Cientistas buscam pelo ‘Google tradutor’ da linguagem animal para entender bichos


Cientistas usam inteligência artificial para desvendar mensagens emitidas pelos sons dos animais

O rato-toupeira-pelado talvez não seja das mais belas visões, mas tem muito a dizer. Eles assobiam, trinam, gorjeiam, soltam grunhidos, soluçam e sibilam. Quando dois deles se encontram, eles fazem uma saudação específica.

“Eles conversam um pouquinho”, diz Alison Barker, neurocientista do Instituto Max Planck de Pesquisa do Cérebro, na Alemanha. O pesquisador é um dos vários no mundo a usar inteligência artificial (IA) para traduzir o que os animais “falam”.

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O aprendizado de máquina, técnica de IA que usa algoritmos para detectar padrões em grandes compilações de dados, têm se destacado na análise da linguagem humana. Eles deram origem a assistentes de voz, softwares de transcrição e tradutores digitais.

Nos últimos anos, os cientistas começaram a utilizar essa tecnologia para decifrar a comunicação animal. Projetos ainda mais ambiciosos estão em andamento – para criar um catálogo abrangente dos corvejares dos corvos, mapear a sintaxe dos cachalotes e até mesmo construir tecnologias que permitam aos humanos responder a esses sons.

“Vamos tentar descobrir um Google Tradutor para animais”, disse Diana Reiss, cofundadora do Interspecies Internet, organização dedicada a facilitar a comunicação entre espécies. A área é jovem, mas o trabalho já está revelando que a comunicação animal é muito mais complexa do que parece ao ouvido humano.

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Espionagem

Os algoritmos podem detectar padrões sutis. Por exemplo, cientistas mostraram eles podem distinguir a voz de cada animal, diferenciar os sons que eles fazem em diferentes circunstâncias e decompor suas vocalizações em partes menores. “Ainda há inúmeros mistérios na comunicação animal e são coisas às quais podemos aplicar a computação”, diz Dan Stowell, do Centro de Biodiversidade Naturalis, na Holanda.

O software foi reutilizado com outras espécies, entre elas lêmures e baleias, enquanto outras equipes desenvolveram seus próprios sistemas para detectar quando galinhas cacarejando ou porcos guinchando estavam com problemas.

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Ainda há inúmeros mistérios na comunicação animal e são coisas para as quais podemos aplicar a computação”

Dan Stowell, do Centro de Biodiversidade Naturalis

Significado

Decodificar o significado dos sons produzidos por animais também requer muitos dados sobre o contexto de onde ocorrem.

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Para saber mais a respeito das vocalizações de morcegos frugívoros egípcios, os pesquisadores usaram câmeras de vídeo e microfones para gravar grupos dos animais durante 75 dias.

Ao final, a IA conseguiu distinguir, com 61% de precisão, os sons agressivos emitidos em quatro contextos diferentes.

Yossi Yovel, neurobiólogo da Universidade de Tel Aviv, em Israel, Yovel ficou surpreso ao descobrir que a IA conseguiu identificar, quais morcego recebiam as mensagens.

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“Isso implica que o aparato de espionagem é teoricamente capaz, pelo menos até certo ponto, de identificar se o morcego A está se dirigindo ao morcego B ou ao morcego C”.

Contudo, detectar padrões é apenas o começo. Os cientistas depois precisam determinar se os algoritmos descobriram algo significativo em relação ao comportamento animal do mundo real.

“É preciso ter muito cuidado para evitar detectar padrões que não são reais”, diz Stowell.

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Baleias

Outros grandes projetos estão em curso, como o Projeto CETI (sigla em inglês para Iniciativa de Tradução de Cetáceos). Ele conta com especialistas em aprendizado de máquina, biólogos marinhos, roboticistas, linguistas e criptógrafos para decifrar a comunicação de cachalotes, que emitem sons de estalos organizados em sequências semelhantes ao código Morse, chamadas de codas.

A equipe está planejando instalar suas “principais estações de escuta de baleias”, cada uma das quais inclui 28 microfones subaquáticos, na costa de Dominica neste segundo semestre. A ideia é usar peixes robóticos para gravar áudio e vídeo das baleias, assim como pequenos dispositivos acústicos para gravar as vocalizações e movimentos de cada animal.

Depois, os pesquisadores tentarão decifrar a sintaxe e a semântica da comunicação das baleias e investigar questões sobre o comportamento e a cognição dos cachalotes.

“Para onde quer que olhemos há uma nova questão”, disse David Gruber, biólogo marinho do Baruch College, em Nova York, que lidera o Projeto CETI. “Caso tenha acontecido algo importante há uma semana, como saberíamos que elas ainda estão se comunicando a respeito disso? Baleias são boas com matemática?”

O Earth Species Project, organização sem fins lucrativos na Califórnia, também está trabalhando em parceria com os biólogos para testar uma variedade de abordagens IA com baleias e outras espécies.

Por exemplo, a organização está trabalhando com biólogos marinhos para determinar se algoritmos podem identificar quais comportamentos as baleias estão demonstrando com base em dados de movimento coletados por dispositivos de rastreamento.

“Existe alguma característica específica nos dados de quando um animal respira ou de quando um animal se alimenta?”, pergunta Ari Friedlaender, ecologista marinho da Universidade da Califórnia, Santa Cruz, que está colaborando com o projeto.

Os pesquisadores esperam sobrepor esses dados comportamentais com gravações de áudio para determinar se há certos sons que as baleias fazem em certos contextos.

Resposta

Em outra linha de pesquisa, especialistas do Earth Species estão usando IA para criar um inventário de todos os tipos de sons produzidos por corvos-do-havaí em cativeiro, que estão extintos na natureza há duas décadas.

Eles depois vão comparar os resultados com o histórico de gravações de corvos-do-havaí selvagens para identificar tipos específicos de sons que as aves talvez tenham perdido ao longo dos anos em cativeiro.

“O repertório vocal deles pode ter sido afetado ao longo do tempo, o que é uma preocupação real da conservação”, disse Christian Rutz, ecologista comportamental da Universidade de St. Andrews, na Escócia, que está trabalhando com o Earth Species no projeto. “Eles são mantidos em aviários para que possam se reproduzir e ser soltos no futuro. Mas e se esses corvos não souberem mais falar ‘corvês?’”

Os cientistas podem então estudar a função de sons perdidos – e talvez até reintroduzir aqueles mais importantes nas colônias em cativeiro.

O Earth Species Project também uniu forças com Michelle Fournet, ecologista de acústica marinha da Universidade de New Hampshire, que vem tentando decifrar a comunicação das baleias jubarte ao colocar para tocar em alto-falantes subaquáticos sons de baleias gravados e observando como elas respondem.

conversas mediadas por máquinas podem ajudar os pesquisadores a aperfeiçoar seus modelos e melhorar sua compreensão da comunicação das baleias Foto: Arlaine Francisco/Projeto Baleia à Vista

Os cientistas do Earth Species estão usando algoritmos para criar novas vocalizações de baleias jubarte – quer dizer, “novos sons que não existem, mas soam como se fossem reais”, disse Michelle. “Não sou capaz de expressar com palavras o quanto é legal imaginar algo na natureza que não está lá e depois ouvir isso.”

Tocar esses novos sons para baleias selvagens pode ajudar os cientistas a testar hipóteses a respeito da função de certas vocalizações, explica ela.

Com dados suficientes sobre como as baleias conversam entre si, os sistemas devem ser capazes de gerar respostas plausíveis para sons específicos de baleias e reproduzi-los em tempo real, disseram os especialistas. Isso significa que os cientistas poderiam usar chatbots de baleias para “conversar” com os mamíferos marinhos antes mesmo de entenderem completamente o que eles estão “dizendo”.

Essas conversas mediadas por máquinas podem ajudar os pesquisadores a aperfeiçoar seus modelos e melhorar sua compreensão da comunicação das baleias. “Em algum momento, pode se tornar um diálogo real”, disse Michael Bronstein, especialista em IA da Universidade de Oxford e participante do Projeto CETI.

“Como cientista, este é provavelmente o projeto mais louco do qual já participei”, afirmou.

Ouvindo

A probabilidade de um diálogo contínuo e bidirecional com outras espécies permanece desconhecida. Mas a verdadeira conversa exigirá uma série de “pré-requisitos”, incluindo tipos de inteligência correspondentes, sistemas sensoriais compatíveis e, mais importante ainda, um desejo mútuo de conversar, explica Natalie Uomini, especialista do Instituto Max Planck de Antropologia Evolutiva.

Mesmo assim, alguns animais talvez tenham experiências tão diferentes das nossas que algumas ideias podem simplesmente se perder na tradução. “Por exemplo, temos um conceito de ‘ficar molhado’”, disse Bronstein. “Acho que as baleias não seriam capazes de entender o que isso significa.”

Esses experimentos talvez também suscitem questões éticas, reconhecem os especialistas. “Se você encontrar padrões em animais que permitem entender a comunicação deles, isso abre caminho para manipulá-las”, disse Mustill.

Mas a tecnologia também pode ser utilizada em benefício dos animais, ajudando especialistas a monitorar o bem-estar tanto da fauna selvagem como da doméstica. Os cientistas também disseram esperar que, ao oferecer novas informações a respeito da vida animal, essa pesquisa possa motivar uma mudança social mais ampla.

“Não é o que as baleias estão dizendo que importa para mim”, disse Gruber. “É o fato de que as estamos ouvindo.”

O rato-toupeira-pelado talvez não seja das mais belas visões, mas tem muito a dizer. Eles assobiam, trinam, gorjeiam, soltam grunhidos, soluçam e sibilam. Quando dois deles se encontram, eles fazem uma saudação específica.

“Eles conversam um pouquinho”, diz Alison Barker, neurocientista do Instituto Max Planck de Pesquisa do Cérebro, na Alemanha. O pesquisador é um dos vários no mundo a usar inteligência artificial (IA) para traduzir o que os animais “falam”.

O aprendizado de máquina, técnica de IA que usa algoritmos para detectar padrões em grandes compilações de dados, têm se destacado na análise da linguagem humana. Eles deram origem a assistentes de voz, softwares de transcrição e tradutores digitais.

Nos últimos anos, os cientistas começaram a utilizar essa tecnologia para decifrar a comunicação animal. Projetos ainda mais ambiciosos estão em andamento – para criar um catálogo abrangente dos corvejares dos corvos, mapear a sintaxe dos cachalotes e até mesmo construir tecnologias que permitam aos humanos responder a esses sons.

“Vamos tentar descobrir um Google Tradutor para animais”, disse Diana Reiss, cofundadora do Interspecies Internet, organização dedicada a facilitar a comunicação entre espécies. A área é jovem, mas o trabalho já está revelando que a comunicação animal é muito mais complexa do que parece ao ouvido humano.

Espionagem

Os algoritmos podem detectar padrões sutis. Por exemplo, cientistas mostraram eles podem distinguir a voz de cada animal, diferenciar os sons que eles fazem em diferentes circunstâncias e decompor suas vocalizações em partes menores. “Ainda há inúmeros mistérios na comunicação animal e são coisas às quais podemos aplicar a computação”, diz Dan Stowell, do Centro de Biodiversidade Naturalis, na Holanda.

O software foi reutilizado com outras espécies, entre elas lêmures e baleias, enquanto outras equipes desenvolveram seus próprios sistemas para detectar quando galinhas cacarejando ou porcos guinchando estavam com problemas.

Ainda há inúmeros mistérios na comunicação animal e são coisas para as quais podemos aplicar a computação”

Dan Stowell, do Centro de Biodiversidade Naturalis

Significado

Decodificar o significado dos sons produzidos por animais também requer muitos dados sobre o contexto de onde ocorrem.

Para saber mais a respeito das vocalizações de morcegos frugívoros egípcios, os pesquisadores usaram câmeras de vídeo e microfones para gravar grupos dos animais durante 75 dias.

Ao final, a IA conseguiu distinguir, com 61% de precisão, os sons agressivos emitidos em quatro contextos diferentes.

Yossi Yovel, neurobiólogo da Universidade de Tel Aviv, em Israel, Yovel ficou surpreso ao descobrir que a IA conseguiu identificar, quais morcego recebiam as mensagens.

“Isso implica que o aparato de espionagem é teoricamente capaz, pelo menos até certo ponto, de identificar se o morcego A está se dirigindo ao morcego B ou ao morcego C”.

Contudo, detectar padrões é apenas o começo. Os cientistas depois precisam determinar se os algoritmos descobriram algo significativo em relação ao comportamento animal do mundo real.

“É preciso ter muito cuidado para evitar detectar padrões que não são reais”, diz Stowell.

Baleias

Outros grandes projetos estão em curso, como o Projeto CETI (sigla em inglês para Iniciativa de Tradução de Cetáceos). Ele conta com especialistas em aprendizado de máquina, biólogos marinhos, roboticistas, linguistas e criptógrafos para decifrar a comunicação de cachalotes, que emitem sons de estalos organizados em sequências semelhantes ao código Morse, chamadas de codas.

A equipe está planejando instalar suas “principais estações de escuta de baleias”, cada uma das quais inclui 28 microfones subaquáticos, na costa de Dominica neste segundo semestre. A ideia é usar peixes robóticos para gravar áudio e vídeo das baleias, assim como pequenos dispositivos acústicos para gravar as vocalizações e movimentos de cada animal.

Depois, os pesquisadores tentarão decifrar a sintaxe e a semântica da comunicação das baleias e investigar questões sobre o comportamento e a cognição dos cachalotes.

“Para onde quer que olhemos há uma nova questão”, disse David Gruber, biólogo marinho do Baruch College, em Nova York, que lidera o Projeto CETI. “Caso tenha acontecido algo importante há uma semana, como saberíamos que elas ainda estão se comunicando a respeito disso? Baleias são boas com matemática?”

