Projeto de lei quer permitir que cidadãos possam comercializar seus dados digitais; entenda


Lei Geral de Empoderamento de Dados prevê remuneração para quem quiser vender dados a empresas

Por Guilherme Guerra
Atualização:

Na quarta-feira 1.º, o deputado Arlindo Chinaglia (PT-SP) apresentou um projeto de lei complementar (PLP) que visa a estabelecer um mercado de informações pessoais dos cidadãos, que poderão vender esses dados para empresas e, em troca, obter benefícios econômicos, como descontos em produtos ou remuneração.

Batizado de Lei Geral de Empoderamento de Dados, o projeto de lei quer permitir que indivíduos tenham propriedade sobre seus dados e possam “monetizá-los” por meio de intermediadores - ou seja, quer que essas informações possam ser trocadas por benefícios financeiros. Um exemplo citado no texto do projeto é que usuários poderão vender informações como histórico de navegação e de compra na internet para empresas do “setor financeiro, de previdência complementar, seguros privados, saúde suplementar, comércio eletrônico, transporte aéreo, varejo em geral”.

O PLP rompe com o modelo atual, em que a titularidade dos dados dos usuários fica sob posse das empresas hospedeiras que cuidam do armazenamento e tratamento desses insumos. Com o projeto, firmas como Microsoft, Google, Amazon e Meta, por exemplo, não teriam mais o controle dessas informações, que poderiam ser “transferidas” pelo usuário conforme sua vontade.

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Em entrevista ao Estadão, Chinaglia afirma que o projeto reconhece que dados pessoais geram riquezas “enormes, que devem ser compartilhados com quem os gera e detém a sua propriedade real” — os usuários, portanto.

“A lei vai garantir a plenitude dos direitos dos titulares dos dados, tanto no sentido de permitir ou não permitir que seus dados sejam compartilhados, mas também no sentido de que sejam beneficiados monetariamente por isso, por meio de uma poupança de dados”, explica Chinaglia, autor do projeto, que tem 39 páginas e 55 artigos.

Arlindo Chinaglia, deputado federal pelo Partido dos Trabalhadores em São Paulo Foto: Dida Sampaio/Estadão
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Se aprovada pela Câmara dos Deputados, a Lei Geral de Empoderamento de Dados irá demorar seis meses para entrar em vigor. Atualmente, ela aguarda despacho para ser discutida no plenário.

Inspiração

A inspiração para a lei está no “open finance” (sistema aberto financeiro), projeto do Banco Central do Brasil para garantir a transferência de dados bancários de usuários entre instituições financeiras. Em vigor no País desde 2022, os clientes devem autorizar a transferência dessas informações, respeitando a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).

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A Lei Geral de Empoderamento de Dados pretende ir além do open finance: ela quer regular não só as instituições financeiras, mas varejistas, marketplaces, plataformas e aplicativos coletores de dados, de modo geral. Segundo o projeto, quem deve definir a autoridade reguladora é o Poder Executivo — mas Chinaglia aponta que um candidato a esse posto é a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), cujas competências devem ser fortalecidas.

Uma lei dessa natureza é inovadora, ousada e vai ferir interesses diversos

Arlindo Chinaglia, deputado federal pelo PT-SP

“Uma lei dessa natureza é inovadora, ousada e vai ferir interesses diversos. Haverá resistências das Big Techs, que, como já ocorreu no caso do PL das Fake News, tentarão impedir sua apreciação e aprovação”, diz Chinaglia.

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Segundo o deputado, o projeto foi inspirado também em pesquisas de acadêmicos da área, como o americano Jaron Lanier — mas não há legislações implementadas em outros territórios. “Até agora, nenhuma proposta concreta foi apresentada ou aprovada em nenhum país”, diz Chinaglia. “Trata-se de um projeto de vanguarda que recolhe o que vem sendo debatido no mundo há mais de 20 anos por especialistas e empreendedores de políticas públicas.”

A ideia tem respaldo de outras autoridades do País. No início de outubro, o presidente do Banco Central do Brasil, Roberto Campos Neto, citou, em entrevista ao Programa do Bial, da TV Globo, a “monetização de dados” e uma “carteira digital” como uma das tendências para o futuro, após a implementação de sistemas abertos como o open finance.

Para Campos Neto, um “superapp” (conceito de aplicativo faz-tudo que pode reunir transações financeiras, mensagens em redes sociais e compras online, por exemplo) vai permitir que usuários “armazenem” seus dados pessoais e negociem com companhias interessadas.

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“Isso vai ficar numa carteira digital de dados, ou de d-wallet, em inglês. E aí os indivíduos vão conseguir transformar esses dados em tokens para monetizá-los”, disse Campos Neto na entrevista.

Fernando Teles é presidente da DrumWave, startup de brasileiros no Vale do Silício que quer intermediar a monetização de dados pessoais Foto: Bruno Picolli/DrumWave

‘Carteira digital’

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O projeto prevê a criação de “carteiras digitais”, ou “poupança de dados”, para que os cidadãos possam administrar essas informações em um mercado digital. Com isso, empresas intermediárias administradoras dessas carteiras podem atuar como plataformas, nas quais os dados são guardados e vendidos.

No texto, a Lei Geral de Empoderamento de Dados cita que a intermediação pode ser feita pela startup DrumWave, fundada pelo brasileiro André Vellozo na Califórnia, nos Estados Unidos. Atualmente, o presidente é Fernando Teles, que teve passagem pela Visa e Itaú.

Em junho passado, a empresa apresentou ao mercado a carteira digital dWallet, cujo aplicativo permite reunir, certificar e precificar as informações de usuários tiradas das empresas parceiras da startup. Atualmente, quinze firmas têm negócio com o DrumWave, como Visa, BV, Tecban, Banco do Brasil e iDr.

Nos cálculos da DrumWave, cada titular de dados pode obter uma remuneração média de US$ 50 mensais, com possibilidade de aumento com o tempo. No total, a companhia estima que esse mercado pode valer até US$ 1,8 trilhão.

À reportagem, a DrumWave considera que o projeto é um “importante passo” para a startup e que uma nova onda de companhias pode nascer com a lei. Após levantar US$ 20 milhões recentemente (a empresa não revela os investidores envolvidos no cheque), a startup pretende entrar em operação total a partir do próximo ano.

“Essa plataforma é apoiada por uma parceria técnica com a IBM assinada em 2022 e com diversas empresas nacionais que estão se preparando para participar do ecossistema quando do seu lançamento. Juntas, essas empresas estão conectadas a 85% da população brasileira”, diz, em nota, o chefe de operações da empresa, Patrick Hruby (ex-Movile).

O brasileiro André Vellozo é o fundador da startup DrumWave, que quer auxiliar usuários a ganharem dinheiro com a venda dos dados pessoais Foto: Divulgação/DrumWave

Especialistas questionam lei

Especialistas do ramo de privacidade e dados pessoais ouvidos pelo Estadão questionam o projeto apresentado por Arlindo Chinaglia.

Esse projeto é um maremoto no que entendemos como privacidade de dados”, aponta o advogado e diretor da organização sem fins lucrativos Data Privacy Brasil, Rafael Zanatta. “É uma contestação do modelo vigente dos últimos anos”.

Segundo Zanatta, o projeto subverte a lógica atual, em que o direito à privacidade é inalienável e, portanto, não pode ser comercializado. Nesse sentido, o projeto altera a LGPD e permite que dados sejam tratados como propriedade do cidadão, similar a um imóvel, por exemplo, do qual o indivíduo pode realizar a venda e compra.

Atualmente, a legislação atual entende os dados pessoais como direito inalienável de um ser humano, o que impediria que essas informações sejam comercializadas. Além do Brasil, outros países têm esse entendimento, como a União Europeia.

A advogada Bárbara Simão, coordenadora de pesquisa da organização InternetLab, concorda. “Esse projeto muda nossa lógica com a proteção de dados”, explica. “Atualmente, um dado pessoal é expressão de direito do ser humano, e não algo patrimonial que possa ser vendido.”

Se só há uma empresa capaz de atuar nesse ramo, não existe competitividade e serviria aos interesses dessa empresa

Bárbara Simão, coordenadora do InternetLab

Do lado do cidadão, ainda que a lei possa permitir um benefício econômico com a troca de dados, tanto Bárbara quanto Zanatta questionam os efeitos disso na mitigação de desigualdades no Brasil.

“Para as pessoas, isso pode gerar um efeito perverso”, explica o advogado da Data Privacy Brasil. Pessoas mais pobres, por exemplo, poderiam comercializar dados em troca de benefícios econômicos, enquanto cidadãos das camadas mais ricas teriam sua privacidade assegurada. “São duas camadas de população, com uma massa que negocia seus dados, e uma elite que compra sua própria privacidade”, diz Zanatta.

Na quarta-feira 1.º, o deputado Arlindo Chinaglia (PT-SP) apresentou um projeto de lei complementar (PLP) que visa a estabelecer um mercado de informações pessoais dos cidadãos, que poderão vender esses dados para empresas e, em troca, obter benefícios econômicos, como descontos em produtos ou remuneração.

Batizado de Lei Geral de Empoderamento de Dados, o projeto de lei quer permitir que indivíduos tenham propriedade sobre seus dados e possam “monetizá-los” por meio de intermediadores - ou seja, quer que essas informações possam ser trocadas por benefícios financeiros. Um exemplo citado no texto do projeto é que usuários poderão vender informações como histórico de navegação e de compra na internet para empresas do “setor financeiro, de previdência complementar, seguros privados, saúde suplementar, comércio eletrônico, transporte aéreo, varejo em geral”.

O PLP rompe com o modelo atual, em que a titularidade dos dados dos usuários fica sob posse das empresas hospedeiras que cuidam do armazenamento e tratamento desses insumos. Com o projeto, firmas como Microsoft, Google, Amazon e Meta, por exemplo, não teriam mais o controle dessas informações, que poderiam ser “transferidas” pelo usuário conforme sua vontade.

Em entrevista ao Estadão, Chinaglia afirma que o projeto reconhece que dados pessoais geram riquezas “enormes, que devem ser compartilhados com quem os gera e detém a sua propriedade real” — os usuários, portanto.

“A lei vai garantir a plenitude dos direitos dos titulares dos dados, tanto no sentido de permitir ou não permitir que seus dados sejam compartilhados, mas também no sentido de que sejam beneficiados monetariamente por isso, por meio de uma poupança de dados”, explica Chinaglia, autor do projeto, que tem 39 páginas e 55 artigos.

Arlindo Chinaglia, deputado federal pelo Partido dos Trabalhadores em São Paulo Foto: Dida Sampaio/Estadão

Se aprovada pela Câmara dos Deputados, a Lei Geral de Empoderamento de Dados irá demorar seis meses para entrar em vigor. Atualmente, ela aguarda despacho para ser discutida no plenário.

Inspiração

A inspiração para a lei está no “open finance” (sistema aberto financeiro), projeto do Banco Central do Brasil para garantir a transferência de dados bancários de usuários entre instituições financeiras. Em vigor no País desde 2022, os clientes devem autorizar a transferência dessas informações, respeitando a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).

A Lei Geral de Empoderamento de Dados pretende ir além do open finance: ela quer regular não só as instituições financeiras, mas varejistas, marketplaces, plataformas e aplicativos coletores de dados, de modo geral. Segundo o projeto, quem deve definir a autoridade reguladora é o Poder Executivo — mas Chinaglia aponta que um candidato a esse posto é a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), cujas competências devem ser fortalecidas.

Uma lei dessa natureza é inovadora, ousada e vai ferir interesses diversos

Arlindo Chinaglia, deputado federal pelo PT-SP

“Uma lei dessa natureza é inovadora, ousada e vai ferir interesses diversos. Haverá resistências das Big Techs, que, como já ocorreu no caso do PL das Fake News, tentarão impedir sua apreciação e aprovação”, diz Chinaglia.

Segundo o deputado, o projeto foi inspirado também em pesquisas de acadêmicos da área, como o americano Jaron Lanier — mas não há legislações implementadas em outros territórios. “Até agora, nenhuma proposta concreta foi apresentada ou aprovada em nenhum país”, diz Chinaglia. “Trata-se de um projeto de vanguarda que recolhe o que vem sendo debatido no mundo há mais de 20 anos por especialistas e empreendedores de políticas públicas.”

A ideia tem respaldo de outras autoridades do País. No início de outubro, o presidente do Banco Central do Brasil, Roberto Campos Neto, citou, em entrevista ao Programa do Bial, da TV Globo, a “monetização de dados” e uma “carteira digital” como uma das tendências para o futuro, após a implementação de sistemas abertos como o open finance.

Para Campos Neto, um “superapp” (conceito de aplicativo faz-tudo que pode reunir transações financeiras, mensagens em redes sociais e compras online, por exemplo) vai permitir que usuários “armazenem” seus dados pessoais e negociem com companhias interessadas.

