Não é de hoje que a discussão sobre os efeitos dos avanços da inteligência artificial estão em alta. Eu, inclusive, comento sobre o assunto com uma certa frequência e ressalto que muitas pessoas temem que as máquinas roubem o lugar dos humanos em seus postos de trabalho.
Embora soe como pessimismo, e apesar de o cenário não ser tão alarmante quanto parece, esse medo coletivo não é nada infundado. Recentemente explodiram nas redes sociais postagens de auto-retratos criados pela inteligência artificial do app Lensa, a partir de fotos dos usuários, com detalhes impressionantes.
Os modelos de IA "artistas" estão de fato se tornando muito mais inteligentes e há obras impressionantes criadas por algoritmos como Dall-E 2, Stable Diffusion ou Midijourney. A qualidade do trabalho é tão boa que um deles ganhou um concurso artístico realizado nos Estados Unidos, gerando grande repercussão. A "arte" premiada em primeiro lugar na categoria digital foi intitulada "Theatre d'Opera Spatial", e seu "autor", Jason Allen, utilizou um software gerador de imagem a partir de texto, o Midjourney.
Após uma enxurrada de críticas sobre a validade da peça na competição estadual, Allen defendeu seu trabalho, afirmando que passou por um longo processo de curadoria, ajustes minuciosos e edição no Photoshop, antes de chegar à arte final. Ainda assim, artistas e internautas comentaram sobre sua premiação no State Fair Colorado. "Estamos assistindo à morte da arte se desenrolar diante de nossos olhos", disse um usuário do Twitter.
Inteligência artificial x ética?
No centro desta polêmica, está uma questão que os filósofos estéticos, artistas e engenheiros da computação vêm refletindo há tempos: qual é a essência fundamental da arte?
Allen diria que a resposta é "transformação". Para ele, qualquer coisa que alguém faça que evoque uma reação de seu público é arte. "Você pegou algo de dentro e o exteriorizou. Você o trouxe ao mundo, e o mundo reagiu. Isso é arte.", disse Allen.
Mas, o crescente clamor de artistas contra o prêmio e a discussão sobre se a produção criada pela IA é realmente arte, tem um grande peso. Sobretudo porque Allen é o fundador e presidente da empresa norte-americana Incarnate Games, que explora mercados emergentes e novas tecnologias e seu impacto na indústria de jogos, fato que não vai exatamente de encontro ao dos interesses da classe artística.
Então, ficam aqui os questionamentos: é realmente ético usar uma ilustração concebida por inteligência artificial em uma competição de belas artes? Deveria existir uma categoria apenas para peças feitas por meio de IA? O trabalho dos artistas está em risco diante dessa nova possibilidade de criação?
Quando o computador Deep Blue derrotou o grande mestre de xadrez Garry Kasparovem em seu próprio jogo há mais de 25 anos, não houve um grande protesto declarando a morte dos jogadores de xadrez. Não podemos afirmar, porém, que a situação é a mesma.
O que fica de lição é a urgência de entendermos cada vez mais como aplicarmos a ética à IA, quando o assunto é o impacto da tecnologia em atividades essencialmente humanas.