O Earth Species Project, organização sem fins lucrativos na Califórnia, também está trabalhando em parceria com os biólogos para testar uma variedade de abordagens IA com baleias e outras espécies.

Por exemplo, a organização está trabalhando com biólogos marinhos para determinar se algoritmos podem identificar quais comportamentos as baleias estão demonstrando com base em dados de movimento coletados por dispositivos de rastreamento.

“Existe alguma característica específica nos dados de quando um animal respira ou de quando um animal se alimenta?”, pergunta Ari Friedlaender, ecologista marinho da Universidade da Califórnia, Santa Cruz, que está colaborando com o projeto.

Os pesquisadores esperam sobrepor esses dados comportamentais com gravações de áudio para determinar se há certos sons que as baleias fazem em certos contextos.

Resposta

Em outra linha de pesquisa, especialistas do Earth Species estão usando IA para criar um inventário de todos os tipos de sons produzidos por corvos-do-havaí em cativeiro, que estão extintos na natureza há duas décadas.

Eles depois vão comparar os resultados com o histórico de gravações de corvos-do-havaí selvagens para identificar tipos específicos de sons que as aves talvez tenham perdido ao longo dos anos em cativeiro.

“O repertório vocal deles pode ter sido afetado ao longo do tempo, o que é uma preocupação real da conservação”, disse Christian Rutz, ecologista comportamental da Universidade de St. Andrews, na Escócia, que está trabalhando com o Earth Species no projeto. “Eles são mantidos em aviários para que possam se reproduzir e ser soltos no futuro. Mas e se esses corvos não souberem mais falar ‘corvês?’”

Os cientistas podem então estudar a função de sons perdidos – e talvez até reintroduzir aqueles mais importantes nas colônias em cativeiro.

O Earth Species Project também uniu forças com Michelle Fournet, ecologista de acústica marinha da Universidade de New Hampshire, que vem tentando decifrar a comunicação das baleias jubarte ao colocar para tocar em alto-falantes subaquáticos sons de baleias gravados e observando como elas respondem.

conversas mediadas por máquinas podem ajudar os pesquisadores a aperfeiçoar seus modelos e melhorar sua compreensão da comunicação das baleias Foto: Arlaine Francisco/Projeto Baleia à Vista

Os cientistas do Earth Species estão usando algoritmos para criar novas vocalizações de baleias jubarte – quer dizer, “novos sons que não existem, mas soam como se fossem reais”, disse Michelle. “Não sou capaz de expressar com palavras o quanto é legal imaginar algo na natureza que não está lá e depois ouvir isso.”

Tocar esses novos sons para baleias selvagens pode ajudar os cientistas a testar hipóteses a respeito da função de certas vocalizações, explica ela.

Com dados suficientes sobre como as baleias conversam entre si, os sistemas devem ser capazes de gerar respostas plausíveis para sons específicos de baleias e reproduzi-los em tempo real, disseram os especialistas. Isso significa que os cientistas poderiam usar chatbots de baleias para “conversar” com os mamíferos marinhos antes mesmo de entenderem completamente o que eles estão “dizendo”.

Essas conversas mediadas por máquinas podem ajudar os pesquisadores a aperfeiçoar seus modelos e melhorar sua compreensão da comunicação das baleias. “Em algum momento, pode se tornar um diálogo real”, disse Michael Bronstein, especialista em IA da Universidade de Oxford e participante do Projeto CETI.

“Como cientista, este é provavelmente o projeto mais louco do qual já participei”, afirmou.

Ouvindo

A probabilidade de um diálogo contínuo e bidirecional com outras espécies permanece desconhecida. Mas a verdadeira conversa exigirá uma série de “pré-requisitos”, incluindo tipos de inteligência correspondentes, sistemas sensoriais compatíveis e, mais importante ainda, um desejo mútuo de conversar, explica Natalie Uomini, especialista do Instituto Max Planck de Antropologia Evolutiva.

Mesmo assim, alguns animais talvez tenham experiências tão diferentes das nossas que algumas ideias podem simplesmente se perder na tradução. “Por exemplo, temos um conceito de ‘ficar molhado’”, disse Bronstein. “Acho que as baleias não seriam capazes de entender o que isso significa.”

Esses experimentos talvez também suscitem questões éticas, reconhecem os especialistas. “Se você encontrar padrões em animais que permitem entender a comunicação deles, isso abre caminho para manipulá-las”, disse Mustill.

Mas a tecnologia também pode ser utilizada em benefício dos animais, ajudando especialistas a monitorar o bem-estar tanto da fauna selvagem como da doméstica. Os cientistas também disseram esperar que, ao oferecer novas informações a respeito da vida animal, essa pesquisa possa motivar uma mudança social mais ampla.

“Não é o que as baleias estão dizendo que importa para mim”, disse Gruber. “É o fato de que as estamos ouvindo.”

O rato-toupeira-pelado talvez não seja das mais belas visões, mas tem muito a dizer. Eles assobiam, trinam, gorjeiam, soltam grunhidos, soluçam e sibilam. Quando dois deles se encontram, eles fazem uma saudação específica.

“Eles conversam um pouquinho”, diz Alison Barker, neurocientista do Instituto Max Planck de Pesquisa do Cérebro, na Alemanha. O pesquisador é um dos vários no mundo a usar inteligência artificial (IA) para traduzir o que os animais “falam”.

O aprendizado de máquina, técnica de IA que usa algoritmos para detectar padrões em grandes compilações de dados, têm se destacado na análise da linguagem humana. Eles deram origem a assistentes de voz, softwares de transcrição e tradutores digitais.

Nos últimos anos, os cientistas começaram a utilizar essa tecnologia para decifrar a comunicação animal. Projetos ainda mais ambiciosos estão em andamento – para criar um catálogo abrangente dos corvejares dos corvos, mapear a sintaxe dos cachalotes e até mesmo construir tecnologias que permitam aos humanos responder a esses sons.

“Vamos tentar descobrir um Google Tradutor para animais”, disse Diana Reiss, cofundadora do Interspecies Internet, organização dedicada a facilitar a comunicação entre espécies. A área é jovem, mas o trabalho já está revelando que a comunicação animal é muito mais complexa do que parece ao ouvido humano.

Espionagem

Os algoritmos podem detectar padrões sutis. Por exemplo, cientistas mostraram eles podem distinguir a voz de cada animal, diferenciar os sons que eles fazem em diferentes circunstâncias e decompor suas vocalizações em partes menores. “Ainda há inúmeros mistérios na comunicação animal e são coisas às quais podemos aplicar a computação”, diz Dan Stowell, do Centro de Biodiversidade Naturalis, na Holanda.

O software foi reutilizado com outras espécies, entre elas lêmures e baleias, enquanto outras equipes desenvolveram seus próprios sistemas para detectar quando galinhas cacarejando ou porcos guinchando estavam com problemas.

Ainda há inúmeros mistérios na comunicação animal e são coisas para as quais podemos aplicar a computação”

Dan Stowell, do Centro de Biodiversidade Naturalis

Significado

Decodificar o significado dos sons produzidos por animais também requer muitos dados sobre o contexto de onde ocorrem.

Para saber mais a respeito das vocalizações de morcegos frugívoros egípcios, os pesquisadores usaram câmeras de vídeo e microfones para gravar grupos dos animais durante 75 dias.

Ao final, a IA conseguiu distinguir, com 61% de precisão, os sons agressivos emitidos em quatro contextos diferentes.

Yossi Yovel, neurobiólogo da Universidade de Tel Aviv, em Israel, Yovel ficou surpreso ao descobrir que a IA conseguiu identificar, quais morcego recebiam as mensagens.

“Isso implica que o aparato de espionagem é teoricamente capaz, pelo menos até certo ponto, de identificar se o morcego A está se dirigindo ao morcego B ou ao morcego C”.

Contudo, detectar padrões é apenas o começo. Os cientistas depois precisam determinar se os algoritmos descobriram algo significativo em relação ao comportamento animal do mundo real.

“É preciso ter muito cuidado para evitar detectar padrões que não são reais”, diz Stowell.

Baleias

Outros grandes projetos estão em curso, como o Projeto CETI (sigla em inglês para Iniciativa de Tradução de Cetáceos). Ele conta com especialistas em aprendizado de máquina, biólogos marinhos, roboticistas, linguistas e criptógrafos para decifrar a comunicação de cachalotes, que emitem sons de estalos organizados em sequências semelhantes ao código Morse, chamadas de codas.

A equipe está planejando instalar suas “principais estações de escuta de baleias”, cada uma das quais inclui 28 microfones subaquáticos, na costa de Dominica neste segundo semestre. A ideia é usar peixes robóticos para gravar áudio e vídeo das baleias, assim como pequenos dispositivos acústicos para gravar as vocalizações e movimentos de cada animal.

Depois, os pesquisadores tentarão decifrar a sintaxe e a semântica da comunicação das baleias e investigar questões sobre o comportamento e a cognição dos cachalotes.

“Para onde quer que olhemos há uma nova questão”, disse David Gruber, biólogo marinho do Baruch College, em Nova York, que lidera o Projeto CETI. “Caso tenha acontecido algo importante há uma semana, como saberíamos que elas ainda estão se comunicando a respeito disso? Baleias são boas com matemática?”

