O espaço é amplo, com vasta mata ao redor e poucos prédios. Apesar das árvores, não há muitos pontos de sombra entre as edificações para se refugiar do calor. Em um dos pontos mais próximo da Linha do Equador, a temperatura passa de 30ºC ainda nas primeiras horas da manhã, no meio do inverno. E o sopro do vento só deixa o clima mais abafado.
Com uma área que corresponde a 40% da cidade de São Paulo, o Centro de Lançamento de Alcântara (CLA) é uma base militar construída para o envio de foguetes ao espaço. Nos 40 anos de história, a base soma mais de 500 lançamentos e 182 operações no local, sendo a mais recente a Astrolábio, que lançou um foguete da empresa Innospace, de uma empresa sul-coreana, no último mês de março.
Há 20 anos, porém, ocorreu na base um dos acidentes mais letais da história aeroespacial. Em 22 de agosto de 2003, 21 pessoas que trabalhavam na Operação São Luís, que tinha como missão colocar em órbita o foguete VLS-1, Veículo Lançador de Satélites, com carga útil nacional, morreram em um incêndio que atingiu a Torre Móvel de Integração (TMI) - usada para a montagem do foguete - há três dias do lançamento. Todas as vítimas eram civis, técnicos e engenheiros do Instituto de Aeronáutica e Espaço (IAE), de São José dos Campos, interior de São Paulo.
O Estadão teve permissão da Força Aérea Brasileira (FAB) para entrar no CLA, uma área altamente restrita, 20 anos depois do acidente. A visita fez parte da cobertura especial feita para a produção do podcast Alcântara: O desastre espacial brasileiro, que conta a história da tragédia, se aprofunda nas causas do incêndio e investiga os objetivos, a curto e longo prazo, que o Brasil traça dentro do setor espacial.
A visita foi recepcionada pelo diretor do CLA, o Coronel Fernando Benitez Leal. Além da base localizada em Alcântara, a reportagem conheceu também outros dois postos de operação do centro de lançamento: o escritório do CLA, em São Luís, e o Sítio da Raposa, na cidade de Raposa, onde também concentra estações e antenas de rastreio que são importantes em dias de operação e lançamento.
Centro de Lançamento de Alcântara
O Centro de Lançamento de Alcântara, na cidade de Alcântara, fica a uma distância de 30 quilômetros (em linha reta) de São Luís. Para chegar até o local, é necessário usar uma embarcação, principal meio de transporte usado por quem trabalha no centro e mora na capital. A reportagem acessou a base por um avião da FAB, que partiu do hangar de São Luís por volta das 7h30 da manhã, junto com o diretor do centro.
Ainda na pista de pouso, foi dada a informação para a equipe de que estava proibido fotografar e filmar em determinados espaços, como Setor de Preparação e Lançamento - onde se encontra a TMI, local do acidente. O CLA é um local que preza pela vigilância porque concentra tecnologias, do Brasil e de outros países, que não podem ser divulgadas por questão de segurança e defesa nacional.
Por estar próximo da Linha do Equador, o CLA é considerado um dos principais locais para se lançar foguetes do mundo. A rota para o espaço fica mais curta, o que ajuda na economia de combustível e permite que o veículo carregue mais carga útil. A região também sofre pouco com terremotos, tornados e outros eventos climáticos extremos que podem colocar uma operação em risco. Além disso, o tráfego aéreo na localização, segundo o Coronel Benítez, é baixo.
Na época dos lançamentos, o CLA fica agitado conforme relatado ao Estadão, mas, nos outros dias, a rotina é menos tensa. O calor e salinidade da região condicionam as tarefas diárias na base. “Muitos dos equipamentos que temos aqui, tanto no centro técnico quanto na área de preparação e lançamento, sofrem muito com a salinidade do Maranhão e com a temperatura. Então, a gente precisa ficar fazendo uma manutenção constante”, diz o diretor do centro.
Estudos, revisão de protocolos de segurança, treinamentos também preenchem a agenda de atividades dos funcionários da base em dias sem operação.
