Novelinhas coreanas nas plataformas de streamings são a nova paixão dos mais velhos


Conteúdo leve e divertido dos ‘doramas’ cai no gosto de gerações mais antigas e conecta avós e netos

Por Alice Labate

Enquanto muitos acreditam que as plataformas de streaming são território exclusivo dos jovens, os mais velhos estão descobrindo uma porta de entrada surpreendente para serviços como Netflix e Prime Vídeo: os “doramas”, produções asiáticas do gênero dramático bem parecidas com as novelas latino-americanas.

O deputado federal do Rio Grande do Sul, Bibo Nunes, deu uma pista da popularidade dessas produções. Em discurso no plenário da Câmara dos Deputados no último dia 3, ele chegou a mencionar os doramas: “Se não assistem, vão assistir séries da Coreia do Sul. Dorama é o que chama isso. [...] É sucesso mundial!”, disse.

Rosaly Maria Stefani assiste novelinhas coreanas desde o começo da pandemia Foto: WERTHER SANTANA/ESTADÃO CONTEÚDO
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Apesar de as novelinhas retratarem costumes distantes da realidade brasileira, foram essas particularidades que cativaram a aposentada Rosaly Maria Stefani, 77. Segundo ela, a presença marcante de pessoas idosas nos elencos chamou a atenção.

“Eu vejo as novelas coreanas e é bem diferente o estilo de vida deles, a alimentação, os costumes. Os doramas dão muito valor para a história, para os antepassados. Isso a gente não vê muito na cultura americana. Até tem idosos, mas não é uma característica forte, como é nos dramas coreanos”, conta Rosaly Maria.

O termo “dorama” vem da palavra “drama” em japonês, e, originalmente, era usado para se referir apenas às produções japonesas, mas atualmente, a palavra engloba qualquer novela ou série asiática. Hoje em dia, as produções de maior sucesso são os chamados “doramas coreanos” ou “K-dramas”, que ganharam muita popularidade em escala global nos últimos anos.

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“Esse fenômeno da globalização da cultura coreana vem como uma onda, vem um pouco, molha, e quando você vê, já está encharcado”, explica a criadora de conteúdo e dona do canal do YouTube Coreanismo, Manuella Gerino. “Com a pandemia, filmes, séries e músicas coreanas começaram a crescer. O momento foi ótimo para as plataformas de streaming passarem a divulgar mais esses conteúdos, que já existiam antes mas que ainda não eram tão populares”.

Com essa divulgação em massa, Rosaly Maria conta que começou a assistir os dramas coreanos sem querer. “Eu já tinha Netflix e assistia vários filmes na pandemia, até que comecei a ver os anúncios desses dramas. Comecei a assistir e não parei mais”.

Outro aspecto comum dos doramas e que popularizou ainda mais o gênero entre o público mais velho, são os temas leves e sem conteúdos explícitos. “O que acho legal é que é tudo inocente. São histórias que não tem apelo, não tem essas coisas mais explícitas que a gente vê em séries e novelas normalmente”, diz a aposentada e dona de um brechó, Maria Aparecida Icasatti, 62.

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Maria Aparecida Icassati se interessou pelos doramas pelos temas leves que eles trazem Foto: ALEX SILVA/ESTADAO CONTEUDO

Manuella também explica que mesmo dramas coreanos com classificações indicativas mais altas e considerados violentos ainda não chegam a ser tão explícitos quanto às produções brasileiras ou americanas que costumamos assistir.

Para a pesquisadora de comunicação digital, cultura de fãs e cultura pop, Giovana Carlos, a forma como as personagens dos doramas são representadas também é um fator que chama a atenção. “Muitas vezes tem aqueles clichês, personagens caricatos que já estamos acostumados a ver. Além disso, as personagens coreanas são mais parecidas, digamos assim, com as brasileiras, do que, por exemplo, com as japonesas, que são mais “infantilizadas”. É interessante que os coreanos também tem alguns maneirismos na fala, expressões parecidas com as que o brasileiro usa”, explica.

