‘Em 2040, teremos desemprego em massa causado pela tecnologia’, diz futurólogo de Obama


Ao ‘Estadão’, autor Brett King fala sobre as mudanças que a tecnologia vai trazer para a economia global

Por Bruno Romani
Atualização:

Quando o mundo das fintechs era “mato”, o australiano Brett King já pregava sobre as mudanças tecnológicas que transformariam o setor financeiro em todo o mundo. Em 2010, ele escreveu Bank 2.0, livro que mapeou as tecnologias que viriam a mudar os bancos na década seguinte. Outras duas atualizações da obra, em 2014 e 2018, permitiram vislumbrar o impacto de instituições bancárias totalmente digitais, como o Nubank.

Agora, na alvorada de uma nova década, King volta suas atenções para o impacto da inteligência artificial (IA) e da crise climática em seu novo livro: The Rise of Technosocialism: How Inequality, AI and Climate will Usher in a New World (A ascensão do tecnossocialismo: Como Desigualdade, IA e Clima vão Moldar um Novo Mundo, em tradução livre).

Ao Estadão, King, que também ocupa uma cadeira no conselho da startup brasileira DrumWave e foi consultor de políticas de fintechs no governo Obama, falou sobre o impacto da IA na economia global e o futuro do setor financeiro. Na visão dele, os bancos centrais deverão se transformar em organizações de IA para dar conta de todas as mudanças no horizonte.

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Leia os principais momentos da entrevista abaixo.

Entre as maiores fintechs do mundo, Nubank adota a digitalização em operações financeiras Foto: Brendan McDermid/Reuters - 9/12/2021

O que o senhor quer dizer com “tecnossocialismo”?

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Se eu pudesse, eu renomearia o título do meu livro para “A ascensão do neofeudalismo”. Desenhei quatro cenários para o futuro. No primeiro, há enorme falha nos governos , porque esperamos tempo demais para a mudança climática ou para a IA. O outro é a rejeição à tecnologia, particularmente a IA, por causa do jeito que rompe a empregabilidade. E os outros dois cenários prováveis são um “neofeudalismo”, que é como um supercapitalismo patrocinado pela IA, ou um tecnossocialismo. Este não é o socialismo clássico, em que a teoria marxista é sobre os trabalhadores dominando os meios de produção. Tecnossocialismo é sobre como a tecnologia permite que cidadãos dominem a economia de uma forma diferente do que fazemos hoje. É um realinhamento. Antes de tudo, a economia busca as necessidades dos cidadãos antes doas necessidades dos mercados e corporações. É um realinhamento do papel do capitalismo e dos mercados na sociedade.

Como é possível fazer esse realinhamento?

Se você aumentar o capitalismo, então muito provavelmente haverá uma revolução devido ao desemprego causado pela tecnologia e os efeitos das mudanças climáticas. Haverá escassez de alimentos, deslocamento das populações de cidades litorâneas, enchentes anuais e incêndios florestais. Todas essas coisas combinadas geram imenso estresse. Então, ao inserir tecnologia nos governos, você torna-os muito mais eficientes. É uma forma de socialismo em que todas necessidades dos cidadãos são olhadas.

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Os governos estão prontos para adotar tecnologia?

O único governo que faz isso hoje é a China. Alguns países da Ásia estão chegando lá, como Cingapura. Mas a China está olhando para infraestrutura, com automação da Nova Rota da Seda, e para moedas digitais, com imenso uso de inteligência artificial. Se você visita cidades como Shenzhen, pode ver a inserção disso no cotidiano das pessoas. Usam reconhecimento facial, de voz ou de dedos para pagamentos. E há uma fração apenas das fraudes que ocorrem nos Estados Unidos ou Brasil. Eles têm uma regulamentação em IA que deve ser a mais avançada do mundo atualmente. Eles ensinam IA no currículo escolar. A China entende que as economias mais bem-sucedidas do século 21 serão economias autônomas. E isso inclui a função do governo, o jeito que alocam recursos é feito a nível econômico.

A inteligência artificial vai acentuar a desigualdade no mundo

Brett King

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Como a IA gera desigualdade?

O maior problema da IA em acentuar a desigualdade é o que acontece com o emprego. Se você pensa nos conceitos clássicos de oferta e demanda, a suposição é de que, sempre que uma economia está em crescimento e há mais demanda por produtos ou serviços para criar oferta, você coloca mais trabalhadores na economia. A IA quebra esse modelo, porque, conforme cresce a demanda, apenas há mais processamento de sistemas de produção autônomos. De modo geral, o nível de trabalho humano na economia é reduzido. Isso vem acontecendo desde os anos 1980. Nós vimos softwares dedicados a produtividade em organizações, vimos a quantidade de trabalho nas maiores companhias sendo reduzidos em relação às décadas anteriores. Mas a IA vai levar isso a um novo nível. E o problema com o aprendizado de máquina é que vamos ensinar as IAs a fazer qualquer coisa repetitiva. Então, lá para 2040, teremos um desemprego em massa causado por tecnologia. Haverá companhias extremamente ricas, mas terá também um problema de distribuição. Na economia de hoje, você trabalha e recebe por isso. Se você não puder fazer isso no futuro, você tem um problema estrutural enorme. Então, a IA provavelmente vai acentuar a desigualdade. A solução proposta pelo modelo capitalista é a renda básica universal. Mas ela tem o problema de formar desigualdade, porque é muito, muito difícil fazer a mobilidade social.

Qual é a solução?

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A solução é o mundo pós-escassez, onde você se dá conta de que o jeito que pensamos sobre a troca de valores, dinheiro e economia são ineficientes hoje. Tudo se resume à alocação de recursos e a como perder esse conceito do dinheiro como mecanismo primário do valor no sistema. E há também outras coisas que vão forçar essa mudança filosófica, sendo a mudança climática a primeira delas. Se você pensa sobre a década de 2050, e nos 50 a 100 anos seguintes, o maior esforço humano que será feito em escala global será a mitigação do clima. Nos termos de hoje, estamos falando de algo como 40% a 60% do Produto Interno Bruto (PIB) sendo dedicado a resiliência climática e aos danos que fizemos ao mundo anteriormente. Mas a escala é similar ao que vimos durante a Segunda Grande Guerra em termos bélicos, onde o custo das coisas deixa de ser considerado porque se trata da continuidade da espécie. O jeito que isso pode acontecer, por exemplo, é que você pode exigir que pessoas façam um serviço nacional a cada dois anos para ter acesso à renda básica. E esse serviço seja relacionado a mitigações climáticas, coisas assim.

O sr. escreveu muito sobre o banco do futuro e muitas delas se tornaram realidade. Qual é o futuro dos bancos?

