Quarenta anos depois que o renomado físico Richard Feynman apresentou a ideia de um computador quântico, a tecnologia está começando a escapar dos laboratórios acadêmicos para o mundo real.
Várias empresas estão progredindo no desenvolvimento de computadores quânticos e vendendo acesso às máquinas por meio da nuvem. Estão surgindo iniciativas de software para escrever programas para esses novos e poderosos computadores. Recentemente, a Universidade de Chicago e seus parceiros lançaram o primeiro programa do país para apoiar startups de tecnologia quântica.
A tecnologia quântica tenta aproveitar as peculiares leis da mecânica quântica para construir ferramentas mais poderosas para o processamento de informações. Os computadores quânticos são a forma da tecnologia que mais chama a atenção, mas as partículas quânticas também estão sendo implementadas para construir redes de comunicação mais seguras e sensores mais poderosos para imagens e medições.
A tecnologia tem de superar alguns obstáculos antes de atingir o uso generalizado, mas o ritmo do progresso está semelhante ao início da indústria eletrônica, disse David Awschalom, físico da Universidade de Chicago e professor de engenharia molecular que ajudou a criar a nova aceleradora Duality, junto com a Universidade de Illinois e o Argonne National Lab.
“Estamos vendo o nascimento de um novo campo da tecnologia. É como se estivéssemos no momento em que o transistor estava sendo inventado”, disse Awschalom em entrevista. “As pessoas estão começando a pensar em sistemas, softwares, aplicativos” e estão começando a fundar empresas, disse ele. “A cada um ou dois meses vemos algo novo aparecer”.
Os computadores e redes de comunicação existentes armazenam, processam e transmitem informações dividindo-as em longos fluxos do que é conhecido como bits, que normalmente são pulsos elétricos ou ópticos que representam zero ou um.
Os bits quânticos, ou qubits, são unidades de dados que diferem fundamentalmente dos bits da eletrônica de hoje. Muitas vezes formados por átomos, elétrons ou fótons, eles podem existir como zeros e uns ao mesmo tempo, ou em qualquer posição entre eles, uma flexibilidade que lhes permite processar informações de novas maneiras. Alguns físicos os comparam a uma moeda girando que está simultaneamente em estado de cara e de coroa.
Os qubits são sensíveis e tendem a parar de funcionar ao menor distúrbio, como uma pequena mudança na temperatura. Mas empresas como IBM, Google, Honeywell e IonQ estão fazendo progresso no aproveitamento de qubits para computadores em estágio inicial, alguns dos quais os usuários podem acessar on-line.
A IBM agora tem cerca de 20 computadores quânticos conectados à nuvem e está oferecendo acesso gratuito a cerca de metade deles para que os pesquisadores e o público em geral possam experimentá-los, disse Bob Sutor, o “principal expoente quântico” da empresa.
As máquinas de última geração da IBM estão disponíveis para clientes pagantes, entre os quais se encontram ExxonMobil, Goldman Sachs, Daimler e Boeing, disse Sutor. Grandes empresas estão usando os computadores para tentar solucionar problemas difíceis, como encontrar melhores reações químicas para fazer novos materiais ou identificar a melhor forma de alocar recursos em uma carteira de investimentos.
A IBM também está fazendo planos para instalar as máquinas nos escritórios de seus clientes. Na semana passada, a empresa anunciou uma parceria de pesquisa em saúde com a Cleveland Clinic, a qual envolverá a entrega de um computador quântico para os laboratórios do hospital no ano que vem.
A Amazon Web Services e a Microsoft recentemente também começaram a oferecer acesso por nuvem a computadores quânticos construídos pela IonQ e outras empresas.
A disponibilidade dos computadores está ajudando a iniciar novos empreendimentos de software para escrever códigos para as máquinas. Outros empresários estão criando empresas para desenvolver sensores quânticos e equipamentos de comunicação.
Aceleradoras
A área de Chicago já é um centro de tecnologia quântica, servindo de base para três dos oito centros de pesquisa quântica financiados pelo governo federal e lançados no ano passado. Agora a cidade pretende ser o centro do cenário das startups.