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Rosaly Maria conta que se interessou tanto pelo idioma coreano depois que passou a assistir aos doramas que quis aprender. “Eu fiquei tão influenciada que eu comecei a prestar atenção na língua. E eu gostei tanto daquela sonoridade linguística que eu comecei a fazer um curso online para aprender a falar coreano”.

Conexão com os netos

Em alguns casos, a descoberta de pessoas mais velhas por doramas ajudou a criar novas conexões entre avós e netos. E há motivos para isso: entre jovens adultos a música pop coreana, ou K-pop, é um grande sucesso. Assim, o entretenimento coreano virou um improvável ponto de encontro entre diferentes gerações.

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“O público do dorama realmente é bem variado. Tem dois caminhos para entrar no mundo dos doramas: o pessoal mais novo vem pelo K-pop, por conta dos músicos que também são atores em dramas. O pessoal mais velho vem pelas plataformas de streaming, principalmente agora que as pessoas assistem menos TV aberta”, explicou Manuella.

Mesmo com a comunidade dos “dorameiros” (como são chamados os fãs dos dramas) sendo composta pelo público mais velho, essas produções são comumente associadas apenas aos fãs de K-pop. Ao descobrir o interesse da avó por doramas, Isabella Livoratti, 21, neta de Maria Aparecida, foi surpreendida: “Quem eu imagino gostando de dorama são os fãs de K-pop e não a minha avó”.

Talvez, seja uma informação que surpreenda os próprios dorameiros. “Hoje em dia, o maior público do meu canal, que fala sobre doramas, é o público mais idoso e nem eles mesmos sabem que são maioria. Vejo comentários de pessoas mais velhas dizendo “sei que sou o único da minha idade que acompanha o canal”, mas não é assim”, diz Manuella.

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SÃO PAULO 06/11/2023 CIDADE DORAMAS - doramas (novelinhas coreanas) em plataformas de streaming, como Netflix e entrevistamos duas pessoas, a Maria Aparecida Icassati - FOTO ALEX SILVA/ESTADAO  Foto: ALEX SILVA/ESTADAO

Beatriz Passarelli, 21, neta de Rosaly Maria, assume que, no início, achou estranho o interesse da avó por doramas. A estudante de biomedicina não tem os mesmos gostos que Rosaly, mas para ela “isso nos aproximou, porque qualquer coisa que a minha avó gosta, ela me fala, e eu gosto de escutar. Sempre conversamos por ligação, ainda mais agora que estou morando na Espanha. Esse assunto, mesmo não tendo contato com a cultura, virou algo nosso”.

Idosos no streaming

Segundo a pesquisa sobre o Uso das Tecnologias de Informação e Comunicação nos Domicílios Brasileiros, realizada pelo Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br), o número de acessos à internet por usuários acima de 60 anos cresceu de 34%, em 2019, para 48% em 2021, com as conexões mais voltadas para buscar entretenimento e serviços, como o streaming.

O período da pandemia não apenas ajudou a descobrir novas tecnologias, mas permitiu também descobertas de séries televisivas. A aposentada e passadeira Jane Casella, 82, assim como Rosaly Maria, começou a assistir doramas durante a pandemia. “‘Pousando no amor’ foi o primeiro que eu vi. Depois entrei em um grupo no Facebook de novelistas coreanos e fui assistindo o que iam indicando. Tenho até uma lista com todos que já assisti e com os que estão na fila”, conta ela.

Jane, Maria Aparecida e Rosaly Maria são assinantes da Netflix e têm preferência por assistir aos programas pela televisão, em vez de assistir pelo computador ou pelo celular. “Eu acho fácil usar a Netflix, uso junto com a conta da minha nora. Vejo durante o dia pela televisão e de noite, quando vou para o quarto, pelo celular. Eu coloco o filme e vou fazer minhas coisas, então também não preciso mexer muito”, explica Jane.

“Essa coisa de falar que pessoas idosas e tecnologia não se dão bem é mentira, é puro preconceito. Isso depende muito do interesse da pessoa. Muitas vezes ela não se dá bem com um celular, mas tem facilidade com a plataforma de streaming porque é o que a interessa”, diz a professora de Comunicação e Práticas de Consumo da ESPM e pesquisadora em envelhecimento e longevidade, Gisela Castro.

Beatriz, neta de Rosaly, acredita que o gosto da avó aproximou as duas Foto: WERTHER SANTANA/ESTADÃO CONTEÚDO

Maria Aparecida, apesar de preferir assistir às novelas coreanas pela TV, não vê problemas em usar outros aparelhos para assistir seus programas. “Se eu estiver no computador, para mim tudo bem. Eu acesso a internet, vejo tudo, tem muitos sites que gosto. No celular é um pouco mais difícil, porque é muito pequeno, então normalmente acabo optando pela TV”.

Segundo Gisela, a preferência pela televisão na hora de acessar o streaming varia conforme o perfil de uso de tecnologia da pessoa. “O pessoal mais velho sempre usou muito mais a TV, e da TV para o streaming o salto não é tão grande, mas da TV para um aplicativo é”.

“Às vezes eu até tenho um pouco de dificuldade, mas meus netos e meu marido sempre me ajudam”, conta Jane, “então não é um problema”. “Adoro assistir às minhas novelas, acho lindas, inclusive se eu pudesse fazer uma viagem, eu com certeza iria pra Coreia do Sul”, brinca.

*Alice Labate é estagiária sob supervisão do editor Bruno Romani

Enquanto muitos acreditam que as plataformas de streaming são território exclusivo dos jovens, os mais velhos estão descobrindo uma porta de entrada surpreendente para serviços como Netflix e Prime Vídeo: os “doramas”, produções asiáticas do gênero dramático bem parecidas com as novelas latino-americanas.

O deputado federal do Rio Grande do Sul, Bibo Nunes, deu uma pista da popularidade dessas produções. Em discurso no plenário da Câmara dos Deputados no último dia 3, ele chegou a mencionar os doramas: “Se não assistem, vão assistir séries da Coreia do Sul. Dorama é o que chama isso. [...] É sucesso mundial!”, disse.

Rosaly Maria Stefani assiste novelinhas coreanas desde o começo da pandemia Foto: WERTHER SANTANA/ESTADÃO CONTEÚDO

Apesar de as novelinhas retratarem costumes distantes da realidade brasileira, foram essas particularidades que cativaram a aposentada Rosaly Maria Stefani, 77. Segundo ela, a presença marcante de pessoas idosas nos elencos chamou a atenção.

“Eu vejo as novelas coreanas e é bem diferente o estilo de vida deles, a alimentação, os costumes. Os doramas dão muito valor para a história, para os antepassados. Isso a gente não vê muito na cultura americana. Até tem idosos, mas não é uma característica forte, como é nos dramas coreanos”, conta Rosaly Maria.

O termo “dorama” vem da palavra “drama” em japonês, e, originalmente, era usado para se referir apenas às produções japonesas, mas atualmente, a palavra engloba qualquer novela ou série asiática. Hoje em dia, as produções de maior sucesso são os chamados “doramas coreanos” ou “K-dramas”, que ganharam muita popularidade em escala global nos últimos anos.

“Esse fenômeno da globalização da cultura coreana vem como uma onda, vem um pouco, molha, e quando você vê, já está encharcado”, explica a criadora de conteúdo e dona do canal do YouTube Coreanismo, Manuella Gerino. “Com a pandemia, filmes, séries e músicas coreanas começaram a crescer. O momento foi ótimo para as plataformas de streaming passarem a divulgar mais esses conteúdos, que já existiam antes mas que ainda não eram tão populares”.

Com essa divulgação em massa, Rosaly Maria conta que começou a assistir os dramas coreanos sem querer. “Eu já tinha Netflix e assistia vários filmes na pandemia, até que comecei a ver os anúncios desses dramas. Comecei a assistir e não parei mais”.

Outro aspecto comum dos doramas e que popularizou ainda mais o gênero entre o público mais velho, são os temas leves e sem conteúdos explícitos. “O que acho legal é que é tudo inocente. São histórias que não tem apelo, não tem essas coisas mais explícitas que a gente vê em séries e novelas normalmente”, diz a aposentada e dona de um brechó, Maria Aparecida Icasatti, 62.

Maria Aparecida Icassati se interessou pelos doramas pelos temas leves que eles trazem Foto: ALEX SILVA/ESTADAO CONTEUDO

Manuella também explica que mesmo dramas coreanos com classificações indicativas mais altas e considerados violentos ainda não chegam a ser tão explícitos quanto às produções brasileiras ou americanas que costumamos assistir.

Para a pesquisadora de comunicação digital, cultura de fãs e cultura pop, Giovana Carlos, a forma como as personagens dos doramas são representadas também é um fator que chama a atenção. “Muitas vezes tem aqueles clichês, personagens caricatos que já estamos acostumados a ver. Além disso, as personagens coreanas são mais parecidas, digamos assim, com as brasileiras, do que, por exemplo, com as japonesas, que são mais “infantilizadas”. É interessante que os coreanos também tem alguns maneirismos na fala, expressões parecidas com as que o brasileiro usa”, explica.

Rosaly Maria conta que se interessou tanto pelo idioma coreano depois que passou a assistir aos doramas que quis aprender. “Eu fiquei tão influenciada que eu comecei a prestar atenção na língua. E eu gostei tanto daquela sonoridade linguística que eu comecei a fazer um curso online para aprender a falar coreano”.

Conexão com os netos

Em alguns casos, a descoberta de pessoas mais velhas por doramas ajudou a criar novas conexões entre avós e netos. E há motivos para isso: entre jovens adultos a música pop coreana, ou K-pop, é um grande sucesso. Assim, o entretenimento coreano virou um improvável ponto de encontro entre diferentes gerações.

“O público do dorama realmente é bem variado. Tem dois caminhos para entrar no mundo dos doramas: o pessoal mais novo vem pelo K-pop, por conta dos músicos que também são atores em dramas. O pessoal mais velho vem pelas plataformas de streaming, principalmente agora que as pessoas assistem menos TV aberta”, explicou Manuella.

Mesmo com a comunidade dos “dorameiros” (como são chamados os fãs dos dramas) sendo composta pelo público mais velho, essas produções são comumente associadas apenas aos fãs de K-pop. Ao descobrir o interesse da avó por doramas, Isabella Livoratti, 21, neta de Maria Aparecida, foi surpreendida: “Quem eu imagino gostando de dorama são os fãs de K-pop e não a minha avó”.

Talvez, seja uma informação que surpreenda os próprios dorameiros. “Hoje em dia, o maior público do meu canal, que fala sobre doramas, é o público mais idoso e nem eles mesmos sabem que são maioria. Vejo comentários de pessoas mais velhas dizendo “sei que sou o único da minha idade que acompanha o canal”, mas não é assim”, diz Manuella.

SÃO PAULO 06/11/2023 CIDADE DORAMAS - doramas (novelinhas coreanas) em plataformas de streaming, como Netflix e entrevistamos duas pessoas, a Maria Aparecida Icassati - FOTO ALEX SILVA/ESTADAO  Foto: ALEX SILVA/ESTADAO

Beatriz Passarelli, 21, neta de Rosaly Maria, assume que, no início, achou estranho o interesse da avó por doramas. A estudante de biomedicina não tem os mesmos gostos que Rosaly, mas para ela “isso nos aproximou, porque qualquer coisa que a minha avó gosta, ela me fala, e eu gosto de escutar. Sempre conversamos por ligação, ainda mais agora que estou morando na Espanha. Esse assunto, mesmo não tendo contato com a cultura, virou algo nosso”.

Idosos no streaming

Segundo a pesquisa sobre o Uso das Tecnologias de Informação e Comunicação nos Domicílios Brasileiros, realizada pelo Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br), o número de acessos à internet por usuários acima de 60 anos cresceu de 34%, em 2019, para 48% em 2021, com as conexões mais voltadas para buscar entretenimento e serviços, como o streaming.

O período da pandemia não apenas ajudou a descobrir novas tecnologias, mas permitiu também descobertas de séries televisivas. A aposentada e passadeira Jane Casella, 82, assim como Rosaly Maria, começou a assistir doramas durante a pandemia. “‘Pousando no amor’ foi o primeiro que eu vi. Depois entrei em um grupo no Facebook de novelistas coreanos e fui assistindo o que iam indicando. Tenho até uma lista com todos que já assisti e com os que estão na fila”, conta ela.

Jane, Maria Aparecida e Rosaly Maria são assinantes da Netflix e têm preferência por assistir aos programas pela televisão, em vez de assistir pelo computador ou pelo celular. “Eu acho fácil usar a Netflix, uso junto com a conta da minha nora. Vejo durante o dia pela televisão e de noite, quando vou para o quarto, pelo celular. Eu coloco o filme e vou fazer minhas coisas, então também não preciso mexer muito”, explica Jane.

“Essa coisa de falar que pessoas idosas e tecnologia não se dão bem é mentira, é puro preconceito. Isso depende muito do interesse da pessoa. Muitas vezes ela não se dá bem com um celular, mas tem facilidade com a plataforma de streaming porque é o que a interessa”, diz a professora de Comunicação e Práticas de Consumo da ESPM e pesquisadora em envelhecimento e longevidade, Gisela Castro.

Beatriz, neta de Rosaly, acredita que o gosto da avó aproximou as duas Foto: WERTHER SANTANA/ESTADÃO CONTEÚDO

Maria Aparecida, apesar de preferir assistir às novelas coreanas pela TV, não vê problemas em usar outros aparelhos para assistir seus programas. “Se eu estiver no computador, para mim tudo bem. Eu acesso a internet, vejo tudo, tem muitos sites que gosto. No celular é um pouco mais difícil, porque é muito pequeno, então normalmente acabo optando pela TV”.

Segundo Gisela, a preferência pela televisão na hora de acessar o streaming varia conforme o perfil de uso de tecnologia da pessoa. “O pessoal mais velho sempre usou muito mais a TV, e da TV para o streaming o salto não é tão grande, mas da TV para um aplicativo é”.

“Às vezes eu até tenho um pouco de dificuldade, mas meus netos e meu marido sempre me ajudam”, conta Jane, “então não é um problema”. “Adoro assistir às minhas novelas, acho lindas, inclusive se eu pudesse fazer uma viagem, eu com certeza iria pra Coreia do Sul”, brinca.

*Alice Labate é estagiária sob supervisão do editor Bruno Romani

Enquanto muitos acreditam que as plataformas de streaming são território exclusivo dos jovens, os mais velhos estão descobrindo uma porta de entrada surpreendente para serviços como Netflix e Prime Vídeo: os “doramas”, produções asiáticas do gênero dramático bem parecidas com as novelas latino-americanas.

O deputado federal do Rio Grande do Sul, Bibo Nunes, deu uma pista da popularidade dessas produções. Em discurso no plenário da Câmara dos Deputados no último dia 3, ele chegou a mencionar os doramas: “Se não assistem, vão assistir séries da Coreia do Sul. Dorama é o que chama isso. [...] É sucesso mundial!”, disse.

Rosaly Maria Stefani assiste novelinhas coreanas desde o começo da pandemia Foto: WERTHER SANTANA/ESTADÃO CONTEÚDO

Apesar de as novelinhas retratarem costumes distantes da realidade brasileira, foram essas particularidades que cativaram a aposentada Rosaly Maria Stefani, 77. Segundo ela, a presença marcante de pessoas idosas nos elencos chamou a atenção.

“Eu vejo as novelas coreanas e é bem diferente o estilo de vida deles, a alimentação, os costumes. Os doramas dão muito valor para a história, para os antepassados. Isso a gente não vê muito na cultura americana. Até tem idosos, mas não é uma característica forte, como é nos dramas coreanos”, conta Rosaly Maria.

O termo “dorama” vem da palavra “drama” em japonês, e, originalmente, era usado para se referir apenas às produções japonesas, mas atualmente, a palavra engloba qualquer novela ou série asiática. Hoje em dia, as produções de maior sucesso são os chamados “doramas coreanos” ou “K-dramas”, que ganharam muita popularidade em escala global nos últimos anos.

