isso na pele. Durante sua viagem, teve suas reservas canceladas – ninguém queria hospedá-la. Ao voltar aos Estados Unidos, além de ser demitida, foi perseguida por fotógrafos por semanas.
“Para mim, o comentário era tão maluco que achei impossível alguém pensar que fosse literal”, disse ela mais tarde ao jornalista Jon Ronson, em um artigo publicado no jornal The New York Times. “Minha intenção não era despertar a consciência sobre a aids, enfurecer as pessoas, nem arruinar a minha vida. Quem mora nos Estados Unidos vive numa espécie de bolha em relação às coisas que acontecem no Terceiro Mundo. Foi dessa bolha que eu tentei caçoar.”
Justine e Fátima não são as únicas a postar comentários infelizes em suas redes – certamente, milhares de pessoas fazem o mesmo diariamente, mas sem alcance nacional. Por quê? “A dimensão exagerada ocorre porque uma das pessoas é um hub, tem muitas conexões”, explica Alex Primo. No caso de Fátima, a tela foi capturada numa imagem por uma das pessoas de sua rede e repassada em fóruns de discussão.
Entender a razão pela qual as pessoas se tornam tão agressivas e como a violência se espalha nas redes sociais é justamente o mote da pesquisa de Raquel. “Uma das linhas que trabalhamos é que o interlocutor é uma tela, e não outra pessoa”, explica. “É uma audiência invisível. As pessoas se ofendem mais facilmente.”
Apesar disso, tanto Raquel como Alex Primo acreditam que nem sempre o denuncismo é ruim. “A internet reflete o comportamento da sociedade, e é importante para combater discursos preconceituosos”, diz Raquel. Esta semana, por exemplo, três pessoas foram condenados na Justiça Federal por postagens consideradas preconceituosas e discriminatórias no Facebook contra a Bahia e os baianos.
Perguntada se teve a oportunidade de dar sua versão dos fatos na época da polêmica, Fátima diz que foi aconselhada a não dar declarações. E, ainda hoje, acredita que foi melhor assim. “Tudo o que eu dissesse se viraria ainda mais contra mim. Não havia o que fazer.”
Alex reconhece a importância da busca por punição nas redes, mas acha que também é preciso discutir esse “sentimento de xerife”, muitas vezes sobre “erros que também cometemos”. A tendência, segundo o professor da UFRGS, é que haja um amadurecimento no comportamento virtual – em outras palavras, as pessoas vão começar a pensar melhor antes de postar a primeira coisa que vier na cabeça.
“Se compararmos com a época do Orkut, dá para perceber que já mudamos nossa maneira de agir”, diz o professor. Ainda assim, ele sabe que todos estão sujeitos a “escorregar”. “Eu mesmo tuitei algo rápido e quando reli achei que poderia dar margem a uma interpretação errada. Corri para apagar.”