Uma nova onda de aplicativos, principalmente o ChatGPT, desencadeou uma disparada de otimismo e uma “corrida do ouro” em investimentos em inteligência artificial (IA). É realmente incrível a capacidade destes sistemas espertos em executar uma enormidade de tarefas que podem provocar disrupções em várias profissões, gerando fantásticas novas oportunidades, e às vezes, substituindo seres humanos.
A pesquisa e desenvolvimento em IA não é nova, e teve iniciou há décadas. Ao longo destes anos, já passamos por outros períodos esperançosos intercalados com fases de um certo ostracismo do tema. Mas desta vez a onda positivista parece ser forte, culminando com o recente investimento de US$10 bilhões da Microsoft, objetivando integrar o ChatGPT a seu sistema de buscas Bing – e assim ameaçar o monopólio do Google.
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No entanto, toda euforia vem acompanhada de exageros. Recentemente li um artigo em uma revista que diz o ChatGPT realiza tarefas com a inteligência equivalente à de uma criança. Muita calma nessa hora. Os sistemas de IA mais modernos estão longe, mas muito longe mesmo, de reproduzir acomplexidade da inteligência humana mesmo em sua infância.
Uma criança de 5 anos pode aprender “o que é uma bola” simplesmente observando diferentes bolas em diferentes situações, como por exemplo as diversas formas de quicar de várias bolas com tamanhos e cores distintas - bolas de ping-pong, de basquete, de tênis, de futebol etc. Objetos tem ações que servem de fundamento para este aprendizado. Baseado neste conhecimento adquirido, a criança sabe “o que é uma bola”.
Um sistema de reconhecimento de imagem com IA pode identificar com precisão uma bola de futebol baseado em informações pré-programadas. Mas o sistema de não sabe “o que é uma bola”. A realidade é um constante e complexo fluxo de informações. O número de objetos e conceitos, e os links entre eles, que uma criança de 5 anos sabe é brutalmente gigantesco. Aprender “o que é uma bola” parece uma tarefa incrivelmente simples para nós humanos, mas até hoje ninguém conseguiu desenvolver um computador que saiba algo tão trivial como “o que é uma bola”.
Este problema é denominado “representação do conhecimento”. Alguns cientistas de IA concluíram que este não é somente um grande problema, mas talvez seja o único problema. Eles acreditam que nós não teremos máquinas verdadeiramente inteligentes se não conseguirmos representar a realidade do dia a dia em um computador. Um computador pode jogar xadrez e vencer um grande mestre humano, mas o computador não sabe “o que é xadrez”.
A inteligência artificial, ao menos a curto prazo, vai realizar apenas tarefas especificas melhor do que humanos. Teremos sistemas altamente capazes em realizar funções particulares a provavelmente todas as profissões e áreas do conhecimento. Isto deve causar um aumento da eficiência, e uma reorganização da forma como encaramos o conceito de trabalho.
A euforia atual com IA lembra em alguns aspectos a onda de otimismo no início da World Wide Web, que inclusive resultou em uma grande bolha especulativa no final dos anos 90. O que aconteceu naquele momento foi uma superestimativa do curto prazo. Mas também houve uma subestimativa do longo prazo: hoje, mais de 20 anos depois, a internet redesenhou completamente o cenário global econômico e social. Com a inteligência artificial este fenômeno perceptual parece se repetir.
Só que dessa vez a disrupção deverá ser bem mais veloz – e quiçá maior. Nós estamos, gostando ou não, caminhando cada vez mais rápido.
* Marcello Póvoa é coordenador e professor do curso Produtos Digitais: Gestão, Concepção e Construção no IAG, a escola de negócios da PUC-Rio