O Earth Species Project, organização sem fins lucrativos na Califórnia, também está trabalhando em parceria com os biólogos para testar uma variedade de abordagens IA com baleias e outras espécies.

Por exemplo, a organização está trabalhando com biólogos marinhos para determinar se algoritmos podem identificar quais comportamentos as baleias estão demonstrando com base em dados de movimento coletados por dispositivos de rastreamento.

“Existe alguma característica específica nos dados de quando um animal respira ou de quando um animal se alimenta?”, pergunta Ari Friedlaender, ecologista marinho da Universidade da Califórnia, Santa Cruz, que está colaborando com o projeto.

Os pesquisadores esperam sobrepor esses dados comportamentais com gravações de áudio para determinar se há certos sons que as baleias fazem em certos contextos.

Resposta

Em outra linha de pesquisa, especialistas do Earth Species estão usando IA para criar um inventário de todos os tipos de sons produzidos por corvos-do-havaí em cativeiro, que estão extintos na natureza há duas décadas.

Eles depois vão comparar os resultados com o histórico de gravações de corvos-do-havaí selvagens para identificar tipos específicos de sons que as aves talvez tenham perdido ao longo dos anos em cativeiro.

“O repertório vocal deles pode ter sido afetado ao longo do tempo, o que é uma preocupação real da conservação”, disse Christian Rutz, ecologista comportamental da Universidade de St. Andrews, na Escócia, que está trabalhando com o Earth Species no projeto. “Eles são mantidos em aviários para que possam se reproduzir e ser soltos no futuro. Mas e se esses corvos não souberem mais falar ‘corvês?’”

Os cientistas podem então estudar a função de sons perdidos – e talvez até reintroduzir aqueles mais importantes nas colônias em cativeiro.

O Earth Species Project também uniu forças com Michelle Fournet, ecologista de acústica marinha da Universidade de New Hampshire, que vem tentando decifrar a comunicação das baleias jubarte ao colocar para tocar em alto-falantes subaquáticos sons de baleias gravados e observando como elas respondem.

conversas mediadas por máquinas podem ajudar os pesquisadores a aperfeiçoar seus modelos e melhorar sua compreensão da comunicação das baleias Foto: Arlaine Francisco/Projeto Baleia à Vista

Os cientistas do Earth Species estão usando algoritmos para criar novas vocalizações de baleias jubarte – quer dizer, “novos sons que não existem, mas soam como se fossem reais”, disse Michelle. “Não sou capaz de expressar com palavras o quanto é legal imaginar algo na natureza que não está lá e depois ouvir isso.”

Tocar esses novos sons para baleias selvagens pode ajudar os cientistas a testar hipóteses a respeito da função de certas vocalizações, explica ela.

Com dados suficientes sobre como as baleias conversam entre si, os sistemas devem ser capazes de gerar respostas plausíveis para sons específicos de baleias e reproduzi-los em tempo real, disseram os especialistas. Isso significa que os cientistas poderiam usar chatbots de baleias para “conversar” com os mamíferos marinhos antes mesmo de entenderem completamente o que eles estão “dizendo”.

Essas conversas mediadas por máquinas podem ajudar os pesquisadores a aperfeiçoar seus modelos e melhorar sua compreensão da comunicação das baleias. “Em algum momento, pode se tornar um diálogo real”, disse Michael Bronstein, especialista em IA da Universidade de Oxford e participante do Projeto CETI.

“Como cientista, este é provavelmente o projeto mais louco do qual já participei”, afirmou.

Ouvindo

A probabilidade de um diálogo contínuo e bidirecional com outras espécies permanece desconhecida. Mas a verdadeira conversa exigirá uma série de “pré-requisitos”, incluindo tipos de inteligência correspondentes, sistemas sensoriais compatíveis e, mais importante ainda, um desejo mútuo de conversar, explica Natalie Uomini, especialista do Instituto Max Planck de Antropologia Evolutiva.

Mesmo assim, alguns animais talvez tenham experiências tão diferentes das nossas que algumas ideias podem simplesmente se perder na tradução. “Por exemplo, temos um conceito de ‘ficar molhado’”, disse Bronstein. “Acho que as baleias não seriam capazes de entender o que isso significa.”

Esses experimentos talvez também suscitem questões éticas, reconhecem os especialistas. “Se você encontrar padrões em animais que permitem entender a comunicação deles, isso abre caminho para manipulá-las”, disse Mustill.

Mas a tecnologia também pode ser utilizada em benefício dos animais, ajudando especialistas a monitorar o bem-estar tanto da fauna selvagem como da doméstica. Os cientistas também disseram esperar que, ao oferecer novas informações a respeito da vida animal, essa pesquisa possa motivar uma mudança social mais ampla.

“Não é o que as baleias estão dizendo que importa para mim”, disse Gruber. “É o fato de que as estamos ouvindo.”

