Lealdade de Musk a Bolsonaro provocou bloqueio do X no Brasil, dizem autores de livro sobre a rede


Livro “Limite de Caracteres: Como Elon Musk destruiu o Twitter”, de Kate Conger e Ryan Mac, traz os bastidores da companhia após a compra da plataforma pelo bilionário

Por Bruna Arimathea
Foto: Penguin Random House/Divulgação
Entrevista comKate Conger e Ryan MacAutores do livro "Limite de Caracteres: Como Elon Musk destruiu o Twitter"

Já são mais de 30 dias de bloqueio do X no Brasil. Esse é um retrato da nova fase da rede social que, desde que foi comprada por Elon Musk, tem reduzido a moderação de conteúdo e dado espaço para desinformação e discursos agressivos. A história de como os últimos dois anos foram de mudanças significativas na essência do X está no livro “Limite de Caracteres: Como Elon Musk destruiu o Twitter”, escrito pelos jornalistas do The New York Times Kate Conger e Ryan Mac. Lançado no Brasil nesta segunda, 7, pela editora Todavia, a obra traz os bastidores da companhia pela visão de quem trabalhava lá dentro.

Em entrevista ao Estadão, os autores contam como foi a criação do livro e fazem uma análise sobre o comportamento de Musk diante do bloqueio do X no Brasil e o embate do bilionário com a justiça brasileira. Para eles, a lealdade de Musk a Bolsonaro é um dos motivos pelos quais Musk resistiu tanto ao Supremo Tribunal Federal (STF).

“Nós debatemos se íamos incluir ou não muitas das coisas do Brasil no livro. E estou feliz por termos incluído porque elas prenunciavam muita coisa do futuro”, afirmou Mac ao Estadão.

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“Há muitos paralelos interessantes entre nossa política aqui nos Estados Unidos e no Brasil e a maneira como as pessoas usaram a plataforma para pedir violência política para vocês com o 8 de janeiro e para nós com o 6 de janeiro. Portanto, há muitos paralelos realmente interessantes a serem explorados e estamos muito animados com a disponibilidade do livro no Brasil”, completou Kate.

Livro "Limite de Caracteres: Como Elon Musk destruiu o Twitter" está disponível no Brasil a partir de 7 de outubro Foto: Daniel Teixeira/Estadão

Leia os melhores momentos da entrevista:

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Como foi o processo de criação de um livro cujo assunto tem novos desdobramentos a todo o tempo?

Kate: Estávamos trabalhando em reportagens para o New York Times sobre a venda do Twitter e chegamos a um ponto em que estávamos acumulando tantas informações interessantes sobre a aquisição que sentimos que não poderíamos colocar tudo no jornal e que precisávamos de um formato mais longo para contar essa história. E acho que ambos consideramos a compra como algo realmente histórico que teria consequências para o discurso online por muito tempo. Queríamos capturar isso.

Ryan: Acho que uma das dificuldades deste livro é escrever sobre alguém que gera notícias todos os dias, várias vezes ao dia. E isso causa muitos problemas quando se tenta descobrir como terminar o livro ou o que incluir.

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Toda a velocidade de notícias sobre o X atrapalhou o fechamento da história?

Kate: Tínhamos uma ideia muito clara de como seriam as duas primeiras seções do livro. Mas a terceira seção foi acontecendo à medida que escrevíamos. Então, era quase uma coisa diária, em que um de nós mandava uma mensagem para o outro dizendo: “Ah, isso tem que entrar no livro”. Foi difícil decidir onde parar. Por fim, decidimos terminar o livro com o encontro entre Elon Musk e Donald Trump. Achamos que esse era um bom ponto para preparar a história para a mudança política de Elon e seu envolvimento mais profundo na política. E, é claro, depois que paramos de escrever, foi quando ele apoiou Donald Trump. Desde então, ele tem se envolvido mais na política. Então, era um bom lugar para pararmos.

Os principais problemas do Twitter continuam sendo os principais problemas do X mesmo após Elon Musk?

