‘Brasil tem mina de ouro de dados para a inteligência artificial’, diz Alexandre Chiavegatto


Novo colunista do ‘Estadão’ defende que País incentive criação de mais pesquisadores na área de aprendizado de máquina para surfar no potencial competitivo da tecnologia

Por Guilherme Guerra
Atualização:
Foto: Arquivo Pessoal
Entrevista comAlexandre ChiavegattoProfessor de inteligência artificial na Universidade de São Paulo

Para uma inteligência artificial (IA) funcionar propriamente, é preciso ter imensos volumes de dados, que podem ser palavras, números, imagens e outros tipos de mídias. Como essas informações são a “matéria-prima” da tecnologia, o país que souber melhor utilizar esse insumo pode liderar a “corrida da IA” — e o Brasil pode ser um desses nomes.

“O Brasil tem um grande potencial de ter um espaço importante na área de IA ao redor do mundo exatamente pela questão da nossa diversidade de dados”, afirma o pesquisador Alexandre Chiavegatto, professor livre docente de inteligência artificial na Universidade de São Paulo e diretor do Laboratório de Big Data e Análise Preditiva em Saúde (Labdaps).

O especialista explica que, pelo caráter de diversidade genética, racial, social e econômica da população do País, esses dados podem treinar IAs mais competentes, com menos viés negativo e amplitude maior. “O Brasil tem uma verdadeira mina de ouro em suas mãos graças a essa diversidade. E temos o potencial de usar esses dados para fazer descobertas muito relevantes na área de inteligência artificial”, diz o professor da USP.

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Chiavegatto estreia hoje como colunista do Estadão. Seus artigos vão ser publicados semanalmente às quartas-feiras pelo Link, editoria de tecnologia do jornal. Leia o texto de estreia neste link, intitulado: “A inteligência artificial está apenas em sua pré-história e vai mudar o mundo”.

Segundo o professor, seus futuros textos devem abordar temas relevantes na área de inteligência artificial, como consciência algorítmica, regulamentação do setor (em debate na União Europeia e Brasil) e transparência. Isso também deve incluir a polêmica inteligência artificial geral (AGI, na sigla em inglês) — nome dado a uma IA com capacidade de realizar tarefas humanas.

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“Não existe nenhum motivo técnico até hoje para pensarmos que um algoritmo não conseguiria fazer quase todas ou todas as tarefas que seres humanos fazem. É uma questão apenas de ajuste” , diz. “Hoje, somos a espécie dominante no planeta Terra porque somos os seres mais inteligentes. Mas muitos pesquisadores acreditam que, ao longo das nossas vidas, vamos ter uma AG. Ou seja, não vamos ser na prática os seres mais inteligente desse planeta.”

Abaixo, leia trechos da entrevista com o pesquisador.

Qual foi o salto que impulsionou o aprendizado de máquina até onde estamos hoje?

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Até hoje podemos considerar que houve dois grandes marcos da área de machine learning aplicada. O primeiro grande salto foi em 2012, com o desenvolvimento da AlexNet, que era um algoritmo que ganhou uma competição muito famosa de classificação de imagem, a ImageNet. Havia várias imagens e vários grupos do mundo inteiro desenvolviam algoritmos para tentar predizer o que estava nessa imagem. Durante muito tempo os ganhos foram sempre muito pequenos de um ano para o outro, até a chegada da AlexNet, que foi esse algoritmo que abriu os olhos de muitas pessoas para o potencial de machine learning, de inteligência artificia. Foi um ganho substancial como nunca tinha havido. Isso abriu os olhos de muitas pessoas e do Google, do Facebook, da Microsoft. Foi aí que essas empresas começaram a investir na área de inteligência artificial.

O segundo grande ponto tem sido o ChatGPT. Não pela tecnologia em si, que não é nova. Mas esta é a primeira vez que as pessoas começaram a pensar diretamente em pedir um auxílio ao algoritmo de inteligência artificial. Esse algoritmo já estava muito presente em nossas vidas: a rede social é toda mecanizada por meio de algoritmos de inteligência artificial, o Waze decide nossa rota de trânsito quase todos os dias, o próprio Google é um algoritmo de inteligência artificial, a Netflix fornece sugestões para você. Mas tudo isso sempre foi de forma indireta. As pessoas não pensavam em pedir ajuda para inteligência artificial da mesma forma como fazem hoje com o ChatGPT.

Alexandre Chiavegatto Filho, diretor do Labdaps, da USP Foto: Alex Silva/Estadão
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Como o sr. fez essa integração entre saúde e tecnologia na carreira?

A grande questão é que a área da saúde é uma área perfeita para ser profundamente transformada pela inteligência artificial por dois grandes motivos. Em primeiro lugar, é uma área que coleta muitos dados. Então, estima-se que cerca de 30% de todos os dados coletados hoje no mundo são da área da saúde. Em segundo lugar, é uma área muito difícil que envolve decisões que, por trás de cada interação, há fatores complexos. Por exemplo, ninguém vai a óbito por causa de um único fator. É sempre uma interação complexa de fatores genéticos, socioeconômicos, demográficos, presença de doenças, fatores ambientais. Por ser uma área que coleta muitos dados, a saúde é uma área que pode ser transformada profundamente por meio de algoritmos de inteligência artificial.

Em quais outras áreas a inteligência artificial pode também ser útil, além da saúde?

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O direito. A grande ironia é que, junto com a saúde, são áreas que, historicamente, muito pouco utilizavam a análise de dados, ao contrário das indústrias, dos bancos e das empresas que sempre trabalharam com análise de dados. No dia a dia dos profissionais da saúde e do direito, não se utilizava muito a análise direta de estatística de dados. E são as duas áreas que vão ser mais transformadas por meio de análise de dados. Os algoritmos hoje já conseguem ler alguma defesa, ler algum processo e dar orientações para auxiliar em encaminhamentos por parte dos profissionais. É a mesma coisa na área da saúde: os algoritmos já conseguem ler prontuários eletrônicos e dar auxílio aos profissionais de saúde. Essas essas são duas áreas em que a inteligência artificial está muito pouco presente, mas que vão receber um impacto profundo nos próximos anos.

Eu e muitos pesquisadores discordamos das iniciativas de parar as pesquisas sobre inteligência artificial. Nós precisamos exatamente do oposto

Alexandre Chiavegatto, professor da USP

De modo geral, pesquisadores têm duas visões distintas sobre a inteligência artificial. Uns são muito otimistas, outros são muito pessimistas com os potenciais da IA. Em qual dessas definições o sr. se coloca?

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Não podemos esquecer os dois lados. Com certeza, os benefícios vão ser imensos e vamos ter muitos desafios pela frente. Mas vamos ser otimistas. Eu e muitos pesquisadores discordamos das iniciativas de parar as pesquisas sobre inteligência artificial. Nós precisamos exatamente do oposto. Nós precisamos de mais pesquisadores para resolver esses problemas importantes que vão começar a aparecer nos próximos anos. Problemas, principalmente, em relação ao alinhamento desse algoritmo, ou seja, garantir que esses algoritmos vão fazer exatamente aquilo que nós, como sociedade, gostaríamos que eles fizessem. Para isso, precisamos de muitas pesquisas e de muitos mais pesquisadores do que hoje. Vai haver muitos desafios reais e concretos, mas com mais pesquisas na área, com mais financiamento, com mais pessoas interessadas.

Como podemos incentivar que mais profissionais entrem não só em tecnologia, mas na área de machine learning e inteligência artificial?

As questões da atividade de divulgação são um ponto de partida muito interessante para as pessoas que, às vezes, ainda veem inteligência artificial como algo de ficção científica, ainda distante da realidade de hoje. Machine learning não é uma coisa de um futuro distante. Hoje, estamos coletando cada vez mais dados, e isso traz o potencial de usar esses dados para auxiliar decisões, principalmente nas áreas mais importantes da nossa vida, como é o caso da saúde. O primeiro passo é mostrar que IA é uma área real que já é utilizada e que tem o potencial de ser muito mais utilizada nos próximos anos à medida que vamos coletando mais dados em diferentes áreas.