“Isso vai ficar numa carteira digital de dados, ou de d-wallet, em inglês. E aí os indivíduos vão conseguir transformar esses dados em tokens para monetizá-los”, disse Campos Neto na entrevista.

Fernando Teles é presidente da DrumWave, startup de brasileiros no Vale do Silício que quer intermediar a monetização de dados pessoais Foto: Bruno Picolli/DrumWave

‘Carteira digital’

O projeto prevê a criação de “carteiras digitais”, ou “poupança de dados”, para que os cidadãos possam administrar essas informações em um mercado digital. Com isso, empresas intermediárias administradoras dessas carteiras podem atuar como plataformas, nas quais os dados são guardados e vendidos.

No texto, a Lei Geral de Empoderamento de Dados cita que a intermediação pode ser feita pela startup DrumWave, fundada pelo brasileiro André Vellozo na Califórnia, nos Estados Unidos. Atualmente, o presidente é Fernando Teles, que teve passagem pela Visa e Itaú.

Em junho passado, a empresa apresentou ao mercado a carteira digital dWallet, cujo aplicativo permite reunir, certificar e precificar as informações de usuários tiradas das empresas parceiras da startup. Atualmente, quinze firmas têm negócio com o DrumWave, como Visa, BV, Tecban, Banco do Brasil e iDr.

Nos cálculos da DrumWave, cada titular de dados pode obter uma remuneração média de US$ 50 mensais, com possibilidade de aumento com o tempo. No total, a companhia estima que esse mercado pode valer até US$ 1,8 trilhão.

À reportagem, a DrumWave considera que o projeto é um “importante passo” para a startup e que uma nova onda de companhias pode nascer com a lei. Após levantar US$ 20 milhões recentemente (a empresa não revela os investidores envolvidos no cheque), a startup pretende entrar em operação total a partir do próximo ano.

“Essa plataforma é apoiada por uma parceria técnica com a IBM assinada em 2022 e com diversas empresas nacionais que estão se preparando para participar do ecossistema quando do seu lançamento. Juntas, essas empresas estão conectadas a 85% da população brasileira”, diz, em nota, o chefe de operações da empresa, Patrick Hruby (ex-Movile).

O brasileiro André Vellozo é o fundador da startup DrumWave, que quer auxiliar usuários a ganharem dinheiro com a venda dos dados pessoais Foto: Divulgação/DrumWave

Especialistas questionam lei

Especialistas do ramo de privacidade e dados pessoais ouvidos pelo Estadão questionam o projeto apresentado por Arlindo Chinaglia.

Esse projeto é um maremoto no que entendemos como privacidade de dados”, aponta o advogado e diretor da organização sem fins lucrativos Data Privacy Brasil, Rafael Zanatta. “É uma contestação do modelo vigente dos últimos anos”.

Segundo Zanatta, o projeto subverte a lógica atual, em que o direito à privacidade é inalienável e, portanto, não pode ser comercializado. Nesse sentido, o projeto altera a LGPD e permite que dados sejam tratados como propriedade do cidadão, similar a um imóvel, por exemplo, do qual o indivíduo pode realizar a venda e compra.

Atualmente, a legislação atual entende os dados pessoais como direito inalienável de um ser humano, o que impediria que essas informações sejam comercializadas. Além do Brasil, outros países têm esse entendimento, como a União Europeia.

A advogada Bárbara Simão, coordenadora de pesquisa da organização InternetLab, concorda. “Esse projeto muda nossa lógica com a proteção de dados”, explica. “Atualmente, um dado pessoal é expressão de direito do ser humano, e não algo patrimonial que possa ser vendido.”

Se só há uma empresa capaz de atuar nesse ramo, não existe competitividade e serviria aos interesses dessa empresa

Bárbara Simão, coordenadora do InternetLab

Do lado do cidadão, ainda que a lei possa permitir um benefício econômico com a troca de dados, tanto Bárbara quanto Zanatta questionam os efeitos disso na mitigação de desigualdades no Brasil.

“Para as pessoas, isso pode gerar um efeito perverso”, explica o advogado da Data Privacy Brasil. Pessoas mais pobres, por exemplo, poderiam comercializar dados em troca de benefícios econômicos, enquanto cidadãos das camadas mais ricas teriam sua privacidade assegurada. “São duas camadas de população, com uma massa que negocia seus dados, e uma elite que compra sua própria privacidade”, diz Zanatta.

Na quarta-feira 1.º, o deputado Arlindo Chinaglia (PT-SP) apresentou um projeto de lei complementar (PLP) que visa a estabelecer um mercado de informações pessoais dos cidadãos, que poderão vender esses dados para empresas e, em troca, obter benefícios econômicos, como descontos em produtos ou remuneração.

Batizado de Lei Geral de Empoderamento de Dados, o projeto de lei quer permitir que indivíduos tenham propriedade sobre seus dados e possam “monetizá-los” por meio de intermediadores - ou seja, quer que essas informações possam ser trocadas por benefícios financeiros. Um exemplo citado no texto do projeto é que usuários poderão vender informações como histórico de navegação e de compra na internet para empresas do “setor financeiro, de previdência complementar, seguros privados, saúde suplementar, comércio eletrônico, transporte aéreo, varejo em geral”.

O PLP rompe com o modelo atual, em que a titularidade dos dados dos usuários fica sob posse das empresas hospedeiras que cuidam do armazenamento e tratamento desses insumos. Com o projeto, firmas como Microsoft, Google, Amazon e Meta, por exemplo, não teriam mais o controle dessas informações, que poderiam ser “transferidas” pelo usuário conforme sua vontade.

Em entrevista ao Estadão, Chinaglia afirma que o projeto reconhece que dados pessoais geram riquezas “enormes, que devem ser compartilhados com quem os gera e detém a sua propriedade real” — os usuários, portanto.

“A lei vai garantir a plenitude dos direitos dos titulares dos dados, tanto no sentido de permitir ou não permitir que seus dados sejam compartilhados, mas também no sentido de que sejam beneficiados monetariamente por isso, por meio de uma poupança de dados”, explica Chinaglia, autor do projeto, que tem 39 páginas e 55 artigos.

Arlindo Chinaglia, deputado federal pelo Partido dos Trabalhadores em São Paulo Foto: Dida Sampaio/Estadão

Se aprovada pela Câmara dos Deputados, a Lei Geral de Empoderamento de Dados irá demorar seis meses para entrar em vigor. Atualmente, ela aguarda despacho para ser discutida no plenário.

Inspiração

A inspiração para a lei está no “open finance” (sistema aberto financeiro), projeto do Banco Central do Brasil para garantir a transferência de dados bancários de usuários entre instituições financeiras. Em vigor no País desde 2022, os clientes devem autorizar a transferência dessas informações, respeitando a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).

A Lei Geral de Empoderamento de Dados pretende ir além do open finance: ela quer regular não só as instituições financeiras, mas varejistas, marketplaces, plataformas e aplicativos coletores de dados, de modo geral. Segundo o projeto, quem deve definir a autoridade reguladora é o Poder Executivo — mas Chinaglia aponta que um candidato a esse posto é a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), cujas competências devem ser fortalecidas.

Uma lei dessa natureza é inovadora, ousada e vai ferir interesses diversos

Arlindo Chinaglia, deputado federal pelo PT-SP

“Uma lei dessa natureza é inovadora, ousada e vai ferir interesses diversos. Haverá resistências das Big Techs, que, como já ocorreu no caso do PL das Fake News, tentarão impedir sua apreciação e aprovação”, diz Chinaglia.

Segundo o deputado, o projeto foi inspirado também em pesquisas de acadêmicos da área, como o americano Jaron Lanier — mas não há legislações implementadas em outros territórios. “Até agora, nenhuma proposta concreta foi apresentada ou aprovada em nenhum país”, diz Chinaglia. “Trata-se de um projeto de vanguarda que recolhe o que vem sendo debatido no mundo há mais de 20 anos por especialistas e empreendedores de políticas públicas.”

A ideia tem respaldo de outras autoridades do País. No início de outubro, o presidente do Banco Central do Brasil, Roberto Campos Neto, citou, em entrevista ao Programa do Bial, da TV Globo, a “monetização de dados” e uma “carteira digital” como uma das tendências para o futuro, após a implementação de sistemas abertos como o open finance.

Para Campos Neto, um “superapp” (conceito de aplicativo faz-tudo que pode reunir transações financeiras, mensagens em redes sociais e compras online, por exemplo) vai permitir que usuários “armazenem” seus dados pessoais e negociem com companhias interessadas.

“Isso vai ficar numa carteira digital de dados, ou de d-wallet, em inglês. E aí os indivíduos vão conseguir transformar esses dados em tokens para monetizá-los”, disse Campos Neto na entrevista.

Fernando Teles é presidente da DrumWave, startup de brasileiros no Vale do Silício que quer intermediar a monetização de dados pessoais Foto: Bruno Picolli/DrumWave

‘Carteira digital’

O projeto prevê a criação de “carteiras digitais”, ou “poupança de dados”, para que os cidadãos possam administrar essas informações em um mercado digital. Com isso, empresas intermediárias administradoras dessas carteiras podem atuar como plataformas, nas quais os dados são guardados e vendidos.

No texto, a Lei Geral de Empoderamento de Dados cita que a intermediação pode ser feita pela startup DrumWave, fundada pelo brasileiro André Vellozo na Califórnia, nos Estados Unidos. Atualmente, o presidente é Fernando Teles, que teve passagem pela Visa e Itaú.

Em junho passado, a empresa apresentou ao mercado a carteira digital dWallet, cujo aplicativo permite reunir, certificar e precificar as informações de usuários tiradas das empresas parceiras da startup. Atualmente, quinze firmas têm negócio com o DrumWave, como Visa, BV, Tecban, Banco do Brasil e iDr.

Nos cálculos da DrumWave, cada titular de dados pode obter uma remuneração média de US$ 50 mensais, com possibilidade de aumento com o tempo. No total, a companhia estima que esse mercado pode valer até US$ 1,8 trilhão.

À reportagem, a DrumWave considera que o projeto é um “importante passo” para a startup e que uma nova onda de companhias pode nascer com a lei. Após levantar US$ 20 milhões recentemente (a empresa não revela os investidores envolvidos no cheque), a startup pretende entrar em operação total a partir do próximo ano.

“Essa plataforma é apoiada por uma parceria técnica com a IBM assinada em 2022 e com diversas empresas nacionais que estão se preparando para participar do ecossistema quando do seu lançamento. Juntas, essas empresas estão conectadas a 85% da população brasileira”, diz, em nota, o chefe de operações da empresa, Patrick Hruby (ex-Movile).

O brasileiro André Vellozo é o fundador da startup DrumWave, que quer auxiliar usuários a ganharem dinheiro com a venda dos dados pessoais Foto: Divulgação/DrumWave

Especialistas questionam lei

Especialistas do ramo de privacidade e dados pessoais ouvidos pelo Estadão questionam o projeto apresentado por Arlindo Chinaglia.

Esse projeto é um maremoto no que entendemos como privacidade de dados”, aponta o advogado e diretor da organização sem fins lucrativos Data Privacy Brasil, Rafael Zanatta. “É uma contestação do modelo vigente dos últimos anos”.

Segundo Zanatta, o projeto subverte a lógica atual, em que o direito à privacidade é inalienável e, portanto, não pode ser comercializado. Nesse sentido, o projeto altera a LGPD e permite que dados sejam tratados como propriedade do cidadão, similar a um imóvel, por exemplo, do qual o indivíduo pode realizar a venda e compra.

Atualmente, a legislação atual entende os dados pessoais como direito inalienável de um ser humano, o que impediria que essas informações sejam comercializadas. Além do Brasil, outros países têm esse entendimento, como a União Europeia.

A advogada Bárbara Simão, coordenadora de pesquisa da organização InternetLab, concorda. “Esse projeto muda nossa lógica com a proteção de dados”, explica. “Atualmente, um dado pessoal é expressão de direito do ser humano, e não algo patrimonial que possa ser vendido.”

Se só há uma empresa capaz de atuar nesse ramo, não existe competitividade e serviria aos interesses dessa empresa

Bárbara Simão, coordenadora do InternetLab

Do lado do cidadão, ainda que a lei possa permitir um benefício econômico com a troca de dados, tanto Bárbara quanto Zanatta questionam os efeitos disso na mitigação de desigualdades no Brasil.

“Para as pessoas, isso pode gerar um efeito perverso”, explica o advogado da Data Privacy Brasil. Pessoas mais pobres, por exemplo, poderiam comercializar dados em troca de benefícios econômicos, enquanto cidadãos das camadas mais ricas teriam sua privacidade assegurada. “São duas camadas de população, com uma massa que negocia seus dados, e uma elite que compra sua própria privacidade”, diz Zanatta.

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