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Não tem um futuro. Lá pelos anos 2050, as maiores economias do mundo serão autônomas. E essas economias autônomas serão criadas sobre coisas como contratos inteligentes, automação de cadeia de suprimentos. Para isso, você precisa de dinheiro digital, um dispositivo, sua comunicação de IA. Por volta dessa época, provavelmente metade das nações do mundo serão movidas por máquinas. Você não vê o que está acontecendo, mas essas IAs aparecem com novos mecanismos de trocas completamente novos. Você não vai precisar de bancos para rodar esse tipo de infraestrutura. Se você pensa sobre como os bancos mudam em um mundo com renda básica universal, sobre conceito de poupança ou contas de investimento que temos hoje, por que você precisaria de uma conta bancária se todas suas necessidades são cuidadas por essa economia autônoma?

Que papel os bancos centrais terão neste contexto?

Bancos centrais vão precisar se tornar corporações baseadas em IA ou companhias tecnológicas. O papel dessas instituições são dois. O primeiro é de supervisão. Qual é a configuração política? Bem, a política pode ser monetária, bancária e assim por diante. E a supervisão do sistema é para ter certeza de que não há riscos no nível do sistema financeiro ou individual. A política funcional continua, mas vai se tornar código. É monitoramento. É por isso que digo que reguladores precisam se tornar companhias de tecnologia no médio prazo.

Como o sr. vê o papel das carteiras de dados, como a que a DrumWave desenvolve, neste novo contexto?

Se você está falando de IA, existe um nível de sistema para se considerar. Mas há um nível individual e a precisão de sua IA. O jeito que ela melhora sua vida é realmente sobre como os dados são gerenciados. Por isso é importante quem é dono desses dados, como são monetizados e onde está o valor. A melhor ilustração disso é o DNA de crianças. Quem deve ter acesso a ele? Uma empresa de seguros que pode querer precificar o risco de potenciais doenças no futuro, baseadas no genoma? Ao mesmo tempo, o que eles deveriam estar fazendo é dizer que sabemos dos riscos. Então vamos ajudá-lo a colocar isso numa política de preços. Para que o uso ético dos dados e a habilidade de comercializar dados seja o centro de uma transição para uma sociedade altamente automatizada.

Economias que têm resistido ao open banking vão ficar para trás daquelas já resolveram isso

Brett King

Criptomoedas, NFTs e outros ativos digitais nos moldes atuais terão espaço?

De modo geral, acredito que estamos no estágio inicial da evolução de ativos digitais e moedas digitais. Sociedades altamente autônomas são movidas por contratos digitais, que exigem dinheiro programável, seja cripto, stablecoins, tokens ou moedas de bancos centrais. Provavelmente é uma combinação dos quatro. Acredito que o futuro das moedas digitais vai por aí. Mas há uma segunda coisa acontecendo em paralelo. Parte disso é dado, parte é identidade. Parte disso é o metaverso, vivemos em um mundo digitalizado. Estamos criando personas, humanos digitais que replicam nossos dados — gravações de nosso DNA, comportamento ou atividade em algoritmos. E o mesmo vale para humanos virtuais e coisas assim que replicam o mundo em que vivemos, como contratos, ativos e propriedade intelectual. As leis e sistemas que temos no mundo real não são robustos o suficiente para isso.

Qual papel terá o open banking?

Quando você pensa no papel da carteira inteligente e como irá nos ajudar como indivíduo, a maior mudança é o conceito de orçamento. Porque agora sua saúde financeira se torna essa ferramenta ativa para gerenciar seu dinheiro, e uma IA sempre vai ser melhor para fazer isso. Mas isso requer dados que os bancos têm, e exige outras informações comportamentais. Exige um nível de automação e meio que exige open banking e acesso a dados. Por exemplo, se temos uma hipoteca, hoje o banco confia em você. Se você vai comprar uma casa, o banco não sabe que você vai comprar uma casa até chegar a eles. Mas o Google, a Apple e o Facebook sabem por causa da sua atividade de busca. É preciso casar esses dois tipos de dados para criar uma experiência atraente. É por isso que precisamos do open banking. Economias que têm resistido ao open banking vão ficar para trás daquelas já resolveram isso.

Quando o mundo das fintechs era “mato”, o australiano Brett King já pregava sobre as mudanças tecnológicas que transformariam o setor financeiro em todo o mundo. Em 2010, ele escreveu Bank 2.0, livro que mapeou as tecnologias que viriam a mudar os bancos na década seguinte. Outras duas atualizações da obra, em 2014 e 2018, permitiram vislumbrar o impacto de instituições bancárias totalmente digitais, como o Nubank.

Agora, na alvorada de uma nova década, King volta suas atenções para o impacto da inteligência artificial (IA) e da crise climática em seu novo livro: The Rise of Technosocialism: How Inequality, AI and Climate will Usher in a New World (A ascensão do tecnossocialismo: Como Desigualdade, IA e Clima vão Moldar um Novo Mundo, em tradução livre).

Ao Estadão, King, que também ocupa uma cadeira no conselho da startup brasileira DrumWave e foi consultor de políticas de fintechs no governo Obama, falou sobre o impacto da IA na economia global e o futuro do setor financeiro. Na visão dele, os bancos centrais deverão se transformar em organizações de IA para dar conta de todas as mudanças no horizonte.

Leia os principais momentos da entrevista abaixo.

Entre as maiores fintechs do mundo, Nubank adota a digitalização em operações financeiras Foto: Brendan McDermid/Reuters - 9/12/2021

O que o senhor quer dizer com “tecnossocialismo”?

Se eu pudesse, eu renomearia o título do meu livro para “A ascensão do neofeudalismo”. Desenhei quatro cenários para o futuro. No primeiro, há enorme falha nos governos , porque esperamos tempo demais para a mudança climática ou para a IA. O outro é a rejeição à tecnologia, particularmente a IA, por causa do jeito que rompe a empregabilidade. E os outros dois cenários prováveis são um “neofeudalismo”, que é como um supercapitalismo patrocinado pela IA, ou um tecnossocialismo. Este não é o socialismo clássico, em que a teoria marxista é sobre os trabalhadores dominando os meios de produção. Tecnossocialismo é sobre como a tecnologia permite que cidadãos dominem a economia de uma forma diferente do que fazemos hoje. É um realinhamento. Antes de tudo, a economia busca as necessidades dos cidadãos antes doas necessidades dos mercados e corporações. É um realinhamento do papel do capitalismo e dos mercados na sociedade.

Como é possível fazer esse realinhamento?

