De fim de guerras a turnê de Taylor Swift: plataformas de previsões viram mania nos EUA


Mercados de previsão não são uma ideia nova, mas um grupo do Vale do Silício que acredita que eles podem resolver grande parte do que aflige a sociedade apostando em nosso futuro

Por Kevin Roose

THE NEW YORK TIMES - Eu nunca tinha participado de uma conferência de negócios com 28% de chances de uma suruba acontecer.

Mas essas eram as chances oficiais de orgia quando cheguei ao Manifest, um “encontro de nerds das previsões” que a startup de previsão Manifold Markets organizou no mês passado em Berkeley, Califórnia.

Joshua Fleming mostra apostas em uma plataforma de apostas sobre quanto tempo acham que o ex-presidente dos EUA, Donald Trump, cumprirá sua pena Foto: Jason Henry/The New York Times
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No segundo dia da conferência, as chances haviam aumentado para 47%. E no terceiro dia, elas chegaram a 100% - porque houve, de fato, uma orgia (não, eu não fui convidado).

Essa estranha mistura de dados e devassidão foi o clima dominante do evento Manifest, que foi realizado em um hotel convertido para cerca de 250 trabalhadores da área de tecnologia, blogueiros, economistas, estudantes e especialistas variados. Eles estavam lá para celebrar os mercados de previsão, plataformas online onde os usuários podem apostar em eventos futuros - desde “A Ucrânia recuperará o controle da Crimeia antes do final de 2024?” até “Elon Musk e Mark Zuckerberg vão sair na porrada ainda em 2023?”

No Manifold Markets, os usuários podem criar um mercado sobre qualquer tópico e convidar outros usuários para apostar nele. Os vencedores ganham o direito de se gabar, além de unidades de Mana, a moeda de dinheiro virtual da empresa, que podem ser convertidas em doações para caridade ou usadas em outras apostas.

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Os mercados de previsão não são uma ideia nova, nem a esperança de que as apostas possam produzir informações úteis. Porém, nos últimos anos, os mercados de previsão chamaram a atenção de um grupo do Vale do Silício que acredita que podemos resolver grande parte do que aflige a sociedade apostando em nosso futuro da mesma forma que apostamos em ações ou jogos esportivos.

Essas pessoas acreditam que o mundo está repleto de informações ruins - notícias tendenciosas, especialistas fora de sintonia, teorias da conspiração malucas. Muitas dessas informações são divulgadas por pessoas que não estão envolvidas no jogo. Ou pior, pessoas com incentivos para mentir. E muitas pessoas perderam a fé nos especialistas e nas instituições, como o governo e a mídia, que antes serviam como árbitros confiáveis.

Os mercados de previsão, eles acreditam, oferecem uma maneira melhor de buscar a verdade - recompensando aqueles que são bons em previsões, permitindo que ganhem dinheiro com aqueles que são ruins nisso.

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No ano passado, ouvi pesquisadores de inteligência artificial (IA) apostando no ano em que teremos a AGI (inteligência artificial geral), um sistema que pode fazer tudo o que um ser humano pode. Eles também faziam apostas paralelas sobre, por exemplo, quando uma IA ganhará o Prêmio Nobel ou se um filme gerado por IA será indicado ao Oscar.

Pessoas assistindo a uma palestra do Manifest sobre tendências de mercado Foto: Jason Henry/The New York Times

Mercados de previsão também surgiram em torno de grandes eventos mundiais, como a guerra na Ucrânia. E em áreas como capital de risco e previsão econômica, os observadores de tendências começaram a olhar para os mercados de previsão em busca de sinais do futuro.

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Este ano, quando um grupo de cientistas sul-coreanos alegou ter criado um supercondutor de temperatura ambiente chamado LK-99 - uma descoberta revolucionária com enormes implicações, se fosse verdade - os mercados de previsão se iluminaram com apostas sobre a credibilidade da descoberta.

Fui ao Manifest para tentar entender o apelo dos mercados de previsão e entrar na cabeça das pessoas que são obcecadas por eles. E, embora não tenha me convencido de que esses mercados serão uma parte importante de nosso futuro, não é uma possibilidade contra a qual eu apostaria.

Ideia antiga

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A ideia básica por trás do Manifold Markets e de plataformas semelhantes, como Kalshi e Polymarket, é a seguinte: Os mercados agregam informações. Quanto mais informações forem agregadas, mais precisas elas tendem a ser. E se um número suficiente de pessoas fizer apostas suficientes, com informações suficientes por trás delas, os mercados podem lhe dizer algo útil sobre o futuro.

A maioria de nós aceita esse princípio quando se trata de investir. Se o preço das ações da Apple subir 10% em um dia ou cair 20% no dia seguinte, presumimos que isso se deve ao fato de investidores inteligentes com acesso a boas informações terem mudado de opinião sobre as perspectivas da empresa, e que não se trata apenas de um evento aleatório.

Mas como os mercados se sairiam na previsão de outras coisas? Seria possível, por exemplo, descobrir se a próxima turnê de Taylor Swift venderá mais ingressos do que a última, não perguntando a especialistas em música ou a promotores de shows o que eles acham, mas abrindo um mercado que permitiria a todos - fãs, outros músicos, fundos de hedge e até mesmo a própria Swift - dar sua opinião? E esse mercado se tornaria mais preciso com o tempo, à medida que novas informações fossem chegando?

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Nos últimos anos, a ideia foi revivida pelos Racionalistas, um movimento de obsessivos por dados cerebrais que se tornou uma força cultural no Vale do Silício. Muitos racionalistas proeminentes são fãs dos mercados de previsão e incentivaram outros racionalistas a usá-los para testar seus próprios pontos de vista.

Durante o Manifesto, Eliezer Yudkowsky debateu com o youtuber Destiny Foto: Jason Henry/The New York Times

“Os preços do mercado de previsão são os meios pelos quais uma civilização de alto funcionamento sabe o que sabe”, disse Eliezer Yudkowsky, pesquisador de segurança de IA e racionalista proeminente.

Dinheiro falso, informações reais

Na visão dos racionalistas, os mercados de previsão são uma parte essencial de um ecossistema cívico saudável e uma verificação necessária dos especialistas e das autoridades tradicionais.

Eles acreditam que os mercados de previsão funcionam porque aproveitam a sabedoria das multidões e filtram o ruído e a parcialidade, reduzindo os debates polêmicos a perguntas simples de sim ou não. Os bons analistas ganham mais apostas ao longo do tempo, enquanto os ruins perdem dinheiro e influência. E todos aprendem observando a movimentação dos preços em tempo real, à medida que mais informações são adicionadas ao mercado.

Alguns até acreditam que os mercados de previsão poderiam manter os extremistas e as teorias da conspiração sob controle, aumentando os riscos de visões marginais. “Vivemos em um mundo ilusório, cheio de coisas pelas quais as pessoas estão torcendo”, diz Yudkowsky. “E se elas tivessem que apostar dinheiro, elas recuariam rapidamente.”

Na utopia repleta de apostas que os racionalistas imaginam, os quadros de líderes classificariam os especialistas de acordo com a precisão de suas previsões, e prestaríamos atenção apenas aos que fossem comprovadamente prescientes. As empresas acompanhariam os mercados de previsão para descobrir quais produtos construir ou com quais concorrentes se preocupar. Os governos se apoiariam nos mercados de previsão, e não em pesquisas de opinião ou lobistas, para decidir quais políticas adotar. E os contrários com opiniões impopulares (mas corretas) poderiam ganhar muito dinheiro apostando contra as probabilidades.

É claro que existem grandes obstáculos para esse futuro. Os mercados de previsão não funcionam bem se poucas pessoas os utilizarem ou se todos os participantes tiverem informações idênticas sobre algo. Por exemplo, você não aprenderia muito com o mercado de previsão “O sol nascerá amanhã?”. Eles não funcionam para perguntas mais subjetivas ou difíceis de medir. Quem decide, por exemplo, se uma IA superou a inteligência humana?

Os especialistas levantaram outros problemas com os mercados de previsão com dinheiro real - que eles poderiam permitir que pessoas ricas distorcessem a opinião pública apostando grandes somas de dinheiro em seus resultados preferidos, que eles poderiam incentivar comportamentos ilegais ou imorais, que o comércio de informações privilegiadas poderia prejudicá-los.

Mas se esses problemas puderem ser superados, acreditam os adeptos, esses mercados poderão trazer lógica e rigor intelectual a um mundo que precisa muito disso - de forma semelhante à maneira como os vendedores em Wall Street acham que sua capacidade de apostar contra as ações de uma empresa proporciona um controle necessário da má administração corporativa.

O renascimento racionalista deu fôlego a empresas iniciantes como a Manifold Markets, que foi inicialmente financiada por um programa de subsídios administrado pelo Astral Codex Ten, um blog racionalista que promoveu mercados de previsão. Ela também recebeu US$ 1 milhão do FTX Future Fund, o braço filantrópico da falida bolsa de criptomoedas cujo fundador, Sam Bankman-Fried, é um fã dos mercados de previsão.

A maioria dos mercados de previsão ainda é pequena para os padrões do mercado de ações. A Manifold Markets tem cerca de 43 mil usuários, de acordo com a empresa. Mas os defensores dizem que eles ainda são bons o suficiente para serem úteis.

“É verdade que em todos os domínios em que pudemos comparar os dados de um mercado de previsão com mecanismos de previsão alternativos, o mercado se saiu melhor”, disse Justin Wolfers, professor de políticas públicas e economia da Universidade de Michigan.

“Se você quiser prever qual cavalo vai ganhar o Kentucky Derby”, acrescentou, “é melhor acompanhar as probabilidades de apostas do que perguntar aos especialistas”.

Os fundadores da Manifold Markets, da esquerda para a direita, Stephen Grugett, Austin Chen e James Grugett Foto: Jason Henry/The New York Times

Austin Chen, 28, cofundador da Manifold Markets, me disse que, embora a empresa usasse dinheiro falso, seus mercados de previsão eram bem calibrados. Ou seja, quando os usuários do site preveem 70% de chance de algo acontecer, isso realmente acontece em cerca de 70% das vezes.

O Sr. Chen acredita piamente nos mercados de previsão. E ele disse que, embora os mercados individuais pudessem estar errados, ele acreditava que os mercados de previsão, em geral, eram boas fontes de sabedoria.

O que eles não são, pelo menos no que diz respeito a dinheiro real, é legal. Este ano, a Commodity Futures Trading Commission rejeitou uma proposta da startup de mercado de previsão Kalshi para permitir que seus usuários apostassem em qual partido controlaria o Congresso - dizendo que permitir que os usuários apostassem em eleições seria “contrário ao interesse público”. Essa agência também multou a Polymarket, uma plataforma de previsão baseada em criptomoeda, em US$ 1,4 milhão por oferecer negociação de opções não registradas no ano passado.

A maioria das pessoas que conheci no Manifest descartou essas preocupações e achou que a maioria dos mercados de previsão com dinheiro real deveria ser legal. Algumas pessoas criticaram os mercados relacionados à morte de figuras públicas - que, segundo elas, poderiam incentivar assassinatos. E poucos expressaram qualquer escrúpulo moral em relação a um mundo onde o jogo em tudo é incentivado.

“Os mercados de previsão são muito melhores do que jogar em um cassino ou apostar em esportes”, disse Chen. “As apostas servem a um propósito maior, o de ajudar o mundo a obter melhores informações.” /TRADUÇÃO BRUNO ROMANI

THE NEW YORK TIMES - Eu nunca tinha participado de uma conferência de negócios com 28% de chances de uma suruba acontecer.

Mas essas eram as chances oficiais de orgia quando cheguei ao Manifest, um “encontro de nerds das previsões” que a startup de previsão Manifold Markets organizou no mês passado em Berkeley, Califórnia.

Joshua Fleming mostra apostas em uma plataforma de apostas sobre quanto tempo acham que o ex-presidente dos EUA, Donald Trump, cumprirá sua pena Foto: Jason Henry/The New York Times

No segundo dia da conferência, as chances haviam aumentado para 47%. E no terceiro dia, elas chegaram a 100% - porque houve, de fato, uma orgia (não, eu não fui convidado).

Essa estranha mistura de dados e devassidão foi o clima dominante do evento Manifest, que foi realizado em um hotel convertido para cerca de 250 trabalhadores da área de tecnologia, blogueiros, economistas, estudantes e especialistas variados. Eles estavam lá para celebrar os mercados de previsão, plataformas online onde os usuários podem apostar em eventos futuros - desde “A Ucrânia recuperará o controle da Crimeia antes do final de 2024?” até “Elon Musk e Mark Zuckerberg vão sair na porrada ainda em 2023?”

No Manifold Markets, os usuários podem criar um mercado sobre qualquer tópico e convidar outros usuários para apostar nele. Os vencedores ganham o direito de se gabar, além de unidades de Mana, a moeda de dinheiro virtual da empresa, que podem ser convertidas em doações para caridade ou usadas em outras apostas.

Os mercados de previsão não são uma ideia nova, nem a esperança de que as apostas possam produzir informações úteis. Porém, nos últimos anos, os mercados de previsão chamaram a atenção de um grupo do Vale do Silício que acredita que podemos resolver grande parte do que aflige a sociedade apostando em nosso futuro da mesma forma que apostamos em ações ou jogos esportivos.

Essas pessoas acreditam que o mundo está repleto de informações ruins - notícias tendenciosas, especialistas fora de sintonia, teorias da conspiração malucas. Muitas dessas informações são divulgadas por pessoas que não estão envolvidas no jogo. Ou pior, pessoas com incentivos para mentir. E muitas pessoas perderam a fé nos especialistas e nas instituições, como o governo e a mídia, que antes serviam como árbitros confiáveis.

Os mercados de previsão, eles acreditam, oferecem uma maneira melhor de buscar a verdade - recompensando aqueles que são bons em previsões, permitindo que ganhem dinheiro com aqueles que são ruins nisso.

No ano passado, ouvi pesquisadores de inteligência artificial (IA) apostando no ano em que teremos a AGI (inteligência artificial geral), um sistema que pode fazer tudo o que um ser humano pode. Eles também faziam apostas paralelas sobre, por exemplo, quando uma IA ganhará o Prêmio Nobel ou se um filme gerado por IA será indicado ao Oscar.

Pessoas assistindo a uma palestra do Manifest sobre tendências de mercado Foto: Jason Henry/The New York Times

Mercados de previsão também surgiram em torno de grandes eventos mundiais, como a guerra na Ucrânia. E em áreas como capital de risco e previsão econômica, os observadores de tendências começaram a olhar para os mercados de previsão em busca de sinais do futuro.

Este ano, quando um grupo de cientistas sul-coreanos alegou ter criado um supercondutor de temperatura ambiente chamado LK-99 - uma descoberta revolucionária com enormes implicações, se fosse verdade - os mercados de previsão se iluminaram com apostas sobre a credibilidade da descoberta.

Fui ao Manifest para tentar entender o apelo dos mercados de previsão e entrar na cabeça das pessoas que são obcecadas por eles. E, embora não tenha me convencido de que esses mercados serão uma parte importante de nosso futuro, não é uma possibilidade contra a qual eu apostaria.

Ideia antiga

A ideia básica por trás do Manifold Markets e de plataformas semelhantes, como Kalshi e Polymarket, é a seguinte: Os mercados agregam informações. Quanto mais informações forem agregadas, mais precisas elas tendem a ser. E se um número suficiente de pessoas fizer apostas suficientes, com informações suficientes por trás delas, os mercados podem lhe dizer algo útil sobre o futuro.

A maioria de nós aceita esse princípio quando se trata de investir. Se o preço das ações da Apple subir 10% em um dia ou cair 20% no dia seguinte, presumimos que isso se deve ao fato de investidores inteligentes com acesso a boas informações terem mudado de opinião sobre as perspectivas da empresa, e que não se trata apenas de um evento aleatório.

Mas como os mercados se sairiam na previsão de outras coisas? Seria possível, por exemplo, descobrir se a próxima turnê de Taylor Swift venderá mais ingressos do que a última, não perguntando a especialistas em música ou a promotores de shows o que eles acham, mas abrindo um mercado que permitiria a todos - fãs, outros músicos, fundos de hedge e até mesmo a própria Swift - dar sua opinião? E esse mercado se tornaria mais preciso com o tempo, à medida que novas informações fossem chegando?

Nos últimos anos, a ideia foi revivida pelos Racionalistas, um movimento de obsessivos por dados cerebrais que se tornou uma força cultural no Vale do Silício. Muitos racionalistas proeminentes são fãs dos mercados de previsão e incentivaram outros racionalistas a usá-los para testar seus próprios pontos de vista.

Durante o Manifesto, Eliezer Yudkowsky debateu com o youtuber Destiny Foto: Jason Henry/The New York Times

“Os preços do mercado de previsão são os meios pelos quais uma civilização de alto funcionamento sabe o que sabe”, disse Eliezer Yudkowsky, pesquisador de segurança de IA e racionalista proeminente.

Dinheiro falso, informações reais

Na visão dos racionalistas, os mercados de previsão são uma parte essencial de um ecossistema cívico saudável e uma verificação necessária dos especialistas e das autoridades tradicionais.

Eles acreditam que os mercados de previsão funcionam porque aproveitam a sabedoria das multidões e filtram o ruído e a parcialidade, reduzindo os debates polêmicos a perguntas simples de sim ou não. Os bons analistas ganham mais apostas ao longo do tempo, enquanto os ruins perdem dinheiro e influência. E todos aprendem observando a movimentação dos preços em tempo real, à medida que mais informações são adicionadas ao mercado.

Alguns até acreditam que os mercados de previsão poderiam manter os extremistas e as teorias da conspiração sob controle, aumentando os riscos de visões marginais. “Vivemos em um mundo ilusório, cheio de coisas pelas quais as pessoas estão torcendo”, diz Yudkowsky. “E se elas tivessem que apostar dinheiro, elas recuariam rapidamente.”

Na utopia repleta de apostas que os racionalistas imaginam, os quadros de líderes classificariam os especialistas de acordo com a precisão de suas previsões, e prestaríamos atenção apenas aos que fossem comprovadamente prescientes. As empresas acompanhariam os mercados de previsão para descobrir quais produtos construir ou com quais concorrentes se preocupar. Os governos se apoiariam nos mercados de previsão, e não em pesquisas de opinião ou lobistas, para decidir quais políticas adotar. E os contrários com opiniões impopulares (mas corretas) poderiam ganhar muito dinheiro apostando contra as probabilidades.

É claro que existem grandes obstáculos para esse futuro. Os mercados de previsão não funcionam bem se poucas pessoas os utilizarem ou se todos os participantes tiverem informações idênticas sobre algo. Por exemplo, você não aprenderia muito com o mercado de previsão “O sol nascerá amanhã?”. Eles não funcionam para perguntas mais subjetivas ou difíceis de medir. Quem decide, por exemplo, se uma IA superou a inteligência humana?

Os especialistas levantaram outros problemas com os mercados de previsão com dinheiro real - que eles poderiam permitir que pessoas ricas distorcessem a opinião pública apostando grandes somas de dinheiro em seus resultados preferidos, que eles poderiam incentivar comportamentos ilegais ou imorais, que o comércio de informações privilegiadas poderia prejudicá-los.

Mas se esses problemas puderem ser superados, acreditam os adeptos, esses mercados poderão trazer lógica e rigor intelectual a um mundo que precisa muito disso - de forma semelhante à maneira como os vendedores em Wall Street acham que sua capacidade de apostar contra as ações de uma empresa proporciona um controle necessário da má administração corporativa.

O renascimento racionalista deu fôlego a empresas iniciantes como a Manifold Markets, que foi inicialmente financiada por um programa de subsídios administrado pelo Astral Codex Ten, um blog racionalista que promoveu mercados de previsão. Ela também recebeu US$ 1 milhão do FTX Future Fund, o braço filantrópico da falida bolsa de criptomoedas cujo fundador, Sam Bankman-Fried, é um fã dos mercados de previsão.

A maioria dos mercados de previsão ainda é pequena para os padrões do mercado de ações. A Manifold Markets tem cerca de 43 mil usuários, de acordo com a empresa. Mas os defensores dizem que eles ainda são bons o suficiente para serem úteis.

“É verdade que em todos os domínios em que pudemos comparar os dados de um mercado de previsão com mecanismos de previsão alternativos, o mercado se saiu melhor”, disse Justin Wolfers, professor de políticas públicas e economia da Universidade de Michigan.

“Se você quiser prever qual cavalo vai ganhar o Kentucky Derby”, acrescentou, “é melhor acompanhar as probabilidades de apostas do que perguntar aos especialistas”.

Os fundadores da Manifold Markets, da esquerda para a direita, Stephen Grugett, Austin Chen e James Grugett Foto: Jason Henry/The New York Times

Austin Chen, 28, cofundador da Manifold Markets, me disse que, embora a empresa usasse dinheiro falso, seus mercados de previsão eram bem calibrados. Ou seja, quando os usuários do site preveem 70% de chance de algo acontecer, isso realmente acontece em cerca de 70% das vezes.

O Sr. Chen acredita piamente nos mercados de previsão. E ele disse que, embora os mercados individuais pudessem estar errados, ele acreditava que os mercados de previsão, em geral, eram boas fontes de sabedoria.

O que eles não são, pelo menos no que diz respeito a dinheiro real, é legal. Este ano, a Commodity Futures Trading Commission rejeitou uma proposta da startup de mercado de previsão Kalshi para permitir que seus usuários apostassem em qual partido controlaria o Congresso - dizendo que permitir que os usuários apostassem em eleições seria “contrário ao interesse público”. Essa agência também multou a Polymarket, uma plataforma de previsão baseada em criptomoeda, em US$ 1,4 milhão por oferecer negociação de opções não registradas no ano passado.

A maioria das pessoas que conheci no Manifest descartou essas preocupações e achou que a maioria dos mercados de previsão com dinheiro real deveria ser legal. Algumas pessoas criticaram os mercados relacionados à morte de figuras públicas - que, segundo elas, poderiam incentivar assassinatos. E poucos expressaram qualquer escrúpulo moral em relação a um mundo onde o jogo em tudo é incentivado.

“Os mercados de previsão são muito melhores do que jogar em um cassino ou apostar em esportes”, disse Chen. “As apostas servem a um propósito maior, o de ajudar o mundo a obter melhores informações.” /TRADUÇÃO BRUNO ROMANI

THE NEW YORK TIMES - Eu nunca tinha participado de uma conferência de negócios com 28% de chances de uma suruba acontecer.

Mas essas eram as chances oficiais de orgia quando cheguei ao Manifest, um “encontro de nerds das previsões” que a startup de previsão Manifold Markets organizou no mês passado em Berkeley, Califórnia.

Joshua Fleming mostra apostas em uma plataforma de apostas sobre quanto tempo acham que o ex-presidente dos EUA, Donald Trump, cumprirá sua pena Foto: Jason Henry/The New York Times

No segundo dia da conferência, as chances haviam aumentado para 47%. E no terceiro dia, elas chegaram a 100% - porque houve, de fato, uma orgia (não, eu não fui convidado).

Essa estranha mistura de dados e devassidão foi o clima dominante do evento Manifest, que foi realizado em um hotel convertido para cerca de 250 trabalhadores da área de tecnologia, blogueiros, economistas, estudantes e especialistas variados. Eles estavam lá para celebrar os mercados de previsão, plataformas online onde os usuários podem apostar em eventos futuros - desde “A Ucrânia recuperará o controle da Crimeia antes do final de 2024?” até “Elon Musk e Mark Zuckerberg vão sair na porrada ainda em 2023?”

No Manifold Markets, os usuários podem criar um mercado sobre qualquer tópico e convidar outros usuários para apostar nele. Os vencedores ganham o direito de se gabar, além de unidades de Mana, a moeda de dinheiro virtual da empresa, que podem ser convertidas em doações para caridade ou usadas em outras apostas.

Os mercados de previsão não são uma ideia nova, nem a esperança de que as apostas possam produzir informações úteis. Porém, nos últimos anos, os mercados de previsão chamaram a atenção de um grupo do Vale do Silício que acredita que podemos resolver grande parte do que aflige a sociedade apostando em nosso futuro da mesma forma que apostamos em ações ou jogos esportivos.

Essas pessoas acreditam que o mundo está repleto de informações ruins - notícias tendenciosas, especialistas fora de sintonia, teorias da conspiração malucas. Muitas dessas informações são divulgadas por pessoas que não estão envolvidas no jogo. Ou pior, pessoas com incentivos para mentir. E muitas pessoas perderam a fé nos especialistas e nas instituições, como o governo e a mídia, que antes serviam como árbitros confiáveis.

Os mercados de previsão, eles acreditam, oferecem uma maneira melhor de buscar a verdade - recompensando aqueles que são bons em previsões, permitindo que ganhem dinheiro com aqueles que são ruins nisso.

No ano passado, ouvi pesquisadores de inteligência artificial (IA) apostando no ano em que teremos a AGI (inteligência artificial geral), um sistema que pode fazer tudo o que um ser humano pode. Eles também faziam apostas paralelas sobre, por exemplo, quando uma IA ganhará o Prêmio Nobel ou se um filme gerado por IA será indicado ao Oscar.

Pessoas assistindo a uma palestra do Manifest sobre tendências de mercado Foto: Jason Henry/The New York Times

Mercados de previsão também surgiram em torno de grandes eventos mundiais, como a guerra na Ucrânia. E em áreas como capital de risco e previsão econômica, os observadores de tendências começaram a olhar para os mercados de previsão em busca de sinais do futuro.

Este ano, quando um grupo de cientistas sul-coreanos alegou ter criado um supercondutor de temperatura ambiente chamado LK-99 - uma descoberta revolucionária com enormes implicações, se fosse verdade - os mercados de previsão se iluminaram com apostas sobre a credibilidade da descoberta.

Fui ao Manifest para tentar entender o apelo dos mercados de previsão e entrar na cabeça das pessoas que são obcecadas por eles. E, embora não tenha me convencido de que esses mercados serão uma parte importante de nosso futuro, não é uma possibilidade contra a qual eu apostaria.

Ideia antiga

A ideia básica por trás do Manifold Markets e de plataformas semelhantes, como Kalshi e Polymarket, é a seguinte: Os mercados agregam informações. Quanto mais informações forem agregadas, mais precisas elas tendem a ser. E se um número suficiente de pessoas fizer apostas suficientes, com informações suficientes por trás delas, os mercados podem lhe dizer algo útil sobre o futuro.

A maioria de nós aceita esse princípio quando se trata de investir. Se o preço das ações da Apple subir 10% em um dia ou cair 20% no dia seguinte, presumimos que isso se deve ao fato de investidores inteligentes com acesso a boas informações terem mudado de opinião sobre as perspectivas da empresa, e que não se trata apenas de um evento aleatório.

Mas como os mercados se sairiam na previsão de outras coisas? Seria possível, por exemplo, descobrir se a próxima turnê de Taylor Swift venderá mais ingressos do que a última, não perguntando a especialistas em música ou a promotores de shows o que eles acham, mas abrindo um mercado que permitiria a todos - fãs, outros músicos, fundos de hedge e até mesmo a própria Swift - dar sua opinião? E esse mercado se tornaria mais preciso com o tempo, à medida que novas informações fossem chegando?

Nos últimos anos, a ideia foi revivida pelos Racionalistas, um movimento de obsessivos por dados cerebrais que se tornou uma força cultural no Vale do Silício. Muitos racionalistas proeminentes são fãs dos mercados de previsão e incentivaram outros racionalistas a usá-los para testar seus próprios pontos de vista.

Durante o Manifesto, Eliezer Yudkowsky debateu com o youtuber Destiny Foto: Jason Henry/The New York Times

“Os preços do mercado de previsão são os meios pelos quais uma civilização de alto funcionamento sabe o que sabe”, disse Eliezer Yudkowsky, pesquisador de segurança de IA e racionalista proeminente.

Dinheiro falso, informações reais

Na visão dos racionalistas, os mercados de previsão são uma parte essencial de um ecossistema cívico saudável e uma verificação necessária dos especialistas e das autoridades tradicionais.

Eles acreditam que os mercados de previsão funcionam porque aproveitam a sabedoria das multidões e filtram o ruído e a parcialidade, reduzindo os debates polêmicos a perguntas simples de sim ou não. Os bons analistas ganham mais apostas ao longo do tempo, enquanto os ruins perdem dinheiro e influência. E todos aprendem observando a movimentação dos preços em tempo real, à medida que mais informações são adicionadas ao mercado.

Alguns até acreditam que os mercados de previsão poderiam manter os extremistas e as teorias da conspiração sob controle, aumentando os riscos de visões marginais. “Vivemos em um mundo ilusório, cheio de coisas pelas quais as pessoas estão torcendo”, diz Yudkowsky. “E se elas tivessem que apostar dinheiro, elas recuariam rapidamente.”

Na utopia repleta de apostas que os racionalistas imaginam, os quadros de líderes classificariam os especialistas de acordo com a precisão de suas previsões, e prestaríamos atenção apenas aos que fossem comprovadamente prescientes. As empresas acompanhariam os mercados de previsão para descobrir quais produtos construir ou com quais concorrentes se preocupar. Os governos se apoiariam nos mercados de previsão, e não em pesquisas de opinião ou lobistas, para decidir quais políticas adotar. E os contrários com opiniões impopulares (mas corretas) poderiam ganhar muito dinheiro apostando contra as probabilidades.

É claro que existem grandes obstáculos para esse futuro. Os mercados de previsão não funcionam bem se poucas pessoas os utilizarem ou se todos os participantes tiverem informações idênticas sobre algo. Por exemplo, você não aprenderia muito com o mercado de previsão “O sol nascerá amanhã?”. Eles não funcionam para perguntas mais subjetivas ou difíceis de medir. Quem decide, por exemplo, se uma IA superou a inteligência humana?

Os especialistas levantaram outros problemas com os mercados de previsão com dinheiro real - que eles poderiam permitir que pessoas ricas distorcessem a opinião pública apostando grandes somas de dinheiro em seus resultados preferidos, que eles poderiam incentivar comportamentos ilegais ou imorais, que o comércio de informações privilegiadas poderia prejudicá-los.

Mas se esses problemas puderem ser superados, acreditam os adeptos, esses mercados poderão trazer lógica e rigor intelectual a um mundo que precisa muito disso - de forma semelhante à maneira como os vendedores em Wall Street acham que sua capacidade de apostar contra as ações de uma empresa proporciona um controle necessário da má administração corporativa.

O renascimento racionalista deu fôlego a empresas iniciantes como a Manifold Markets, que foi inicialmente financiada por um programa de subsídios administrado pelo Astral Codex Ten, um blog racionalista que promoveu mercados de previsão. Ela também recebeu US$ 1 milhão do FTX Future Fund, o braço filantrópico da falida bolsa de criptomoedas cujo fundador, Sam Bankman-Fried, é um fã dos mercados de previsão.

A maioria dos mercados de previsão ainda é pequena para os padrões do mercado de ações. A Manifold Markets tem cerca de 43 mil usuários, de acordo com a empresa. Mas os defensores dizem que eles ainda são bons o suficiente para serem úteis.

“É verdade que em todos os domínios em que pudemos comparar os dados de um mercado de previsão com mecanismos de previsão alternativos, o mercado se saiu melhor”, disse Justin Wolfers, professor de políticas públicas e economia da Universidade de Michigan.

“Se você quiser prever qual cavalo vai ganhar o Kentucky Derby”, acrescentou, “é melhor acompanhar as probabilidades de apostas do que perguntar aos especialistas”.

Os fundadores da Manifold Markets, da esquerda para a direita, Stephen Grugett, Austin Chen e James Grugett Foto: Jason Henry/The New York Times

Austin Chen, 28, cofundador da Manifold Markets, me disse que, embora a empresa usasse dinheiro falso, seus mercados de previsão eram bem calibrados. Ou seja, quando os usuários do site preveem 70% de chance de algo acontecer, isso realmente acontece em cerca de 70% das vezes.

O Sr. Chen acredita piamente nos mercados de previsão. E ele disse que, embora os mercados individuais pudessem estar errados, ele acreditava que os mercados de previsão, em geral, eram boas fontes de sabedoria.

O que eles não são, pelo menos no que diz respeito a dinheiro real, é legal. Este ano, a Commodity Futures Trading Commission rejeitou uma proposta da startup de mercado de previsão Kalshi para permitir que seus usuários apostassem em qual partido controlaria o Congresso - dizendo que permitir que os usuários apostassem em eleições seria “contrário ao interesse público”. Essa agência também multou a Polymarket, uma plataforma de previsão baseada em criptomoeda, em US$ 1,4 milhão por oferecer negociação de opções não registradas no ano passado.

A maioria das pessoas que conheci no Manifest descartou essas preocupações e achou que a maioria dos mercados de previsão com dinheiro real deveria ser legal. Algumas pessoas criticaram os mercados relacionados à morte de figuras públicas - que, segundo elas, poderiam incentivar assassinatos. E poucos expressaram qualquer escrúpulo moral em relação a um mundo onde o jogo em tudo é incentivado.

“Os mercados de previsão são muito melhores do que jogar em um cassino ou apostar em esportes”, disse Chen. “As apostas servem a um propósito maior, o de ajudar o mundo a obter melhores informações.” /TRADUÇÃO BRUNO ROMANI

THE NEW YORK TIMES - Eu nunca tinha participado de uma conferência de negócios com 28% de chances de uma suruba acontecer.

Mas essas eram as chances oficiais de orgia quando cheguei ao Manifest, um “encontro de nerds das previsões” que a startup de previsão Manifold Markets organizou no mês passado em Berkeley, Califórnia.

Joshua Fleming mostra apostas em uma plataforma de apostas sobre quanto tempo acham que o ex-presidente dos EUA, Donald Trump, cumprirá sua pena Foto: Jason Henry/The New York Times

No segundo dia da conferência, as chances haviam aumentado para 47%. E no terceiro dia, elas chegaram a 100% - porque houve, de fato, uma orgia (não, eu não fui convidado).

Essa estranha mistura de dados e devassidão foi o clima dominante do evento Manifest, que foi realizado em um hotel convertido para cerca de 250 trabalhadores da área de tecnologia, blogueiros, economistas, estudantes e especialistas variados. Eles estavam lá para celebrar os mercados de previsão, plataformas online onde os usuários podem apostar em eventos futuros - desde “A Ucrânia recuperará o controle da Crimeia antes do final de 2024?” até “Elon Musk e Mark Zuckerberg vão sair na porrada ainda em 2023?”

No Manifold Markets, os usuários podem criar um mercado sobre qualquer tópico e convidar outros usuários para apostar nele. Os vencedores ganham o direito de se gabar, além de unidades de Mana, a moeda de dinheiro virtual da empresa, que podem ser convertidas em doações para caridade ou usadas em outras apostas.

Os mercados de previsão não são uma ideia nova, nem a esperança de que as apostas possam produzir informações úteis. Porém, nos últimos anos, os mercados de previsão chamaram a atenção de um grupo do Vale do Silício que acredita que podemos resolver grande parte do que aflige a sociedade apostando em nosso futuro da mesma forma que apostamos em ações ou jogos esportivos.

Essas pessoas acreditam que o mundo está repleto de informações ruins - notícias tendenciosas, especialistas fora de sintonia, teorias da conspiração malucas. Muitas dessas informações são divulgadas por pessoas que não estão envolvidas no jogo. Ou pior, pessoas com incentivos para mentir. E muitas pessoas perderam a fé nos especialistas e nas instituições, como o governo e a mídia, que antes serviam como árbitros confiáveis.

Os mercados de previsão, eles acreditam, oferecem uma maneira melhor de buscar a verdade - recompensando aqueles que são bons em previsões, permitindo que ganhem dinheiro com aqueles que são ruins nisso.

No ano passado, ouvi pesquisadores de inteligência artificial (IA) apostando no ano em que teremos a AGI (inteligência artificial geral), um sistema que pode fazer tudo o que um ser humano pode. Eles também faziam apostas paralelas sobre, por exemplo, quando uma IA ganhará o Prêmio Nobel ou se um filme gerado por IA será indicado ao Oscar.

Pessoas assistindo a uma palestra do Manifest sobre tendências de mercado Foto: Jason Henry/The New York Times

Mercados de previsão também surgiram em torno de grandes eventos mundiais, como a guerra na Ucrânia. E em áreas como capital de risco e previsão econômica, os observadores de tendências começaram a olhar para os mercados de previsão em busca de sinais do futuro.

Este ano, quando um grupo de cientistas sul-coreanos alegou ter criado um supercondutor de temperatura ambiente chamado LK-99 - uma descoberta revolucionária com enormes implicações, se fosse verdade - os mercados de previsão se iluminaram com apostas sobre a credibilidade da descoberta.

Fui ao Manifest para tentar entender o apelo dos mercados de previsão e entrar na cabeça das pessoas que são obcecadas por eles. E, embora não tenha me convencido de que esses mercados serão uma parte importante de nosso futuro, não é uma possibilidade contra a qual eu apostaria.

Ideia antiga

A ideia básica por trás do Manifold Markets e de plataformas semelhantes, como Kalshi e Polymarket, é a seguinte: Os mercados agregam informações. Quanto mais informações forem agregadas, mais precisas elas tendem a ser. E se um número suficiente de pessoas fizer apostas suficientes, com informações suficientes por trás delas, os mercados podem lhe dizer algo útil sobre o futuro.

A maioria de nós aceita esse princípio quando se trata de investir. Se o preço das ações da Apple subir 10% em um dia ou cair 20% no dia seguinte, presumimos que isso se deve ao fato de investidores inteligentes com acesso a boas informações terem mudado de opinião sobre as perspectivas da empresa, e que não se trata apenas de um evento aleatório.

Mas como os mercados se sairiam na previsão de outras coisas? Seria possível, por exemplo, descobrir se a próxima turnê de Taylor Swift venderá mais ingressos do que a última, não perguntando a especialistas em música ou a promotores de shows o que eles acham, mas abrindo um mercado que permitiria a todos - fãs, outros músicos, fundos de hedge e até mesmo a própria Swift - dar sua opinião? E esse mercado se tornaria mais preciso com o tempo, à medida que novas informações fossem chegando?

Nos últimos anos, a ideia foi revivida pelos Racionalistas, um movimento de obsessivos por dados cerebrais que se tornou uma força cultural no Vale do Silício. Muitos racionalistas proeminentes são fãs dos mercados de previsão e incentivaram outros racionalistas a usá-los para testar seus próprios pontos de vista.

Durante o Manifesto, Eliezer Yudkowsky debateu com o youtuber Destiny Foto: Jason Henry/The New York Times

“Os preços do mercado de previsão são os meios pelos quais uma civilização de alto funcionamento sabe o que sabe”, disse Eliezer Yudkowsky, pesquisador de segurança de IA e racionalista proeminente.

Dinheiro falso, informações reais

Na visão dos racionalistas, os mercados de previsão são uma parte essencial de um ecossistema cívico saudável e uma verificação necessária dos especialistas e das autoridades tradicionais.

Eles acreditam que os mercados de previsão funcionam porque aproveitam a sabedoria das multidões e filtram o ruído e a parcialidade, reduzindo os debates polêmicos a perguntas simples de sim ou não. Os bons analistas ganham mais apostas ao longo do tempo, enquanto os ruins perdem dinheiro e influência. E todos aprendem observando a movimentação dos preços em tempo real, à medida que mais informações são adicionadas ao mercado.

Alguns até acreditam que os mercados de previsão poderiam manter os extremistas e as teorias da conspiração sob controle, aumentando os riscos de visões marginais. “Vivemos em um mundo ilusório, cheio de coisas pelas quais as pessoas estão torcendo”, diz Yudkowsky. “E se elas tivessem que apostar dinheiro, elas recuariam rapidamente.”

Na utopia repleta de apostas que os racionalistas imaginam, os quadros de líderes classificariam os especialistas de acordo com a precisão de suas previsões, e prestaríamos atenção apenas aos que fossem comprovadamente prescientes. As empresas acompanhariam os mercados de previsão para descobrir quais produtos construir ou com quais concorrentes se preocupar. Os governos se apoiariam nos mercados de previsão, e não em pesquisas de opinião ou lobistas, para decidir quais políticas adotar. E os contrários com opiniões impopulares (mas corretas) poderiam ganhar muito dinheiro apostando contra as probabilidades.

É claro que existem grandes obstáculos para esse futuro. Os mercados de previsão não funcionam bem se poucas pessoas os utilizarem ou se todos os participantes tiverem informações idênticas sobre algo. Por exemplo, você não aprenderia muito com o mercado de previsão “O sol nascerá amanhã?”. Eles não funcionam para perguntas mais subjetivas ou difíceis de medir. Quem decide, por exemplo, se uma IA superou a inteligência humana?

Os especialistas levantaram outros problemas com os mercados de previsão com dinheiro real - que eles poderiam permitir que pessoas ricas distorcessem a opinião pública apostando grandes somas de dinheiro em seus resultados preferidos, que eles poderiam incentivar comportamentos ilegais ou imorais, que o comércio de informações privilegiadas poderia prejudicá-los.

Mas se esses problemas puderem ser superados, acreditam os adeptos, esses mercados poderão trazer lógica e rigor intelectual a um mundo que precisa muito disso - de forma semelhante à maneira como os vendedores em Wall Street acham que sua capacidade de apostar contra as ações de uma empresa proporciona um controle necessário da má administração corporativa.

O renascimento racionalista deu fôlego a empresas iniciantes como a Manifold Markets, que foi inicialmente financiada por um programa de subsídios administrado pelo Astral Codex Ten, um blog racionalista que promoveu mercados de previsão. Ela também recebeu US$ 1 milhão do FTX Future Fund, o braço filantrópico da falida bolsa de criptomoedas cujo fundador, Sam Bankman-Fried, é um fã dos mercados de previsão.

A maioria dos mercados de previsão ainda é pequena para os padrões do mercado de ações. A Manifold Markets tem cerca de 43 mil usuários, de acordo com a empresa. Mas os defensores dizem que eles ainda são bons o suficiente para serem úteis.

“É verdade que em todos os domínios em que pudemos comparar os dados de um mercado de previsão com mecanismos de previsão alternativos, o mercado se saiu melhor”, disse Justin Wolfers, professor de políticas públicas e economia da Universidade de Michigan.

“Se você quiser prever qual cavalo vai ganhar o Kentucky Derby”, acrescentou, “é melhor acompanhar as probabilidades de apostas do que perguntar aos especialistas”.

Os fundadores da Manifold Markets, da esquerda para a direita, Stephen Grugett, Austin Chen e James Grugett Foto: Jason Henry/The New York Times

Austin Chen, 28, cofundador da Manifold Markets, me disse que, embora a empresa usasse dinheiro falso, seus mercados de previsão eram bem calibrados. Ou seja, quando os usuários do site preveem 70% de chance de algo acontecer, isso realmente acontece em cerca de 70% das vezes.

O Sr. Chen acredita piamente nos mercados de previsão. E ele disse que, embora os mercados individuais pudessem estar errados, ele acreditava que os mercados de previsão, em geral, eram boas fontes de sabedoria.

O que eles não são, pelo menos no que diz respeito a dinheiro real, é legal. Este ano, a Commodity Futures Trading Commission rejeitou uma proposta da startup de mercado de previsão Kalshi para permitir que seus usuários apostassem em qual partido controlaria o Congresso - dizendo que permitir que os usuários apostassem em eleições seria “contrário ao interesse público”. Essa agência também multou a Polymarket, uma plataforma de previsão baseada em criptomoeda, em US$ 1,4 milhão por oferecer negociação de opções não registradas no ano passado.

A maioria das pessoas que conheci no Manifest descartou essas preocupações e achou que a maioria dos mercados de previsão com dinheiro real deveria ser legal. Algumas pessoas criticaram os mercados relacionados à morte de figuras públicas - que, segundo elas, poderiam incentivar assassinatos. E poucos expressaram qualquer escrúpulo moral em relação a um mundo onde o jogo em tudo é incentivado.

“Os mercados de previsão são muito melhores do que jogar em um cassino ou apostar em esportes”, disse Chen. “As apostas servem a um propósito maior, o de ajudar o mundo a obter melhores informações.” /TRADUÇÃO BRUNO ROMANI

THE NEW YORK TIMES - Eu nunca tinha participado de uma conferência de negócios com 28% de chances de uma suruba acontecer.

Mas essas eram as chances oficiais de orgia quando cheguei ao Manifest, um “encontro de nerds das previsões” que a startup de previsão Manifold Markets organizou no mês passado em Berkeley, Califórnia.

Joshua Fleming mostra apostas em uma plataforma de apostas sobre quanto tempo acham que o ex-presidente dos EUA, Donald Trump, cumprirá sua pena Foto: Jason Henry/The New York Times

No segundo dia da conferência, as chances haviam aumentado para 47%. E no terceiro dia, elas chegaram a 100% - porque houve, de fato, uma orgia (não, eu não fui convidado).

Essa estranha mistura de dados e devassidão foi o clima dominante do evento Manifest, que foi realizado em um hotel convertido para cerca de 250 trabalhadores da área de tecnologia, blogueiros, economistas, estudantes e especialistas variados. Eles estavam lá para celebrar os mercados de previsão, plataformas online onde os usuários podem apostar em eventos futuros - desde “A Ucrânia recuperará o controle da Crimeia antes do final de 2024?” até “Elon Musk e Mark Zuckerberg vão sair na porrada ainda em 2023?”

No Manifold Markets, os usuários podem criar um mercado sobre qualquer tópico e convidar outros usuários para apostar nele. Os vencedores ganham o direito de se gabar, além de unidades de Mana, a moeda de dinheiro virtual da empresa, que podem ser convertidas em doações para caridade ou usadas em outras apostas.

Os mercados de previsão não são uma ideia nova, nem a esperança de que as apostas possam produzir informações úteis. Porém, nos últimos anos, os mercados de previsão chamaram a atenção de um grupo do Vale do Silício que acredita que podemos resolver grande parte do que aflige a sociedade apostando em nosso futuro da mesma forma que apostamos em ações ou jogos esportivos.

Essas pessoas acreditam que o mundo está repleto de informações ruins - notícias tendenciosas, especialistas fora de sintonia, teorias da conspiração malucas. Muitas dessas informações são divulgadas por pessoas que não estão envolvidas no jogo. Ou pior, pessoas com incentivos para mentir. E muitas pessoas perderam a fé nos especialistas e nas instituições, como o governo e a mídia, que antes serviam como árbitros confiáveis.

Os mercados de previsão, eles acreditam, oferecem uma maneira melhor de buscar a verdade - recompensando aqueles que são bons em previsões, permitindo que ganhem dinheiro com aqueles que são ruins nisso.

No ano passado, ouvi pesquisadores de inteligência artificial (IA) apostando no ano em que teremos a AGI (inteligência artificial geral), um sistema que pode fazer tudo o que um ser humano pode. Eles também faziam apostas paralelas sobre, por exemplo, quando uma IA ganhará o Prêmio Nobel ou se um filme gerado por IA será indicado ao Oscar.

Pessoas assistindo a uma palestra do Manifest sobre tendências de mercado Foto: Jason Henry/The New York Times

Mercados de previsão também surgiram em torno de grandes eventos mundiais, como a guerra na Ucrânia. E em áreas como capital de risco e previsão econômica, os observadores de tendências começaram a olhar para os mercados de previsão em busca de sinais do futuro.

Este ano, quando um grupo de cientistas sul-coreanos alegou ter criado um supercondutor de temperatura ambiente chamado LK-99 - uma descoberta revolucionária com enormes implicações, se fosse verdade - os mercados de previsão se iluminaram com apostas sobre a credibilidade da descoberta.

Fui ao Manifest para tentar entender o apelo dos mercados de previsão e entrar na cabeça das pessoas que são obcecadas por eles. E, embora não tenha me convencido de que esses mercados serão uma parte importante de nosso futuro, não é uma possibilidade contra a qual eu apostaria.

Ideia antiga

A ideia básica por trás do Manifold Markets e de plataformas semelhantes, como Kalshi e Polymarket, é a seguinte: Os mercados agregam informações. Quanto mais informações forem agregadas, mais precisas elas tendem a ser. E se um número suficiente de pessoas fizer apostas suficientes, com informações suficientes por trás delas, os mercados podem lhe dizer algo útil sobre o futuro.

A maioria de nós aceita esse princípio quando se trata de investir. Se o preço das ações da Apple subir 10% em um dia ou cair 20% no dia seguinte, presumimos que isso se deve ao fato de investidores inteligentes com acesso a boas informações terem mudado de opinião sobre as perspectivas da empresa, e que não se trata apenas de um evento aleatório.

Mas como os mercados se sairiam na previsão de outras coisas? Seria possível, por exemplo, descobrir se a próxima turnê de Taylor Swift venderá mais ingressos do que a última, não perguntando a especialistas em música ou a promotores de shows o que eles acham, mas abrindo um mercado que permitiria a todos - fãs, outros músicos, fundos de hedge e até mesmo a própria Swift - dar sua opinião? E esse mercado se tornaria mais preciso com o tempo, à medida que novas informações fossem chegando?

Nos últimos anos, a ideia foi revivida pelos Racionalistas, um movimento de obsessivos por dados cerebrais que se tornou uma força cultural no Vale do Silício. Muitos racionalistas proeminentes são fãs dos mercados de previsão e incentivaram outros racionalistas a usá-los para testar seus próprios pontos de vista.

Durante o Manifesto, Eliezer Yudkowsky debateu com o youtuber Destiny Foto: Jason Henry/The New York Times

“Os preços do mercado de previsão são os meios pelos quais uma civilização de alto funcionamento sabe o que sabe”, disse Eliezer Yudkowsky, pesquisador de segurança de IA e racionalista proeminente.

Dinheiro falso, informações reais

Na visão dos racionalistas, os mercados de previsão são uma parte essencial de um ecossistema cívico saudável e uma verificação necessária dos especialistas e das autoridades tradicionais.

Eles acreditam que os mercados de previsão funcionam porque aproveitam a sabedoria das multidões e filtram o ruído e a parcialidade, reduzindo os debates polêmicos a perguntas simples de sim ou não. Os bons analistas ganham mais apostas ao longo do tempo, enquanto os ruins perdem dinheiro e influência. E todos aprendem observando a movimentação dos preços em tempo real, à medida que mais informações são adicionadas ao mercado.

Alguns até acreditam que os mercados de previsão poderiam manter os extremistas e as teorias da conspiração sob controle, aumentando os riscos de visões marginais. “Vivemos em um mundo ilusório, cheio de coisas pelas quais as pessoas estão torcendo”, diz Yudkowsky. “E se elas tivessem que apostar dinheiro, elas recuariam rapidamente.”

Na utopia repleta de apostas que os racionalistas imaginam, os quadros de líderes classificariam os especialistas de acordo com a precisão de suas previsões, e prestaríamos atenção apenas aos que fossem comprovadamente prescientes. As empresas acompanhariam os mercados de previsão para descobrir quais produtos construir ou com quais concorrentes se preocupar. Os governos se apoiariam nos mercados de previsão, e não em pesquisas de opinião ou lobistas, para decidir quais políticas adotar. E os contrários com opiniões impopulares (mas corretas) poderiam ganhar muito dinheiro apostando contra as probabilidades.

É claro que existem grandes obstáculos para esse futuro. Os mercados de previsão não funcionam bem se poucas pessoas os utilizarem ou se todos os participantes tiverem informações idênticas sobre algo. Por exemplo, você não aprenderia muito com o mercado de previsão “O sol nascerá amanhã?”. Eles não funcionam para perguntas mais subjetivas ou difíceis de medir. Quem decide, por exemplo, se uma IA superou a inteligência humana?

Os especialistas levantaram outros problemas com os mercados de previsão com dinheiro real - que eles poderiam permitir que pessoas ricas distorcessem a opinião pública apostando grandes somas de dinheiro em seus resultados preferidos, que eles poderiam incentivar comportamentos ilegais ou imorais, que o comércio de informações privilegiadas poderia prejudicá-los.

Mas se esses problemas puderem ser superados, acreditam os adeptos, esses mercados poderão trazer lógica e rigor intelectual a um mundo que precisa muito disso - de forma semelhante à maneira como os vendedores em Wall Street acham que sua capacidade de apostar contra as ações de uma empresa proporciona um controle necessário da má administração corporativa.

O renascimento racionalista deu fôlego a empresas iniciantes como a Manifold Markets, que foi inicialmente financiada por um programa de subsídios administrado pelo Astral Codex Ten, um blog racionalista que promoveu mercados de previsão. Ela também recebeu US$ 1 milhão do FTX Future Fund, o braço filantrópico da falida bolsa de criptomoedas cujo fundador, Sam Bankman-Fried, é um fã dos mercados de previsão.

A maioria dos mercados de previsão ainda é pequena para os padrões do mercado de ações. A Manifold Markets tem cerca de 43 mil usuários, de acordo com a empresa. Mas os defensores dizem que eles ainda são bons o suficiente para serem úteis.

“É verdade que em todos os domínios em que pudemos comparar os dados de um mercado de previsão com mecanismos de previsão alternativos, o mercado se saiu melhor”, disse Justin Wolfers, professor de políticas públicas e economia da Universidade de Michigan.

“Se você quiser prever qual cavalo vai ganhar o Kentucky Derby”, acrescentou, “é melhor acompanhar as probabilidades de apostas do que perguntar aos especialistas”.

Os fundadores da Manifold Markets, da esquerda para a direita, Stephen Grugett, Austin Chen e James Grugett Foto: Jason Henry/The New York Times

Austin Chen, 28, cofundador da Manifold Markets, me disse que, embora a empresa usasse dinheiro falso, seus mercados de previsão eram bem calibrados. Ou seja, quando os usuários do site preveem 70% de chance de algo acontecer, isso realmente acontece em cerca de 70% das vezes.

O Sr. Chen acredita piamente nos mercados de previsão. E ele disse que, embora os mercados individuais pudessem estar errados, ele acreditava que os mercados de previsão, em geral, eram boas fontes de sabedoria.

O que eles não são, pelo menos no que diz respeito a dinheiro real, é legal. Este ano, a Commodity Futures Trading Commission rejeitou uma proposta da startup de mercado de previsão Kalshi para permitir que seus usuários apostassem em qual partido controlaria o Congresso - dizendo que permitir que os usuários apostassem em eleições seria “contrário ao interesse público”. Essa agência também multou a Polymarket, uma plataforma de previsão baseada em criptomoeda, em US$ 1,4 milhão por oferecer negociação de opções não registradas no ano passado.

A maioria das pessoas que conheci no Manifest descartou essas preocupações e achou que a maioria dos mercados de previsão com dinheiro real deveria ser legal. Algumas pessoas criticaram os mercados relacionados à morte de figuras públicas - que, segundo elas, poderiam incentivar assassinatos. E poucos expressaram qualquer escrúpulo moral em relação a um mundo onde o jogo em tudo é incentivado.

“Os mercados de previsão são muito melhores do que jogar em um cassino ou apostar em esportes”, disse Chen. “As apostas servem a um propósito maior, o de ajudar o mundo a obter melhores informações.” /TRADUÇÃO BRUNO ROMANI

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