Outra forma é oferecer treinamento. No nosso laboratório, o LabDaps, fazemos várias iniciativas de oferecer treinamento para quem nunca teve acesso a esse tipo de conhecimento. Nós colocamos a nossa disciplina de pós-graduação da USP no YouTube gratuitamente para quem tiver interesse de acessar. Também damos o nosso curso de verão sobre Machine Learning. Por fim, há também o mercado, em que os salários estão muito altos da área de Machine Learning. Isso acaba atraindo mais profissionais.

É uma combinação de todos esses fatores. À medida que as pessoas vão se dando conta disso, mais pessoas vão começar a vir para a área de Machine Learning e vamos ajudar a resolver alguns dos principais problemas que vamos ter.

ChatGPT é o chatbot inteligente da OpenAI Foto: Dado Ruvic/Reuters - 3/2/2023

E como podemos evitar alguns dos grandes problemas da IA, como o desemprego, por exemplo?

Entendo essa preocupação, mas não é a realidade histórica das revoluções tecnológicas. Até hoje, elas criaram muito mais empregos do que destruíram. Em geral, as revoluções tecnológicas têm sido bastante positivas e têm saído alguns relatórios em relação a isso, do potencial de você criar muitos empregos via aumento da produtividade. Por exemplo, a questão da radiologia. Muitos falavam, há uns anos atrás, que os radiologistas iam ser substituídos por algoritmos, mas o que de fato aconteceu? Os radiologistas se tornaram mais produtivos e eles conseguem tomar decisões mais rápidas e melhores. Isso tem aumentado a demanda por exames de imagem. Então, os outros especialistas estão pedindo mais exames de imagem, porque eles sabem que, quando receberem um laudo, este vai ser extremamente útil para o que esse médico quer. Essa é uma área que, há cinco anos, se falava que ia acabar, e hoje é a área que mais cresce na Medicina. Existem algumas áreas em que vai existir substituição de pessoas, e a gente vai ter que ver, como sociedade, como vamos lidar com isso. Mas, em um grande número de áreas, esse aumento de produtividade vai ser bastante positivo para esses profissionais.

Como o Brasil pode ser referência em inteligência artificial, em meio aos Estados Unidos, China e União Europeia?

O Brasil tem um grande potencial de ter um espaço importante na área de inteligência artificial ao redor do mundo exatamente pela questão da nossa diversidade de dados. Essa nossa grande diversidade socioeconômica e genética é extremamente importante para que os algoritmos aprendam todas essas nuances na tomada de decisão e diferencialidades. Hoje, por exemplo, na área da saúde, ninguém tem a diversidade genética e racial que nós temos no Brasil. Existe o potencial de que o algoritmo aprenda muito bem com toda essa diversidade e generalize muito bem as suas decisões basicamente no mundo inteiro, porque temos o mundo inteiro no País. Tanto que os dados brasileiros são dados extremamente cobiçados no mundo inteiro, porque são dados que têm um valor intrínseco muito grande exatamente por causa dessa diversidade. Conseguimos descobrir, por exemplo, a questão de garantir que algoritmos não tomem decisões preconceituosas, por exemplo. A gente tem essa capacidade de ver esses dados, de identificar, de fazer descobertas sobre identificação e correção de possíveis preconceitos. O Brasil tem uma verdadeira mina de ouro em suas mãos graças a essa diversidade. E temos o potencial de usar esses dados para fazer descobertas muito relevantes.

É necessária regulação de inteligência artificial? E essa regulação teria de ser agora ou deve esperar?

Precisamos diferenciar essas duas coisas. Sim, eventualmente a gente vai precisar de uma regulação específica para a inteligência artificial, mas ainda estamos na pré-história da inteligência artificial. A IA ainda não está na grande maioria das áreas. Há um ano, por exemplo, o ChatGPT não existia, uma tecnologia que transformou profundamente a visão das pessoas. Não sabemos o que vai vir daqui a um ano e quais áreas a inteligência artificial vai impactar profundamente. Uma regulação precisa de debate, precisa de acompanhamento. Mas querer bater o martelo numa área ainda na pré-história é prematuro. O debate é muito bem-vindo, porque um dia a gente, de fato, vai ter que regulamentar essa área.

Você acha que uma AGI é possível?

A grande maioria dos pesquisadores acha que sim, é possível. Não existe nenhum motivo técnico até hoje para pensarmos que um algoritmo não conseguiria fazer quase todas ou todas as tarefas que seres humanos fazem. É uma questão apenas de ajuste desses algoritmos. Cada vez mais, temos algoritmos multimodais, algoritmos que lidam com todo tipo de dados e conseguem tomar decisões nas diferentes áreas. Essa é uma coisa que a sociedade vai ter que começar a debater mesmo. Hoje, nós somos a espécie dominante no planeta Terra porque nós somos os seres mais inteligentes. Mas muitos pesquisadores acreditam que, ao longo das nossas vidas, a gente vai ter um AGI, uma superinteligência. Ou seja, a gente não vai ser na prática os seres mais inteligentes deste planeta. E a gente tem que começar a debater sobre isso.

Para uma inteligência artificial (IA) funcionar propriamente, é preciso ter imensos volumes de dados, que podem ser palavras, números, imagens e outros tipos de mídias. Como essas informações são a “matéria-prima” da tecnologia, o país que souber melhor utilizar esse insumo pode liderar a “corrida da IA” — e o Brasil pode ser um desses nomes.

“O Brasil tem um grande potencial de ter um espaço importante na área de IA ao redor do mundo exatamente pela questão da nossa diversidade de dados”, afirma o pesquisador Alexandre Chiavegatto, professor livre docente de inteligência artificial na Universidade de São Paulo e diretor do Laboratório de Big Data e Análise Preditiva em Saúde (Labdaps).

O especialista explica que, pelo caráter de diversidade genética, racial, social e econômica da população do País, esses dados podem treinar IAs mais competentes, com menos viés negativo e amplitude maior. “O Brasil tem uma verdadeira mina de ouro em suas mãos graças a essa diversidade. E temos o potencial de usar esses dados para fazer descobertas muito relevantes na área de inteligência artificial”, diz o professor da USP.

Chiavegatto estreia hoje como colunista do Estadão. Seus artigos vão ser publicados semanalmente às quartas-feiras pelo Link, editoria de tecnologia do jornal. Leia o texto de estreia neste link, intitulado: “A inteligência artificial está apenas em sua pré-história e vai mudar o mundo”.

Segundo o professor, seus futuros textos devem abordar temas relevantes na área de inteligência artificial, como consciência algorítmica, regulamentação do setor (em debate na União Europeia e Brasil) e transparência. Isso também deve incluir a polêmica inteligência artificial geral (AGI, na sigla em inglês) — nome dado a uma IA com capacidade de realizar tarefas humanas.

“Não existe nenhum motivo técnico até hoje para pensarmos que um algoritmo não conseguiria fazer quase todas ou todas as tarefas que seres humanos fazem. É uma questão apenas de ajuste” , diz. “Hoje, somos a espécie dominante no planeta Terra porque somos os seres mais inteligentes. Mas muitos pesquisadores acreditam que, ao longo das nossas vidas, vamos ter uma AG. Ou seja, não vamos ser na prática os seres mais inteligente desse planeta.”

Abaixo, leia trechos da entrevista com o pesquisador.

Qual foi o salto que impulsionou o aprendizado de máquina até onde estamos hoje?

Até hoje podemos considerar que houve dois grandes marcos da área de machine learning aplicada. O primeiro grande salto foi em 2012, com o desenvolvimento da AlexNet, que era um algoritmo que ganhou uma competição muito famosa de classificação de imagem, a ImageNet. Havia várias imagens e vários grupos do mundo inteiro desenvolviam algoritmos para tentar predizer o que estava nessa imagem. Durante muito tempo os ganhos foram sempre muito pequenos de um ano para o outro, até a chegada da AlexNet, que foi esse algoritmo que abriu os olhos de muitas pessoas para o potencial de machine learning, de inteligência artificia. Foi um ganho substancial como nunca tinha havido. Isso abriu os olhos de muitas pessoas e do Google, do Facebook, da Microsoft. Foi aí que essas empresas começaram a investir na área de inteligência artificial.

O segundo grande ponto tem sido o ChatGPT. Não pela tecnologia em si, que não é nova. Mas esta é a primeira vez que as pessoas começaram a pensar diretamente em pedir um auxílio ao algoritmo de inteligência artificial. Esse algoritmo já estava muito presente em nossas vidas: a rede social é toda mecanizada por meio de algoritmos de inteligência artificial, o Waze decide nossa rota de trânsito quase todos os dias, o próprio Google é um algoritmo de inteligência artificial, a Netflix fornece sugestões para você. Mas tudo isso sempre foi de forma indireta. As pessoas não pensavam em pedir ajuda para inteligência artificial da mesma forma como fazem hoje com o ChatGPT.

Alexandre Chiavegatto Filho, diretor do Labdaps, da USP Foto: Alex Silva/Estadão

Como o sr. fez essa integração entre saúde e tecnologia na carreira?

A grande questão é que a área da saúde é uma área perfeita para ser profundamente transformada pela inteligência artificial por dois grandes motivos. Em primeiro lugar, é uma área que coleta muitos dados. Então, estima-se que cerca de 30% de todos os dados coletados hoje no mundo são da área da saúde. Em segundo lugar, é uma área muito difícil que envolve decisões que, por trás de cada interação, há fatores complexos. Por exemplo, ninguém vai a óbito por causa de um único fator. É sempre uma interação complexa de fatores genéticos, socioeconômicos, demográficos, presença de doenças, fatores ambientais. Por ser uma área que coleta muitos dados, a saúde é uma área que pode ser transformada profundamente por meio de algoritmos de inteligência artificial.

Em quais outras áreas a inteligência artificial pode também ser útil, além da saúde?

O direito. A grande ironia é que, junto com a saúde, são áreas que, historicamente, muito pouco utilizavam a análise de dados, ao contrário das indústrias, dos bancos e das empresas que sempre trabalharam com análise de dados. No dia a dia dos profissionais da saúde e do direito, não se utilizava muito a análise direta de estatística de dados. E são as duas áreas que vão ser mais transformadas por meio de análise de dados. Os algoritmos hoje já conseguem ler alguma defesa, ler algum processo e dar orientações para auxiliar em encaminhamentos por parte dos profissionais. É a mesma coisa na área da saúde: os algoritmos já conseguem ler prontuários eletrônicos e dar auxílio aos profissionais de saúde. Essas essas são duas áreas em que a inteligência artificial está muito pouco presente, mas que vão receber um impacto profundo nos próximos anos.

Eu e muitos pesquisadores discordamos das iniciativas de parar as pesquisas sobre inteligência artificial. Nós precisamos exatamente do oposto

Alexandre Chiavegatto, professor da USP

De modo geral, pesquisadores têm duas visões distintas sobre a inteligência artificial. Uns são muito otimistas, outros são muito pessimistas com os potenciais da IA. Em qual dessas definições o sr. se coloca?

Não podemos esquecer os dois lados. Com certeza, os benefícios vão ser imensos e vamos ter muitos desafios pela frente. Mas vamos ser otimistas. Eu e muitos pesquisadores discordamos das iniciativas de parar as pesquisas sobre inteligência artificial. Nós precisamos exatamente do oposto. Nós precisamos de mais pesquisadores para resolver esses problemas importantes que vão começar a aparecer nos próximos anos. Problemas, principalmente, em relação ao alinhamento desse algoritmo, ou seja, garantir que esses algoritmos vão fazer exatamente aquilo que nós, como sociedade, gostaríamos que eles fizessem. Para isso, precisamos de muitas pesquisas e de muitos mais pesquisadores do que hoje. Vai haver muitos desafios reais e concretos, mas com mais pesquisas na área, com mais financiamento, com mais pessoas interessadas.

Como podemos incentivar que mais profissionais entrem não só em tecnologia, mas na área de machine learning e inteligência artificial?

As questões da atividade de divulgação são um ponto de partida muito interessante para as pessoas que, às vezes, ainda veem inteligência artificial como algo de ficção científica, ainda distante da realidade de hoje. Machine learning não é uma coisa de um futuro distante. Hoje, estamos coletando cada vez mais dados, e isso traz o potencial de usar esses dados para auxiliar decisões, principalmente nas áreas mais importantes da nossa vida, como é o caso da saúde. O primeiro passo é mostrar que IA é uma área real que já é utilizada e que tem o potencial de ser muito mais utilizada nos próximos anos à medida que vamos coletando mais dados em diferentes áreas.

Outra forma é oferecer treinamento. No nosso laboratório, o LabDaps, fazemos várias iniciativas de oferecer treinamento para quem nunca teve acesso a esse tipo de conhecimento. Nós colocamos a nossa disciplina de pós-graduação da USP no YouTube gratuitamente para quem tiver interesse de acessar. Também damos o nosso curso de verão sobre Machine Learning. Por fim, há também o mercado, em que os salários estão muito altos da área de Machine Learning. Isso acaba atraindo mais profissionais.

É uma combinação de todos esses fatores. À medida que as pessoas vão se dando conta disso, mais pessoas vão começar a vir para a área de Machine Learning e vamos ajudar a resolver alguns dos principais problemas que vamos ter.

ChatGPT é o chatbot inteligente da OpenAI Foto: Dado Ruvic/Reuters - 3/2/2023

E como podemos evitar alguns dos grandes problemas da IA, como o desemprego, por exemplo?

Entendo essa preocupação, mas não é a realidade histórica das revoluções tecnológicas. Até hoje, elas criaram muito mais empregos do que destruíram. Em geral, as revoluções tecnológicas têm sido bastante positivas e têm saído alguns relatórios em relação a isso, do potencial de você criar muitos empregos via aumento da produtividade. Por exemplo, a questão da radiologia. Muitos falavam, há uns anos atrás, que os radiologistas iam ser substituídos por algoritmos, mas o que de fato aconteceu? Os radiologistas se tornaram mais produtivos e eles conseguem tomar decisões mais rápidas e melhores. Isso tem aumentado a demanda por exames de imagem. Então, os outros especialistas estão pedindo mais exames de imagem, porque eles sabem que, quando receberem um laudo, este vai ser extremamente útil para o que esse médico quer. Essa é uma área que, há cinco anos, se falava que ia acabar, e hoje é a área que mais cresce na Medicina. Existem algumas áreas em que vai existir substituição de pessoas, e a gente vai ter que ver, como sociedade, como vamos lidar com isso. Mas, em um grande número de áreas, esse aumento de produtividade vai ser bastante positivo para esses profissionais.

Como o Brasil pode ser referência em inteligência artificial, em meio aos Estados Unidos, China e União Europeia?

O Brasil tem um grande potencial de ter um espaço importante na área de inteligência artificial ao redor do mundo exatamente pela questão da nossa diversidade de dados. Essa nossa grande diversidade socioeconômica e genética é extremamente importante para que os algoritmos aprendam todas essas nuances na tomada de decisão e diferencialidades. Hoje, por exemplo, na área da saúde, ninguém tem a diversidade genética e racial que nós temos no Brasil. Existe o potencial de que o algoritmo aprenda muito bem com toda essa diversidade e generalize muito bem as suas decisões basicamente no mundo inteiro, porque temos o mundo inteiro no País. Tanto que os dados brasileiros são dados extremamente cobiçados no mundo inteiro, porque são dados que têm um valor intrínseco muito grande exatamente por causa dessa diversidade. Conseguimos descobrir, por exemplo, a questão de garantir que algoritmos não tomem decisões preconceituosas, por exemplo. A gente tem essa capacidade de ver esses dados, de identificar, de fazer descobertas sobre identificação e correção de possíveis preconceitos. O Brasil tem uma verdadeira mina de ouro em suas mãos graças a essa diversidade. E temos o potencial de usar esses dados para fazer descobertas muito relevantes.