Se você aumentar o capitalismo, então muito provavelmente haverá uma revolução devido ao desemprego causado pela tecnologia e os efeitos das mudanças climáticas. Haverá escassez de alimentos, deslocamento das populações de cidades litorâneas, enchentes anuais e incêndios florestais. Todas essas coisas combinadas geram imenso estresse. Então, ao inserir tecnologia nos governos, você torna-os muito mais eficientes. É uma forma de socialismo em que todas necessidades dos cidadãos são olhadas.

Os governos estão prontos para adotar tecnologia?

O único governo que faz isso hoje é a China. Alguns países da Ásia estão chegando lá, como Cingapura. Mas a China está olhando para infraestrutura, com automação da Nova Rota da Seda, e para moedas digitais, com imenso uso de inteligência artificial. Se você visita cidades como Shenzhen, pode ver a inserção disso no cotidiano das pessoas. Usam reconhecimento facial, de voz ou de dedos para pagamentos. E há uma fração apenas das fraudes que ocorrem nos Estados Unidos ou Brasil. Eles têm uma regulamentação em IA que deve ser a mais avançada do mundo atualmente. Eles ensinam IA no currículo escolar. A China entende que as economias mais bem-sucedidas do século 21 serão economias autônomas. E isso inclui a função do governo, o jeito que alocam recursos é feito a nível econômico.

A inteligência artificial vai acentuar a desigualdade no mundo

Brett King

Como a IA gera desigualdade?

O maior problema da IA em acentuar a desigualdade é o que acontece com o emprego. Se você pensa nos conceitos clássicos de oferta e demanda, a suposição é de que, sempre que uma economia está em crescimento e há mais demanda por produtos ou serviços para criar oferta, você coloca mais trabalhadores na economia. A IA quebra esse modelo, porque, conforme cresce a demanda, apenas há mais processamento de sistemas de produção autônomos. De modo geral, o nível de trabalho humano na economia é reduzido. Isso vem acontecendo desde os anos 1980. Nós vimos softwares dedicados a produtividade em organizações, vimos a quantidade de trabalho nas maiores companhias sendo reduzidos em relação às décadas anteriores. Mas a IA vai levar isso a um novo nível. E o problema com o aprendizado de máquina é que vamos ensinar as IAs a fazer qualquer coisa repetitiva. Então, lá para 2040, teremos um desemprego em massa causado por tecnologia. Haverá companhias extremamente ricas, mas terá também um problema de distribuição. Na economia de hoje, você trabalha e recebe por isso. Se você não puder fazer isso no futuro, você tem um problema estrutural enorme. Então, a IA provavelmente vai acentuar a desigualdade. A solução proposta pelo modelo capitalista é a renda básica universal. Mas ela tem o problema de formar desigualdade, porque é muito, muito difícil fazer a mobilidade social.

Qual é a solução?

A solução é o mundo pós-escassez, onde você se dá conta de que o jeito que pensamos sobre a troca de valores, dinheiro e economia são ineficientes hoje. Tudo se resume à alocação de recursos e a como perder esse conceito do dinheiro como mecanismo primário do valor no sistema. E há também outras coisas que vão forçar essa mudança filosófica, sendo a mudança climática a primeira delas. Se você pensa sobre a década de 2050, e nos 50 a 100 anos seguintes, o maior esforço humano que será feito em escala global será a mitigação do clima. Nos termos de hoje, estamos falando de algo como 40% a 60% do Produto Interno Bruto (PIB) sendo dedicado a resiliência climática e aos danos que fizemos ao mundo anteriormente. Mas a escala é similar ao que vimos durante a Segunda Grande Guerra em termos bélicos, onde o custo das coisas deixa de ser considerado porque se trata da continuidade da espécie. O jeito que isso pode acontecer, por exemplo, é que você pode exigir que pessoas façam um serviço nacional a cada dois anos para ter acesso à renda básica. E esse serviço seja relacionado a mitigações climáticas, coisas assim.

O sr. escreveu muito sobre o banco do futuro e muitas delas se tornaram realidade. Qual é o futuro dos bancos?

Não tem um futuro. Lá pelos anos 2050, as maiores economias do mundo serão autônomas. E essas economias autônomas serão criadas sobre coisas como contratos inteligentes, automação de cadeia de suprimentos. Para isso, você precisa de dinheiro digital, um dispositivo, sua comunicação de IA. Por volta dessa época, provavelmente metade das nações do mundo serão movidas por máquinas. Você não vê o que está acontecendo, mas essas IAs aparecem com novos mecanismos de trocas completamente novos. Você não vai precisar de bancos para rodar esse tipo de infraestrutura. Se você pensa sobre como os bancos mudam em um mundo com renda básica universal, sobre conceito de poupança ou contas de investimento que temos hoje, por que você precisaria de uma conta bancária se todas suas necessidades são cuidadas por essa economia autônoma?

Que papel os bancos centrais terão neste contexto?

Bancos centrais vão precisar se tornar corporações baseadas em IA ou companhias tecnológicas. O papel dessas instituições são dois. O primeiro é de supervisão. Qual é a configuração política? Bem, a política pode ser monetária, bancária e assim por diante. E a supervisão do sistema é para ter certeza de que não há riscos no nível do sistema financeiro ou individual. A política funcional continua, mas vai se tornar código. É monitoramento. É por isso que digo que reguladores precisam se tornar companhias de tecnologia no médio prazo.

Como o sr. vê o papel das carteiras de dados, como a que a DrumWave desenvolve, neste novo contexto?

Se você está falando de IA, existe um nível de sistema para se considerar. Mas há um nível individual e a precisão de sua IA. O jeito que ela melhora sua vida é realmente sobre como os dados são gerenciados. Por isso é importante quem é dono desses dados, como são monetizados e onde está o valor. A melhor ilustração disso é o DNA de crianças. Quem deve ter acesso a ele? Uma empresa de seguros que pode querer precificar o risco de potenciais doenças no futuro, baseadas no genoma? Ao mesmo tempo, o que eles deveriam estar fazendo é dizer que sabemos dos riscos. Então vamos ajudá-lo a colocar isso numa política de preços. Para que o uso ético dos dados e a habilidade de comercializar dados seja o centro de uma transição para uma sociedade altamente automatizada.

Economias que têm resistido ao open banking vão ficar para trás daquelas já resolveram isso

Brett King

Criptomoedas, NFTs e outros ativos digitais nos moldes atuais terão espaço?