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Ryan: Acho que quando escrevemos o livro, queríamos desmistificar essa ideia, de que tudo antes de Elon era bom e tudo depois de Elon foi ruim. O Twitter é uma empresa que sempre teve dificuldades por muitos anos, seja para lidar com decisões de moderação de conteúdo ou para ganhar dinheiro. Frequentemente, a empresa perdia dinheiro, ano após ano. Foi só muito recentemente que atingiu a lucratividade. Havia uma série de problemas acontecendo, mesmo antes de Elon voltar à cena. Queríamos também explicar isso às pessoas.

Kate: Sempre houve essa piada sobre o Twitter de que a única inovação ou mudança que eles fizeram em mais de uma década foi passar de 140 para 280 caracteres. E na esteira da aquisição por Elon, acho que é realmente surpreendente que não tenhamos visto mais mudanças na plataforma. O logotipo é diferente, mas o modo como tudo funciona é o mesmo. Portanto, não houve muitas mudanças e inovações na plataforma.

A primeira parte do livro fala sobre problemas que o Twitter nunca conseguiu resolver, como suas finanças e o aumento expressivo de usuários. Como esses problemas, ao longo dos anos, levaram o Twitter a ser comprado por Musk?

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Kate: Existem algumas coisas. Uma delas é a investidora Elliott Management, que meio que estabeleceu um manual para alguém como Musk entrar e fazer exigências semelhantes. No primeiro ato do livro, você vê Elliott comprar um monte de ações e usá-las para pressionar a empresa. No segundo ato, você vê Elon fazer a mesma coisa. Ele compra um monte de ações e começa a pressionar a empresa a fazer mudanças. A outra consideração realmente importante é a meta que o Twitter estabeleceu para si, de dobrar sua receita e quase dobrar sua base de usuários, tudo isso em três anos. Essas são metas muito ambiciosas. E estava ficando cada vez mais claro que eles não seriam capazes de atingi-las. Isso levou os investidores a ficarem realmente preocupados com as perspectivas do Twitter e fez com que o preço das ações do Twitter caísse bastante.

No livro, vocês comentam que Musk queria que o Twitter fosse seu próximo grande empreendimento. Vocês acreditam que a maneira como ele gerencia a empresa é sustentável?

Ryan: Não sei se é sustentável. Ele é o homem mais rico do mundo e com a sua fortuna pode continuar administrando o X por muito tempo. Dito isso, somente os juros da empresa são de mais de US$ 1 bilhão por ano. Esse é um ponto problemático para qualquer pessoa. E ele está dando um tempo de suas outras companhias para administrar essa empresa que se tornou uma espécie de fardo. Acho que o que é muito interessante com o X é que ele não foi totalmente construído do zero por ele. A Tesla é algo que ele comprou logo no início, a SpaceX foi ele que fundou. Mas o Twitter foi a empresa de outra pessoa e ele comprou. Esse é o desafio para ele. Ele nunca teve uma aquisição como essa, em que precisou reconstruir algo. E acho que é isso que o está prejudicando agora.

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Qual foi a decisão mais significativa que Musk tomou que, de fato, destruiu o Twitter?

Kate: Acho que as decisões com os anunciantes foram particularmente destrutivas. Ele reduziu a receita da empresa. Ele reduziu o valor da empresa de US$ 44 bilhões para US$19 bilhões, segundo as estimativas. E ele também destruiu os sistemas de moderação de conteúdo que mantinham a empresa funcionando sem problemas. Há muito mais desinformação e discurso de ódio na plataforma hoje do que antes.

Ryan: Para mim, a mudança mais representativa foi o próprio nome. Não é mais Twitter, é X. Acho que isso é simbólico de muitas maneiras.

Já estamos há mais de 30 dias com o X bloqueado no Brasil e parece haver um certo ressentimento de Musk com a justiça brasileira. Como vocês interpretam o comportamento do bilionário nesta questão?

Kate: O que faz sentido no comportamento de Elon Musk no Brasil é que ele realmente usa o X como um ponto de contato inicial para líderes mundiais. E ele meio que usa o controle dessa plataforma para abrir portas para se encontrar com essas pessoas e criar relacionamentos que acabam beneficiando suas outras empresas. O que vimos no Brasil é que, antes da eleição presidencial no final de 2022, ele realmente se aliou a Bolsonaro e trabalhou com Bolsonaro para levar a Starlink para o Brasil. Então, acho que ele sentiu alguma lealdade e alguma proximidade com ele. Grande parte do conteúdo que ele está sendo pressionado a remover pelo STF é conteúdo pró-Bolsonaro, conteúdo que critica o governo atual. Isso vai contra seus interesses políticos e comerciais. Ele também é alguém que não gosta de ser criticado ou confrontado. E, obviamente, Moraes tem feito muito isso e tem sido muito rígido com ele. Vemos repetidamente que, quando Musk é encurralado, ele ataca.

Esse comportamento é replicado em outros países?

Kate: Sim. Ele fez algo semelhante na Austrália antes de a situação no Brasil estourar. O governo australiano estava pedindo que ele retirasse um vídeo terrorista e ele estava dizendo não. Ele acabou ganhando o caso e foi autorizado a manter o vídeo online. Mas acho que continuaremos a vê-lo desafiar essas ordens das quais ele discorda politicamente e manter as informações que ele quer ver na plataforma. Acho também que o que o Brasil está fazendo pode ser um modelo para outros governos tentarem reprimir o X. É algo que não vemos aqui nos Estados Unidos. Nosso governo é muito isento quando se trata de rede social, mas outros países ao redor do mundo não são. A União Europeia considerou tomar medidas contra o X e outros países podem ver o exemplo do Brasil e decidir segui-lo.

Qual é a mensagem que Musk manda para o mundo ao brigar com a Justiça brasileira e, depois, recuar?

Ryan: Isso envia a mensagem de que ele pode se conter. Lembro quando a decisão foi anunciada e muitos de seus fãs estavam se perguntando “por que ele mudou de ideia? Será que ele não é o defensor da liberdade de expressão que supostamente diz ser?”. Ele se viu em uma situação estranha. Ele está preso no meio do caminho, onde ele cavou uma posição que não vai manter. Uma coisa importante que ele precisa perceber são suas próprias contradições. Muitas vezes ele é alguém que não ouve a opinião pública sobre si mesmo.

Existe alguma chance do X voltar a se parecer um pouco mais com o Twitter de antes de Elon Musk?

Kate: Acho que não. Ele está insatisfeito com a quantidade de dinheiro que perdeu, mas acho que está muito feliz com a política da plataforma. Não o vejo revertendo muitas dessas decisões e tentando levar o X de volta à direção que era antes. Acho que continuará a ser um lugar mais partidário, mais explicitamente de direita e mais conflituoso. Muitas das regras de moderação de conteúdo e das ferramentas antiassédio que existiam estão desaparecendo.

Ryan: Acho que nunca voltaremos atrás. As pessoas sentem nostalgia de suas experiências passadas, mas o Twitter era inerentemente uma rede social que dependia de seus usuários. E muitos desses usuários foram para outros lugares. Essas pessoas continuarão indo embora, mesmo que lentamente.

Já são mais de 30 dias de bloqueio do X no Brasil. Esse é um retrato da nova fase da rede social que, desde que foi comprada por Elon Musk, tem reduzido a moderação de conteúdo e dado espaço para desinformação e discursos agressivos. A história de como os últimos dois anos foram de mudanças significativas na essência do X está no livro “Limite de Caracteres: Como Elon Musk destruiu o Twitter”, escrito pelos jornalistas do The New York Times Kate Conger e Ryan Mac. Lançado no Brasil nesta segunda, 7, pela editora Todavia, a obra traz os bastidores da companhia pela visão de quem trabalhava lá dentro.

Em entrevista ao Estadão, os autores contam como foi a criação do livro e fazem uma análise sobre o comportamento de Musk diante do bloqueio do X no Brasil e o embate do bilionário com a justiça brasileira. Para eles, a lealdade de Musk a Bolsonaro é um dos motivos pelos quais Musk resistiu tanto ao Supremo Tribunal Federal (STF).

“Nós debatemos se íamos incluir ou não muitas das coisas do Brasil no livro. E estou feliz por termos incluído porque elas prenunciavam muita coisa do futuro”, afirmou Mac ao Estadão.