É necessária regulação de inteligência artificial? E essa regulação teria de ser agora ou deve esperar?

Precisamos diferenciar essas duas coisas. Sim, eventualmente a gente vai precisar de uma regulação específica para a inteligência artificial, mas ainda estamos na pré-história da inteligência artificial. A IA ainda não está na grande maioria das áreas. Há um ano, por exemplo, o ChatGPT não existia, uma tecnologia que transformou profundamente a visão das pessoas. Não sabemos o que vai vir daqui a um ano e quais áreas a inteligência artificial vai impactar profundamente. Uma regulação precisa de debate, precisa de acompanhamento. Mas querer bater o martelo numa área ainda na pré-história é prematuro. O debate é muito bem-vindo, porque um dia a gente, de fato, vai ter que regulamentar essa área.

Você acha que uma AGI é possível?

A grande maioria dos pesquisadores acha que sim, é possível. Não existe nenhum motivo técnico até hoje para pensarmos que um algoritmo não conseguiria fazer quase todas ou todas as tarefas que seres humanos fazem. É uma questão apenas de ajuste desses algoritmos. Cada vez mais, temos algoritmos multimodais, algoritmos que lidam com todo tipo de dados e conseguem tomar decisões nas diferentes áreas. Essa é uma coisa que a sociedade vai ter que começar a debater mesmo. Hoje, nós somos a espécie dominante no planeta Terra porque nós somos os seres mais inteligentes. Mas muitos pesquisadores acreditam que, ao longo das nossas vidas, a gente vai ter um AGI, uma superinteligência. Ou seja, a gente não vai ser na prática os seres mais inteligentes deste planeta. E a gente tem que começar a debater sobre isso.

Para uma inteligência artificial (IA) funcionar propriamente, é preciso ter imensos volumes de dados, que podem ser palavras, números, imagens e outros tipos de mídias. Como essas informações são a “matéria-prima” da tecnologia, o país que souber melhor utilizar esse insumo pode liderar a “corrida da IA” — e o Brasil pode ser um desses nomes.

“O Brasil tem um grande potencial de ter um espaço importante na área de IA ao redor do mundo exatamente pela questão da nossa diversidade de dados”, afirma o pesquisador Alexandre Chiavegatto, professor livre docente de inteligência artificial na Universidade de São Paulo e diretor do Laboratório de Big Data e Análise Preditiva em Saúde (Labdaps).

O especialista explica que, pelo caráter de diversidade genética, racial, social e econômica da população do País, esses dados podem treinar IAs mais competentes, com menos viés negativo e amplitude maior. “O Brasil tem uma verdadeira mina de ouro em suas mãos graças a essa diversidade. E temos o potencial de usar esses dados para fazer descobertas muito relevantes na área de inteligência artificial”, diz o professor da USP.

Chiavegatto estreia hoje como colunista do Estadão. Seus artigos vão ser publicados semanalmente às quartas-feiras pelo Link, editoria de tecnologia do jornal. Leia o texto de estreia neste link, intitulado: “A inteligência artificial está apenas em sua pré-história e vai mudar o mundo”.

Segundo o professor, seus futuros textos devem abordar temas relevantes na área de inteligência artificial, como consciência algorítmica, regulamentação do setor (em debate na União Europeia e Brasil) e transparência. Isso também deve incluir a polêmica inteligência artificial geral (AGI, na sigla em inglês) — nome dado a uma IA com capacidade de realizar tarefas humanas.

“Não existe nenhum motivo técnico até hoje para pensarmos que um algoritmo não conseguiria fazer quase todas ou todas as tarefas que seres humanos fazem. É uma questão apenas de ajuste” , diz. “Hoje, somos a espécie dominante no planeta Terra porque somos os seres mais inteligentes. Mas muitos pesquisadores acreditam que, ao longo das nossas vidas, vamos ter uma AG. Ou seja, não vamos ser na prática os seres mais inteligente desse planeta.”

Abaixo, leia trechos da entrevista com o pesquisador.

Qual foi o salto que impulsionou o aprendizado de máquina até onde estamos hoje?

Até hoje podemos considerar que houve dois grandes marcos da área de machine learning aplicada. O primeiro grande salto foi em 2012, com o desenvolvimento da AlexNet, que era um algoritmo que ganhou uma competição muito famosa de classificação de imagem, a ImageNet. Havia várias imagens e vários grupos do mundo inteiro desenvolviam algoritmos para tentar predizer o que estava nessa imagem. Durante muito tempo os ganhos foram sempre muito pequenos de um ano para o outro, até a chegada da AlexNet, que foi esse algoritmo que abriu os olhos de muitas pessoas para o potencial de machine learning, de inteligência artificia. Foi um ganho substancial como nunca tinha havido. Isso abriu os olhos de muitas pessoas e do Google, do Facebook, da Microsoft. Foi aí que essas empresas começaram a investir na área de inteligência artificial.

O segundo grande ponto tem sido o ChatGPT. Não pela tecnologia em si, que não é nova. Mas esta é a primeira vez que as pessoas começaram a pensar diretamente em pedir um auxílio ao algoritmo de inteligência artificial. Esse algoritmo já estava muito presente em nossas vidas: a rede social é toda mecanizada por meio de algoritmos de inteligência artificial, o Waze decide nossa rota de trânsito quase todos os dias, o próprio Google é um algoritmo de inteligência artificial, a Netflix fornece sugestões para você. Mas tudo isso sempre foi de forma indireta. As pessoas não pensavam em pedir ajuda para inteligência artificial da mesma forma como fazem hoje com o ChatGPT.

Alexandre Chiavegatto Filho, diretor do Labdaps, da USP Foto: Alex Silva/Estadão

Como o sr. fez essa integração entre saúde e tecnologia na carreira?

A grande questão é que a área da saúde é uma área perfeita para ser profundamente transformada pela inteligência artificial por dois grandes motivos. Em primeiro lugar, é uma área que coleta muitos dados. Então, estima-se que cerca de 30% de todos os dados coletados hoje no mundo são da área da saúde. Em segundo lugar, é uma área muito difícil que envolve decisões que, por trás de cada interação, há fatores complexos. Por exemplo, ninguém vai a óbito por causa de um único fator. É sempre uma interação complexa de fatores genéticos, socioeconômicos, demográficos, presença de doenças, fatores ambientais. Por ser uma área que coleta muitos dados, a saúde é uma área que pode ser transformada profundamente por meio de algoritmos de inteligência artificial.

Em quais outras áreas a inteligência artificial pode também ser útil, além da saúde?

O direito. A grande ironia é que, junto com a saúde, são áreas que, historicamente, muito pouco utilizavam a análise de dados, ao contrário das indústrias, dos bancos e das empresas que sempre trabalharam com análise de dados. No dia a dia dos profissionais da saúde e do direito, não se utilizava muito a análise direta de estatística de dados. E são as duas áreas que vão ser mais transformadas por meio de análise de dados. Os algoritmos hoje já conseguem ler alguma defesa, ler algum processo e dar orientações para auxiliar em encaminhamentos por parte dos profissionais. É a mesma coisa na área da saúde: os algoritmos já conseguem ler prontuários eletrônicos e dar auxílio aos profissionais de saúde. Essas essas são duas áreas em que a inteligência artificial está muito pouco presente, mas que vão receber um impacto profundo nos próximos anos.

Eu e muitos pesquisadores discordamos das iniciativas de parar as pesquisas sobre inteligência artificial. Nós precisamos exatamente do oposto

Alexandre Chiavegatto, professor da USP

De modo geral, pesquisadores têm duas visões distintas sobre a inteligência artificial. Uns são muito otimistas, outros são muito pessimistas com os potenciais da IA. Em qual dessas definições o sr. se coloca?