De modo geral, acredito que estamos no estágio inicial da evolução de ativos digitais e moedas digitais. Sociedades altamente autônomas são movidas por contratos digitais, que exigem dinheiro programável, seja cripto, stablecoins, tokens ou moedas de bancos centrais. Provavelmente é uma combinação dos quatro. Acredito que o futuro das moedas digitais vai por aí. Mas há uma segunda coisa acontecendo em paralelo. Parte disso é dado, parte é identidade. Parte disso é o metaverso, vivemos em um mundo digitalizado. Estamos criando personas, humanos digitais que replicam nossos dados — gravações de nosso DNA, comportamento ou atividade em algoritmos. E o mesmo vale para humanos virtuais e coisas assim que replicam o mundo em que vivemos, como contratos, ativos e propriedade intelectual. As leis e sistemas que temos no mundo real não são robustos o suficiente para isso.

Qual papel terá o open banking?

Quando você pensa no papel da carteira inteligente e como irá nos ajudar como indivíduo, a maior mudança é o conceito de orçamento. Porque agora sua saúde financeira se torna essa ferramenta ativa para gerenciar seu dinheiro, e uma IA sempre vai ser melhor para fazer isso. Mas isso requer dados que os bancos têm, e exige outras informações comportamentais. Exige um nível de automação e meio que exige open banking e acesso a dados. Por exemplo, se temos uma hipoteca, hoje o banco confia em você. Se você vai comprar uma casa, o banco não sabe que você vai comprar uma casa até chegar a eles. Mas o Google, a Apple e o Facebook sabem por causa da sua atividade de busca. É preciso casar esses dois tipos de dados para criar uma experiência atraente. É por isso que precisamos do open banking. Economias que têm resistido ao open banking vão ficar para trás daquelas já resolveram isso.

Quando o mundo das fintechs era “mato”, o australiano Brett King já pregava sobre as mudanças tecnológicas que transformariam o setor financeiro em todo o mundo. Em 2010, ele escreveu Bank 2.0, livro que mapeou as tecnologias que viriam a mudar os bancos na década seguinte. Outras duas atualizações da obra, em 2014 e 2018, permitiram vislumbrar o impacto de instituições bancárias totalmente digitais, como o Nubank.

Agora, na alvorada de uma nova década, King volta suas atenções para o impacto da inteligência artificial (IA) e da crise climática em seu novo livro: The Rise of Technosocialism: How Inequality, AI and Climate will Usher in a New World (A ascensão do tecnossocialismo: Como Desigualdade, IA e Clima vão Moldar um Novo Mundo, em tradução livre).

Ao Estadão, King, que também ocupa uma cadeira no conselho da startup brasileira DrumWave e foi consultor de políticas de fintechs no governo Obama, falou sobre o impacto da IA na economia global e o futuro do setor financeiro. Na visão dele, os bancos centrais deverão se transformar em organizações de IA para dar conta de todas as mudanças no horizonte.

Leia os principais momentos da entrevista abaixo.

Entre as maiores fintechs do mundo, Nubank adota a digitalização em operações financeiras Foto: Brendan McDermid/Reuters - 9/12/2021

O que o senhor quer dizer com “tecnossocialismo”?

Se eu pudesse, eu renomearia o título do meu livro para “A ascensão do neofeudalismo”. Desenhei quatro cenários para o futuro. No primeiro, há enorme falha nos governos , porque esperamos tempo demais para a mudança climática ou para a IA. O outro é a rejeição à tecnologia, particularmente a IA, por causa do jeito que rompe a empregabilidade. E os outros dois cenários prováveis são um “neofeudalismo”, que é como um supercapitalismo patrocinado pela IA, ou um tecnossocialismo. Este não é o socialismo clássico, em que a teoria marxista é sobre os trabalhadores dominando os meios de produção. Tecnossocialismo é sobre como a tecnologia permite que cidadãos dominem a economia de uma forma diferente do que fazemos hoje. É um realinhamento. Antes de tudo, a economia busca as necessidades dos cidadãos antes doas necessidades dos mercados e corporações. É um realinhamento do papel do capitalismo e dos mercados na sociedade.

Como é possível fazer esse realinhamento?

Se você aumentar o capitalismo, então muito provavelmente haverá uma revolução devido ao desemprego causado pela tecnologia e os efeitos das mudanças climáticas. Haverá escassez de alimentos, deslocamento das populações de cidades litorâneas, enchentes anuais e incêndios florestais. Todas essas coisas combinadas geram imenso estresse. Então, ao inserir tecnologia nos governos, você torna-os muito mais eficientes. É uma forma de socialismo em que todas necessidades dos cidadãos são olhadas.

Os governos estão prontos para adotar tecnologia?

O único governo que faz isso hoje é a China. Alguns países da Ásia estão chegando lá, como Cingapura. Mas a China está olhando para infraestrutura, com automação da Nova Rota da Seda, e para moedas digitais, com imenso uso de inteligência artificial. Se você visita cidades como Shenzhen, pode ver a inserção disso no cotidiano das pessoas. Usam reconhecimento facial, de voz ou de dedos para pagamentos. E há uma fração apenas das fraudes que ocorrem nos Estados Unidos ou Brasil. Eles têm uma regulamentação em IA que deve ser a mais avançada do mundo atualmente. Eles ensinam IA no currículo escolar. A China entende que as economias mais bem-sucedidas do século 21 serão economias autônomas. E isso inclui a função do governo, o jeito que alocam recursos é feito a nível econômico.

A inteligência artificial vai acentuar a desigualdade no mundo

Brett King

Como a IA gera desigualdade?

O maior problema da IA em acentuar a desigualdade é o que acontece com o emprego. Se você pensa nos conceitos clássicos de oferta e demanda, a suposição é de que, sempre que uma economia está em crescimento e há mais demanda por produtos ou serviços para criar oferta, você coloca mais trabalhadores na economia. A IA quebra esse modelo, porque, conforme cresce a demanda, apenas há mais processamento de sistemas de produção autônomos. De modo geral, o nível de trabalho humano na economia é reduzido. Isso vem acontecendo desde os anos 1980. Nós vimos softwares dedicados a produtividade em organizações, vimos a quantidade de trabalho nas maiores companhias sendo reduzidos em relação às décadas anteriores. Mas a IA vai levar isso a um novo nível. E o problema com o aprendizado de máquina é que vamos ensinar as IAs a fazer qualquer coisa repetitiva. Então, lá para 2040, teremos um desemprego em massa causado por tecnologia. Haverá companhias extremamente ricas, mas terá também um problema de distribuição. Na economia de hoje, você trabalha e recebe por isso. Se você não puder fazer isso no futuro, você tem um problema estrutural enorme. Então, a IA provavelmente vai acentuar a desigualdade. A solução proposta pelo modelo capitalista é a renda básica universal. Mas ela tem o problema de formar desigualdade, porque é muito, muito difícil fazer a mobilidade social.

Qual é a solução?

A solução é o mundo pós-escassez, onde você se dá conta de que o jeito que pensamos sobre a troca de valores, dinheiro e economia são ineficientes hoje. Tudo se resume à alocação de recursos e a como perder esse conceito do dinheiro como mecanismo primário do valor no sistema. E há também outras coisas que vão forçar essa mudança filosófica, sendo a mudança climática a primeira delas. Se você pensa sobre a década de 2050, e nos 50 a 100 anos seguintes, o maior esforço humano que será feito em escala global será a mitigação do clima. Nos termos de hoje, estamos falando de algo como 40% a 60% do Produto Interno Bruto (PIB) sendo dedicado a resiliência climática e aos danos que fizemos ao mundo anteriormente. Mas a escala é similar ao que vimos durante a Segunda Grande Guerra em termos bélicos, onde o custo das coisas deixa de ser considerado porque se trata da continuidade da espécie. O jeito que isso pode acontecer, por exemplo, é que você pode exigir que pessoas façam um serviço nacional a cada dois anos para ter acesso à renda básica. E esse serviço seja relacionado a mitigações climáticas, coisas assim.

O sr. escreveu muito sobre o banco do futuro e muitas delas se tornaram realidade. Qual é o futuro dos bancos?

Não tem um futuro. Lá pelos anos 2050, as maiores economias do mundo serão autônomas. E essas economias autônomas serão criadas sobre coisas como contratos inteligentes, automação de cadeia de suprimentos. Para isso, você precisa de dinheiro digital, um dispositivo, sua comunicação de IA. Por volta dessa época, provavelmente metade das nações do mundo serão movidas por máquinas. Você não vê o que está acontecendo, mas essas IAs aparecem com novos mecanismos de trocas completamente novos. Você não vai precisar de bancos para rodar esse tipo de infraestrutura. Se você pensa sobre como os bancos mudam em um mundo com renda básica universal, sobre conceito de poupança ou contas de investimento que temos hoje, por que você precisaria de uma conta bancária se todas suas necessidades são cuidadas por essa economia autônoma?

Que papel os bancos centrais terão neste contexto?

Bancos centrais vão precisar se tornar corporações baseadas em IA ou companhias tecnológicas. O papel dessas instituições são dois. O primeiro é de supervisão. Qual é a configuração política? Bem, a política pode ser monetária, bancária e assim por diante. E a supervisão do sistema é para ter certeza de que não há riscos no nível do sistema financeiro ou individual. A política funcional continua, mas vai se tornar código. É monitoramento. É por isso que digo que reguladores precisam se tornar companhias de tecnologia no médio prazo.

Como o sr. vê o papel das carteiras de dados, como a que a DrumWave desenvolve, neste novo contexto?

Se você está falando de IA, existe um nível de sistema para se considerar. Mas há um nível individual e a precisão de sua IA. O jeito que ela melhora sua vida é realmente sobre como os dados são gerenciados. Por isso é importante quem é dono desses dados, como são monetizados e onde está o valor. A melhor ilustração disso é o DNA de crianças. Quem deve ter acesso a ele? Uma empresa de seguros que pode querer precificar o risco de potenciais doenças no futuro, baseadas no genoma? Ao mesmo tempo, o que eles deveriam estar fazendo é dizer que sabemos dos riscos. Então vamos ajudá-lo a colocar isso numa política de preços. Para que o uso ético dos dados e a habilidade de comercializar dados seja o centro de uma transição para uma sociedade altamente automatizada.

Economias que têm resistido ao open banking vão ficar para trás daquelas já resolveram isso

Brett King

Criptomoedas, NFTs e outros ativos digitais nos moldes atuais terão espaço?

De modo geral, acredito que estamos no estágio inicial da evolução de ativos digitais e moedas digitais. Sociedades altamente autônomas são movidas por contratos digitais, que exigem dinheiro programável, seja cripto, stablecoins, tokens ou moedas de bancos centrais. Provavelmente é uma combinação dos quatro. Acredito que o futuro das moedas digitais vai por aí. Mas há uma segunda coisa acontecendo em paralelo. Parte disso é dado, parte é identidade. Parte disso é o metaverso, vivemos em um mundo digitalizado. Estamos criando personas, humanos digitais que replicam nossos dados — gravações de nosso DNA, comportamento ou atividade em algoritmos. E o mesmo vale para humanos virtuais e coisas assim que replicam o mundo em que vivemos, como contratos, ativos e propriedade intelectual. As leis e sistemas que temos no mundo real não são robustos o suficiente para isso.

Qual papel terá o open banking?

Quando você pensa no papel da carteira inteligente e como irá nos ajudar como indivíduo, a maior mudança é o conceito de orçamento. Porque agora sua saúde financeira se torna essa ferramenta ativa para gerenciar seu dinheiro, e uma IA sempre vai ser melhor para fazer isso. Mas isso requer dados que os bancos têm, e exige outras informações comportamentais. Exige um nível de automação e meio que exige open banking e acesso a dados. Por exemplo, se temos uma hipoteca, hoje o banco confia em você. Se você vai comprar uma casa, o banco não sabe que você vai comprar uma casa até chegar a eles. Mas o Google, a Apple e o Facebook sabem por causa da sua atividade de busca. É preciso casar esses dois tipos de dados para criar uma experiência atraente. É por isso que precisamos do open banking. Economias que têm resistido ao open banking vão ficar para trás daquelas já resolveram isso.

Quando o mundo das fintechs era “mato”, o australiano Brett King já pregava sobre as mudanças tecnológicas que transformariam o setor financeiro em todo o mundo. Em 2010, ele escreveu Bank 2.0, livro que mapeou as tecnologias que viriam a mudar os bancos na década seguinte. Outras duas atualizações da obra, em 2014 e 2018, permitiram vislumbrar o impacto de instituições bancárias totalmente digitais, como o Nubank.

Agora, na alvorada de uma nova década, King volta suas atenções para o impacto da inteligência artificial (IA) e da crise climática em seu novo livro: The Rise of Technosocialism: How Inequality, AI and Climate will Usher in a New World (A ascensão do tecnossocialismo: Como Desigualdade, IA e Clima vão Moldar um Novo Mundo, em tradução livre).

Ao Estadão, King, que também ocupa uma cadeira no conselho da startup brasileira DrumWave e foi consultor de políticas de fintechs no governo Obama, falou sobre o impacto da IA na economia global e o futuro do setor financeiro. Na visão dele, os bancos centrais deverão se transformar em organizações de IA para dar conta de todas as mudanças no horizonte.

Leia os principais momentos da entrevista abaixo.