“Há muitos paralelos interessantes entre nossa política aqui nos Estados Unidos e no Brasil e a maneira como as pessoas usaram a plataforma para pedir violência política para vocês com o 8 de janeiro e para nós com o 6 de janeiro. Portanto, há muitos paralelos realmente interessantes a serem explorados e estamos muito animados com a disponibilidade do livro no Brasil”, completou Kate.

Livro "Limite de Caracteres: Como Elon Musk destruiu o Twitter" está disponível no Brasil a partir de 7 de outubro Foto: Daniel Teixeira/Estadão

Leia os melhores momentos da entrevista:

Como foi o processo de criação de um livro cujo assunto tem novos desdobramentos a todo o tempo?

Kate: Estávamos trabalhando em reportagens para o New York Times sobre a venda do Twitter e chegamos a um ponto em que estávamos acumulando tantas informações interessantes sobre a aquisição que sentimos que não poderíamos colocar tudo no jornal e que precisávamos de um formato mais longo para contar essa história. E acho que ambos consideramos a compra como algo realmente histórico que teria consequências para o discurso online por muito tempo. Queríamos capturar isso.

Ryan: Acho que uma das dificuldades deste livro é escrever sobre alguém que gera notícias todos os dias, várias vezes ao dia. E isso causa muitos problemas quando se tenta descobrir como terminar o livro ou o que incluir.

Toda a velocidade de notícias sobre o X atrapalhou o fechamento da história?

Kate: Tínhamos uma ideia muito clara de como seriam as duas primeiras seções do livro. Mas a terceira seção foi acontecendo à medida que escrevíamos. Então, era quase uma coisa diária, em que um de nós mandava uma mensagem para o outro dizendo: “Ah, isso tem que entrar no livro”. Foi difícil decidir onde parar. Por fim, decidimos terminar o livro com o encontro entre Elon Musk e Donald Trump. Achamos que esse era um bom ponto para preparar a história para a mudança política de Elon e seu envolvimento mais profundo na política. E, é claro, depois que paramos de escrever, foi quando ele apoiou Donald Trump. Desde então, ele tem se envolvido mais na política. Então, era um bom lugar para pararmos.

Os principais problemas do Twitter continuam sendo os principais problemas do X mesmo após Elon Musk?

Ryan: Acho que quando escrevemos o livro, queríamos desmistificar essa ideia, de que tudo antes de Elon era bom e tudo depois de Elon foi ruim. O Twitter é uma empresa que sempre teve dificuldades por muitos anos, seja para lidar com decisões de moderação de conteúdo ou para ganhar dinheiro. Frequentemente, a empresa perdia dinheiro, ano após ano. Foi só muito recentemente que atingiu a lucratividade. Havia uma série de problemas acontecendo, mesmo antes de Elon voltar à cena. Queríamos também explicar isso às pessoas.

Kate: Sempre houve essa piada sobre o Twitter de que a única inovação ou mudança que eles fizeram em mais de uma década foi passar de 140 para 280 caracteres. E na esteira da aquisição por Elon, acho que é realmente surpreendente que não tenhamos visto mais mudanças na plataforma. O logotipo é diferente, mas o modo como tudo funciona é o mesmo. Portanto, não houve muitas mudanças e inovações na plataforma.

A primeira parte do livro fala sobre problemas que o Twitter nunca conseguiu resolver, como suas finanças e o aumento expressivo de usuários. Como esses problemas, ao longo dos anos, levaram o Twitter a ser comprado por Musk?

Kate: Existem algumas coisas. Uma delas é a investidora Elliott Management, que meio que estabeleceu um manual para alguém como Musk entrar e fazer exigências semelhantes. No primeiro ato do livro, você vê Elliott comprar um monte de ações e usá-las para pressionar a empresa. No segundo ato, você vê Elon fazer a mesma coisa. Ele compra um monte de ações e começa a pressionar a empresa a fazer mudanças. A outra consideração realmente importante é a meta que o Twitter estabeleceu para si, de dobrar sua receita e quase dobrar sua base de usuários, tudo isso em três anos. Essas são metas muito ambiciosas. E estava ficando cada vez mais claro que eles não seriam capazes de atingi-las. Isso levou os investidores a ficarem realmente preocupados com as perspectivas do Twitter e fez com que o preço das ações do Twitter caísse bastante.

No livro, vocês comentam que Musk queria que o Twitter fosse seu próximo grande empreendimento. Vocês acreditam que a maneira como ele gerencia a empresa é sustentável?

Ryan: Não sei se é sustentável. Ele é o homem mais rico do mundo e com a sua fortuna pode continuar administrando o X por muito tempo. Dito isso, somente os juros da empresa são de mais de US$ 1 bilhão por ano. Esse é um ponto problemático para qualquer pessoa. E ele está dando um tempo de suas outras companhias para administrar essa empresa que se tornou uma espécie de fardo. Acho que o que é muito interessante com o X é que ele não foi totalmente construído do zero por ele. A Tesla é algo que ele comprou logo no início, a SpaceX foi ele que fundou. Mas o Twitter foi a empresa de outra pessoa e ele comprou. Esse é o desafio para ele. Ele nunca teve uma aquisição como essa, em que precisou reconstruir algo. E acho que é isso que o está prejudicando agora.

Qual foi a decisão mais significativa que Musk tomou que, de fato, destruiu o Twitter?

Kate: Acho que as decisões com os anunciantes foram particularmente destrutivas. Ele reduziu a receita da empresa. Ele reduziu o valor da empresa de US$ 44 bilhões para US$19 bilhões, segundo as estimativas. E ele também destruiu os sistemas de moderação de conteúdo que mantinham a empresa funcionando sem problemas. Há muito mais desinformação e discurso de ódio na plataforma hoje do que antes.

Ryan: Para mim, a mudança mais representativa foi o próprio nome. Não é mais Twitter, é X. Acho que isso é simbólico de muitas maneiras.

Já estamos há mais de 30 dias com o X bloqueado no Brasil e parece haver um certo ressentimento de Musk com a justiça brasileira. Como vocês interpretam o comportamento do bilionário nesta questão?

Kate: O que faz sentido no comportamento de Elon Musk no Brasil é que ele realmente usa o X como um ponto de contato inicial para líderes mundiais. E ele meio que usa o controle dessa plataforma para abrir portas para se encontrar com essas pessoas e criar relacionamentos que acabam beneficiando suas outras empresas. O que vimos no Brasil é que, antes da eleição presidencial no final de 2022, ele realmente se aliou a Bolsonaro e trabalhou com Bolsonaro para levar a Starlink para o Brasil. Então, acho que ele sentiu alguma lealdade e alguma proximidade com ele. Grande parte do conteúdo que ele está sendo pressionado a remover pelo STF é conteúdo pró-Bolsonaro, conteúdo que critica o governo atual. Isso vai contra seus interesses políticos e comerciais. Ele também é alguém que não gosta de ser criticado ou confrontado. E, obviamente, Moraes tem feito muito isso e tem sido muito rígido com ele. Vemos repetidamente que, quando Musk é encurralado, ele ataca.

Esse comportamento é replicado em outros países?

Kate: Sim. Ele fez algo semelhante na Austrália antes de a situação no Brasil estourar. O governo australiano estava pedindo que ele retirasse um vídeo terrorista e ele estava dizendo não. Ele acabou ganhando o caso e foi autorizado a manter o vídeo online. Mas acho que continuaremos a vê-lo desafiar essas ordens das quais ele discorda politicamente e manter as informações que ele quer ver na plataforma. Acho também que o que o Brasil está fazendo pode ser um modelo para outros governos tentarem reprimir o X. É algo que não vemos aqui nos Estados Unidos. Nosso governo é muito isento quando se trata de rede social, mas outros países ao redor do mundo não são. A União Europeia considerou tomar medidas contra o X e outros países podem ver o exemplo do Brasil e decidir segui-lo.

Qual é a mensagem que Musk manda para o mundo ao brigar com a Justiça brasileira e, depois, recuar?

Ryan: Isso envia a mensagem de que ele pode se conter. Lembro quando a decisão foi anunciada e muitos de seus fãs estavam se perguntando “por que ele mudou de ideia? Será que ele não é o defensor da liberdade de expressão que supostamente diz ser?”. Ele se viu em uma situação estranha. Ele está preso no meio do caminho, onde ele cavou uma posição que não vai manter. Uma coisa importante que ele precisa perceber são suas próprias contradições. Muitas vezes ele é alguém que não ouve a opinião pública sobre si mesmo.

Existe alguma chance do X voltar a se parecer um pouco mais com o Twitter de antes de Elon Musk?

Kate: Acho que não. Ele está insatisfeito com a quantidade de dinheiro que perdeu, mas acho que está muito feliz com a política da plataforma. Não o vejo revertendo muitas dessas decisões e tentando levar o X de volta à direção que era antes. Acho que continuará a ser um lugar mais partidário, mais explicitamente de direita e mais conflituoso. Muitas das regras de moderação de conteúdo e das ferramentas antiassédio que existiam estão desaparecendo.

Ryan: Acho que nunca voltaremos atrás. As pessoas sentem nostalgia de suas experiências passadas, mas o Twitter era inerentemente uma rede social que dependia de seus usuários. E muitos desses usuários foram para outros lugares. Essas pessoas continuarão indo embora, mesmo que lentamente.

Já são mais de 30 dias de bloqueio do X no Brasil. Esse é um retrato da nova fase da rede social que, desde que foi comprada por Elon Musk, tem reduzido a moderação de conteúdo e dado espaço para desinformação e discursos agressivos. A história de como os últimos dois anos foram de mudanças significativas na essência do X está no livro “Limite de Caracteres: Como Elon Musk destruiu o Twitter”, escrito pelos jornalistas do The New York Times Kate Conger e Ryan Mac. Lançado no Brasil nesta segunda, 7, pela editora Todavia, a obra traz os bastidores da companhia pela visão de quem trabalhava lá dentro.

Em entrevista ao Estadão, os autores contam como foi a criação do livro e fazem uma análise sobre o comportamento de Musk diante do bloqueio do X no Brasil e o embate do bilionário com a justiça brasileira. Para eles, a lealdade de Musk a Bolsonaro é um dos motivos pelos quais Musk resistiu tanto ao Supremo Tribunal Federal (STF).

“Nós debatemos se íamos incluir ou não muitas das coisas do Brasil no livro. E estou feliz por termos incluído porque elas prenunciavam muita coisa do futuro”, afirmou Mac ao Estadão.

“Há muitos paralelos interessantes entre nossa política aqui nos Estados Unidos e no Brasil e a maneira como as pessoas usaram a plataforma para pedir violência política para vocês com o 8 de janeiro e para nós com o 6 de janeiro. Portanto, há muitos paralelos realmente interessantes a serem explorados e estamos muito animados com a disponibilidade do livro no Brasil”, completou Kate.

Livro "Limite de Caracteres: Como Elon Musk destruiu o Twitter" está disponível no Brasil a partir de 7 de outubro Foto: Daniel Teixeira/Estadão

Leia os melhores momentos da entrevista:

Como foi o processo de criação de um livro cujo assunto tem novos desdobramentos a todo o tempo?

Kate: Estávamos trabalhando em reportagens para o New York Times sobre a venda do Twitter e chegamos a um ponto em que estávamos acumulando tantas informações interessantes sobre a aquisição que sentimos que não poderíamos colocar tudo no jornal e que precisávamos de um formato mais longo para contar essa história. E acho que ambos consideramos a compra como algo realmente histórico que teria consequências para o discurso online por muito tempo. Queríamos capturar isso.

Ryan: Acho que uma das dificuldades deste livro é escrever sobre alguém que gera notícias todos os dias, várias vezes ao dia. E isso causa muitos problemas quando se tenta descobrir como terminar o livro ou o que incluir.

Toda a velocidade de notícias sobre o X atrapalhou o fechamento da história?