Cerca de 1.100 pessoas trabalham em todo território do CLA, cuja área tem 62 mil hectares, o equivalente a 40% da cidade de São Paulo e duas vezes o tamanho de Belo Horizonte, capital de Minas Gerais. Deste efetivo, apenas 50 funcionários são civis, e os demais (1.050) são militares. A maioria dos soldados tem a função de cuidar da segurança do local.
Por ser uma área de lançamento de foguetes, o centro foi construído próximo a costa como forma de assegurar que eventuais destroços de veículos lançadores (nome técnico dado para foguetes) caíam na água e não em terra. Mesmo sendo área militar, a praia pode ser acessada por pescadores se a cooperativa para qual trabalham estiverem permitidas pelo centro.
O deslocamento dentro do CLA é feito de carro. Da pista de pouso até o prédio da direção do centro, o primeiro ponto da visita, leva-se de 12 a 15 minutos. Embora a base tenha uma área de 62 mil hectares, apenas 15% do território concentram as instalações principais para o funcionamento da unidade. O restante do terreno é composto por vegetação e uma faixa litorânea ao norte da cidade.Dentro dos 15% espaço de maior operação funcionam o refeitório, estações de telemedida e telemetria, radar meteorológico, antenas de rastreio, uma vila militar para moradia (com 158 casas), um clube social para lazer, e até uma escola de 1º ao 9º ano frequentada por crianças de Alcântara.
Prédio da Diretoria e Sala de Controle
O prédio da diretoria do CLA foi o primeiro local da visita. Na entrada, duas placas, instaladas em janeiro do ano passado, fazem uma homenagem às 21 vítimas do acidente de 2003. Na parte interna, chama atenção a sequência de vitrais que contam cronologicamente a história da relação da humanidade (e do Brasil) com o setor aeroespacial, e também a Sala de Controle, uma das mais importantes de todo o centro.
A Sala de Controle, restrita a imagens, é o local que reúne as equipes responsáveis pelo lançamento, e de onde é feita a contagem regressiva para os voo e de onde parte a ordem para o acionamento dos motores do foguete. A sala também abriga cômodos separados, onde, por exemplo, as autoridades realizam uma reunião de crise quando necessária.
Da Sala de Controle, que fica no andar mais alto do prédio, é possível acessar a varanda do edifício e avistar os foguetes sendo lançados - uma distância de quatro quilômetros, aproximadamente.
Setor de Preparação e Lançamento
No período da tarde, o tour pela base passou pelas estações de telemedidas e telemetrias, locais que abrigam antenas de rastreio que são necessárias para localizar o foguete após o lançamento; e também pela estação meteorológica, que analisa as condições climáticas para o voo, como vento, chuva, previsão de temporais e descargas atmosféricas. A depender do que for observado e repassado pela equipe de meteorologia, um lançamento pode ser vetado.
A parte final da visita foi dedicada a conhecer o Setor de Preparação e Lançamento (SPL), local que fica afastado da entrada da base e mais próximo da costa litorânea e que apresenta muitas restrições para o registro de fotos e vídeos. É nesta área onde, em linhas gerais, o foguete é montado e lançado, e onde parte das suas peças ficam armazenadas.
Após passar pela portaria deste setor, é necessário deixar os celulares e mochilas dentro do prédio de segurança. Deste ponto é retirado um capacete de uso obrigatório - só pode andar neste espaço com o equipamento de proteção individual (EPI).
Em dias de campanha que antecedem os lançamentos, as equipes responsáveis pelo foguete só podem transitar dentro do SPL com a autorização prévia de quem trabalha no SPL, e mediante uma lista de tarefas operacionais que devem ser cumpridas. Segundo o diretor do centro, o número de pessoas permitidas para entrar no local é determinado com base na capacidade de evacuação e prestação de socorro que o CLA pode fornecer naquele momento da tarefa.
A área também abriga o prédio de depósito de propulsores, construído após o acidente como medida de segurança para manter afastada peças que podem sofrer algum tipo de acionamento; e o prédio de preparação de propulsores, onde é feita parte da montagem do foguete, incluindo a cadeia de explosivos.
Alguns metros mais a frente encontram-se os lançadores universais, usados para voos de foguetes de menor portes. Esse lançadores, que possuem um trilho por onde o veículo vai percorrer, têm esse nome porque suas especificações são comuns para outros centros de lançamento do mundo.
Torre de Móvel de Integração (TMI)
Ainda dentro do SPL, a uma distância de cerca de 50 metros dos lançadores universais, está a Torre Móvel de Integração (TMI). A torre tem cerca de 35 metros de altura, equivalente a um prédio de 10 andares, e cinco plataformas internas para trabalho. O local, usado para montagem e lançamento de foguetes maiores, como VLS (20 metros de altura), veio abaixo no acidente de 2003.
Reconstruída e entregue em 2012, a nova torre móvel não serviu de base para nenhum lançamento desde então. O foguete da sul coreana Innospace, que realizou um voo experimental e com carga útil brasileira, foi lançado em março por um equipamento da própria companhia do país asiático, que trouxe e instalou no CLA.
O Coronel Fernando Benitez listou uma série de medidas que foram adotadas na TMI após a tragédia para reforçar a segurança do local.
Entre eles estão a construção de uma torre de escape pressurizada (para evitar entrada de fumaça) com três formas diferentes de evacuação, e a instalação de um sistema de proteção elétrico chamado Gaiola de Faraday, que impede a passagem de descargas eletrostáticas - que foram apontadas como uma das possíveis origens do acidente.
Futuro da base
O lançamento da Innospace inaugurou uma mudança importante e recente na base de Alcântara. O centro de lançamento passou a permitir acordo com empresas particulares para fazer lançamentos. o que deve aumentar a frequência de operações nos próximos anos.
Para 2024, são esperados três lançamentos comerciais na Base de Alcântara: um da Innospace, e dois da empresa canadense C6 Launch, que também já firmou uma parceria com o Brasil.
Mas não são todas as empresas ou veículos que podem partir da base nacional: o limite de altura dos foguetes que podem ser lançados do CLA é 30 metros.
O mercado espacial tem priorizado satélites menores e mais leves, projetados para ficar no espaço por menos tempo e em órbitas mais baixas. Os lançamentos também são feitos por veículos menores.
Isso faz parte de uma tendência global, em que startups e empresas privadas participam mais. É um contraponto ao protagonismo de agências de governo, modelo que vigorou por várias décadas. O bilionário Elon Musk, dono da SpaceX, é um dos mais famosos representantes deste movimento, que se chama New Space - espaço novo.
VLM - Veiculo Lançador de Microssatélite
Já o projeto do VLS, depois do acidente, foi adiado várias vezes e acabou encerrado em 2016. O Brasil ainda não conseguiu colocar um foguete próprio em órbita, partindo de uma base nacional. A nova aposta será lançar o Veículo Lançador de Microssatélite, o VLM-1, desenvolvido em parceria com a Alemanha. O foguete terá capacidade de levar cargas úteis de até 100 quilos e atingir uma altura de 300 quilômetros. O lançamento do VLM é previsto para 2027.
Parte de parentes das vítimas interpretam o fim do VLS como um insucesso do programa espacial e descompromisso com os técnicos e engenheiros que morreram na execução do projeto há 20 anos. O Coronel Benítez diz que a mudança de programa do VLM está associada a uma atualização da tecnologia, e garante que, ao contrário do foguete antigo, o veículo lançador de microssatélites chegará a órbita.
“Foi uma decisão do governo de mudar a estratégia dos lançadores. O VLS era uma categoria de satélites de 150 quilos e agora a tendência mundial é fazer lançamentos de satélites menores. Houve uma evolução desde a época do lançamento em relação às tecnologias que são utilizadas”, disse o diretor do Centro de Lançamento de Alcântara.
“Eu tenho a plena certeza que esse programa do VLM vai dar sucesso. E todo mundo vai honrar o nome deles ali. Os 21 que têm naquela plaquinha lá vão ser honrados. No dia que a gente lançar o VLM, todos vão estar pensando neles”, completou.