É possível apagar todos os seus rastros na internet?


Presença em redes sociais e em sites de compra tornam a missão difícil

Por Bruna Arimathea
Atualização:

É muito fácil pesquisar sobre a vida de outras pessoas na internet: em poucos cliques é possível encontrar informações como nome, sobrenome e data de nascimento. E não é necessário ser artista ou pessoa pública para que esses dados estejam disponíveis. Uma curta “passadinha” por redes sociais, como Facebook, Instagram e Twitter, ou sites de compra já é capaz de registrar para sempre o indivíduo na web. Isso tem levado uma parcela das pessoas querer “apagar” seu histórico digital, como se nunca estivessem estado online - uma missão que parece inglória.

Uma pesquisa realizada pela empresa de cibersegurança NordVPN identificou que cerca de 20% dos brasileiros gostariam de ter todos os seus dados pessoais excluídos da internet. Isso vai além das contas nas redes sociais: para eles, o desejo é de ter todo e qualquer registro deletado, como informações de documentos, fotos, contas de e-mail e telefone.

Especialistas, porém, apresentam uma realidade pouco animadora. Marcelo Crespo, especialista em direito digital da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), crava: é impossível apagar todas as suas informações da internet. Uma vez que fornecemos dados para sites, redes sociais e e-commerces ao longo da vida, esses ativos circulam em diversas ferramentas da web e é impossível ter o controle exato de onde eles podem estar.

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“A gente interage com muitas situações na web. Quando aparece uma nova tendência — como o Lensa, por exemplo, um app de inteligência artificial —, pagando ou não, você precisa fazer um cadastro e fazer um upload da sua foto. São nesses casos em que você está exposto a violações da sua proteção de dados”, explica Crespo, em entrevista ao Estadão.

Os motivos para frear o avanço das informações são diversos. Para algumas pessoas, a ideia é realmente “não existir” em serviços como Instagram, Facebook e Google. Para outras, traumas como fraudes bancárias ou perfis falsos guiam a busca por métodos menos visíveis de utilizar os serviços.

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Segundo o estudo da NordVPN, de todas as pessoas que responderam que gostariam de se deletar digitalmente, 32% alegaram fatores de segurança, como o medo de serem hackeadas ou de sofrerem golpes na web. Mas 43% afirmaram que o principal motivo para querer estar offline é o tempo excessivo gasto nas redes sociais — foi o maior índice de respostas da pesquisa.

Redes sociais são um dos vilões para quem quer ter vida offline  Foto: Denis Charlet/AFP

O tipo de ausência é específico: o desejo é estar socialmente offline, sem plataformas de interação social. Edney Souza, professor de inovação, tecnologia e negócios digitais na ESPM, explica que esse sentimento pode ser gerado pela sobrecarga que o tempo utilizado nas redes pode gerar ao usuário.

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“Muitas pessoas ficam nas redes sociais a ponto de esquecer a própria vida. Você pode querer apagar as redes para ter um tempo para si mesmo, fazer alguma atividade não digital. Ficar ‘offline’ pode ser uma forma de se reconectar, principalmente em momentos difíceis”.

Dados não desaparecem da internet

Porém, nossas pegadas digitais vão muito além de perfis no Twitter e contas de e-mail— existem muitos dados que ficam pelo caminho. Neste caso, o problema é mais difícil de ser resolvido. Isso porque mesmo os mais cuidadosos deixam “rastros” de existência na internet — ainda que sem querer —, e as plataformas possuem um papel importante no histórico de perpetuação de dados pessoais na internet.

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Em quase toda interação, seja social ou de utilização, como streamings, lojas e serviços, é preciso fazer um cadastro e, inevitavelmente, fornecer informações como data de nascimento e número do celular. Esses dados são recolhidos pelas empresas e usados em direcionamento de conteúdo de publicidade, geralmente oferecidos por parcerias.

Empresas, como Microsoft e Twitter, Banco Central e até o Ministério da Saúde já sofreram com algum ataque que expôs dados de usuários na internet — o resultado desses vazamentos são uma mercadoria valiosa para cibercriminosos que vendem pacotes de dados, frequentemente usados para aplicar golpes e gerar fraudes. Os megavazamentos de dados de janeiro de 2021 mostraram que essas informações circulam livremente pela rede - como mostrou o Estadão, nem mesmo as principais autoridades do País passaram ilesas no caso.

“Quando se fala em plataforma a gente já pensa em redes sociais mas não é só isso. Todos os sistemas de comércio online e serviços, em alguma medida, fazem com que sejamos colaboradores desse mercado de dados. Esse é o grande ativo do mercado da internet. Tem a ver com o modelo de negócio”, explica Taís Seibt, doutora em comunicação e informação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

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No Brasil, a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), sancionada em 2018 (e punições definidas no mês passado), garante que todo usuário possa pedir para que suas informações possam ser excluídas do banco de dados de empresas e portais de serviço. Para essa opção, é necessário entrar em contato com a empresa e verificar os meios pelos quais a exclusão pode ser feita.

A exceção para exclusão fica por conta de documentos públicos, como processos e aqueles de posse do governo federal, estadual ou municipal. Ainda assim, isso versa apenas de protocolos relacionados a ações não sigilosas — não é permitido a divulgação de dados adicionais ou não relacionados ao documento em questão.

Todos os sistemas de comércio online e serviços, em alguma medida, fazem com que sejamos colaboradores desse mercado de dados. Esse é o grande ativo do mercado da internet

Taís Seibt, doutora em comunicação e informação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)

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Para casos mais extremos de exposição na web, que vão além de dados pessoais, existe ainda a possibilidade de apresentar o caso à Justiça. A opção ganhou vigência na web com o Marco Civil da Internet, assinado em 2014, e pode ser solicitada em casos de injúria, vazamento de imagens ou acontecimentos que possam gerar constrangimento. O recurso, porém, é alvo de debate: em 2021, o Supremo Tribunal Federal julgou o dispositivo inconstitucional, o que tornou seu uso ainda mais específico.

“O STF firmou entendimento de que o direito ao esquecimento é incompatível com a Constituição. Em casos de excessos ou abusos no exercício da liberdade de expressão devem ser analisados individualmente, com foco nas diretrizes da Constituição e das leis”, explica Crespo. “Ou seja, conteúdos sobre alguém publicados licitamente na internet até podem ser removidos, mas isso dependerá de análise detalhada do caso e constatado abuso ou excesso no direito de expressão ou de informação”.

O que posso fazer para sumir da internet?

Ainda que seja impossível sumir da internet, é possível realizar pequenas ações para diminuir o alcance ou mesmo a quantidade de informações disponíveis na rede.

“Em primeiro lugar, se você não quer estar na internet, a primeira coisa é não ter uma conta numa rede social. Qualquer rede social significa monitoramento constante o tempo todo, do ponto de vista de dados”, avisa Crespo, da ESPM.

Desvincular o e-mail de contas em plataformas é um dos primeiros passos para diminuir compartilhamento de dados Foto: Robert Galbraith/Reuters

O ponto é mesmo fundamental: todas as plataformas possuem as “letras miúdas”, os termos de uso (ou políticas de uso), quando vamos aceitar um novo cadastro ou uma nova conta. Esse contrato prevê quando a plataforma pode compartilhar seus dados e em quais circunstâncias. O spoiler é que, caso você esteja em uma das redes sociais mais populares — como Facebook, Twitter, Instagram e TikTok — você já autorizou que essas empresas possam ter acesso a itens como localização, dados de pagamento e tempo de uso, por exemplo.

Em seguida, é recomendável fazer uma lista de todos os sites e plataformas em que seu e-mail está cadastrado e reverter o processo. É possível descadastrar os e-mails pela própria mensagem recebida, em um link geralmente localizado na parte inferior do texto (termos como “descadastre-se” ou “não quero mais receber esse conteúdo” são usados para oferecer a opção).

O próprio Google possui uma configuração que permite que usuário veja quais são as plataformas vinculadas à conta de e-mail. Na parte superior da página do e-mail, clique no ícone com o usuário do e-mail e selecione “gerenciar sua conta do Google”. Em seguida, acesse a aba “segurança”, vá até o menu “fazer logins em outros sites”, e clique em “conectado com a conta do Google”. A página seguinte mostra ao usuário todos os serviços que utilizam o endereço do e-mail e permite alterar ou apagar o login nestas plataformas.

Sites como o have i been pwned? também podem fazer o meio campo na hora de fazer a limpa nos dados. Criado para mapear vazamentos, a plataforma identifica se o seu e-mail esteve envolvido em algum vazamento e qual era o site em que ele estava cadastrado quando a ação aconteceu — é uma outra forma de relembrar os logins feitos com o endereço. Mas vale lembrar: o que vazou não tem retorno.

Também é possível recorrer à LGPD para pedir para as empresas apagarem os dados recolhidos. Neste caso, o contato é feito diretamente entre o usuário e a companhia — muitas delas já possuem campos específicos nos sites para o encaminhamento do pedido. Cada requerimento tem um prazo de 10 dias para ser atendido.

Para Crespo, mesmo os mínimos detalhes podem fazer a diferença, mas olhar a web com um olhar menos “inocente” ajuda. “Entendendo que a internet hoje se utiliza muito de análise comportamental, fica mais fácil perceber (os dados que são compartilhados). Toda interação de busca que fazemos, todas as curtidas nas redes sociais, geram uma informação sobre o usuário.”

É muito fácil pesquisar sobre a vida de outras pessoas na internet: em poucos cliques é possível encontrar informações como nome, sobrenome e data de nascimento. E não é necessário ser artista ou pessoa pública para que esses dados estejam disponíveis. Uma curta “passadinha” por redes sociais, como Facebook, Instagram e Twitter, ou sites de compra já é capaz de registrar para sempre o indivíduo na web. Isso tem levado uma parcela das pessoas querer “apagar” seu histórico digital, como se nunca estivessem estado online - uma missão que parece inglória.

Uma pesquisa realizada pela empresa de cibersegurança NordVPN identificou que cerca de 20% dos brasileiros gostariam de ter todos os seus dados pessoais excluídos da internet. Isso vai além das contas nas redes sociais: para eles, o desejo é de ter todo e qualquer registro deletado, como informações de documentos, fotos, contas de e-mail e telefone.

Especialistas, porém, apresentam uma realidade pouco animadora. Marcelo Crespo, especialista em direito digital da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), crava: é impossível apagar todas as suas informações da internet. Uma vez que fornecemos dados para sites, redes sociais e e-commerces ao longo da vida, esses ativos circulam em diversas ferramentas da web e é impossível ter o controle exato de onde eles podem estar.

“A gente interage com muitas situações na web. Quando aparece uma nova tendência — como o Lensa, por exemplo, um app de inteligência artificial —, pagando ou não, você precisa fazer um cadastro e fazer um upload da sua foto. São nesses casos em que você está exposto a violações da sua proteção de dados”, explica Crespo, em entrevista ao Estadão.

Os motivos para frear o avanço das informações são diversos. Para algumas pessoas, a ideia é realmente “não existir” em serviços como Instagram, Facebook e Google. Para outras, traumas como fraudes bancárias ou perfis falsos guiam a busca por métodos menos visíveis de utilizar os serviços.

Segundo o estudo da NordVPN, de todas as pessoas que responderam que gostariam de se deletar digitalmente, 32% alegaram fatores de segurança, como o medo de serem hackeadas ou de sofrerem golpes na web. Mas 43% afirmaram que o principal motivo para querer estar offline é o tempo excessivo gasto nas redes sociais — foi o maior índice de respostas da pesquisa.

Redes sociais são um dos vilões para quem quer ter vida offline  Foto: Denis Charlet/AFP

O tipo de ausência é específico: o desejo é estar socialmente offline, sem plataformas de interação social. Edney Souza, professor de inovação, tecnologia e negócios digitais na ESPM, explica que esse sentimento pode ser gerado pela sobrecarga que o tempo utilizado nas redes pode gerar ao usuário.