Entre as maiores fintechs do mundo, Nubank adota a digitalização em operações financeiras Foto: Brendan McDermid/Reuters - 9/12/2021

O que o senhor quer dizer com “tecnossocialismo”?

Se eu pudesse, eu renomearia o título do meu livro para “A ascensão do neofeudalismo”. Desenhei quatro cenários para o futuro. No primeiro, há enorme falha nos governos , porque esperamos tempo demais para a mudança climática ou para a IA. O outro é a rejeição à tecnologia, particularmente a IA, por causa do jeito que rompe a empregabilidade. E os outros dois cenários prováveis são um “neofeudalismo”, que é como um supercapitalismo patrocinado pela IA, ou um tecnossocialismo. Este não é o socialismo clássico, em que a teoria marxista é sobre os trabalhadores dominando os meios de produção. Tecnossocialismo é sobre como a tecnologia permite que cidadãos dominem a economia de uma forma diferente do que fazemos hoje. É um realinhamento. Antes de tudo, a economia busca as necessidades dos cidadãos antes doas necessidades dos mercados e corporações. É um realinhamento do papel do capitalismo e dos mercados na sociedade.

Como é possível fazer esse realinhamento?

Se você aumentar o capitalismo, então muito provavelmente haverá uma revolução devido ao desemprego causado pela tecnologia e os efeitos das mudanças climáticas. Haverá escassez de alimentos, deslocamento das populações de cidades litorâneas, enchentes anuais e incêndios florestais. Todas essas coisas combinadas geram imenso estresse. Então, ao inserir tecnologia nos governos, você torna-os muito mais eficientes. É uma forma de socialismo em que todas necessidades dos cidadãos são olhadas.

Os governos estão prontos para adotar tecnologia?

O único governo que faz isso hoje é a China. Alguns países da Ásia estão chegando lá, como Cingapura. Mas a China está olhando para infraestrutura, com automação da Nova Rota da Seda, e para moedas digitais, com imenso uso de inteligência artificial. Se você visita cidades como Shenzhen, pode ver a inserção disso no cotidiano das pessoas. Usam reconhecimento facial, de voz ou de dedos para pagamentos. E há uma fração apenas das fraudes que ocorrem nos Estados Unidos ou Brasil. Eles têm uma regulamentação em IA que deve ser a mais avançada do mundo atualmente. Eles ensinam IA no currículo escolar. A China entende que as economias mais bem-sucedidas do século 21 serão economias autônomas. E isso inclui a função do governo, o jeito que alocam recursos é feito a nível econômico.

A inteligência artificial vai acentuar a desigualdade no mundo

Brett King

Como a IA gera desigualdade?

O maior problema da IA em acentuar a desigualdade é o que acontece com o emprego. Se você pensa nos conceitos clássicos de oferta e demanda, a suposição é de que, sempre que uma economia está em crescimento e há mais demanda por produtos ou serviços para criar oferta, você coloca mais trabalhadores na economia. A IA quebra esse modelo, porque, conforme cresce a demanda, apenas há mais processamento de sistemas de produção autônomos. De modo geral, o nível de trabalho humano na economia é reduzido. Isso vem acontecendo desde os anos 1980. Nós vimos softwares dedicados a produtividade em organizações, vimos a quantidade de trabalho nas maiores companhias sendo reduzidos em relação às décadas anteriores. Mas a IA vai levar isso a um novo nível. E o problema com o aprendizado de máquina é que vamos ensinar as IAs a fazer qualquer coisa repetitiva. Então, lá para 2040, teremos um desemprego em massa causado por tecnologia. Haverá companhias extremamente ricas, mas terá também um problema de distribuição. Na economia de hoje, você trabalha e recebe por isso. Se você não puder fazer isso no futuro, você tem um problema estrutural enorme. Então, a IA provavelmente vai acentuar a desigualdade. A solução proposta pelo modelo capitalista é a renda básica universal. Mas ela tem o problema de formar desigualdade, porque é muito, muito difícil fazer a mobilidade social.

Qual é a solução?

A solução é o mundo pós-escassez, onde você se dá conta de que o jeito que pensamos sobre a troca de valores, dinheiro e economia são ineficientes hoje. Tudo se resume à alocação de recursos e a como perder esse conceito do dinheiro como mecanismo primário do valor no sistema. E há também outras coisas que vão forçar essa mudança filosófica, sendo a mudança climática a primeira delas. Se você pensa sobre a década de 2050, e nos 50 a 100 anos seguintes, o maior esforço humano que será feito em escala global será a mitigação do clima. Nos termos de hoje, estamos falando de algo como 40% a 60% do Produto Interno Bruto (PIB) sendo dedicado a resiliência climática e aos danos que fizemos ao mundo anteriormente. Mas a escala é similar ao que vimos durante a Segunda Grande Guerra em termos bélicos, onde o custo das coisas deixa de ser considerado porque se trata da continuidade da espécie. O jeito que isso pode acontecer, por exemplo, é que você pode exigir que pessoas façam um serviço nacional a cada dois anos para ter acesso à renda básica. E esse serviço seja relacionado a mitigações climáticas, coisas assim.

O sr. escreveu muito sobre o banco do futuro e muitas delas se tornaram realidade. Qual é o futuro dos bancos?

Não tem um futuro. Lá pelos anos 2050, as maiores economias do mundo serão autônomas. E essas economias autônomas serão criadas sobre coisas como contratos inteligentes, automação de cadeia de suprimentos. Para isso, você precisa de dinheiro digital, um dispositivo, sua comunicação de IA. Por volta dessa época, provavelmente metade das nações do mundo serão movidas por máquinas. Você não vê o que está acontecendo, mas essas IAs aparecem com novos mecanismos de trocas completamente novos. Você não vai precisar de bancos para rodar esse tipo de infraestrutura. Se você pensa sobre como os bancos mudam em um mundo com renda básica universal, sobre conceito de poupança ou contas de investimento que temos hoje, por que você precisaria de uma conta bancária se todas suas necessidades são cuidadas por essa economia autônoma?

Que papel os bancos centrais terão neste contexto?

Bancos centrais vão precisar se tornar corporações baseadas em IA ou companhias tecnológicas. O papel dessas instituições são dois. O primeiro é de supervisão. Qual é a configuração política? Bem, a política pode ser monetária, bancária e assim por diante. E a supervisão do sistema é para ter certeza de que não há riscos no nível do sistema financeiro ou individual. A política funcional continua, mas vai se tornar código. É monitoramento. É por isso que digo que reguladores precisam se tornar companhias de tecnologia no médio prazo.

Como o sr. vê o papel das carteiras de dados, como a que a DrumWave desenvolve, neste novo contexto?

