Fim da moderação de conteúdo na Meta deve impulsionar desinformação e influenciar outras redes


Entidades e especialistas alertam para as consequências da decisão de Mark Zuckerberg

Por João Pedro Adania
Atualização:

A decisão em acabar com a moderação de conteúdo da Meta anunciada por Mark Zuckerberg nesta terça, 7, gerou críticas de especialistas e entidades, que acreditam que a medida deve impulsionar a disseminação de desinformação, além de desmontar uma estrutura que priorizava informação verdadeira.

“A substituição de verificadores de fatos por ‘notas da comunitárias’ e a redução de filtros de moderação podem aumentar a circulação de desinformação, discurso de ódio e conteúdos nocivos nas plataformas”, disse o Instituto de Defesa de Consumidores (Idec).

O instituto ainda disse que essas alterações afrontam iniciativas regulatórias legítimas e impactam diretamente o dia a dia dos usuários, expondo-os a fraudes, abusos e informações enganosos, além de ser potencialmente perigosa em períodos eleitorais.

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O fim da política instituída há oito anos sinaliza mais um passo de aproximação entre Zuckerberg e Trump Foto: Michael Robinson Chavez/WashingtonPost

O que vai substituir a política que derrubava postagens falsas é um novo protocolo, adotado primeiro nos Estados Unidos, chamado de Notas da Comunidade, semelhante ao usado pelo X, de acordo com o executivo-chefe da empresa. Ou seja: agora o Facebook, Instagram, WhatsApp e Threads dependerão dos próprios usuários para acrescentar correções e contexto às publicações que possuem informações falsas ou enganosas.

Em um vídeo, Zuckerberg disse que os agentes de checagem que colocavam os avisos nas plataformas eram enviesados e “mais destruíram a verdade do que a criaram”. Há, inclusive, um fator geográfico na decisão: a equipe de regulação da Meta mudará, da Califórnia, para o Texas. Segundo o CEO, isso vai acontecer em território onde há “menos preocupação” quanto ao viés dos funcionários. A Califórnia é o maior estado democrata dos EUA, enquanto o Texas é um dos principais territórios republicanos no país.

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Zuckerberg alega que as mudanças transportam as redes sociais de volta para suas “raízes e origens”. Segundo ele, os sistemas de regulação das redes sociais se tornaram muito políticos e apresentam muitas falhas. Dessa forma, com menos regulações será mais fácil de evitar que o conteúdo de “pessoas inocentes” seja apagado por engano.

No entanto, Iná Jost, mestre em relações internacionais pela Sciences Po Paris e coordenadora de pesquisa do InternetLab, diz que essa mudança abala uma estrutura construída para defender conteúdo verdadeiro em detrimento à desinformação.

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“Essa estrutura tinha sido uma grande conquista para a liberdade de expressão, porque a gente sabe que essas plataformas sempre tiveram muito espaço esse conteúdo [falso ou enganoso], mas a moderação conseguiu melhorar esse cenário nos últimos anos”, diz.

Ela lembra que o desmanche do trabalho de checadores começou no ano passado, quando a Meta fechou o programa de ‘CrowdTangle’, uma ferramenta de pesquisa com dados sobre a navegação dos usuários nas redes. “Foi uma grande perda para o mundo dos pesquisadores de direitos digitais e da tecnologia em geral”, afirmou Jost.

E por que a moderação pela comunidade pode ser nociva? “Temos muito pouca informação sobre quem são as pessoas que integram as comunidades, quem faz as notas, quem são os revisores das notas. A gente não sabe qual é o crivo quando essas pessoas aprovam ou não conteúdos”, diz. “Esse modelo é muito complicado, porque sozinho não é suficiente para abordar os problemas da moderação de conteúdo automatizada”.

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A Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo) diz que vê com preocupação o anúncio de que a Meta não apoiará mais os veículos jornalísticos dedicados à checagem de fatos e ao combate à desinformação nas redes sociais. “A ação voluntária de usuários das redes não é capaz de substituir a checagem profissional de fatos, principalmente em um cenário em que a poluição do ambiente informativo provoca danos evidentes à democracia, especialmente com o avanço de ferramentas como a inteligência artificial”, diz a entidade em nota.

Influência para outras redes

Carlos Affonso de Souza, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro (ITS-Rio), disse que a medida vai transformar a forma que a moderação de conteúdo é feita em várias plataformas. “As atividades de moderação de conteúdo vão passar por uma transformação no sentido de remover menos conteúdo e, de certa forma, privilegiar que as pessoas se expressem na plataforma, inclusive sobre temas políticos”, diz.

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Decisão de Zuckerberg desmonta estrutura que priorizava conteúdo legítimo  Foto: Drew Angerer / AFP

“Se a primeira mudança é remover menos, a segunda mudança é trazer mais foco para conteúdos políticos na plataforma, que era algo que, na própria customização do algoritmo, havia sido, enfim, deixado de certa maneira em um segundo plano”.

Às vésperas da posse de Trump, o anúncio de Zuckerberg está ligado à conexão entre política e tecnologia, afirma Souza. “Na medida em que os Estados Unidos têm um novo presidente que é muito vocal sobre os temas de moderação de conteúdo e o papel desempenhado pelas plataformas da Meta no país, me parece que esse anúncio do Zuckerberg está muito alinhado a uma visão do futuro do governo dos Estados Unidos sobre a liberdade de expressão e o funcionamento de redes sociais”.

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O dono do Facebook não é o primeiro executivo do ramo a buscar alinhamento com Trump, Elon Musk tomou iniciativa parecida em 2022, quando eliminou os moderadores ao concluir a compra do Twitter por US$ 44 bilhões. Mas a guinada da Meta, que antes parecia inclinada ao lado oposto ao de Musk, deve refletir uma mudança definitiva no mercado inteiro, diz Souza. “Ele pretende transformar o governo em um aliado para impulsionar os negócios da empresa nesta metade da década”.

Em tempos de IA, como essa mudança deve afetar o conteúdo nas redes?

Marcelo Senise, idealizador do Instituto Brasileiro para a Regulamentação da Inteligência Artificial (IRIA), afirmou que as novas diretrizes tendem a intensificar a polarização social e ameaçar o equilíbrio de comunidades globais.

“Algoritmos inteligentes promovem conteúdos que reforçam crenças existentes, em invés de fomentar o diálogo entre diferentes pontos de vista”, afirma. “Este fenômeno resulta em uma eletrólise social, dividindo comunidades e dificultando a construção de consensos vitais para o progresso coletivo”.

Dois fatores podem colocar em cheque a estratégia de substituir checadores dedicados por palpites da comunidade: o desmantelamento de um modelo econômico que se estabeleceu a partir do financiamento da gigante e a adesão dos usuários à bolhas de convivência. “Embora possa parecer uma tentativa de promover a liberdade de expressão, esta abordagem negligencia o papel crítico das plataformas na verificação de informações, especialmente em tempos de fake news e desinformação em massa”.

Aproximação ao governo Trump

O fim da política instituída há oito anos sinaliza mais um passo de aproximação entre Zuckerberg e Trump. Na época o Facebook foi criticado por disseminar desinformação de forma descontrolada, o que incluía publicações de governos estrangeiros que buscavam semear a discórdia entre o público americano.

President-elect Donald Trump speaks during a news conference at Mar-a-Lago, Tuesday, Jan. 7, 2025, in Palm Beach, Fla. (AP Photo/Evan Vucci) Foto: Evan Vucci/AP

A pressão deu resultado e o dono da Meta recorreu a organizações externas, como a Associated Press, a ABC News e o site de verificação de fatos Snopes para examinar publicações de potencial conteúdo falso ou enganoso e decidir se elas precisavam ser notificadas ou removidas das plataformas.