Não podemos esquecer os dois lados. Com certeza, os benefícios vão ser imensos e vamos ter muitos desafios pela frente. Mas vamos ser otimistas. Eu e muitos pesquisadores discordamos das iniciativas de parar as pesquisas sobre inteligência artificial. Nós precisamos exatamente do oposto. Nós precisamos de mais pesquisadores para resolver esses problemas importantes que vão começar a aparecer nos próximos anos. Problemas, principalmente, em relação ao alinhamento desse algoritmo, ou seja, garantir que esses algoritmos vão fazer exatamente aquilo que nós, como sociedade, gostaríamos que eles fizessem. Para isso, precisamos de muitas pesquisas e de muitos mais pesquisadores do que hoje. Vai haver muitos desafios reais e concretos, mas com mais pesquisas na área, com mais financiamento, com mais pessoas interessadas.

Como podemos incentivar que mais profissionais entrem não só em tecnologia, mas na área de machine learning e inteligência artificial?

As questões da atividade de divulgação são um ponto de partida muito interessante para as pessoas que, às vezes, ainda veem inteligência artificial como algo de ficção científica, ainda distante da realidade de hoje. Machine learning não é uma coisa de um futuro distante. Hoje, estamos coletando cada vez mais dados, e isso traz o potencial de usar esses dados para auxiliar decisões, principalmente nas áreas mais importantes da nossa vida, como é o caso da saúde. O primeiro passo é mostrar que IA é uma área real que já é utilizada e que tem o potencial de ser muito mais utilizada nos próximos anos à medida que vamos coletando mais dados em diferentes áreas.

Outra forma é oferecer treinamento. No nosso laboratório, o LabDaps, fazemos várias iniciativas de oferecer treinamento para quem nunca teve acesso a esse tipo de conhecimento. Nós colocamos a nossa disciplina de pós-graduação da USP no YouTube gratuitamente para quem tiver interesse de acessar. Também damos o nosso curso de verão sobre Machine Learning. Por fim, há também o mercado, em que os salários estão muito altos da área de Machine Learning. Isso acaba atraindo mais profissionais.

É uma combinação de todos esses fatores. À medida que as pessoas vão se dando conta disso, mais pessoas vão começar a vir para a área de Machine Learning e vamos ajudar a resolver alguns dos principais problemas que vamos ter.

ChatGPT é o chatbot inteligente da OpenAI Foto: Dado Ruvic/Reuters - 3/2/2023

E como podemos evitar alguns dos grandes problemas da IA, como o desemprego, por exemplo?

Entendo essa preocupação, mas não é a realidade histórica das revoluções tecnológicas. Até hoje, elas criaram muito mais empregos do que destruíram. Em geral, as revoluções tecnológicas têm sido bastante positivas e têm saído alguns relatórios em relação a isso, do potencial de você criar muitos empregos via aumento da produtividade. Por exemplo, a questão da radiologia. Muitos falavam, há uns anos atrás, que os radiologistas iam ser substituídos por algoritmos, mas o que de fato aconteceu? Os radiologistas se tornaram mais produtivos e eles conseguem tomar decisões mais rápidas e melhores. Isso tem aumentado a demanda por exames de imagem. Então, os outros especialistas estão pedindo mais exames de imagem, porque eles sabem que, quando receberem um laudo, este vai ser extremamente útil para o que esse médico quer. Essa é uma área que, há cinco anos, se falava que ia acabar, e hoje é a área que mais cresce na Medicina. Existem algumas áreas em que vai existir substituição de pessoas, e a gente vai ter que ver, como sociedade, como vamos lidar com isso. Mas, em um grande número de áreas, esse aumento de produtividade vai ser bastante positivo para esses profissionais.

Como o Brasil pode ser referência em inteligência artificial, em meio aos Estados Unidos, China e União Europeia?

O Brasil tem um grande potencial de ter um espaço importante na área de inteligência artificial ao redor do mundo exatamente pela questão da nossa diversidade de dados. Essa nossa grande diversidade socioeconômica e genética é extremamente importante para que os algoritmos aprendam todas essas nuances na tomada de decisão e diferencialidades. Hoje, por exemplo, na área da saúde, ninguém tem a diversidade genética e racial que nós temos no Brasil. Existe o potencial de que o algoritmo aprenda muito bem com toda essa diversidade e generalize muito bem as suas decisões basicamente no mundo inteiro, porque temos o mundo inteiro no País. Tanto que os dados brasileiros são dados extremamente cobiçados no mundo inteiro, porque são dados que têm um valor intrínseco muito grande exatamente por causa dessa diversidade. Conseguimos descobrir, por exemplo, a questão de garantir que algoritmos não tomem decisões preconceituosas, por exemplo. A gente tem essa capacidade de ver esses dados, de identificar, de fazer descobertas sobre identificação e correção de possíveis preconceitos. O Brasil tem uma verdadeira mina de ouro em suas mãos graças a essa diversidade. E temos o potencial de usar esses dados para fazer descobertas muito relevantes.

É necessária regulação de inteligência artificial? E essa regulação teria de ser agora ou deve esperar?

Precisamos diferenciar essas duas coisas. Sim, eventualmente a gente vai precisar de uma regulação específica para a inteligência artificial, mas ainda estamos na pré-história da inteligência artificial. A IA ainda não está na grande maioria das áreas. Há um ano, por exemplo, o ChatGPT não existia, uma tecnologia que transformou profundamente a visão das pessoas. Não sabemos o que vai vir daqui a um ano e quais áreas a inteligência artificial vai impactar profundamente. Uma regulação precisa de debate, precisa de acompanhamento. Mas querer bater o martelo numa área ainda na pré-história é prematuro. O debate é muito bem-vindo, porque um dia a gente, de fato, vai ter que regulamentar essa área.

Você acha que uma AGI é possível?

A grande maioria dos pesquisadores acha que sim, é possível. Não existe nenhum motivo técnico até hoje para pensarmos que um algoritmo não conseguiria fazer quase todas ou todas as tarefas que seres humanos fazem. É uma questão apenas de ajuste desses algoritmos. Cada vez mais, temos algoritmos multimodais, algoritmos que lidam com todo tipo de dados e conseguem tomar decisões nas diferentes áreas. Essa é uma coisa que a sociedade vai ter que começar a debater mesmo. Hoje, nós somos a espécie dominante no planeta Terra porque nós somos os seres mais inteligentes. Mas muitos pesquisadores acreditam que, ao longo das nossas vidas, a gente vai ter um AGI, uma superinteligência. Ou seja, a gente não vai ser na prática os seres mais inteligentes deste planeta. E a gente tem que começar a debater sobre isso.

Para uma inteligência artificial (IA) funcionar propriamente, é preciso ter imensos volumes de dados, que podem ser palavras, números, imagens e outros tipos de mídias. Como essas informações são a “matéria-prima” da tecnologia, o país que souber melhor utilizar esse insumo pode liderar a “corrida da IA” — e o Brasil pode ser um desses nomes.

“O Brasil tem um grande potencial de ter um espaço importante na área de IA ao redor do mundo exatamente pela questão da nossa diversidade de dados”, afirma o pesquisador Alexandre Chiavegatto, professor livre docente de inteligência artificial na Universidade de São Paulo e diretor do Laboratório de Big Data e Análise Preditiva em Saúde (Labdaps).

O especialista explica que, pelo caráter de diversidade genética, racial, social e econômica da população do País, esses dados podem treinar IAs mais competentes, com menos viés negativo e amplitude maior. “O Brasil tem uma verdadeira mina de ouro em suas mãos graças a essa diversidade. E temos o potencial de usar esses dados para fazer descobertas muito relevantes na área de inteligência artificial”, diz o professor da USP.

Chiavegatto estreia hoje como colunista do Estadão. Seus artigos vão ser publicados semanalmente às quartas-feiras pelo Link, editoria de tecnologia do jornal. Leia o texto de estreia neste link, intitulado: “A inteligência artificial está apenas em sua pré-história e vai mudar o mundo”.

Segundo o professor, seus futuros textos devem abordar temas relevantes na área de inteligência artificial, como consciência algorítmica, regulamentação do setor (em debate na União Europeia e Brasil) e transparência. Isso também deve incluir a polêmica inteligência artificial geral (AGI, na sigla em inglês) — nome dado a uma IA com capacidade de realizar tarefas humanas.