Se você está falando de IA, existe um nível de sistema para se considerar. Mas há um nível individual e a precisão de sua IA. O jeito que ela melhora sua vida é realmente sobre como os dados são gerenciados. Por isso é importante quem é dono desses dados, como são monetizados e onde está o valor. A melhor ilustração disso é o DNA de crianças. Quem deve ter acesso a ele? Uma empresa de seguros que pode querer precificar o risco de potenciais doenças no futuro, baseadas no genoma? Ao mesmo tempo, o que eles deveriam estar fazendo é dizer que sabemos dos riscos. Então vamos ajudá-lo a colocar isso numa política de preços. Para que o uso ético dos dados e a habilidade de comercializar dados seja o centro de uma transição para uma sociedade altamente automatizada.

Economias que têm resistido ao open banking vão ficar para trás daquelas já resolveram isso

Brett King

Criptomoedas, NFTs e outros ativos digitais nos moldes atuais terão espaço?

De modo geral, acredito que estamos no estágio inicial da evolução de ativos digitais e moedas digitais. Sociedades altamente autônomas são movidas por contratos digitais, que exigem dinheiro programável, seja cripto, stablecoins, tokens ou moedas de bancos centrais. Provavelmente é uma combinação dos quatro. Acredito que o futuro das moedas digitais vai por aí. Mas há uma segunda coisa acontecendo em paralelo. Parte disso é dado, parte é identidade. Parte disso é o metaverso, vivemos em um mundo digitalizado. Estamos criando personas, humanos digitais que replicam nossos dados — gravações de nosso DNA, comportamento ou atividade em algoritmos. E o mesmo vale para humanos virtuais e coisas assim que replicam o mundo em que vivemos, como contratos, ativos e propriedade intelectual. As leis e sistemas que temos no mundo real não são robustos o suficiente para isso.

Qual papel terá o open banking?

Quando você pensa no papel da carteira inteligente e como irá nos ajudar como indivíduo, a maior mudança é o conceito de orçamento. Porque agora sua saúde financeira se torna essa ferramenta ativa para gerenciar seu dinheiro, e uma IA sempre vai ser melhor para fazer isso. Mas isso requer dados que os bancos têm, e exige outras informações comportamentais. Exige um nível de automação e meio que exige open banking e acesso a dados. Por exemplo, se temos uma hipoteca, hoje o banco confia em você. Se você vai comprar uma casa, o banco não sabe que você vai comprar uma casa até chegar a eles. Mas o Google, a Apple e o Facebook sabem por causa da sua atividade de busca. É preciso casar esses dois tipos de dados para criar uma experiência atraente. É por isso que precisamos do open banking. Economias que têm resistido ao open banking vão ficar para trás daquelas já resolveram isso.

Quando o mundo das fintechs era “mato”, o australiano Brett King já pregava sobre as mudanças tecnológicas que transformariam o setor financeiro em todo o mundo. Em 2010, ele escreveu Bank 2.0, livro que mapeou as tecnologias que viriam a mudar os bancos na década seguinte. Outras duas atualizações da obra, em 2014 e 2018, permitiram vislumbrar o impacto de instituições bancárias totalmente digitais, como o Nubank.

Agora, na alvorada de uma nova década, King volta suas atenções para o impacto da inteligência artificial (IA) e da crise climática em seu novo livro: The Rise of Technosocialism: How Inequality, AI and Climate will Usher in a New World (A ascensão do tecnossocialismo: Como Desigualdade, IA e Clima vão Moldar um Novo Mundo, em tradução livre).

Ao Estadão, King, que também ocupa uma cadeira no conselho da startup brasileira DrumWave e foi consultor de políticas de fintechs no governo Obama, falou sobre o impacto da IA na economia global e o futuro do setor financeiro. Na visão dele, os bancos centrais deverão se transformar em organizações de IA para dar conta de todas as mudanças no horizonte.

Leia os principais momentos da entrevista abaixo.

Entre as maiores fintechs do mundo, Nubank adota a digitalização em operações financeiras Foto: Brendan McDermid/Reuters - 9/12/2021

O que o senhor quer dizer com “tecnossocialismo”?

Se eu pudesse, eu renomearia o título do meu livro para “A ascensão do neofeudalismo”. Desenhei quatro cenários para o futuro. No primeiro, há enorme falha nos governos , porque esperamos tempo demais para a mudança climática ou para a IA. O outro é a rejeição à tecnologia, particularmente a IA, por causa do jeito que rompe a empregabilidade. E os outros dois cenários prováveis são um “neofeudalismo”, que é como um supercapitalismo patrocinado pela IA, ou um tecnossocialismo. Este não é o socialismo clássico, em que a teoria marxista é sobre os trabalhadores dominando os meios de produção. Tecnossocialismo é sobre como a tecnologia permite que cidadãos dominem a economia de uma forma diferente do que fazemos hoje. É um realinhamento. Antes de tudo, a economia busca as necessidades dos cidadãos antes doas necessidades dos mercados e corporações. É um realinhamento do papel do capitalismo e dos mercados na sociedade.

Como é possível fazer esse realinhamento?

Se você aumentar o capitalismo, então muito provavelmente haverá uma revolução devido ao desemprego causado pela tecnologia e os efeitos das mudanças climáticas. Haverá escassez de alimentos, deslocamento das populações de cidades litorâneas, enchentes anuais e incêndios florestais. Todas essas coisas combinadas geram imenso estresse. Então, ao inserir tecnologia nos governos, você torna-os muito mais eficientes. É uma forma de socialismo em que todas necessidades dos cidadãos são olhadas.

Os governos estão prontos para adotar tecnologia?

O único governo que faz isso hoje é a China. Alguns países da Ásia estão chegando lá, como Cingapura. Mas a China está olhando para infraestrutura, com automação da Nova Rota da Seda, e para moedas digitais, com imenso uso de inteligência artificial. Se você visita cidades como Shenzhen, pode ver a inserção disso no cotidiano das pessoas. Usam reconhecimento facial, de voz ou de dedos para pagamentos. E há uma fração apenas das fraudes que ocorrem nos Estados Unidos ou Brasil. Eles têm uma regulamentação em IA que deve ser a mais avançada do mundo atualmente. Eles ensinam IA no currículo escolar. A China entende que as economias mais bem-sucedidas do século 21 serão economias autônomas. E isso inclui a função do governo, o jeito que alocam recursos é feito a nível econômico.

A inteligência artificial vai acentuar a desigualdade no mundo

Brett King

Como a IA gera desigualdade?