Porém, desde que o republicano ganhou as eleições em novembro, a Meta agiu com rapidez para tentar reatar as relações que mantém com os conservadores. Para isso, o bilionário dono da Meta jantou com Trump em Mar-a-Lago, onde também se reuniu com Marco Rubio. A empresa também doou US$ 1 milhão a fim de apoiar a posse do presidente.

Meta faz dança das cadeiras em cargos-chave e nomeia amigos do presidente

Para agradar Trump, uma dança das cadeiras este em andamento na dona do Facebook. Na semana passada, o republicano Joel Kaplan, conhecido por intermediar a relação da companhia com os conservadores, foi nomeado como presidente de assuntos globais da Meta. Na segunda-feira, 6, Dana White, chefe do UFC e aliado próximo a Trump, se juntou ao conselho da gigante.

Na segunda-feira, 6, Dana White, chefe do UFC e aliado próximo a Trump, se juntou ao conselho da gigante. (Photo by ANGELA WEISS / AFP) Foto: Angela Weiss/ANGELA WEISS

A relação entre o Zuckerberg e Trump está tão estreita que funcionários do presidente eleito foram informados com antecedência sobre a mudança de política das redes. Inclusive, o anúncio coincidiu com uma aparição de Kaplan no programa “Fox & Friends”, onde disse que “havia muito viés político no serviço de verificação de fatos e que as mudanças buscam resultar em “muito menos repressão excessiva” de conteúdo.

A decisão em acabar com a moderação de conteúdo da Meta anunciada por Mark Zuckerberg nesta terça, 7, gerou críticas de especialistas e entidades, que acreditam que a medida deve impulsionar a disseminação de desinformação, além de desmontar uma estrutura que priorizava informação verdadeira.

“A substituição de verificadores de fatos por ‘notas da comunitárias’ e a redução de filtros de moderação podem aumentar a circulação de desinformação, discurso de ódio e conteúdos nocivos nas plataformas”, disse o Instituto de Defesa de Consumidores (Idec).

O instituto ainda disse que essas alterações afrontam iniciativas regulatórias legítimas e impactam diretamente o dia a dia dos usuários, expondo-os a fraudes, abusos e informações enganosos, além de ser potencialmente perigosa em períodos eleitorais.

O fim da política instituída há oito anos sinaliza mais um passo de aproximação entre Zuckerberg e Trump Foto: Michael Robinson Chavez/WashingtonPost

O que vai substituir a política que derrubava postagens falsas é um novo protocolo, adotado primeiro nos Estados Unidos, chamado de Notas da Comunidade, semelhante ao usado pelo X, de acordo com o executivo-chefe da empresa. Ou seja: agora o Facebook, Instagram, WhatsApp e Threads dependerão dos próprios usuários para acrescentar correções e contexto às publicações que possuem informações falsas ou enganosas.

Em um vídeo, Zuckerberg disse que os agentes de checagem que colocavam os avisos nas plataformas eram enviesados e “mais destruíram a verdade do que a criaram”. Há, inclusive, um fator geográfico na decisão: a equipe de regulação da Meta mudará, da Califórnia, para o Texas. Segundo o CEO, isso vai acontecer em território onde há “menos preocupação” quanto ao viés dos funcionários. A Califórnia é o maior estado democrata dos EUA, enquanto o Texas é um dos principais territórios republicanos no país.

Zuckerberg alega que as mudanças transportam as redes sociais de volta para suas “raízes e origens”. Segundo ele, os sistemas de regulação das redes sociais se tornaram muito políticos e apresentam muitas falhas. Dessa forma, com menos regulações será mais fácil de evitar que o conteúdo de “pessoas inocentes” seja apagado por engano.

No entanto, Iná Jost, mestre em relações internacionais pela Sciences Po Paris e coordenadora de pesquisa do InternetLab, diz que essa mudança abala uma estrutura construída para defender conteúdo verdadeiro em detrimento à desinformação.

“Essa estrutura tinha sido uma grande conquista para a liberdade de expressão, porque a gente sabe que essas plataformas sempre tiveram muito espaço esse conteúdo [falso ou enganoso], mas a moderação conseguiu melhorar esse cenário nos últimos anos”, diz.

Ela lembra que o desmanche do trabalho de checadores começou no ano passado, quando a Meta fechou o programa de ‘CrowdTangle’, uma ferramenta de pesquisa com dados sobre a navegação dos usuários nas redes. “Foi uma grande perda para o mundo dos pesquisadores de direitos digitais e da tecnologia em geral”, afirmou Jost.

E por que a moderação pela comunidade pode ser nociva? “Temos muito pouca informação sobre quem são as pessoas que integram as comunidades, quem faz as notas, quem são os revisores das notas. A gente não sabe qual é o crivo quando essas pessoas aprovam ou não conteúdos”, diz. “Esse modelo é muito complicado, porque sozinho não é suficiente para abordar os problemas da moderação de conteúdo automatizada”.

A Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo) diz que vê com preocupação o anúncio de que a Meta não apoiará mais os veículos jornalísticos dedicados à checagem de fatos e ao combate à desinformação nas redes sociais. “A ação voluntária de usuários das redes não é capaz de substituir a checagem profissional de fatos, principalmente em um cenário em que a poluição do ambiente informativo provoca danos evidentes à democracia, especialmente com o avanço de ferramentas como a inteligência artificial”, diz a entidade em nota.

Influência para outras redes

Carlos Affonso de Souza, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro (ITS-Rio), disse que a medida vai transformar a forma que a moderação de conteúdo é feita em várias plataformas. “As atividades de moderação de conteúdo vão passar por uma transformação no sentido de remover menos conteúdo e, de certa forma, privilegiar que as pessoas se expressem na plataforma, inclusive sobre temas políticos”, diz.

Decisão de Zuckerberg desmonta estrutura que priorizava conteúdo legítimo  Foto: Drew Angerer / AFP

“Se a primeira mudança é remover menos, a segunda mudança é trazer mais foco para conteúdos políticos na plataforma, que era algo que, na própria customização do algoritmo, havia sido, enfim, deixado de certa maneira em um segundo plano”.

Às vésperas da posse de Trump, o anúncio de Zuckerberg está ligado à conexão entre política e tecnologia, afirma Souza. “Na medida em que os Estados Unidos têm um novo presidente que é muito vocal sobre os temas de moderação de conteúdo e o papel desempenhado pelas plataformas da Meta no país, me parece que esse anúncio do Zuckerberg está muito alinhado a uma visão do futuro do governo dos Estados Unidos sobre a liberdade de expressão e o funcionamento de redes sociais”.

O dono do Facebook não é o primeiro executivo do ramo a buscar alinhamento com Trump, Elon Musk tomou iniciativa parecida em 2022, quando eliminou os moderadores ao concluir a compra do Twitter por US$ 44 bilhões. Mas a guinada da Meta, que antes parecia inclinada ao lado oposto ao de Musk, deve refletir uma mudança definitiva no mercado inteiro, diz Souza. “Ele pretende transformar o governo em um aliado para impulsionar os negócios da empresa nesta metade da década”.

Em tempos de IA, como essa mudança deve afetar o conteúdo nas redes?

Marcelo Senise, idealizador do Instituto Brasileiro para a Regulamentação da Inteligência Artificial (IRIA), afirmou que as novas diretrizes tendem a intensificar a polarização social e ameaçar o equilíbrio de comunidades globais.

“Algoritmos inteligentes promovem conteúdos que reforçam crenças existentes, em invés de fomentar o diálogo entre diferentes pontos de vista”, afirma. “Este fenômeno resulta em uma eletrólise social, dividindo comunidades e dificultando a construção de consensos vitais para o progresso coletivo”.

Dois fatores podem colocar em cheque a estratégia de substituir checadores dedicados por palpites da comunidade: o desmantelamento de um modelo econômico que se estabeleceu a partir do financiamento da gigante e a adesão dos usuários à bolhas de convivência. “Embora possa parecer uma tentativa de promover a liberdade de expressão, esta abordagem negligencia o papel crítico das plataformas na verificação de informações, especialmente em tempos de fake news e desinformação em massa”.

Aproximação ao governo Trump

O fim da política instituída há oito anos sinaliza mais um passo de aproximação entre Zuckerberg e Trump. Na época o Facebook foi criticado por disseminar desinformação de forma descontrolada, o que incluía publicações de governos estrangeiros que buscavam semear a discórdia entre o público americano.

President-elect Donald Trump speaks during a news conference at Mar-a-Lago, Tuesday, Jan. 7, 2025, in Palm Beach, Fla. (AP Photo/Evan Vucci) Foto: Evan Vucci/AP

A pressão deu resultado e o dono da Meta recorreu a organizações externas, como a Associated Press, a ABC News e o site de verificação de fatos Snopes para examinar publicações de potencial conteúdo falso ou enganoso e decidir se elas precisavam ser notificadas ou removidas das plataformas.

Porém, desde que o republicano ganhou as eleições em novembro, a Meta agiu com rapidez para tentar reatar as relações que mantém com os conservadores. Para isso, o bilionário dono da Meta jantou com Trump em Mar-a-Lago, onde também se reuniu com Marco Rubio. A empresa também doou US$ 1 milhão a fim de apoiar a posse do presidente.

Meta faz dança das cadeiras em cargos-chave e nomeia amigos do presidente

Para agradar Trump, uma dança das cadeiras este em andamento na dona do Facebook. Na semana passada, o republicano Joel Kaplan, conhecido por intermediar a relação da companhia com os conservadores, foi nomeado como presidente de assuntos globais da Meta. Na segunda-feira, 6, Dana White, chefe do UFC e aliado próximo a Trump, se juntou ao conselho da gigante.

Na segunda-feira, 6, Dana White, chefe do UFC e aliado próximo a Trump, se juntou ao conselho da gigante. (Photo by ANGELA WEISS / AFP) Foto: Angela Weiss/ANGELA WEISS

A relação entre o Zuckerberg e Trump está tão estreita que funcionários do presidente eleito foram informados com antecedência sobre a mudança de política das redes. Inclusive, o anúncio coincidiu com uma aparição de Kaplan no programa “Fox & Friends”, onde disse que “havia muito viés político no serviço de verificação de fatos e que as mudanças buscam resultar em “muito menos repressão excessiva” de conteúdo.

A decisão em acabar com a moderação de conteúdo da Meta anunciada por Mark Zuckerberg nesta terça, 7, gerou críticas de especialistas e entidades, que acreditam que a medida deve impulsionar a disseminação de desinformação, além de desmontar uma estrutura que priorizava informação verdadeira.

“A substituição de verificadores de fatos por ‘notas da comunitárias’ e a redução de filtros de moderação podem aumentar a circulação de desinformação, discurso de ódio e conteúdos nocivos nas plataformas”, disse o Instituto de Defesa de Consumidores (Idec).

O instituto ainda disse que essas alterações afrontam iniciativas regulatórias legítimas e impactam diretamente o dia a dia dos usuários, expondo-os a fraudes, abusos e informações enganosos, além de ser potencialmente perigosa em períodos eleitorais.

O fim da política instituída há oito anos sinaliza mais um passo de aproximação entre Zuckerberg e Trump Foto: Michael Robinson Chavez/WashingtonPost

O que vai substituir a política que derrubava postagens falsas é um novo protocolo, adotado primeiro nos Estados Unidos, chamado de Notas da Comunidade, semelhante ao usado pelo X, de acordo com o executivo-chefe da empresa. Ou seja: agora o Facebook, Instagram, WhatsApp e Threads dependerão dos próprios usuários para acrescentar correções e contexto às publicações que possuem informações falsas ou enganosas.