Kate: Tínhamos uma ideia muito clara de como seriam as duas primeiras seções do livro. Mas a terceira seção foi acontecendo à medida que escrevíamos. Então, era quase uma coisa diária, em que um de nós mandava uma mensagem para o outro dizendo: “Ah, isso tem que entrar no livro”. Foi difícil decidir onde parar. Por fim, decidimos terminar o livro com o encontro entre Elon Musk e Donald Trump. Achamos que esse era um bom ponto para preparar a história para a mudança política de Elon e seu envolvimento mais profundo na política. E, é claro, depois que paramos de escrever, foi quando ele apoiou Donald Trump. Desde então, ele tem se envolvido mais na política. Então, era um bom lugar para pararmos.

Os principais problemas do Twitter continuam sendo os principais problemas do X mesmo após Elon Musk?

Ryan: Acho que quando escrevemos o livro, queríamos desmistificar essa ideia, de que tudo antes de Elon era bom e tudo depois de Elon foi ruim. O Twitter é uma empresa que sempre teve dificuldades por muitos anos, seja para lidar com decisões de moderação de conteúdo ou para ganhar dinheiro. Frequentemente, a empresa perdia dinheiro, ano após ano. Foi só muito recentemente que atingiu a lucratividade. Havia uma série de problemas acontecendo, mesmo antes de Elon voltar à cena. Queríamos também explicar isso às pessoas.

Kate: Sempre houve essa piada sobre o Twitter de que a única inovação ou mudança que eles fizeram em mais de uma década foi passar de 140 para 280 caracteres. E na esteira da aquisição por Elon, acho que é realmente surpreendente que não tenhamos visto mais mudanças na plataforma. O logotipo é diferente, mas o modo como tudo funciona é o mesmo. Portanto, não houve muitas mudanças e inovações na plataforma.

A primeira parte do livro fala sobre problemas que o Twitter nunca conseguiu resolver, como suas finanças e o aumento expressivo de usuários. Como esses problemas, ao longo dos anos, levaram o Twitter a ser comprado por Musk?

Kate: Existem algumas coisas. Uma delas é a investidora Elliott Management, que meio que estabeleceu um manual para alguém como Musk entrar e fazer exigências semelhantes. No primeiro ato do livro, você vê Elliott comprar um monte de ações e usá-las para pressionar a empresa. No segundo ato, você vê Elon fazer a mesma coisa. Ele compra um monte de ações e começa a pressionar a empresa a fazer mudanças. A outra consideração realmente importante é a meta que o Twitter estabeleceu para si, de dobrar sua receita e quase dobrar sua base de usuários, tudo isso em três anos. Essas são metas muito ambiciosas. E estava ficando cada vez mais claro que eles não seriam capazes de atingi-las. Isso levou os investidores a ficarem realmente preocupados com as perspectivas do Twitter e fez com que o preço das ações do Twitter caísse bastante.

No livro, vocês comentam que Musk queria que o Twitter fosse seu próximo grande empreendimento. Vocês acreditam que a maneira como ele gerencia a empresa é sustentável?

Ryan: Não sei se é sustentável. Ele é o homem mais rico do mundo e com a sua fortuna pode continuar administrando o X por muito tempo. Dito isso, somente os juros da empresa são de mais de US$ 1 bilhão por ano. Esse é um ponto problemático para qualquer pessoa. E ele está dando um tempo de suas outras companhias para administrar essa empresa que se tornou uma espécie de fardo. Acho que o que é muito interessante com o X é que ele não foi totalmente construído do zero por ele. A Tesla é algo que ele comprou logo no início, a SpaceX foi ele que fundou. Mas o Twitter foi a empresa de outra pessoa e ele comprou. Esse é o desafio para ele. Ele nunca teve uma aquisição como essa, em que precisou reconstruir algo. E acho que é isso que o está prejudicando agora.

Qual foi a decisão mais significativa que Musk tomou que, de fato, destruiu o Twitter?

Kate: Acho que as decisões com os anunciantes foram particularmente destrutivas. Ele reduziu a receita da empresa. Ele reduziu o valor da empresa de US$ 44 bilhões para US$19 bilhões, segundo as estimativas. E ele também destruiu os sistemas de moderação de conteúdo que mantinham a empresa funcionando sem problemas. Há muito mais desinformação e discurso de ódio na plataforma hoje do que antes.