“Não existe nenhum motivo técnico até hoje para pensarmos que um algoritmo não conseguiria fazer quase todas ou todas as tarefas que seres humanos fazem. É uma questão apenas de ajuste” , diz. “Hoje, somos a espécie dominante no planeta Terra porque somos os seres mais inteligentes. Mas muitos pesquisadores acreditam que, ao longo das nossas vidas, vamos ter uma AG. Ou seja, não vamos ser na prática os seres mais inteligente desse planeta.”

Abaixo, leia trechos da entrevista com o pesquisador.

Qual foi o salto que impulsionou o aprendizado de máquina até onde estamos hoje?

Até hoje podemos considerar que houve dois grandes marcos da área de machine learning aplicada. O primeiro grande salto foi em 2012, com o desenvolvimento da AlexNet, que era um algoritmo que ganhou uma competição muito famosa de classificação de imagem, a ImageNet. Havia várias imagens e vários grupos do mundo inteiro desenvolviam algoritmos para tentar predizer o que estava nessa imagem. Durante muito tempo os ganhos foram sempre muito pequenos de um ano para o outro, até a chegada da AlexNet, que foi esse algoritmo que abriu os olhos de muitas pessoas para o potencial de machine learning, de inteligência artificia. Foi um ganho substancial como nunca tinha havido. Isso abriu os olhos de muitas pessoas e do Google, do Facebook, da Microsoft. Foi aí que essas empresas começaram a investir na área de inteligência artificial.

O segundo grande ponto tem sido o ChatGPT. Não pela tecnologia em si, que não é nova. Mas esta é a primeira vez que as pessoas começaram a pensar diretamente em pedir um auxílio ao algoritmo de inteligência artificial. Esse algoritmo já estava muito presente em nossas vidas: a rede social é toda mecanizada por meio de algoritmos de inteligência artificial, o Waze decide nossa rota de trânsito quase todos os dias, o próprio Google é um algoritmo de inteligência artificial, a Netflix fornece sugestões para você. Mas tudo isso sempre foi de forma indireta. As pessoas não pensavam em pedir ajuda para inteligência artificial da mesma forma como fazem hoje com o ChatGPT.

Alexandre Chiavegatto Filho, diretor do Labdaps, da USP Foto: Alex Silva/Estadão

Como o sr. fez essa integração entre saúde e tecnologia na carreira?

A grande questão é que a área da saúde é uma área perfeita para ser profundamente transformada pela inteligência artificial por dois grandes motivos. Em primeiro lugar, é uma área que coleta muitos dados. Então, estima-se que cerca de 30% de todos os dados coletados hoje no mundo são da área da saúde. Em segundo lugar, é uma área muito difícil que envolve decisões que, por trás de cada interação, há fatores complexos. Por exemplo, ninguém vai a óbito por causa de um único fator. É sempre uma interação complexa de fatores genéticos, socioeconômicos, demográficos, presença de doenças, fatores ambientais. Por ser uma área que coleta muitos dados, a saúde é uma área que pode ser transformada profundamente por meio de algoritmos de inteligência artificial.

Em quais outras áreas a inteligência artificial pode também ser útil, além da saúde?

O direito. A grande ironia é que, junto com a saúde, são áreas que, historicamente, muito pouco utilizavam a análise de dados, ao contrário das indústrias, dos bancos e das empresas que sempre trabalharam com análise de dados. No dia a dia dos profissionais da saúde e do direito, não se utilizava muito a análise direta de estatística de dados. E são as duas áreas que vão ser mais transformadas por meio de análise de dados. Os algoritmos hoje já conseguem ler alguma defesa, ler algum processo e dar orientações para auxiliar em encaminhamentos por parte dos profissionais. É a mesma coisa na área da saúde: os algoritmos já conseguem ler prontuários eletrônicos e dar auxílio aos profissionais de saúde. Essas essas são duas áreas em que a inteligência artificial está muito pouco presente, mas que vão receber um impacto profundo nos próximos anos.

Eu e muitos pesquisadores discordamos das iniciativas de parar as pesquisas sobre inteligência artificial. Nós precisamos exatamente do oposto

Alexandre Chiavegatto, professor da USP

De modo geral, pesquisadores têm duas visões distintas sobre a inteligência artificial. Uns são muito otimistas, outros são muito pessimistas com os potenciais da IA. Em qual dessas definições o sr. se coloca?

Não podemos esquecer os dois lados. Com certeza, os benefícios vão ser imensos e vamos ter muitos desafios pela frente. Mas vamos ser otimistas. Eu e muitos pesquisadores discordamos das iniciativas de parar as pesquisas sobre inteligência artificial. Nós precisamos exatamente do oposto. Nós precisamos de mais pesquisadores para resolver esses problemas importantes que vão começar a aparecer nos próximos anos. Problemas, principalmente, em relação ao alinhamento desse algoritmo, ou seja, garantir que esses algoritmos vão fazer exatamente aquilo que nós, como sociedade, gostaríamos que eles fizessem. Para isso, precisamos de muitas pesquisas e de muitos mais pesquisadores do que hoje. Vai haver muitos desafios reais e concretos, mas com mais pesquisas na área, com mais financiamento, com mais pessoas interessadas.

Como podemos incentivar que mais profissionais entrem não só em tecnologia, mas na área de machine learning e inteligência artificial?

As questões da atividade de divulgação são um ponto de partida muito interessante para as pessoas que, às vezes, ainda veem inteligência artificial como algo de ficção científica, ainda distante da realidade de hoje. Machine learning não é uma coisa de um futuro distante. Hoje, estamos coletando cada vez mais dados, e isso traz o potencial de usar esses dados para auxiliar decisões, principalmente nas áreas mais importantes da nossa vida, como é o caso da saúde. O primeiro passo é mostrar que IA é uma área real que já é utilizada e que tem o potencial de ser muito mais utilizada nos próximos anos à medida que vamos coletando mais dados em diferentes áreas.

Outra forma é oferecer treinamento. No nosso laboratório, o LabDaps, fazemos várias iniciativas de oferecer treinamento para quem nunca teve acesso a esse tipo de conhecimento. Nós colocamos a nossa disciplina de pós-graduação da USP no YouTube gratuitamente para quem tiver interesse de acessar. Também damos o nosso curso de verão sobre Machine Learning. Por fim, há também o mercado, em que os salários estão muito altos da área de Machine Learning. Isso acaba atraindo mais profissionais.

É uma combinação de todos esses fatores. À medida que as pessoas vão se dando conta disso, mais pessoas vão começar a vir para a área de Machine Learning e vamos ajudar a resolver alguns dos principais problemas que vamos ter.

ChatGPT é o chatbot inteligente da OpenAI Foto: Dado Ruvic/Reuters - 3/2/2023

E como podemos evitar alguns dos grandes problemas da IA, como o desemprego, por exemplo?

Entendo essa preocupação, mas não é a realidade histórica das revoluções tecnológicas. Até hoje, elas criaram muito mais empregos do que destruíram. Em geral, as revoluções tecnológicas têm sido bastante positivas e têm saído alguns relatórios em relação a isso, do potencial de você criar muitos empregos via aumento da produtividade. Por exemplo, a questão da radiologia. Muitos falavam, há uns anos atrás, que os radiologistas iam ser substituídos por algoritmos, mas o que de fato aconteceu? Os radiologistas se tornaram mais produtivos e eles conseguem tomar decisões mais rápidas e melhores. Isso tem aumentado a demanda por exames de imagem. Então, os outros especialistas estão pedindo mais exames de imagem, porque eles sabem que, quando receberem um laudo, este vai ser extremamente útil para o que esse médico quer. Essa é uma área que, há cinco anos, se falava que ia acabar, e hoje é a área que mais cresce na Medicina. Existem algumas áreas em que vai existir substituição de pessoas, e a gente vai ter que ver, como sociedade, como vamos lidar com isso. Mas, em um grande número de áreas, esse aumento de produtividade vai ser bastante positivo para esses profissionais.

Como o Brasil pode ser referência em inteligência artificial, em meio aos Estados Unidos, China e União Europeia?

O Brasil tem um grande potencial de ter um espaço importante na área de inteligência artificial ao redor do mundo exatamente pela questão da nossa diversidade de dados. Essa nossa grande diversidade socioeconômica e genética é extremamente importante para que os algoritmos aprendam todas essas nuances na tomada de decisão e diferencialidades. Hoje, por exemplo, na área da saúde, ninguém tem a diversidade genética e racial que nós temos no Brasil. Existe o potencial de que o algoritmo aprenda muito bem com toda essa diversidade e generalize muito bem as suas decisões basicamente no mundo inteiro, porque temos o mundo inteiro no País. Tanto que os dados brasileiros são dados extremamente cobiçados no mundo inteiro, porque são dados que têm um valor intrínseco muito grande exatamente por causa dessa diversidade. Conseguimos descobrir, por exemplo, a questão de garantir que algoritmos não tomem decisões preconceituosas, por exemplo. A gente tem essa capacidade de ver esses dados, de identificar, de fazer descobertas sobre identificação e correção de possíveis preconceitos. O Brasil tem uma verdadeira mina de ouro em suas mãos graças a essa diversidade. E temos o potencial de usar esses dados para fazer descobertas muito relevantes.

É necessária regulação de inteligência artificial? E essa regulação teria de ser agora ou deve esperar?

Precisamos diferenciar essas duas coisas. Sim, eventualmente a gente vai precisar de uma regulação específica para a inteligência artificial, mas ainda estamos na pré-história da inteligência artificial. A IA ainda não está na grande maioria das áreas. Há um ano, por exemplo, o ChatGPT não existia, uma tecnologia que transformou profundamente a visão das pessoas. Não sabemos o que vai vir daqui a um ano e quais áreas a inteligência artificial vai impactar profundamente. Uma regulação precisa de debate, precisa de acompanhamento. Mas querer bater o martelo numa área ainda na pré-história é prematuro. O debate é muito bem-vindo, porque um dia a gente, de fato, vai ter que regulamentar essa área.

Você acha que uma AGI é possível?

A grande maioria dos pesquisadores acha que sim, é possível. Não existe nenhum motivo técnico até hoje para pensarmos que um algoritmo não conseguiria fazer quase todas ou todas as tarefas que seres humanos fazem. É uma questão apenas de ajuste desses algoritmos. Cada vez mais, temos algoritmos multimodais, algoritmos que lidam com todo tipo de dados e conseguem tomar decisões nas diferentes áreas. Essa é uma coisa que a sociedade vai ter que começar a debater mesmo. Hoje, nós somos a espécie dominante no planeta Terra porque nós somos os seres mais inteligentes. Mas muitos pesquisadores acreditam que, ao longo das nossas vidas, a gente vai ter um AGI, uma superinteligência. Ou seja, a gente não vai ser na prática os seres mais inteligentes deste planeta. E a gente tem que começar a debater sobre isso.

Para uma inteligência artificial (IA) funcionar propriamente, é preciso ter imensos volumes de dados, que podem ser palavras, números, imagens e outros tipos de mídias. Como essas informações são a “matéria-prima” da tecnologia, o país que souber melhor utilizar esse insumo pode liderar a “corrida da IA” — e o Brasil pode ser um desses nomes.

“O Brasil tem um grande potencial de ter um espaço importante na área de IA ao redor do mundo exatamente pela questão da nossa diversidade de dados”, afirma o pesquisador Alexandre Chiavegatto, professor livre docente de inteligência artificial na Universidade de São Paulo e diretor do Laboratório de Big Data e Análise Preditiva em Saúde (Labdaps).

O especialista explica que, pelo caráter de diversidade genética, racial, social e econômica da população do País, esses dados podem treinar IAs mais competentes, com menos viés negativo e amplitude maior. “O Brasil tem uma verdadeira mina de ouro em suas mãos graças a essa diversidade. E temos o potencial de usar esses dados para fazer descobertas muito relevantes na área de inteligência artificial”, diz o professor da USP.

Chiavegatto estreia hoje como colunista do Estadão. Seus artigos vão ser publicados semanalmente às quartas-feiras pelo Link, editoria de tecnologia do jornal. Leia o texto de estreia neste link, intitulado: “A inteligência artificial está apenas em sua pré-história e vai mudar o mundo”.

Segundo o professor, seus futuros textos devem abordar temas relevantes na área de inteligência artificial, como consciência algorítmica, regulamentação do setor (em debate na União Europeia e Brasil) e transparência. Isso também deve incluir a polêmica inteligência artificial geral (AGI, na sigla em inglês) — nome dado a uma IA com capacidade de realizar tarefas humanas.

“Não existe nenhum motivo técnico até hoje para pensarmos que um algoritmo não conseguiria fazer quase todas ou todas as tarefas que seres humanos fazem. É uma questão apenas de ajuste” , diz. “Hoje, somos a espécie dominante no planeta Terra porque somos os seres mais inteligentes. Mas muitos pesquisadores acreditam que, ao longo das nossas vidas, vamos ter uma AG. Ou seja, não vamos ser na prática os seres mais inteligente desse planeta.”

Abaixo, leia trechos da entrevista com o pesquisador.

Qual foi o salto que impulsionou o aprendizado de máquina até onde estamos hoje?

Até hoje podemos considerar que houve dois grandes marcos da área de machine learning aplicada. O primeiro grande salto foi em 2012, com o desenvolvimento da AlexNet, que era um algoritmo que ganhou uma competição muito famosa de classificação de imagem, a ImageNet. Havia várias imagens e vários grupos do mundo inteiro desenvolviam algoritmos para tentar predizer o que estava nessa imagem. Durante muito tempo os ganhos foram sempre muito pequenos de um ano para o outro, até a chegada da AlexNet, que foi esse algoritmo que abriu os olhos de muitas pessoas para o potencial de machine learning, de inteligência artificia. Foi um ganho substancial como nunca tinha havido. Isso abriu os olhos de muitas pessoas e do Google, do Facebook, da Microsoft. Foi aí que essas empresas começaram a investir na área de inteligência artificial.

O segundo grande ponto tem sido o ChatGPT. Não pela tecnologia em si, que não é nova. Mas esta é a primeira vez que as pessoas começaram a pensar diretamente em pedir um auxílio ao algoritmo de inteligência artificial. Esse algoritmo já estava muito presente em nossas vidas: a rede social é toda mecanizada por meio de algoritmos de inteligência artificial, o Waze decide nossa rota de trânsito quase todos os dias, o próprio Google é um algoritmo de inteligência artificial, a Netflix fornece sugestões para você. Mas tudo isso sempre foi de forma indireta. As pessoas não pensavam em pedir ajuda para inteligência artificial da mesma forma como fazem hoje com o ChatGPT.

Alexandre Chiavegatto Filho, diretor do Labdaps, da USP Foto: Alex Silva/Estadão

Como o sr. fez essa integração entre saúde e tecnologia na carreira?

A grande questão é que a área da saúde é uma área perfeita para ser profundamente transformada pela inteligência artificial por dois grandes motivos. Em primeiro lugar, é uma área que coleta muitos dados. Então, estima-se que cerca de 30% de todos os dados coletados hoje no mundo são da área da saúde. Em segundo lugar, é uma área muito difícil que envolve decisões que, por trás de cada interação, há fatores complexos. Por exemplo, ninguém vai a óbito por causa de um único fator. É sempre uma interação complexa de fatores genéticos, socioeconômicos, demográficos, presença de doenças, fatores ambientais. Por ser uma área que coleta muitos dados, a saúde é uma área que pode ser transformada profundamente por meio de algoritmos de inteligência artificial.

Em quais outras áreas a inteligência artificial pode também ser útil, além da saúde?

O direito. A grande ironia é que, junto com a saúde, são áreas que, historicamente, muito pouco utilizavam a análise de dados, ao contrário das indústrias, dos bancos e das empresas que sempre trabalharam com análise de dados. No dia a dia dos profissionais da saúde e do direito, não se utilizava muito a análise direta de estatística de dados. E são as duas áreas que vão ser mais transformadas por meio de análise de dados. Os algoritmos hoje já conseguem ler alguma defesa, ler algum processo e dar orientações para auxiliar em encaminhamentos por parte dos profissionais. É a mesma coisa na área da saúde: os algoritmos já conseguem ler prontuários eletrônicos e dar auxílio aos profissionais de saúde. Essas essas são duas áreas em que a inteligência artificial está muito pouco presente, mas que vão receber um impacto profundo nos próximos anos.

Eu e muitos pesquisadores discordamos das iniciativas de parar as pesquisas sobre inteligência artificial. Nós precisamos exatamente do oposto

Alexandre Chiavegatto, professor da USP

De modo geral, pesquisadores têm duas visões distintas sobre a inteligência artificial. Uns são muito otimistas, outros são muito pessimistas com os potenciais da IA. Em qual dessas definições o sr. se coloca?

Não podemos esquecer os dois lados. Com certeza, os benefícios vão ser imensos e vamos ter muitos desafios pela frente. Mas vamos ser otimistas. Eu e muitos pesquisadores discordamos das iniciativas de parar as pesquisas sobre inteligência artificial. Nós precisamos exatamente do oposto. Nós precisamos de mais pesquisadores para resolver esses problemas importantes que vão começar a aparecer nos próximos anos. Problemas, principalmente, em relação ao alinhamento desse algoritmo, ou seja, garantir que esses algoritmos vão fazer exatamente aquilo que nós, como sociedade, gostaríamos que eles fizessem. Para isso, precisamos de muitas pesquisas e de muitos mais pesquisadores do que hoje. Vai haver muitos desafios reais e concretos, mas com mais pesquisas na área, com mais financiamento, com mais pessoas interessadas.

Como podemos incentivar que mais profissionais entrem não só em tecnologia, mas na área de machine learning e inteligência artificial?

As questões da atividade de divulgação são um ponto de partida muito interessante para as pessoas que, às vezes, ainda veem inteligência artificial como algo de ficção científica, ainda distante da realidade de hoje. Machine learning não é uma coisa de um futuro distante. Hoje, estamos coletando cada vez mais dados, e isso traz o potencial de usar esses dados para auxiliar decisões, principalmente nas áreas mais importantes da nossa vida, como é o caso da saúde. O primeiro passo é mostrar que IA é uma área real que já é utilizada e que tem o potencial de ser muito mais utilizada nos próximos anos à medida que vamos coletando mais dados em diferentes áreas.

Outra forma é oferecer treinamento. No nosso laboratório, o LabDaps, fazemos várias iniciativas de oferecer treinamento para quem nunca teve acesso a esse tipo de conhecimento. Nós colocamos a nossa disciplina de pós-graduação da USP no YouTube gratuitamente para quem tiver interesse de acessar. Também damos o nosso curso de verão sobre Machine Learning. Por fim, há também o mercado, em que os salários estão muito altos da área de Machine Learning. Isso acaba atraindo mais profissionais.

É uma combinação de todos esses fatores. À medida que as pessoas vão se dando conta disso, mais pessoas vão começar a vir para a área de Machine Learning e vamos ajudar a resolver alguns dos principais problemas que vamos ter.

ChatGPT é o chatbot inteligente da OpenAI Foto: Dado Ruvic/Reuters - 3/2/2023

E como podemos evitar alguns dos grandes problemas da IA, como o desemprego, por exemplo?

Entendo essa preocupação, mas não é a realidade histórica das revoluções tecnológicas. Até hoje, elas criaram muito mais empregos do que destruíram. Em geral, as revoluções tecnológicas têm sido bastante positivas e têm saído alguns relatórios em relação a isso, do potencial de você criar muitos empregos via aumento da produtividade. Por exemplo, a questão da radiologia. Muitos falavam, há uns anos atrás, que os radiologistas iam ser substituídos por algoritmos, mas o que de fato aconteceu? Os radiologistas se tornaram mais produtivos e eles conseguem tomar decisões mais rápidas e melhores. Isso tem aumentado a demanda por exames de imagem. Então, os outros especialistas estão pedindo mais exames de imagem, porque eles sabem que, quando receberem um laudo, este vai ser extremamente útil para o que esse médico quer. Essa é uma área que, há cinco anos, se falava que ia acabar, e hoje é a área que mais cresce na Medicina. Existem algumas áreas em que vai existir substituição de pessoas, e a gente vai ter que ver, como sociedade, como vamos lidar com isso. Mas, em um grande número de áreas, esse aumento de produtividade vai ser bastante positivo para esses profissionais.

Como o Brasil pode ser referência em inteligência artificial, em meio aos Estados Unidos, China e União Europeia?

O Brasil tem um grande potencial de ter um espaço importante na área de inteligência artificial ao redor do mundo exatamente pela questão da nossa diversidade de dados. Essa nossa grande diversidade socioeconômica e genética é extremamente importante para que os algoritmos aprendam todas essas nuances na tomada de decisão e diferencialidades. Hoje, por exemplo, na área da saúde, ninguém tem a diversidade genética e racial que nós temos no Brasil. Existe o potencial de que o algoritmo aprenda muito bem com toda essa diversidade e generalize muito bem as suas decisões basicamente no mundo inteiro, porque temos o mundo inteiro no País. Tanto que os dados brasileiros são dados extremamente cobiçados no mundo inteiro, porque são dados que têm um valor intrínseco muito grande exatamente por causa dessa diversidade. Conseguimos descobrir, por exemplo, a questão de garantir que algoritmos não tomem decisões preconceituosas, por exemplo. A gente tem essa capacidade de ver esses dados, de identificar, de fazer descobertas sobre identificação e correção de possíveis preconceitos. O Brasil tem uma verdadeira mina de ouro em suas mãos graças a essa diversidade. E temos o potencial de usar esses dados para fazer descobertas muito relevantes.

É necessária regulação de inteligência artificial? E essa regulação teria de ser agora ou deve esperar?

Precisamos diferenciar essas duas coisas. Sim, eventualmente a gente vai precisar de uma regulação específica para a inteligência artificial, mas ainda estamos na pré-história da inteligência artificial. A IA ainda não está na grande maioria das áreas. Há um ano, por exemplo, o ChatGPT não existia, uma tecnologia que transformou profundamente a visão das pessoas. Não sabemos o que vai vir daqui a um ano e quais áreas a inteligência artificial vai impactar profundamente. Uma regulação precisa de debate, precisa de acompanhamento. Mas querer bater o martelo numa área ainda na pré-história é prematuro. O debate é muito bem-vindo, porque um dia a gente, de fato, vai ter que regulamentar essa área.

Você acha que uma AGI é possível?

A grande maioria dos pesquisadores acha que sim, é possível. Não existe nenhum motivo técnico até hoje para pensarmos que um algoritmo não conseguiria fazer quase todas ou todas as tarefas que seres humanos fazem. É uma questão apenas de ajuste desses algoritmos. Cada vez mais, temos algoritmos multimodais, algoritmos que lidam com todo tipo de dados e conseguem tomar decisões nas diferentes áreas. Essa é uma coisa que a sociedade vai ter que começar a debater mesmo. Hoje, nós somos a espécie dominante no planeta Terra porque nós somos os seres mais inteligentes. Mas muitos pesquisadores acreditam que, ao longo das nossas vidas, a gente vai ter um AGI, uma superinteligência. Ou seja, a gente não vai ser na prática os seres mais inteligentes deste planeta. E a gente tem que começar a debater sobre isso.

Entrevista por Guilherme Guerra

Repórter do Estadão desde 2018, com passagem pelas coberturas de educação, internacional, economia e tecnologia. Formado em Jornalismo pela Faculdade Cásper Líbero e pós-graduado em Estudos Brasileiros pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP).

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