THE NEW YORK TIMES - Enquanto avaliava os trabalhos para a disciplina de religiões do mundo no mês passado, Antony Aumann, professor de filosofia na Universidade do Norte do Michigan, leu o que ele disse ser “o melhor artigo da turma”. Tinha um detalhe: o trabalho foi feito usando o ChatGPT, um chatbot que usa inteligência artificial (IA) para apresentar informações, explicar conceitos e gerar reflexões com frases simples – e, neste caso, tinha escrito o ensaio.
Por todo os EUA, professores universitários como chefes de departamento e gestores estão começando a reformular as aulas em resposta ao ChatGPT, provocando uma mudança enorme no ensino e na aprendizagem. Alguns professores estão reestruturando suas disciplinas, realizando mudanças que incluem mais provas orais, trabalho em grupo e trabalhos escritos à mão no lugar dos digitados.
As mudanças fazem parte de um embate em tempo real com uma nova onda tecnológica conhecida como IA generativa, sistemas que geram conteúdo a partir de simples comandos de texto. O ChatGPT, que foi lançado em novembro pela empresa OpenAI, está na vanguarda da mudança. O chatbot cria textos assustadoramente bem articulados com diferenças sutis em resposta a instruções breves – com pessoas recorrendo a ele para escrever cartas de amor, poesia, ficção – e seus trabalhos escolares.
Isso virou de cabeça para baixo algumas escolas de ensino fundamental e médio, com os professores e diretores tentando identificar se os alunos estão usando o chatbot para fazer o dever de casa. Alguns sistemas de escolas públicas, como o de Nova York e de Seattle, já proibiram o acesso.
No ensino superior, universidades têm relutado em proibir a ferramenta porque os gestores duvidam que a medida seja eficaz e não querem infringir a liberdade acadêmica. Isso significa que, no lugar disso, o modo como as pessoas ensinam está mudando. “Esta não vai ser a última inovação com a qual teremos de lidar,” explica Joe Glover, pró-reitor da Universidade da Flórida.
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Práticas
Em muitas universidades, o ChatGPT parece ser o assunto mais importante em pauta. Os gestores estão formando forças-tarefas e organizando debates para reagir à ferramenta, com boa parte das orientações sendo para se adaptar à tecnologia.
Em faculdades como a Universidade George Washington, em Washington, D.C., e a Universidade Rutgers, em Nova Jersey, os professores estão acabando com as tarefas de casa e avaliações com consulta – que se tornaram um método dominante de avaliação durante a pandemia. No lugar delas, estão optando por trabalhos feitos em sala de aula, artigos escritos à mão, trabalhos em grupo e provas orais.
Acabaram-se os pedidos como “escreva cinco páginas sobre isso ou aquilo”. Alguns professores estão elaborando perguntas que esperam ser sagazes demais para os chatbots e pedindo aos alunos que escrevam a respeito de suas próprias vidas.
Frederick Luis Aldama, chefe do Centro de Humanidades da Universidade do Texas, em Austin, disse que planejava recorrer a textos mais recentes ou menos conhecidos acerca dos quais o ChatGPT talvez tenha menos informações.
Caso as mudanças não sejam suficientes para impedir o plágio, Aldama e outros professores dizem que planejam estabelecer padrões mais rigorosos em relação ao que esperam dos alunos e a como avaliá-los. Agora não basta que um artigo tenha apenas uma tese, uma introdução, parágrafos que apoiam a tese e uma conclusão.
Limites
Outras universidades estão tentando estabelecer limites para a IA. A Universidade de Washington, em St. Louis, e a Universidade de Vermont, em Burlington, estão elaborando revisões de suas políticas de integridade acadêmica para que suas definições de plágio incluam a IA generativa.
O uso indevido de ferramentas de IA provavelmente não acabará, então alguns professores e universidades disseram que planejam usar detectores para acabar com essa prática. O serviço de detecção de plágio Turnitin disse que iria incluir mais recursos para identificar a IA, inclusive o ChatGPT, neste ano.
Mais de seis mil professores da Universidade Harvard, da Universidade Yale, da Universidade de Rhode Island e de outras instituições também se inscreveram para usar o GPTZero, um programa que promete detectar com rapidez os textos gerados por IA, disse Edward Tian, criador do serviço e pesquisador da Universidade Princeton.
Estudantes
Alguns alunos enxergam um lado positivo no uso de ferramentas de IA. Lizzie Shackney, 27 anos, estudante das Faculdades de Direito e de Design da Universidade da Pensilvânia, começou a usar o ChatGPT para ter ideias para artigos e eliminar erros em conjuntos de problemas de programação.
“Há disciplinas que querem que você compartilhe e não perca tempo com essas coisas”, disse ela ao se referir às aulas de ciência da computação e estatística. “Meu cérebro é útil para entender o que o código significa.”
Mas ela não confia 100% no programa. Segundo Lizzie, o ChatGPT às vezes explica conceitos de forma equivocada e cita fontes erradas. A Universidade da Pensilvânia ainda não instituiu nenhuma norma quanto ao uso da ferramenta, então ela não quer depender do recurso, caso a escola o proíba ou considere seu uso trapaça, afirmou.
Outros estudantes não têm tais preocupações, compartilhando em fóruns como os do Reddit que enviaram trabalhos escritos e solucionados pelo ChatGPT – e às vezes fazendo isso para outros colegas também. No TikTok, a hashtag #chatgpt tem mais de 578 milhões de visualizações, com pessoas compartilhando vídeos da ferramenta escrevendo artigos e resolvendo problemas de programação.
Um vídeo mostra um aluno copiando uma prova de múltipla escolha e colando o conteúdo na ferramenta com a legenda: “Vou pedir para o ChatGPT fazer minhas provas finais. Divirta-se estudando”. / TRADUÇÃO DE ROMINA CÁCIA