THE WASHINGTON POST - Parece coisa de ficção científica. Os campos magnéticos desencadeados por uma supertempestade solar se alastram rapidamente pela magnetosfera da Terra, enviando correntes que voam para todos os lados atingindo infraestruturas usadas por humanos. A aurora boreal preenche estranhamente os céus do hemisfério sul com azuis e verdes cintilantes. Pegamos nosso celular ou vamos até o computador para verificar algo e a internet não funciona.
Fisicamente, a maioria de nós está bem. Mas, em questão de horas, voltamos à era analógica, onde as únicas fotos acessíveis são aquelas dos antigos álbuns de família.
O “apocalipse da internet”, como ficou conhecido, recentemente atiçou a imaginação de muitas pessoas nas redes sociais, provocando uma disseminação rápida de desinformação a respeito de avisos inexistentes da NASA e especulações sobre o que aqueles que vivem na internet iriam fazer da vida num mundo offline. A certa altura, sobrevivencialistas do apocalipse, usuários religiosos do Reddit se preparando para o fim do mundo e escritores pegaram carona na ideia.
E é fácil entender o fascínio. Praticamente todos os aspectos da vida humana estão associados à internet, e sua ausência poderia ter consequências desastrosas – sem falar que muitos de nós não conseguem ficar nem aqueles 30 segundos no elevador sem acesso à rede.
Mas deixando o drama de lado, essas preocupações não são totalmente coisa de ficção.
Uma interrupção generalizada da internet poderia, de fato, acontecer devido a uma forte tempestade solar atingindo a Terra – um evento raro, mas muito real, que ainda não aconteceu na era digital, segundo os especialistas.
Quando uma tempestade solar conhecida como Evento de Carrington ocorreu em 1859, as linhas telegráficas foram atingidas, os operadores foram eletrocutados e as luzes da aurora boreal puderam ser vistas em lugares pouco comuns, como na Jamaica. Uma tempestade solar em 1989 deixou Quebec sem energia elétrica durante horas. E, em 2012, a Terra escapou por pouco de uma tempestade solar.
Sangeetha Abdu Jyothi, professora da Universidade da Califórnia
Como o sol, que tem ciclos de aproximadamente 11 anos, entra num período particularmente ativo conhecido como “máximo solar” em 2025, alguns estão preocupados que nosso mundo interconectado não esteja preparado.
Sangeetha Abdu Jyothi, professora de ciência da computação da Universidade da Califórnia em Irvine, cujo artigo “Solar Superstorms: Planning for an Internet Apocalypse” (Supertempestades solares: planejando-se para um apocalipse da Internet, em tradução livre) teve grande influência na popularização do termo, começou a pensar na resiliência da internet quando o novo coronavírus começou a se espalhar e ela se deu conta do quanto estávamos despreparados para uma pandemia. A pesquisa sobre a ausência generalizada da internet era escassa.
“Nunca vivenciamos um desses casos extremos e não sabemos como nossa infraestrutura responderia a isso”, disse Sangeetha. “Nossos testes de falha sequer incluem tais cenários.”
Ela observa que uma tempestade solar intensa tem chances de afetar infraestruturas grandes, como cabos de comunicação submarinos, o que poderia interromper a conectividade de longa distância. Se você não ficar sem energia, talvez tenha acesso a um site do governo hospedado localmente, mas acessar sites maiores, que podem ter dados armazenados em vários lugares, talvez não seja possível.
O hemisfério norte também é especialmente vulnerável a tempestades solares, e é nessa região que se concentra grande parte da infraestrutura da internet. “Isso não é levado em consideração de modo algum no uso de nossa infraestrutura hoje”, disse ela.
Essas interrupções poderiam durar meses, dependendo da escala e do tempo necessário para reparar os danos. O impacto econômico de apenas um dia sem internet só nos EUA é estimado em mais de US$ 11 bilhões, de acordo com a NetBlocks, organização que monitora a internet.
Entretanto, Sangeetha diz se sentir mal por ter usado a expressão “apocalipse da internet” em seu artigo. Não há muito que as pessoas comuns possam fazer para se preparar para um fenômeno como esse; isso recai sobre os governos e as empresas. E o artigo “atraiu atenção demais”, disse ela.
“Os pesquisadores vêm falando há muito tempo de como isso poderia afetar a rede elétrica”, observa ela, “mas isso não assusta as pessoas da mesma forma por algum motivo”. Ficar sem energia também faz com que se perca a internet, é claro.
Pânico do apocalipse
O recente pânico online parece ter sido desencadeado pelas descobertas da sonda espacial Parker Solar Probe, um dispositivo da Nasa lançado em 2018 para pesquisar a física do sol e da atmosfera solar – não para impedir que o wi-fi desapareça, como o TikTok gostaria que você acreditasse.
Há algumas semanas, os cientistas publicaram novas evidências da sonda sobre a origem dos ventos solares, que, segundo eles, são o resultado de um fenômeno chamado “reconexão magnética”. Embora a pesquisa não tenha analisado especificamente as tempestades solares, ela tem uma relevância maior.
A atmosfera solar muda muito lentamente, disse Stuart D. Bale, professor de física da Universidade da Califórnia em Berkeley e o pesquisador responsável pelos trabalhos com a sonda da Nasa. Portanto, “sempre que algo muda muito rápido magneticamente no sol, é provavelmente devido à reconexão”.
Ejeções de massa coronal, expulsões de plasma e campos magnéticos, que podem levar a tempestades solares perigosas, ocorrem durante um curto espaço de tempo e provavelmente fazem parte desse mecanismo, disse ele.
“Quanto mais soubermos a respeito da reconexão magnética no sol, mais capacidade de previsão teremos do clima espacial”, disse Bale.
Em meio a uma viagem ao Japão, ele disse entender a espécie de pânico que a ideia de “apocalipse da internet” inspira.
“Minha esposa foi para uma cidade a três horas de distância. E o único jeito de saber como voltar era usando o telefone dela; além disso, não tínhamos dinheiro em espécie”, disse ele. “Podia dar muito errado.”
Mas, normalmente, Bale não se preocupa muito com as tempestades solares. “De certa forma, prefiro plantar minhas batatas no campo a usar meu celular”, disse ele. / TRADUZIDO POR ROMINA CÁCIA