O rato-toupeira-pelado talvez não seja das mais belas visões, mas tem muito a dizer. Eles assobiam, trinam, gorjeiam, soltam grunhidos, soluçam e sibilam. Quando dois deles se encontram, eles fazem uma saudação específica.

“Eles conversam um pouquinho”, diz Alison Barker, neurocientista do Instituto Max Planck de Pesquisa do Cérebro, na Alemanha. O pesquisador é um dos vários no mundo a usar inteligência artificial (IA) para traduzir o que os animais “falam”.

O aprendizado de máquina, técnica de IA que usa algoritmos para detectar padrões em grandes compilações de dados, têm se destacado na análise da linguagem humana. Eles deram origem a assistentes de voz, softwares de transcrição e tradutores digitais.

Nos últimos anos, os cientistas começaram a utilizar essa tecnologia para decifrar a comunicação animal. Projetos ainda mais ambiciosos estão em andamento – para criar um catálogo abrangente dos corvejares dos corvos, mapear a sintaxe dos cachalotes e até mesmo construir tecnologias que permitam aos humanos responder a esses sons.

“Vamos tentar descobrir um Google Tradutor para animais”, disse Diana Reiss, cofundadora do Interspecies Internet, organização dedicada a facilitar a comunicação entre espécies. A área é jovem, mas o trabalho já está revelando que a comunicação animal é muito mais complexa do que parece ao ouvido humano.

Espionagem

Os algoritmos podem detectar padrões sutis. Por exemplo, cientistas mostraram eles podem distinguir a voz de cada animal, diferenciar os sons que eles fazem em diferentes circunstâncias e decompor suas vocalizações em partes menores. “Ainda há inúmeros mistérios na comunicação animal e são coisas às quais podemos aplicar a computação”, diz Dan Stowell, do Centro de Biodiversidade Naturalis, na Holanda.

O software foi reutilizado com outras espécies, entre elas lêmures e baleias, enquanto outras equipes desenvolveram seus próprios sistemas para detectar quando galinhas cacarejando ou porcos guinchando estavam com problemas.

Ainda há inúmeros mistérios na comunicação animal e são coisas para as quais podemos aplicar a computação”

Dan Stowell, do Centro de Biodiversidade Naturalis

Significado

Decodificar o significado dos sons produzidos por animais também requer muitos dados sobre o contexto de onde ocorrem.

Para saber mais a respeito das vocalizações de morcegos frugívoros egípcios, os pesquisadores usaram câmeras de vídeo e microfones para gravar grupos dos animais durante 75 dias.

Ao final, a IA conseguiu distinguir, com 61% de precisão, os sons agressivos emitidos em quatro contextos diferentes.

Yossi Yovel, neurobiólogo da Universidade de Tel Aviv, em Israel, Yovel ficou surpreso ao descobrir que a IA conseguiu identificar, quais morcego recebiam as mensagens.

“Isso implica que o aparato de espionagem é teoricamente capaz, pelo menos até certo ponto, de identificar se o morcego A está se dirigindo ao morcego B ou ao morcego C”.

Contudo, detectar padrões é apenas o começo. Os cientistas depois precisam determinar se os algoritmos descobriram algo significativo em relação ao comportamento animal do mundo real.

“É preciso ter muito cuidado para evitar detectar padrões que não são reais”, diz Stowell.

Baleias

Outros grandes projetos estão em curso, como o Projeto CETI (sigla em inglês para Iniciativa de Tradução de Cetáceos). Ele conta com especialistas em aprendizado de máquina, biólogos marinhos, roboticistas, linguistas e criptógrafos para decifrar a comunicação de cachalotes, que emitem sons de estalos organizados em sequências semelhantes ao código Morse, chamadas de codas.

A equipe está planejando instalar suas “principais estações de escuta de baleias”, cada uma das quais inclui 28 microfones subaquáticos, na costa de Dominica neste segundo semestre. A ideia é usar peixes robóticos para gravar áudio e vídeo das baleias, assim como pequenos dispositivos acústicos para gravar as vocalizações e movimentos de cada animal.

Depois, os pesquisadores tentarão decifrar a sintaxe e a semântica da comunicação das baleias e investigar questões sobre o comportamento e a cognição dos cachalotes.

“Para onde quer que olhemos há uma nova questão”, disse David Gruber, biólogo marinho do Baruch College, em Nova York, que lidera o Projeto CETI. “Caso tenha acontecido algo importante há uma semana, como saberíamos que elas ainda estão se comunicando a respeito disso? Baleias são boas com matemática?”

O Earth Species Project, organização sem fins lucrativos na Califórnia, também está trabalhando em parceria com os biólogos para testar uma variedade de abordagens IA com baleias e outras espécies.

