Médicos têm um trabalho que lhes exige muito. Suas tarefas envolvem diagnosticar sintomas, atender sucessivos pacientes, preencher relatórios médicos, entre outras atribuições. As jornadas são longas e os riscos são altos — erros podem resultar em mortes. E, em meio a isso, as habilidades sociais podem se perder. Estudos sugerem que esse é um dos principais problemas que as pessoas relatam quando saem dos consultórios.
Esse é um velho problema que Alex Young, um cirurgião ortopedista da Inglaterra, se propôs a resolver em 2018.
“Reclamações podem ocorrer em qualquer lugar, mas, na assistência médica, elas se amplificam em dez vezes, porque estamos fazendo coisas como dar uma péssima notícia ou explicar um diagnóstico para pacientes que podem não ter nenhum entendimento a respeito de medicina”, afirmou Young.
Agora, três anos depois, com pandemia impulsionando inovação em instalações médicas, a startup Virti, criada por Young, está fornecendo “pacientes virtuais” para ensinar médicos da Europa e dos Estados Unidos a como conversar melhor com pacientes.
“Criamos uma maneira quantificável e orientada por dados para as pessoas praticarem suas habilidades sociais e de comunicação”, afirmou Young.
Pense nos pacientes virtuais como animações alimentadas por inteligência artificial, treinadas para interagir com médicos e testá-los em relação à prática de empatia e outras habilidades interpessoais. O software funciona em smartphones e computadores. Para um maior grau de imersão, a empresa pode fornecer aos médicos óculos de realidade virtual. Quando suas sessões de treinamento acabam, eles são avaliados com base na sua rapidez, nas perguntas que fizeram ao paciente virtual e na precisão do diagnóstico.
Conversar com a inteligência artificial tem a função de melhorar o relacionamento dos médicos com os pacientes no mundo real, afirma a Virti.
O Centro de Educação em Saúde do Núcleo Médico da Universidade do Texas, nos Estados Unidos, já adota a tecnologia para orientar futuros médicos em habilidades de comunicação e raciocínio.
Já o Centro Médico Cedars-Sinai, em Los Angeles, começou como cliente e depois se tornou investidor. Em 2019, a Virti captou da clínica US$ 2 milhões em capital inicial. O investimento ajudou a startup a formar uma equipe de vendas e melhorar seu software de análise. Atualmente, o software é usado para treinar os médicos do hospital em procedimentos relacionados ao coronavírus. O sistema de saúde pública do Reino Unido (NHS) também usou a tecnologia para ensinar funcionários como usar os EPIs e como se relacionar com pacientes e suas famílias.
Com base na nuvem, o programa de treinamento da Virti usa reconhecimento de fala, inteligência artificial e personagens gerados por computador para simular interações realistas com pacientes. Por exemplo, se um médico pede ao paciente virtual que descreva seus sintomas, a inteligência artificial vai gerar uma resposta relevante.
Os médicos podem investigar os sintomas fazendo mais perguntas e, durante a interação, o software analisa seu tom de voz, a cadência de sua fala e a qualidade de suas respostas. Óculos de realidade virtual oferecem outras medições, como rastreamento de contato visual.
A Virti reproduz falas, linguagens corporais e maneirismos que imitam pessoas reais, afirma a empresa. Ainda assim, humanos gerados por computador têm suas limitações. É difícil replicar atitudes humanas ou a maneira como indivíduos respondem à dor e às doenças. Pacientes humanos nem sempre dão aos médicos a informação que eles precisam para um diagnóstico preciso e, às vezes, pacientes reais são incapazes de dizer muita coisa.
A plataforma de treinamento médico foi lançada discretamente no ano passado, quando muitas clínicas médicas para tratamentos não essenciais estavam paralisadas globalmente diante da rápida disseminação do coronavírus. O software de inteligência artificial ficou pronto a tempo de Jack Boulter, um ortopedista da Inglaterra, brincar com ele durante o lockdown.
Depois que o trabalho de Boulter em uma clínica privada foi paralisado temporariamente, o especialista em lesões ósseas se inscreveu para o teste gratuito da Virti. Ele preferiu interagir por meio de seu smartphone, mas também atendeu pacientes virtuais em seu computador. Posteriormente, ele ampliou seu acesso ao serviço e fez demonstrações a colegas pelo Zoom.
“Eu estava buscando algum tipo de desenvolvimento profissional para me manter ocupado”, afirmou Boulter. “Depois de ficar alguns meses fora, assim de repente, é fácil enferrujar um pouco.”
Os pacientes virtuais também são destinados a combater outros dilemas que recaem sobre a indústria da saúde. O software foi desenvolvido, por exemplo, para treinar os profissionais contra preconceitos subjacentes, que se manifestam quando eles fazem suposições inconscientes a respeito das pessoas que atendem. Os julgamentos podem ser bem intencionados, mas também são capazes de confundir diagnósticos.
A empresa aborda essa questão ao permitir que os hospitais escolham cor de pele, idade, altura, sexo e gênero dos pacientes virtuais. Os rostos digitais têm como base fotos de vários atores e outros profissionais, afirma a Virti. Até 60 variações estão em uso atualmente.
No campo da saúde, treinamentos em comunicação frequentemente utilizam atores contratados para se fingirem de doentes. Colegas ou superiores avaliam os médicos em relação às estratégias de comunicação que eles usam com os atores. Grande parte desse aprendizado se interrompeu com a pandemia.
Essas encenações podem “parecer meio forçadas”, afirmou Boulter, acrescentando que os pacientes virtuais “parecem muito mais autênticos do que pessoas improvisando falas durante a interação”. /TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL