As redes sociais amplificaram os debates políticos dos últimos anos e parte disso está no fato de que os algoritmos dessas plataformas colocam conteúdo do tipo na timeline dos usuários. Não apenas isso: ao longo do tempo, os mecanismos que selecionam o que é exibido foram moldados para identificar e bombar figuras controversas, como o candidato a prefeito de São Paulo Pablo Marçal (PRTB), que, antes de levar uma cadeirada de José Datena (PSDB), vinha em ascensão na campanha. Como, então, esses algoritmos são ajustados?
Entre o mar de dancinhas, receitas culinárias e posts motivacionais, um tipo de conteúdo tem, historicamente, mais sucesso para prender a atenção do que outros: publicações que trazem discordância ou opiniões controversas, como foi em boa parte da campanha de Marçal.
“Os algoritmos não estão necessariamente sintonizados com o fato de o conteúdo ser de natureza política, mas a política geralmente envolve conflito, o que, por sua vez, provoca o envolvimento do usuário”, explica o vice-diretor do NYU Stern Center for Business and Human Rights ao Estadão. “Muitas plataformas sociais têm algoritmos que priorizam o conteúdo com base, em parte, no fato de ele gerar engajamento. Dessa forma, o conteúdo político pode ganhar grande amplificação”.
As redes sociais sabem disso. Em 2021, uma série de documentos vazados do Facebook, mostrou que a própria empresa reconhecia que publicações que traziam algum discurso inflamado eram mais eficientes no engajamento do público. O vazamento, que ficou conhecido como Facebook Papers, revelou que, a partir de 2017, o algoritmo de classificação do Facebook passou a tratar as reações de emojis como cinco vezes mais valiosas do que o botão “curtir” – a ideia era valorizar postagens com muitas reações para manter os usuários engajados na plataforma.
Como eles funcionam
Algoritmos são sistemas lógicos de aprendizado de máquina construídos para executar uma tarefa. No caso das redes sociais, esses sistemas são usados para recomendar conteúdos que possam ser de interesse do usuário. Para isso, eles são programados para entender o comportamento do usuário e repetir esse padrão - fazendo com que você passe horas no Instagram ou TikTok assistindo vídeos de cachorrinhos ou de maquiagem, por exemplo.
Os algoritmos das redes sociais também tentam, a todo tempo, introduzir novos conteúdos e “testar” se os usuários gostam ou não da sugestão. Nesse caso, a interação e o engajamento do público é um fator importante para determinar se uma publicação vale a pena ser entregue para um número maior de pessoas. Assim, quanto mais curtidas, comentários e visualizações um conteúdo tiver, mais o algoritmo vai entender que existe interesse por parte dos usuários.
No caso de Pablo Marçal, cortes de vídeos e atitudes polêmicas contribuíram para aumentar a distribuição do seu conteúdo nas redes sociais. Isso porque os algoritmos tendem a reconhecer que um conteúdo com muito engajamento - como o episódio em que o ex-coach leva uma cadeirada de Datena, candidato à prefeito de São Paulo pelo PSDB - vai ser relevante para um grande número de usuários, mesmo que não seja, primariamente, parte de seu nicho de conteúdo. Em números, é como se fosse um conteúdo com alta probabilidade de aceitação por se tratar de um assunto recente e com muitas interações - em outras palavras, para esses sistemas vale a máxima “fale mal, mas fale de mim”.
“Várias plataformas empregam algoritmos que podem ampliar o conteúdo (e a personalidade por trás do conteúdo) além da conta e dos seguidores imediatos da personalidade. Pessoas hábeis em manipular o algoritmo do X podem ganhar atenção com conteúdo sensacionalista”, aponta Barrett.
Marçal entendeu isso e por isso aposta em uma postura controversa, que gera repercussão de outros meios de comunicação, como blogs, TV, sites e outros canais na internet. Isso faz com que perfis que não não estão na bolha de Marçal publiquem conteúdos que ajudam a indicar para os algoritmos que ele é assunto.
“Os próprios usuários passaram a pegar esse conteúdo e fazer os cortes. [Esses cortes] não eram o que ele tinha em mente no primeiro momento, mas ele viu que isso gerava engajamento absurdo”, afirma Pedro Barciela, analista em monitoramento de redes sociais.
Em um levantamento feito pelo especialista que analisou mais de 37,5 mil comentários em uma publicação sobre o episódio entre Datena e Marçal, apenas 15% das respostas fazem algum tipo de defesa do ex-coach, mostrando que o engajamento não está, necessariamente, restrito a apoiadores.
Leia também
Outro motivo é o investimento de Marçal em sua campanha nas redes sociais. Desde o ano passado, o canal no Discord “Cortes do Marçal” fazia competições entre usuários em que eles eram remunerados por engajamento. No “concurso”, os membros do canal tinham que cortar entrevistas e participações em programas em pequenos trechos de falas do ex-coach, para viralizar na internet.
“Sob essa perspectiva da reação ao esdrúxulo, o algoritmo entregava engajamento porque as pessoas iam questionar o que aquele cara estava fazendo ou ironizar o que ele estava fazendo. Esse é o primeiro momento em que a gente tem esse engajamento do Pablo Marçal extrapolando ou fazendo uso do algoritmo para ir além do campo de influência inicial dele”.
Em setembro, o Estadão publicou que o canal no Discord promoveu três desses eventos com ao menos R$ 125 mil em dinheiro, segundo dados do próprio canal, desde que o coach foi anunciado como pré-candidato do PRTB à Prefeitura de São Paulo. O campeonato teria acontecido em abril, antes que Marçal anunciasse sua candidatura junto ao PRTB.
A maior parte do conteúdo, de acordo com Barciela, está no Instagram, onde Reels e publicações levantam o debate. Em um momento onde o X não está disponível no Brasil, o Instagram, juntamente com o YouTube e TikTok, promovem um grande número de visualizações.
“Outras plataformas além do X empregam algoritmos que influenciadores habilidosos podem usar para obter ampla amplificação de seu conteúdo, elevando seus perfis online. O algoritmo do TikTok, por exemplo, recomenda conteúdo com base no que o software determina que um usuário pode estar interessado, em vez de depender da rede social do usuário. Um criador de conteúdo familiarizado com o funcionamento do algoritmo do TikTok pode, portanto, obter ampla amplificação, especialmente para conteúdo que provoque reações emocionais”, afirma Barrett.
Expectativa versus realidade
Barciela, no entanto, lembra que o alto engajamento não significa necessariamente conversão em votos - nas últimas pesquisas divulgadas pelo AtlasIntel nesta segunda-feira, 23, o candidato aparece empatado com Ricardo Nunes (MDB) com 20,9%, ambos atrás de Guilherme Boulos (PSOL), com 28,3% das intenções de voto. Marçal já chegou a aparecer em segundo colocado absoluto nas pesquisas à frente de Ricardo Nunes.
O motivo da queda pode estar em um clássico digital: é preciso manter a discussão sempre em alta e a produção de conteúdo sempre afiada para que o engajamento na internet não seja efêmero, algo quase impossível para qualquer personalidade que divida espaço na internet com outros milhões de acontecimentos pelo mundo.
A rejeição ao candidato, por exemplo, tem se mantido na casa dos quase 50%, de acordo com uma pesquisa feita pelo Datafolha, divulgada na última semana. Somente após o debate em que se desentendeu com Datena, a rejeição cresceu três pontos percentuais e, desde o início da campanha, já são 17 pontos percentuais a mais no índice - mais uma demonstração de que o algoritmo é “cego” para o conteúdo.
“Pablo Marçal, tem uma base que engaja muito. Ele emula um volume de interações grande, que passa a impressão de que são mais numerosas do que realmente são. Por mais que ele tenha uma bagagem, ele não dá sinais de trazer algo novo que permita dialogar além desse momento nas redes sociais”, explica Barciela.