Por exemplo, a organização está trabalhando com biólogos marinhos para determinar se algoritmos podem identificar quais comportamentos as baleias estão demonstrando com base em dados de movimento coletados por dispositivos de rastreamento.

“Existe alguma característica específica nos dados de quando um animal respira ou de quando um animal se alimenta?”, pergunta Ari Friedlaender, ecologista marinho da Universidade da Califórnia, Santa Cruz, que está colaborando com o projeto.

Os pesquisadores esperam sobrepor esses dados comportamentais com gravações de áudio para determinar se há certos sons que as baleias fazem em certos contextos.

Resposta

Em outra linha de pesquisa, especialistas do Earth Species estão usando IA para criar um inventário de todos os tipos de sons produzidos por corvos-do-havaí em cativeiro, que estão extintos na natureza há duas décadas.

Eles depois vão comparar os resultados com o histórico de gravações de corvos-do-havaí selvagens para identificar tipos específicos de sons que as aves talvez tenham perdido ao longo dos anos em cativeiro.

“O repertório vocal deles pode ter sido afetado ao longo do tempo, o que é uma preocupação real da conservação”, disse Christian Rutz, ecologista comportamental da Universidade de St. Andrews, na Escócia, que está trabalhando com o Earth Species no projeto. “Eles são mantidos em aviários para que possam se reproduzir e ser soltos no futuro. Mas e se esses corvos não souberem mais falar ‘corvês?’”

Os cientistas podem então estudar a função de sons perdidos – e talvez até reintroduzir aqueles mais importantes nas colônias em cativeiro.

O Earth Species Project também uniu forças com Michelle Fournet, ecologista de acústica marinha da Universidade de New Hampshire, que vem tentando decifrar a comunicação das baleias jubarte ao colocar para tocar em alto-falantes subaquáticos sons de baleias gravados e observando como elas respondem.

conversas mediadas por máquinas podem ajudar os pesquisadores a aperfeiçoar seus modelos e melhorar sua compreensão da comunicação das baleias Foto: Arlaine Francisco/Projeto Baleia à Vista

Os cientistas do Earth Species estão usando algoritmos para criar novas vocalizações de baleias jubarte – quer dizer, “novos sons que não existem, mas soam como se fossem reais”, disse Michelle. “Não sou capaz de expressar com palavras o quanto é legal imaginar algo na natureza que não está lá e depois ouvir isso.”

Tocar esses novos sons para baleias selvagens pode ajudar os cientistas a testar hipóteses a respeito da função de certas vocalizações, explica ela.

Com dados suficientes sobre como as baleias conversam entre si, os sistemas devem ser capazes de gerar respostas plausíveis para sons específicos de baleias e reproduzi-los em tempo real, disseram os especialistas. Isso significa que os cientistas poderiam usar chatbots de baleias para “conversar” com os mamíferos marinhos antes mesmo de entenderem completamente o que eles estão “dizendo”.

Essas conversas mediadas por máquinas podem ajudar os pesquisadores a aperfeiçoar seus modelos e melhorar sua compreensão da comunicação das baleias. “Em algum momento, pode se tornar um diálogo real”, disse Michael Bronstein, especialista em IA da Universidade de Oxford e participante do Projeto CETI.

“Como cientista, este é provavelmente o projeto mais louco do qual já participei”, afirmou.

Ouvindo

A probabilidade de um diálogo contínuo e bidirecional com outras espécies permanece desconhecida. Mas a verdadeira conversa exigirá uma série de “pré-requisitos”, incluindo tipos de inteligência correspondentes, sistemas sensoriais compatíveis e, mais importante ainda, um desejo mútuo de conversar, explica Natalie Uomini, especialista do Instituto Max Planck de Antropologia Evolutiva.

Mesmo assim, alguns animais talvez tenham experiências tão diferentes das nossas que algumas ideias podem simplesmente se perder na tradução. “Por exemplo, temos um conceito de ‘ficar molhado’”, disse Bronstein. “Acho que as baleias não seriam capazes de entender o que isso significa.”

Esses experimentos talvez também suscitem questões éticas, reconhecem os especialistas. “Se você encontrar padrões em animais que permitem entender a comunicação deles, isso abre caminho para manipulá-las”, disse Mustill.

Mas a tecnologia também pode ser utilizada em benefício dos animais, ajudando especialistas a monitorar o bem-estar tanto da fauna selvagem como da doméstica. Os cientistas também disseram esperar que, ao oferecer novas informações a respeito da vida animal, essa pesquisa possa motivar uma mudança social mais ampla.

“Não é o que as baleias estão dizendo que importa para mim”, disse Gruber. “É o fato de que as estamos ouvindo.”

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