A aceleradora Duality espera alavancar a experiência em física e engenharia de seus parceiros universitários e dos laboratórios nacionais de Argonne e Fermi, para apoiar ideias comerciais que surgem de estudantes de doutorado e outros.
Baseado na Booth School of Business da Universidade de Chicago, a aceleradora vai investir US$ 20 milhões na próxima década para ajudar até dez startups quânticas por ano. Os empreendimentos receberão bolsas de US$ 50 mil, acesso a laboratórios e escritórios e orientação de professores de ciências e negócios.
Jay Schrankler, chefe do Centro Polsky de Empreendedorismo e Inovação da escola de negócios, disse que a universidade espera replicar o sucesso de seus programas de startups que ajudaram a apoiar a Grubhub e a Venmo.
Pranav Gokhale, que recentemente recebeu um PhD em ciência da computação pela universidade, diz que espera que sua startup de softwares receba uma das bolsas da Duality. Gokhale fundou a empresa Super.Tech com um de seus professores, Fred Chong, que dirige um grupo financiado pelo governo federal que está desenvolvendo novos algoritmos, softwares e projetos de máquinas para computadores quânticos.
Chong disse que, embora os computadores quânticos estejam começando a aparecer, “ainda existe muito pouca coisa no lado dos softwares”.
“Pela primeira vez, temos hardwares de verdade, máquinas que foram construídas de verdade. Ao mesmo tempo, essas máquinas são muito propensas a erros”, disse ele. “Embora haja muito potencial, ainda é extremamente difícil fazer com que elas resolvam problemas de verdade”.
O desafio para os desenvolvedores de software, disse ele, é projetar programas que funcionem “para máquinas quânticas imperfeitas” e estejam “cientes da física das máquinas”.
Gokhale disse que os objetivos da Super.Tech incluem o design de software para ajudar empresas de energia a alocar seus recursos de forma mais eficiente. “Uma empresa de serviços públicos precisa descobrir quais geradores ligar para atender à demanda”, disse ele. “Você pode imaginar que às quatro da tarde a demanda de energia é diferente da demanda às quatro da manhã, quando as pessoas estão dormindo”.
Awschalom disse que seus alunos de doutorado o procuraram recentemente com uma ideia de startup que agora estão desenvolvendo. Sua ideia para um novo tipo de sensor quântico surgiu de pesquisas feitas por seu laboratório.
Brian DeMarco, professor de física da Universidade de Illinois Urbana-Champaign que ajudou a tirar a Duality do papel, disse que vê os sensores como uma das aplicações mais próximas da tecnologia quântica. A sensibilidade dos qubits pode torná-los ferramentas poderosas para aplicações como observar a Terra ou o espaço a partir de satélites, ou identificar novos depósitos minerais subterrâneos, disse ele.
Investidores
O interesse dos investidores pela área vem crescendo. A IonQ, sediada em Maryland, fundada pelos físicos Chris Monroe e Jungsang Kim em 2015, levantou dezenas de milhões de dólares de vários fundos de investimento - mais recentemente do Breakthrough Energy Ventures, o fundo apoiado por Bill Gates que investe em tecnologias relacionadas à energia limpa.
A Breakthrough Energy está interessada na computação quântica como ferramenta para encontrar novos materiais que possibilitem o sequestro de carbono, disse Monroe, cientista-chefe da IonQ, que anunciou planos de abrir o capital na Bolsa de Valores de Nova York.
ColdQuanta, outro empreendimento, com sede em Boulder, Colorado, espera levantar centenas de milhões de dólares em financiamento de investidores no curto prazo, disse Dan Caruso, presidente executivo da empresa.
“Eu meio que comparo o que está acontecendo com a tecnologia quântica agora com o que estava acontecendo com a internet no início dos anos 90”, disse ele. “A tecnologia quântica está deixando de ser uma coisa sobre a qual a maioria das pessoas nunca ouviu falar... para viver uma rápida transição para o início da fase comercial”. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU