Chamada de “geração da tecnologia”, a geração Z é conhecida por ser conectada desde cedo, já que os nascidos entre 1995 e 2010 experimentaram o mundo digital desde muito crianças. Ainda assim, ao iniciar no mercado de trabalho, esses jovens vêm surpreendendo empregadores e recrutadores por apresentarem dificuldades básicas ao mexer com computadores.
“Durante processos seletivos para vagas, nós fomos observando dificuldade por parte dos jovens no uso de algumas ferramentas pelo computador, até para acessar chamadas de vídeo”, diz Vitoria Ribeiro, recrutadora da agência de integração Nube. “Achei que era só impressão minha, mas comecei a ver as pessoas comentando nas redes sociais e percebi que é algo que realmente acontece”, conta.
De fato, nos últimos meses, diversos usuários nas redes sociais - em sua maioria, Millennials, nascidos entre 1980 e 1994 - têm compartilhado suas experiências trabalhando com pessoas da geração Z, e todos reclamam da mesma coisa: a falta de habilidade desses jovens ao usar computadores de mesa, desses que têm Windows como sistema operacional e que exigem tarefas em processadores de texto e planilhas.
Geralmente, vagas de estágio ou de jovem aprendiz não tem requisitos focados em ter habilidades com plataformas muito complexas, porém mesmo as mais comuns podem ser desafiadoras para esses jovens. “As empresas exigem conhecimento, não necessariamente cursos, mas conhecimento de algumas plataformas, principalmente ferramentas como Excel, esse é o mais comum”, completa Vitoria.
A estudante de administração Larissa Menegasso, 23, conta que até conseguir a sua atual vaga de estágio teve dificuldades em processos seletivos anteriores. “Hoje eu tenho facilidade com os programas que uso para trabalhar, mas no começo eu não sabia nada. Quando eu via requisitos de conhecimento em Excel, para mexer com planilha, eu desistia da vaga, aquilo me assustava, eu achava que seria humilhada por não saber usar”, diz.
Dependendo do tipo de vaga que está sendo disputada, os processos seletivos tem fases que testam na prática os programas que estão como requisito. “Nem todas as empresas fazem testes práticos, mas quando fazem, muitas vezes os resultados não são satisfatórios”, explicou Almiro Neto, supervisor do CIEE no Ceará.
Vitória também contou que já passou por uma situação engraçada em que uma candidata fugiu de um teste prático: “Uma vez estávamos fazendo a aplicação de um teste para uma vaga de design gráfico, então os candidatos precisavam saber mexer em ferramentas de edição de imagem, como o Photoshop, mas na hora do teste uma candidata pediu para ir ao banheiro e nunca mais voltou”.
Leia também
Quais as principais dificuldades?
As dificuldades com computadores e ferramentas comuns como as do Pacote Office variam, mas, geralmente, são dificuldades com funções mais básicas ou com a própria aplicação dessas habilidades. “O grande desafio desses jovens é aplicar as funções de um programa no dia a dia, ou seja, saber como e quais funções aplicar para resolver situações do cotidiano de trabalho”, explica João Martins, sócio-fundador da Hashtag Treinamentos, que oferece cursos de uso de Excel e programação.
“Hoje estou fazendo curso de Excel para melhorar minhas habilidades, já que meu trabalho exige, e consigo mexer com mais facilidade. Antes de começar as aulas, eu até sabia o básico, sabia o que eu precisava fazer, só não sabia aplicar as funções pra chegar no resultado necessário”, explicou Bianca Andrade, 24, formada em engenharia de materiais e aluna da Hashtag Treinamentos.
“Eu vejo que a dificuldade maior por aqui é com o Gmail, que é a plataforma que mais usamos”, explica Roberta de Santana, supervisora do Instituto Saber Aprendizes. “Para gente é muito fácil e básico, mas para os estagiários, por exemplo, temos que ensinar a usar algumas funções, como organizar a caixa de entrada com tags”.
Os jovens que ainda nem chegaram ao mercado de trabalho também enfrentam desafios. Daniel Proença é coordenador de Tecnologia Educacional no Colégio Presbiteriano Mackenzie Tamboré - Internacional e dá aulas para alunos do ensino médio, com idades entre 14 e 17 anos. O coordenador explicou que, apesar de sempre conectados, eles têm dificuldades com a tecnologia.
“Embora muitas vezes vistos como “nativos digitais”, os jovens também enfrentam desafios ao interagir com plataformas tecnológicas”, diz Proença. “As dificuldades enfrentadas ao usar softwares específicos são multifatoriais, abrangendo desde o desenvolvimento cognitivo e psicomotor até experiências limitadas com tecnologia, interfaces não intuitivas, excesso de informações, variações nas motivações e no engajamento, diferenças individuais em estilos de aprendizagem, e a falta de acessibilidade e design universal nos softwares”, detalhou.
Por que a ‘geração da tecnologia’ não tem facilidade com PCs?
Apesar da geração Z estar sempre conectada, nem sempre isso acontece por meio de um PC - o celular, claro, ganha com folga. E mesmo quando esses jovens utilizam um computador, o acesso não é focado nas ferramentas mais exigidas para vagas de emprego.
“Sempre usei bastante o computador, mas não esses programas voltados para trabalho. Eu não precisava na época, então não me preocupei em aprender lá atrás”, diz Bianca Andrade.
De acordo com a pesquisa TIC Domicílios em 2023, 95% das pessoas entre 16 e 24 anos se conectam à internet. Dentro desse grupo, 100% das pessoas acessam a internet pelo celular, 63% acessam pela TV e 49% acessam pelo computador - aqui, a preferência pela TV indica o streaming de vídeo como uma atividade mais elevada do que atividades realizadas no PC.
Já o público mais adulto, entre 25 e 34 anos, 94% estão conectados à internet - desses, 52% acessam a internet pelo PC. “Vimos que o pessoal mais velho, perto dos 30 ou 40 anos, apresentam mais afinidade com o computador, geralmente se vê que eles fazem mais cursos e vão atrás de aprender a usar esses programas, o que é menos observado no público mais jovem”, explica Vitoria.
Larissa, por sua vez, explicou que apesar de ter computador em casa, não utilizava muito por conta da sua rotina de trabalho - mesmo no ambiente profissional, o eletrônico não era necessário. “Quando consegui minha vaga atual foi um choque, porque na empresa que eu trabalhava antes nós não usávamos tecnologia para praticamente nada, até pra fazer o balanço financeiro pediam para que fosse feito por escrito em um caderno”, diz.
Cursos
Com o aumento da procura, atualmente há diversos cursos específicos que ensinam como usar essas ferramentas, com foco para o mundo profissional - é como se depois de tudo o que a tecnologia evoluiu, a sociedade tivesse voltado para a era do “cursinho de informática”, popular nos anos 1980 e 1990. “No final do ano, como a demanda cai bastante por conta das férias, nos disponibilizaram cursos gratuitos para aprender a usar Excel. Participei e isso me ajudou muito, hoje eu consigo montar uma planilha sem problemas, e antes isso era um medo”, conta Larissa.
Apesar do foco no mercado de trabalho, as motivações para realizar esses cursos variam. João Martins explica que no Hashtag Treinamentos, alunos de 16 a 25 anos tem como principal motivação conseguir estágio ou vaga de trainee, já os de 26 a 35 anos, geralmente já estão inseridos no mercado de trabalho e tem objetivo de fazer uma transição de carreira, enquanto alunos a partir dos 36 anos normalmente são os que querem apenas aprender a usar esses programas para se sentirem atualizados em relação a tecnologia.
“Fui concorrer para uma vaga, porque vi que alguns requisitos eu já tinha, mas quando perguntaram do Excel e eu disse que sabia só o básico, me desclassificaram de cara, por isso fui atrás de um curso”, conta Bianca.
“O Excel é um pré requisito para praticamente todas as vagas no mercado de trabalho, mas nas escolas e faculdades isso não é muito ensinado e nem praticado, então esses alunos depois acabam precisando fazer cursos”, explica Martins. “O ideal seria ensinar essas habilidades nas etapas anteriores da formação do aluno”, completou.
“Eu costumo dizer que os jovens aprendem muito fácil. Quando eles passam a utilizar uma plataforma, eles aprendem rápido”, diz Almiro Neto, do CIEE. “O que falta é oportunidade e orientação”.
*Alice Labate é estagiária sob supervisão do editor Bruno Romani