O maior problema da IA em acentuar a desigualdade é o que acontece com o emprego. Se você pensa nos conceitos clássicos de oferta e demanda, a suposição é de que, sempre que uma economia está em crescimento e há mais demanda por produtos ou serviços para criar oferta, você coloca mais trabalhadores na economia. A IA quebra esse modelo, porque, conforme cresce a demanda, apenas há mais processamento de sistemas de produção autônomos. De modo geral, o nível de trabalho humano na economia é reduzido. Isso vem acontecendo desde os anos 1980. Nós vimos softwares dedicados a produtividade em organizações, vimos a quantidade de trabalho nas maiores companhias sendo reduzidos em relação às décadas anteriores. Mas a IA vai levar isso a um novo nível. E o problema com o aprendizado de máquina é que vamos ensinar as IAs a fazer qualquer coisa repetitiva. Então, lá para 2040, teremos um desemprego em massa causado por tecnologia. Haverá companhias extremamente ricas, mas terá também um problema de distribuição. Na economia de hoje, você trabalha e recebe por isso. Se você não puder fazer isso no futuro, você tem um problema estrutural enorme. Então, a IA provavelmente vai acentuar a desigualdade. A solução proposta pelo modelo capitalista é a renda básica universal. Mas ela tem o problema de formar desigualdade, porque é muito, muito difícil fazer a mobilidade social.

Qual é a solução?

A solução é o mundo pós-escassez, onde você se dá conta de que o jeito que pensamos sobre a troca de valores, dinheiro e economia são ineficientes hoje. Tudo se resume à alocação de recursos e a como perder esse conceito do dinheiro como mecanismo primário do valor no sistema. E há também outras coisas que vão forçar essa mudança filosófica, sendo a mudança climática a primeira delas. Se você pensa sobre a década de 2050, e nos 50 a 100 anos seguintes, o maior esforço humano que será feito em escala global será a mitigação do clima. Nos termos de hoje, estamos falando de algo como 40% a 60% do Produto Interno Bruto (PIB) sendo dedicado a resiliência climática e aos danos que fizemos ao mundo anteriormente. Mas a escala é similar ao que vimos durante a Segunda Grande Guerra em termos bélicos, onde o custo das coisas deixa de ser considerado porque se trata da continuidade da espécie. O jeito que isso pode acontecer, por exemplo, é que você pode exigir que pessoas façam um serviço nacional a cada dois anos para ter acesso à renda básica. E esse serviço seja relacionado a mitigações climáticas, coisas assim.

O sr. escreveu muito sobre o banco do futuro e muitas delas se tornaram realidade. Qual é o futuro dos bancos?

Não tem um futuro. Lá pelos anos 2050, as maiores economias do mundo serão autônomas. E essas economias autônomas serão criadas sobre coisas como contratos inteligentes, automação de cadeia de suprimentos. Para isso, você precisa de dinheiro digital, um dispositivo, sua comunicação de IA. Por volta dessa época, provavelmente metade das nações do mundo serão movidas por máquinas. Você não vê o que está acontecendo, mas essas IAs aparecem com novos mecanismos de trocas completamente novos. Você não vai precisar de bancos para rodar esse tipo de infraestrutura. Se você pensa sobre como os bancos mudam em um mundo com renda básica universal, sobre conceito de poupança ou contas de investimento que temos hoje, por que você precisaria de uma conta bancária se todas suas necessidades são cuidadas por essa economia autônoma?

Que papel os bancos centrais terão neste contexto?

Bancos centrais vão precisar se tornar corporações baseadas em IA ou companhias tecnológicas. O papel dessas instituições são dois. O primeiro é de supervisão. Qual é a configuração política? Bem, a política pode ser monetária, bancária e assim por diante. E a supervisão do sistema é para ter certeza de que não há riscos no nível do sistema financeiro ou individual. A política funcional continua, mas vai se tornar código. É monitoramento. É por isso que digo que reguladores precisam se tornar companhias de tecnologia no médio prazo.

Como o sr. vê o papel das carteiras de dados, como a que a DrumWave desenvolve, neste novo contexto?

Se você está falando de IA, existe um nível de sistema para se considerar. Mas há um nível individual e a precisão de sua IA. O jeito que ela melhora sua vida é realmente sobre como os dados são gerenciados. Por isso é importante quem é dono desses dados, como são monetizados e onde está o valor. A melhor ilustração disso é o DNA de crianças. Quem deve ter acesso a ele? Uma empresa de seguros que pode querer precificar o risco de potenciais doenças no futuro, baseadas no genoma? Ao mesmo tempo, o que eles deveriam estar fazendo é dizer que sabemos dos riscos. Então vamos ajudá-lo a colocar isso numa política de preços. Para que o uso ético dos dados e a habilidade de comercializar dados seja o centro de uma transição para uma sociedade altamente automatizada.

Economias que têm resistido ao open banking vão ficar para trás daquelas já resolveram isso

Brett King

Criptomoedas, NFTs e outros ativos digitais nos moldes atuais terão espaço?

De modo geral, acredito que estamos no estágio inicial da evolução de ativos digitais e moedas digitais. Sociedades altamente autônomas são movidas por contratos digitais, que exigem dinheiro programável, seja cripto, stablecoins, tokens ou moedas de bancos centrais. Provavelmente é uma combinação dos quatro. Acredito que o futuro das moedas digitais vai por aí. Mas há uma segunda coisa acontecendo em paralelo. Parte disso é dado, parte é identidade. Parte disso é o metaverso, vivemos em um mundo digitalizado. Estamos criando personas, humanos digitais que replicam nossos dados — gravações de nosso DNA, comportamento ou atividade em algoritmos. E o mesmo vale para humanos virtuais e coisas assim que replicam o mundo em que vivemos, como contratos, ativos e propriedade intelectual. As leis e sistemas que temos no mundo real não são robustos o suficiente para isso.

Qual papel terá o open banking?

Quando você pensa no papel da carteira inteligente e como irá nos ajudar como indivíduo, a maior mudança é o conceito de orçamento. Porque agora sua saúde financeira se torna essa ferramenta ativa para gerenciar seu dinheiro, e uma IA sempre vai ser melhor para fazer isso. Mas isso requer dados que os bancos têm, e exige outras informações comportamentais. Exige um nível de automação e meio que exige open banking e acesso a dados. Por exemplo, se temos uma hipoteca, hoje o banco confia em você. Se você vai comprar uma casa, o banco não sabe que você vai comprar uma casa até chegar a eles. Mas o Google, a Apple e o Facebook sabem por causa da sua atividade de busca. É preciso casar esses dois tipos de dados para criar uma experiência atraente. É por isso que precisamos do open banking. Economias que têm resistido ao open banking vão ficar para trás daquelas já resolveram isso.

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