Por André Solnik*
Minha curiosidade em participar de um hackathon sempre esbarrou em uma limitação técnica pessoal: apesar de eu ter um flerte com algumas linguagens de programação e um grande interesse por software livre, nunca me considerei um hacker propriamente dito. E numa maratona hacker, só quem é um tem vez, certo? Nada disso! Pelo menos foi essa a impressão que tive do Open Data Day, que rolou no último sábado em São Paulo e em várias outras cidades mundo afora.
(Atenção ao grande parêntesis para que o termo hacker nunca mais seja associado a qualquer adjetivo pejorativo. Hackers são fuçadores: fuçam programas, dispositivos, redes de computadores. Querem entender o seu funcionamento, descobrir falhas, fazer modificações, criar coisas e, muitas vezes, compartilham o conhecimento adquirido com o resto da comunidade. Há, sem dúvida, aqueles que usam suas habilidades para invadir sistemas e roubar informações sigilosas, mas esses são conhecidos como crackers.)
A ideia geral do Open Data Day é apoiar e encorajar a ampliação da transparência dos serviços públicos através da adoção de dados abertos - todos aqueles disponíveis para publicação e uso, sem restrições de direitos autorais ou quaisquer outros mecanismos de controle. Em São Paulo, o evento foi organizado pelo Transparência Hacker, pelo PoliGNU e pela Controladoria Geral do Município, e aconteceu no Labhacker, uma garagem pra lá de agradável próxima à estação Armênia do metrô.
No cartaz de divulgação, dois temas já haviam sido sugeridos: abastecimento de água e transporte. As primeiras ideias começaram a surgir num bate-papo inicial. Quais são as bases de dados disponibilizadas pela Sabesp? Existem dados sobre as perfurações de poços artesianos? Onde encontrar a geolocalização de pontos de interesse da cidade para saber por quais deles passam as linhas de ônibus? Para cada pergunta colocada na roda, uma referência interessante aparecia e, aos poucos, as ideias iam se articulando.
Hora de arregaçar as mangas. O leque de habilidades e pontos de vista era grande: estavam presentes arquitetos, engenheiros, estudantes, servidores públicos, pesquisadores e, é claro, programadores. O grupo se dividiu em pequenas equipes para trabalhar basicamente em duas frentes.
Uma delas empenhou-se em complementar o Mananciais, projeto que permite uma análise visual da série histórica dos dados dos reservatórios da Região Metropolitana de São Paulo. Com a atualização, o gráfico do Sistema Cantareira passou a mostrar o percentual negativo do nível de água, uma forma de alertar a população que, embora São Pedro tenha dado uma mãozinha durante o Carnaval, a crise hídrica ainda é gravíssima.
Viu a lista que circulou por aí com os clientes "diferenciados" da Sabesp? Eles têm um contrato que premia o consumo. Quanto maior ele for, menor o preço pago por litro (enquanto nós, meros mortais, reaproveitamos a água da máquina de lavar roupa pra limpar o quintal). A outra equipe ocupou-se em calcular quantas famílias seriam necessárias para consumir, em média, o volume de água gasto por cada um deles. O resultado foi o Clientes Premium Sabesp.
Uma das dificuldades enfrentadas pelo grupo foi justamente encontrar os dados. Alguns estavam desatualizados, outros estavam disponíveis em formatos pouco amigáveis e muitos sequer existiam. A solução para o último caso foi utilizar a Lei de Acesso à Informação para que eles fossem disponibilizados. As solicitações realizadas podem ser conferidas aqui.
Seja pelos resultados diretos (as aplicações desenvolvidas) e indiretos (a divulgação dos dados solicitados através da Lei de Acesso à Informação), seja pela disseminação da ideia de participação popular como um mecanismo de gestão, os hackathons têm um grande potencial construtivo, com os cidadãos apropriando-se do que é público para construir uma cidade mais transparente e democrática, colaborativamente e de baixo para cima. Foi com essa ótima impressão que saí da minha primeira maratona hacker. Que venham as próximas!
*André Solnik é estudante e ativista do movimento pelo software livre