“Muitas pessoas ficam nas redes sociais a ponto de esquecer a própria vida. Você pode querer apagar as redes para ter um tempo para si mesmo, fazer alguma atividade não digital. Ficar ‘offline’ pode ser uma forma de se reconectar, principalmente em momentos difíceis”.

Dados não desaparecem da internet

Porém, nossas pegadas digitais vão muito além de perfis no Twitter e contas de e-mail— existem muitos dados que ficam pelo caminho. Neste caso, o problema é mais difícil de ser resolvido. Isso porque mesmo os mais cuidadosos deixam “rastros” de existência na internet — ainda que sem querer —, e as plataformas possuem um papel importante no histórico de perpetuação de dados pessoais na internet.

Em quase toda interação, seja social ou de utilização, como streamings, lojas e serviços, é preciso fazer um cadastro e, inevitavelmente, fornecer informações como data de nascimento e número do celular. Esses dados são recolhidos pelas empresas e usados em direcionamento de conteúdo de publicidade, geralmente oferecidos por parcerias.

Empresas, como Microsoft e Twitter, Banco Central e até o Ministério da Saúde já sofreram com algum ataque que expôs dados de usuários na internet — o resultado desses vazamentos são uma mercadoria valiosa para cibercriminosos que vendem pacotes de dados, frequentemente usados para aplicar golpes e gerar fraudes. Os megavazamentos de dados de janeiro de 2021 mostraram que essas informações circulam livremente pela rede - como mostrou o Estadão, nem mesmo as principais autoridades do País passaram ilesas no caso.

“Quando se fala em plataforma a gente já pensa em redes sociais mas não é só isso. Todos os sistemas de comércio online e serviços, em alguma medida, fazem com que sejamos colaboradores desse mercado de dados. Esse é o grande ativo do mercado da internet. Tem a ver com o modelo de negócio”, explica Taís Seibt, doutora em comunicação e informação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

No Brasil, a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), sancionada em 2018 (e punições definidas no mês passado), garante que todo usuário possa pedir para que suas informações possam ser excluídas do banco de dados de empresas e portais de serviço. Para essa opção, é necessário entrar em contato com a empresa e verificar os meios pelos quais a exclusão pode ser feita.

A exceção para exclusão fica por conta de documentos públicos, como processos e aqueles de posse do governo federal, estadual ou municipal. Ainda assim, isso versa apenas de protocolos relacionados a ações não sigilosas — não é permitido a divulgação de dados adicionais ou não relacionados ao documento em questão.

Todos os sistemas de comércio online e serviços, em alguma medida, fazem com que sejamos colaboradores desse mercado de dados. Esse é o grande ativo do mercado da internet

Taís Seibt, doutora em comunicação e informação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)

Para casos mais extremos de exposição na web, que vão além de dados pessoais, existe ainda a possibilidade de apresentar o caso à Justiça. A opção ganhou vigência na web com o Marco Civil da Internet, assinado em 2014, e pode ser solicitada em casos de injúria, vazamento de imagens ou acontecimentos que possam gerar constrangimento. O recurso, porém, é alvo de debate: em 2021, o Supremo Tribunal Federal julgou o dispositivo inconstitucional, o que tornou seu uso ainda mais específico.

“O STF firmou entendimento de que o direito ao esquecimento é incompatível com a Constituição. Em casos de excessos ou abusos no exercício da liberdade de expressão devem ser analisados individualmente, com foco nas diretrizes da Constituição e das leis”, explica Crespo. “Ou seja, conteúdos sobre alguém publicados licitamente na internet até podem ser removidos, mas isso dependerá de análise detalhada do caso e constatado abuso ou excesso no direito de expressão ou de informação”.

O que posso fazer para sumir da internet?

Ainda que seja impossível sumir da internet, é possível realizar pequenas ações para diminuir o alcance ou mesmo a quantidade de informações disponíveis na rede.

“Em primeiro lugar, se você não quer estar na internet, a primeira coisa é não ter uma conta numa rede social. Qualquer rede social significa monitoramento constante o tempo todo, do ponto de vista de dados”, avisa Crespo, da ESPM.

Desvincular o e-mail de contas em plataformas é um dos primeiros passos para diminuir compartilhamento de dados Foto: Robert Galbraith/Reuters

O ponto é mesmo fundamental: todas as plataformas possuem as “letras miúdas”, os termos de uso (ou políticas de uso), quando vamos aceitar um novo cadastro ou uma nova conta. Esse contrato prevê quando a plataforma pode compartilhar seus dados e em quais circunstâncias. O spoiler é que, caso você esteja em uma das redes sociais mais populares — como Facebook, Twitter, Instagram e TikTok — você já autorizou que essas empresas possam ter acesso a itens como localização, dados de pagamento e tempo de uso, por exemplo.

Em seguida, é recomendável fazer uma lista de todos os sites e plataformas em que seu e-mail está cadastrado e reverter o processo. É possível descadastrar os e-mails pela própria mensagem recebida, em um link geralmente localizado na parte inferior do texto (termos como “descadastre-se” ou “não quero mais receber esse conteúdo” são usados para oferecer a opção).

O próprio Google possui uma configuração que permite que usuário veja quais são as plataformas vinculadas à conta de e-mail. Na parte superior da página do e-mail, clique no ícone com o usuário do e-mail e selecione “gerenciar sua conta do Google”. Em seguida, acesse a aba “segurança”, vá até o menu “fazer logins em outros sites”, e clique em “conectado com a conta do Google”. A página seguinte mostra ao usuário todos os serviços que utilizam o endereço do e-mail e permite alterar ou apagar o login nestas plataformas.

Sites como o have i been pwned? também podem fazer o meio campo na hora de fazer a limpa nos dados. Criado para mapear vazamentos, a plataforma identifica se o seu e-mail esteve envolvido em algum vazamento e qual era o site em que ele estava cadastrado quando a ação aconteceu — é uma outra forma de relembrar os logins feitos com o endereço. Mas vale lembrar: o que vazou não tem retorno.

Também é possível recorrer à LGPD para pedir para as empresas apagarem os dados recolhidos. Neste caso, o contato é feito diretamente entre o usuário e a companhia — muitas delas já possuem campos específicos nos sites para o encaminhamento do pedido. Cada requerimento tem um prazo de 10 dias para ser atendido.

Para Crespo, mesmo os mínimos detalhes podem fazer a diferença, mas olhar a web com um olhar menos “inocente” ajuda. “Entendendo que a internet hoje se utiliza muito de análise comportamental, fica mais fácil perceber (os dados que são compartilhados). Toda interação de busca que fazemos, todas as curtidas nas redes sociais, geram uma informação sobre o usuário.”

É muito fácil pesquisar sobre a vida de outras pessoas na internet: em poucos cliques é possível encontrar informações como nome, sobrenome e data de nascimento. E não é necessário ser artista ou pessoa pública para que esses dados estejam disponíveis. Uma curta “passadinha” por redes sociais, como Facebook, Instagram e Twitter, ou sites de compra já é capaz de registrar para sempre o indivíduo na web. Isso tem levado uma parcela das pessoas querer “apagar” seu histórico digital, como se nunca estivessem estado online - uma missão que parece inglória.

Uma pesquisa realizada pela empresa de cibersegurança NordVPN identificou que cerca de 20% dos brasileiros gostariam de ter todos os seus dados pessoais excluídos da internet. Isso vai além das contas nas redes sociais: para eles, o desejo é de ter todo e qualquer registro deletado, como informações de documentos, fotos, contas de e-mail e telefone.

Especialistas, porém, apresentam uma realidade pouco animadora. Marcelo Crespo, especialista em direito digital da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), crava: é impossível apagar todas as suas informações da internet. Uma vez que fornecemos dados para sites, redes sociais e e-commerces ao longo da vida, esses ativos circulam em diversas ferramentas da web e é impossível ter o controle exato de onde eles podem estar.

“A gente interage com muitas situações na web. Quando aparece uma nova tendência — como o Lensa, por exemplo, um app de inteligência artificial —, pagando ou não, você precisa fazer um cadastro e fazer um upload da sua foto. São nesses casos em que você está exposto a violações da sua proteção de dados”, explica Crespo, em entrevista ao Estadão.

Os motivos para frear o avanço das informações são diversos. Para algumas pessoas, a ideia é realmente “não existir” em serviços como Instagram, Facebook e Google. Para outras, traumas como fraudes bancárias ou perfis falsos guiam a busca por métodos menos visíveis de utilizar os serviços.

Segundo o estudo da NordVPN, de todas as pessoas que responderam que gostariam de se deletar digitalmente, 32% alegaram fatores de segurança, como o medo de serem hackeadas ou de sofrerem golpes na web. Mas 43% afirmaram que o principal motivo para querer estar offline é o tempo excessivo gasto nas redes sociais — foi o maior índice de respostas da pesquisa.

Redes sociais são um dos vilões para quem quer ter vida offline  Foto: Denis Charlet/AFP

O tipo de ausência é específico: o desejo é estar socialmente offline, sem plataformas de interação social. Edney Souza, professor de inovação, tecnologia e negócios digitais na ESPM, explica que esse sentimento pode ser gerado pela sobrecarga que o tempo utilizado nas redes pode gerar ao usuário.

“Muitas pessoas ficam nas redes sociais a ponto de esquecer a própria vida. Você pode querer apagar as redes para ter um tempo para si mesmo, fazer alguma atividade não digital. Ficar ‘offline’ pode ser uma forma de se reconectar, principalmente em momentos difíceis”.

Dados não desaparecem da internet

Porém, nossas pegadas digitais vão muito além de perfis no Twitter e contas de e-mail— existem muitos dados que ficam pelo caminho. Neste caso, o problema é mais difícil de ser resolvido. Isso porque mesmo os mais cuidadosos deixam “rastros” de existência na internet — ainda que sem querer —, e as plataformas possuem um papel importante no histórico de perpetuação de dados pessoais na internet.

Em quase toda interação, seja social ou de utilização, como streamings, lojas e serviços, é preciso fazer um cadastro e, inevitavelmente, fornecer informações como data de nascimento e número do celular. Esses dados são recolhidos pelas empresas e usados em direcionamento de conteúdo de publicidade, geralmente oferecidos por parcerias.

Empresas, como Microsoft e Twitter, Banco Central e até o Ministério da Saúde já sofreram com algum ataque que expôs dados de usuários na internet — o resultado desses vazamentos são uma mercadoria valiosa para cibercriminosos que vendem pacotes de dados, frequentemente usados para aplicar golpes e gerar fraudes. Os megavazamentos de dados de janeiro de 2021 mostraram que essas informações circulam livremente pela rede - como mostrou o Estadão, nem mesmo as principais autoridades do País passaram ilesas no caso.

“Quando se fala em plataforma a gente já pensa em redes sociais mas não é só isso. Todos os sistemas de comércio online e serviços, em alguma medida, fazem com que sejamos colaboradores desse mercado de dados. Esse é o grande ativo do mercado da internet. Tem a ver com o modelo de negócio”, explica Taís Seibt, doutora em comunicação e informação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

No Brasil, a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), sancionada em 2018 (e punições definidas no mês passado), garante que todo usuário possa pedir para que suas informações possam ser excluídas do banco de dados de empresas e portais de serviço. Para essa opção, é necessário entrar em contato com a empresa e verificar os meios pelos quais a exclusão pode ser feita.

A exceção para exclusão fica por conta de documentos públicos, como processos e aqueles de posse do governo federal, estadual ou municipal. Ainda assim, isso versa apenas de protocolos relacionados a ações não sigilosas — não é permitido a divulgação de dados adicionais ou não relacionados ao documento em questão.

Todos os sistemas de comércio online e serviços, em alguma medida, fazem com que sejamos colaboradores desse mercado de dados. Esse é o grande ativo do mercado da internet

Taís Seibt, doutora em comunicação e informação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)

Para casos mais extremos de exposição na web, que vão além de dados pessoais, existe ainda a possibilidade de apresentar o caso à Justiça. A opção ganhou vigência na web com o Marco Civil da Internet, assinado em 2014, e pode ser solicitada em casos de injúria, vazamento de imagens ou acontecimentos que possam gerar constrangimento. O recurso, porém, é alvo de debate: em 2021, o Supremo Tribunal Federal julgou o dispositivo inconstitucional, o que tornou seu uso ainda mais específico.

“O STF firmou entendimento de que o direito ao esquecimento é incompatível com a Constituição. Em casos de excessos ou abusos no exercício da liberdade de expressão devem ser analisados individualmente, com foco nas diretrizes da Constituição e das leis”, explica Crespo. “Ou seja, conteúdos sobre alguém publicados licitamente na internet até podem ser removidos, mas isso dependerá de análise detalhada do caso e constatado abuso ou excesso no direito de expressão ou de informação”.

O que posso fazer para sumir da internet?

Ainda que seja impossível sumir da internet, é possível realizar pequenas ações para diminuir o alcance ou mesmo a quantidade de informações disponíveis na rede.

“Em primeiro lugar, se você não quer estar na internet, a primeira coisa é não ter uma conta numa rede social. Qualquer rede social significa monitoramento constante o tempo todo, do ponto de vista de dados”, avisa Crespo, da ESPM.

Desvincular o e-mail de contas em plataformas é um dos primeiros passos para diminuir compartilhamento de dados Foto: Robert Galbraith/Reuters

O ponto é mesmo fundamental: todas as plataformas possuem as “letras miúdas”, os termos de uso (ou políticas de uso), quando vamos aceitar um novo cadastro ou uma nova conta. Esse contrato prevê quando a plataforma pode compartilhar seus dados e em quais circunstâncias. O spoiler é que, caso você esteja em uma das redes sociais mais populares — como Facebook, Twitter, Instagram e TikTok — você já autorizou que essas empresas possam ter acesso a itens como localização, dados de pagamento e tempo de uso, por exemplo.

Em seguida, é recomendável fazer uma lista de todos os sites e plataformas em que seu e-mail está cadastrado e reverter o processo. É possível descadastrar os e-mails pela própria mensagem recebida, em um link geralmente localizado na parte inferior do texto (termos como “descadastre-se” ou “não quero mais receber esse conteúdo” são usados para oferecer a opção).

O próprio Google possui uma configuração que permite que usuário veja quais são as plataformas vinculadas à conta de e-mail. Na parte superior da página do e-mail, clique no ícone com o usuário do e-mail e selecione “gerenciar sua conta do Google”. Em seguida, acesse a aba “segurança”, vá até o menu “fazer logins em outros sites”, e clique em “conectado com a conta do Google”. A página seguinte mostra ao usuário todos os serviços que utilizam o endereço do e-mail e permite alterar ou apagar o login nestas plataformas.

Sites como o have i been pwned? também podem fazer o meio campo na hora de fazer a limpa nos dados. Criado para mapear vazamentos, a plataforma identifica se o seu e-mail esteve envolvido em algum vazamento e qual era o site em que ele estava cadastrado quando a ação aconteceu — é uma outra forma de relembrar os logins feitos com o endereço. Mas vale lembrar: o que vazou não tem retorno.

Também é possível recorrer à LGPD para pedir para as empresas apagarem os dados recolhidos. Neste caso, o contato é feito diretamente entre o usuário e a companhia — muitas delas já possuem campos específicos nos sites para o encaminhamento do pedido. Cada requerimento tem um prazo de 10 dias para ser atendido.

Para Crespo, mesmo os mínimos detalhes podem fazer a diferença, mas olhar a web com um olhar menos “inocente” ajuda. “Entendendo que a internet hoje se utiliza muito de análise comportamental, fica mais fácil perceber (os dados que são compartilhados). Toda interação de busca que fazemos, todas as curtidas nas redes sociais, geram uma informação sobre o usuário.”

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