Em um vídeo, Zuckerberg disse que os agentes de checagem que colocavam os avisos nas plataformas eram enviesados e “mais destruíram a verdade do que a criaram”. Há, inclusive, um fator geográfico na decisão: a equipe de regulação da Meta mudará, da Califórnia, para o Texas. Segundo o CEO, isso vai acontecer em território onde há “menos preocupação” quanto ao viés dos funcionários. A Califórnia é o maior estado democrata dos EUA, enquanto o Texas é um dos principais territórios republicanos no país.

Zuckerberg alega que as mudanças transportam as redes sociais de volta para suas “raízes e origens”. Segundo ele, os sistemas de regulação das redes sociais se tornaram muito políticos e apresentam muitas falhas. Dessa forma, com menos regulações será mais fácil de evitar que o conteúdo de “pessoas inocentes” seja apagado por engano.

No entanto, Iná Jost, mestre em relações internacionais pela Sciences Po Paris e coordenadora de pesquisa do InternetLab, diz que essa mudança abala uma estrutura construída para defender conteúdo verdadeiro em detrimento à desinformação.

“Essa estrutura tinha sido uma grande conquista para a liberdade de expressão, porque a gente sabe que essas plataformas sempre tiveram muito espaço esse conteúdo [falso ou enganoso], mas a moderação conseguiu melhorar esse cenário nos últimos anos”, diz.

Ela lembra que o desmanche do trabalho de checadores começou no ano passado, quando a Meta fechou o programa de ‘CrowdTangle’, uma ferramenta de pesquisa com dados sobre a navegação dos usuários nas redes. “Foi uma grande perda para o mundo dos pesquisadores de direitos digitais e da tecnologia em geral”, afirmou Jost.

E por que a moderação pela comunidade pode ser nociva? “Temos muito pouca informação sobre quem são as pessoas que integram as comunidades, quem faz as notas, quem são os revisores das notas. A gente não sabe qual é o crivo quando essas pessoas aprovam ou não conteúdos”, diz. “Esse modelo é muito complicado, porque sozinho não é suficiente para abordar os problemas da moderação de conteúdo automatizada”.

A Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo) diz que vê com preocupação o anúncio de que a Meta não apoiará mais os veículos jornalísticos dedicados à checagem de fatos e ao combate à desinformação nas redes sociais. “A ação voluntária de usuários das redes não é capaz de substituir a checagem profissional de fatos, principalmente em um cenário em que a poluição do ambiente informativo provoca danos evidentes à democracia, especialmente com o avanço de ferramentas como a inteligência artificial”, diz a entidade em nota.

Influência para outras redes

Carlos Affonso de Souza, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro (ITS-Rio), disse que a medida vai transformar a forma que a moderação de conteúdo é feita em várias plataformas. “As atividades de moderação de conteúdo vão passar por uma transformação no sentido de remover menos conteúdo e, de certa forma, privilegiar que as pessoas se expressem na plataforma, inclusive sobre temas políticos”, diz.

Decisão de Zuckerberg desmonta estrutura que priorizava conteúdo legítimo  Foto: Drew Angerer / AFP

“Se a primeira mudança é remover menos, a segunda mudança é trazer mais foco para conteúdos políticos na plataforma, que era algo que, na própria customização do algoritmo, havia sido, enfim, deixado de certa maneira em um segundo plano”.

Às vésperas da posse de Trump, o anúncio de Zuckerberg está ligado à conexão entre política e tecnologia, afirma Souza. “Na medida em que os Estados Unidos têm um novo presidente que é muito vocal sobre os temas de moderação de conteúdo e o papel desempenhado pelas plataformas da Meta no país, me parece que esse anúncio do Zuckerberg está muito alinhado a uma visão do futuro do governo dos Estados Unidos sobre a liberdade de expressão e o funcionamento de redes sociais”.

O dono do Facebook não é o primeiro executivo do ramo a buscar alinhamento com Trump, Elon Musk tomou iniciativa parecida em 2022, quando eliminou os moderadores ao concluir a compra do Twitter por US$ 44 bilhões. Mas a guinada da Meta, que antes parecia inclinada ao lado oposto ao de Musk, deve refletir uma mudança definitiva no mercado inteiro, diz Souza. “Ele pretende transformar o governo em um aliado para impulsionar os negócios da empresa nesta metade da década”.

Em tempos de IA, como essa mudança deve afetar o conteúdo nas redes?

Marcelo Senise, idealizador do Instituto Brasileiro para a Regulamentação da Inteligência Artificial (IRIA), afirmou que as novas diretrizes tendem a intensificar a polarização social e ameaçar o equilíbrio de comunidades globais.

“Algoritmos inteligentes promovem conteúdos que reforçam crenças existentes, em invés de fomentar o diálogo entre diferentes pontos de vista”, afirma. “Este fenômeno resulta em uma eletrólise social, dividindo comunidades e dificultando a construção de consensos vitais para o progresso coletivo”.

Dois fatores podem colocar em cheque a estratégia de substituir checadores dedicados por palpites da comunidade: o desmantelamento de um modelo econômico que se estabeleceu a partir do financiamento da gigante e a adesão dos usuários à bolhas de convivência. “Embora possa parecer uma tentativa de promover a liberdade de expressão, esta abordagem negligencia o papel crítico das plataformas na verificação de informações, especialmente em tempos de fake news e desinformação em massa”.

Aproximação ao governo Trump

O fim da política instituída há oito anos sinaliza mais um passo de aproximação entre Zuckerberg e Trump. Na época o Facebook foi criticado por disseminar desinformação de forma descontrolada, o que incluía publicações de governos estrangeiros que buscavam semear a discórdia entre o público americano.

President-elect Donald Trump speaks during a news conference at Mar-a-Lago, Tuesday, Jan. 7, 2025, in Palm Beach, Fla. (AP Photo/Evan Vucci) Foto: Evan Vucci/AP

A pressão deu resultado e o dono da Meta recorreu a organizações externas, como a Associated Press, a ABC News e o site de verificação de fatos Snopes para examinar publicações de potencial conteúdo falso ou enganoso e decidir se elas precisavam ser notificadas ou removidas das plataformas.

Porém, desde que o republicano ganhou as eleições em novembro, a Meta agiu com rapidez para tentar reatar as relações que mantém com os conservadores. Para isso, o bilionário dono da Meta jantou com Trump em Mar-a-Lago, onde também se reuniu com Marco Rubio. A empresa também doou US$ 1 milhão a fim de apoiar a posse do presidente.

Meta faz dança das cadeiras em cargos-chave e nomeia amigos do presidente

Para agradar Trump, uma dança das cadeiras este em andamento na dona do Facebook. Na semana passada, o republicano Joel Kaplan, conhecido por intermediar a relação da companhia com os conservadores, foi nomeado como presidente de assuntos globais da Meta. Na segunda-feira, 6, Dana White, chefe do UFC e aliado próximo a Trump, se juntou ao conselho da gigante.

Na segunda-feira, 6, Dana White, chefe do UFC e aliado próximo a Trump, se juntou ao conselho da gigante. (Photo by ANGELA WEISS / AFP) Foto: Angela Weiss/ANGELA WEISS

A relação entre o Zuckerberg e Trump está tão estreita que funcionários do presidente eleito foram informados com antecedência sobre a mudança de política das redes. Inclusive, o anúncio coincidiu com uma aparição de Kaplan no programa “Fox & Friends”, onde disse que “havia muito viés político no serviço de verificação de fatos e que as mudanças buscam resultar em “muito menos repressão excessiva” de conteúdo.

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