Ryan: Para mim, a mudança mais representativa foi o próprio nome. Não é mais Twitter, é X. Acho que isso é simbólico de muitas maneiras.

Já estamos há mais de 30 dias com o X bloqueado no Brasil e parece haver um certo ressentimento de Musk com a justiça brasileira. Como vocês interpretam o comportamento do bilionário nesta questão?

Kate: O que faz sentido no comportamento de Elon Musk no Brasil é que ele realmente usa o X como um ponto de contato inicial para líderes mundiais. E ele meio que usa o controle dessa plataforma para abrir portas para se encontrar com essas pessoas e criar relacionamentos que acabam beneficiando suas outras empresas. O que vimos no Brasil é que, antes da eleição presidencial no final de 2022, ele realmente se aliou a Bolsonaro e trabalhou com Bolsonaro para levar a Starlink para o Brasil. Então, acho que ele sentiu alguma lealdade e alguma proximidade com ele. Grande parte do conteúdo que ele está sendo pressionado a remover pelo STF é conteúdo pró-Bolsonaro, conteúdo que critica o governo atual. Isso vai contra seus interesses políticos e comerciais. Ele também é alguém que não gosta de ser criticado ou confrontado. E, obviamente, Moraes tem feito muito isso e tem sido muito rígido com ele. Vemos repetidamente que, quando Musk é encurralado, ele ataca.

Esse comportamento é replicado em outros países?

Kate: Sim. Ele fez algo semelhante na Austrália antes de a situação no Brasil estourar. O governo australiano estava pedindo que ele retirasse um vídeo terrorista e ele estava dizendo não. Ele acabou ganhando o caso e foi autorizado a manter o vídeo online. Mas acho que continuaremos a vê-lo desafiar essas ordens das quais ele discorda politicamente e manter as informações que ele quer ver na plataforma. Acho também que o que o Brasil está fazendo pode ser um modelo para outros governos tentarem reprimir o X. É algo que não vemos aqui nos Estados Unidos. Nosso governo é muito isento quando se trata de rede social, mas outros países ao redor do mundo não são. A União Europeia considerou tomar medidas contra o X e outros países podem ver o exemplo do Brasil e decidir segui-lo.

Qual é a mensagem que Musk manda para o mundo ao brigar com a Justiça brasileira e, depois, recuar?

Ryan: Isso envia a mensagem de que ele pode se conter. Lembro quando a decisão foi anunciada e muitos de seus fãs estavam se perguntando “por que ele mudou de ideia? Será que ele não é o defensor da liberdade de expressão que supostamente diz ser?”. Ele se viu em uma situação estranha. Ele está preso no meio do caminho, onde ele cavou uma posição que não vai manter. Uma coisa importante que ele precisa perceber são suas próprias contradições. Muitas vezes ele é alguém que não ouve a opinião pública sobre si mesmo.

Existe alguma chance do X voltar a se parecer um pouco mais com o Twitter de antes de Elon Musk?

Kate: Acho que não. Ele está insatisfeito com a quantidade de dinheiro que perdeu, mas acho que está muito feliz com a política da plataforma. Não o vejo revertendo muitas dessas decisões e tentando levar o X de volta à direção que era antes. Acho que continuará a ser um lugar mais partidário, mais explicitamente de direita e mais conflituoso. Muitas das regras de moderação de conteúdo e das ferramentas antiassédio que existiam estão desaparecendo.

Ryan: Acho que nunca voltaremos atrás. As pessoas sentem nostalgia de suas experiências passadas, mas o Twitter era inerentemente uma rede social que dependia de seus usuários. E muitos desses usuários foram para outros lugares. Essas pessoas continuarão indo embora, mesmo que lentamente.

Entrevista por Bruna Arimathea

É jornalista formada pela Universidade de São Paulo (USP) e pós graduanda em História Contemporânea e Relações Internacionais pela PUC-PR. Repórter de Tecnologia no Estadão desde 2021 e coautora do podcast "Alcântara: o desastre espacial brasileiro".

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