No auge da ‘internet 2.0’ e das plataformas de compartilhamento de arquivos, na década de 2000, o americano Ethan Diamond queria só comprar o disco de uma banda que gostava muito. Deu tudo errado: ele pagou, mas não levou os arquivos. Entrou em contato com a banda, que só lhe enviou arquivos mp3 de baixa qualidade – nem o nome das faixas estava correto. Foi daí que ele decidiu criar uma plataforma fácil para artistas venderem sua obra – tal como o Blogger e o Wordpress estavam para os blogs. Nascia ali o Bandcamp.
Treze anos depois de sua fundação, o serviço é um resistente da web 2.0, tendo visto o desaparecimento de rivais como o Myspace e o surgimento do streaming como principal jeito de ouvir e consumir música. Não só isso: nos últimos tempos, viu o modelo que propôs há 13 anos ser posicionado como uma espécie de antagonista ao que fazem Spotify, Deezer e outros.
Da sua casa, em San Francisco, nos EUA, Diamond conversou com o Estadão sobre o momento do Bandcamp, que cresceu 70% desde o início da pandemia – sem shows, o site virou a forma de fãs ajudarem seus artistas favoritos. Na entrevista, o executivo discute temas como a suposta comoditização da música, a possibilidade de atrair grandes gravadoras e as dificuldades que os usuários brasileiros têm para consumir no site. Confira.
Muitos consideram que o streaming transformou a música em uma commodity. Como você vê isso? Música é arte, não é conteúdo. Qualquer um que cria música sente a mesma coisa – ela acontece quando tem que acontecer. Quando alguém cria essa arte, ela está nos confiando algo que é quase sagrado. Eu acho importante que isso esteja nas mãos do artista e não de uma plataforma. É triste que a música seja tratada como uma commodity para vender hardware ou assinaturas. Não é isso o que fazemos.
Vocês têm planos para atrair artistas das grandes gravadoras (majors)? Qualquer um pode se registrar no Bandcamp. Nunca houve o sentimento de que nos opomos à música das ‘majors’. Mas ter esses artistas exige acordos que colocam limites em como você oferece a música. Licenciar a música das majors tem muitos desafios. E sempre soubemos que queríamos garantir que a plataforma fosse para os artistas. Pensamos em crescer e demonstrar nosso valor para gente cada vez maior. Estamos começando a ver isso, mas temos que ser transparentes e justos. Não podemos mudar nossos termos.
Então, vocês estão conversando com as ‘majors’... No começo, não tivemos esse tipo de conversa explicitamente. Eu não queria ter esse tipo de conversa, pois as companhias de música que foram por esse caminho se deram mal. Para muitos deles, há muitas regras e estamos trabalhando nelas. Creio que nos próximos anos veremos mais música das ‘majors’ no Bandcamp. Mas a ideia nunca foi construir um sistema que tenha toda a música do mundo. Já existem muitos lugares que fazem isso. É mais importante criar um sistema no qual os artistas são tratados justamente. A parte mais interessante da música não é criada pelas majors. Eu estou de boa. Prefiro isso do que perder o controle da companhia apenas para ter mais música.
Os usuários brasileiros têm muitos obstáculos para comprar no Bandcamp, com preços em dólar e pagamentos apenas com cartão internacional. Há planos para uma versão local do site? Não me surpreende ouvir que fãs e bandas brasileiras tenham dificuldades. Sei que há muitos desafios. Nunca recebemos muito dinheiro de venture capital. Só um pouco no começo. Focamos em lucratividade, o que aconteceu em 2012. Uma consequência natural é que fazemos as coisas mais devagar. Isso impede, por exemplo, que a gente expanda rapidamente para vários países. Reconhecemos que há mercado no Brasil e quero ver isso acontecer rapidamente, pois adoro a música brasileira. É uma questão de tempo e recursos. Espero que aconteça logo.
Aportes estão no radar? Não há razão para recebermos investimentos. Somos lucrativos e estamos crescendo. Uma das melhores maneiras de crescer é fazer isso com as próprias pernas.
Quais os próximos planos do Bandcamp? Sempre queremos encontrar maneiras para os fãs apoiarem os artistas. O melhor agora é ter ferramentas para serem usadas fora do ciclo de um álbum. Um artista vai lançar apenas um álbum a cada poucos anos, mas isso não muda o fato de que há fãs que querem apoiá-los, especialmente quando não há turnês. A gente tinha um programa piloto de prensagem de discos de vinil nos EUA. Vamos expandi-lo para mais artistas nos próximos meses.
Várias plataformas, como a Twitch, estão oferecendo ferramentas de doação, que não estão relacionada a produtos. Vocês planejam algo do tipo? Com certeza. Não posso falar muito hoje (risos). Mas é algo que está vindo.