“Esse fenômeno da globalização da cultura coreana vem como uma onda, vem um pouco, molha, e quando você vê, já está encharcado”, explica a criadora de conteúdo e dona do canal do YouTube Coreanismo, Manuella Gerino. “Com a pandemia, filmes, séries e músicas coreanas começaram a crescer. O momento foi ótimo para as plataformas de streaming passarem a divulgar mais esses conteúdos, que já existiam antes mas que ainda não eram tão populares”.

Com essa divulgação em massa, Rosaly Maria conta que começou a assistir os dramas coreanos sem querer. “Eu já tinha Netflix e assistia vários filmes na pandemia, até que comecei a ver os anúncios desses dramas. Comecei a assistir e não parei mais”.

Outro aspecto comum dos doramas e que popularizou ainda mais o gênero entre o público mais velho, são os temas leves e sem conteúdos explícitos. “O que acho legal é que é tudo inocente. São histórias que não tem apelo, não tem essas coisas mais explícitas que a gente vê em séries e novelas normalmente”, diz a aposentada e dona de um brechó, Maria Aparecida Icasatti, 62.

Maria Aparecida Icassati se interessou pelos doramas pelos temas leves que eles trazem Foto: ALEX SILVA/ESTADAO CONTEUDO

Manuella também explica que mesmo dramas coreanos com classificações indicativas mais altas e considerados violentos ainda não chegam a ser tão explícitos quanto às produções brasileiras ou americanas que costumamos assistir.

Para a pesquisadora de comunicação digital, cultura de fãs e cultura pop, Giovana Carlos, a forma como as personagens dos doramas são representadas também é um fator que chama a atenção. “Muitas vezes tem aqueles clichês, personagens caricatos que já estamos acostumados a ver. Além disso, as personagens coreanas são mais parecidas, digamos assim, com as brasileiras, do que, por exemplo, com as japonesas, que são mais “infantilizadas”. É interessante que os coreanos também tem alguns maneirismos na fala, expressões parecidas com as que o brasileiro usa”, explica.

Rosaly Maria conta que se interessou tanto pelo idioma coreano depois que passou a assistir aos doramas que quis aprender. “Eu fiquei tão influenciada que eu comecei a prestar atenção na língua. E eu gostei tanto daquela sonoridade linguística que eu comecei a fazer um curso online para aprender a falar coreano”.

Conexão com os netos

Em alguns casos, a descoberta de pessoas mais velhas por doramas ajudou a criar novas conexões entre avós e netos. E há motivos para isso: entre jovens adultos a música pop coreana, ou K-pop, é um grande sucesso. Assim, o entretenimento coreano virou um improvável ponto de encontro entre diferentes gerações.

“O público do dorama realmente é bem variado. Tem dois caminhos para entrar no mundo dos doramas: o pessoal mais novo vem pelo K-pop, por conta dos músicos que também são atores em dramas. O pessoal mais velho vem pelas plataformas de streaming, principalmente agora que as pessoas assistem menos TV aberta”, explicou Manuella.

Mesmo com a comunidade dos “dorameiros” (como são chamados os fãs dos dramas) sendo composta pelo público mais velho, essas produções são comumente associadas apenas aos fãs de K-pop. Ao descobrir o interesse da avó por doramas, Isabella Livoratti, 21, neta de Maria Aparecida, foi surpreendida: “Quem eu imagino gostando de dorama são os fãs de K-pop e não a minha avó”.

Talvez, seja uma informação que surpreenda os próprios dorameiros. “Hoje em dia, o maior público do meu canal, que fala sobre doramas, é o público mais idoso e nem eles mesmos sabem que são maioria. Vejo comentários de pessoas mais velhas dizendo “sei que sou o único da minha idade que acompanha o canal”, mas não é assim”, diz Manuella.

SÃO PAULO 06/11/2023 CIDADE DORAMAS - doramas (novelinhas coreanas) em plataformas de streaming, como Netflix e entrevistamos duas pessoas, a Maria Aparecida Icassati - FOTO ALEX SILVA/ESTADAO  Foto: ALEX SILVA/ESTADAO

Beatriz Passarelli, 21, neta de Rosaly Maria, assume que, no início, achou estranho o interesse da avó por doramas. A estudante de biomedicina não tem os mesmos gostos que Rosaly, mas para ela “isso nos aproximou, porque qualquer coisa que a minha avó gosta, ela me fala, e eu gosto de escutar. Sempre conversamos por ligação, ainda mais agora que estou morando na Espanha. Esse assunto, mesmo não tendo contato com a cultura, virou algo nosso”.

Idosos no streaming

Segundo a pesquisa sobre o Uso das Tecnologias de Informação e Comunicação nos Domicílios Brasileiros, realizada pelo Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br), o número de acessos à internet por usuários acima de 60 anos cresceu de 34%, em 2019, para 48% em 2021, com as conexões mais voltadas para buscar entretenimento e serviços, como o streaming.

O período da pandemia não apenas ajudou a descobrir novas tecnologias, mas permitiu também descobertas de séries televisivas. A aposentada e passadeira Jane Casella, 82, assim como Rosaly Maria, começou a assistir doramas durante a pandemia. “‘Pousando no amor’ foi o primeiro que eu vi. Depois entrei em um grupo no Facebook de novelistas coreanos e fui assistindo o que iam indicando. Tenho até uma lista com todos que já assisti e com os que estão na fila”, conta ela.

Jane, Maria Aparecida e Rosaly Maria são assinantes da Netflix e têm preferência por assistir aos programas pela televisão, em vez de assistir pelo computador ou pelo celular. “Eu acho fácil usar a Netflix, uso junto com a conta da minha nora. Vejo durante o dia pela televisão e de noite, quando vou para o quarto, pelo celular. Eu coloco o filme e vou fazer minhas coisas, então também não preciso mexer muito”, explica Jane.

“Essa coisa de falar que pessoas idosas e tecnologia não se dão bem é mentira, é puro preconceito. Isso depende muito do interesse da pessoa. Muitas vezes ela não se dá bem com um celular, mas tem facilidade com a plataforma de streaming porque é o que a interessa”, diz a professora de Comunicação e Práticas de Consumo da ESPM e pesquisadora em envelhecimento e longevidade, Gisela Castro.

Beatriz, neta de Rosaly, acredita que o gosto da avó aproximou as duas Foto: WERTHER SANTANA/ESTADÃO CONTEÚDO

Maria Aparecida, apesar de preferir assistir às novelas coreanas pela TV, não vê problemas em usar outros aparelhos para assistir seus programas. “Se eu estiver no computador, para mim tudo bem. Eu acesso a internet, vejo tudo, tem muitos sites que gosto. No celular é um pouco mais difícil, porque é muito pequeno, então normalmente acabo optando pela TV”.

Segundo Gisela, a preferência pela televisão na hora de acessar o streaming varia conforme o perfil de uso de tecnologia da pessoa. “O pessoal mais velho sempre usou muito mais a TV, e da TV para o streaming o salto não é tão grande, mas da TV para um aplicativo é”.

“Às vezes eu até tenho um pouco de dificuldade, mas meus netos e meu marido sempre me ajudam”, conta Jane, “então não é um problema”. “Adoro assistir às minhas novelas, acho lindas, inclusive se eu pudesse fazer uma viagem, eu com certeza iria pra Coreia do Sul”, brinca.

*Alice Labate é estagiária sob supervisão do editor Bruno Romani

Enquanto muitos acreditam que as plataformas de streaming são território exclusivo dos jovens, os mais velhos estão descobrindo uma porta de entrada surpreendente para serviços como Netflix e Prime Vídeo: os “doramas”, produções asiáticas do gênero dramático bem parecidas com as novelas latino-americanas.

O deputado federal do Rio Grande do Sul, Bibo Nunes, deu uma pista da popularidade dessas produções. Em discurso no plenário da Câmara dos Deputados no último dia 3, ele chegou a mencionar os doramas: “Se não assistem, vão assistir séries da Coreia do Sul. Dorama é o que chama isso. [...] É sucesso mundial!”, disse.

Rosaly Maria Stefani assiste novelinhas coreanas desde o começo da pandemia Foto: WERTHER SANTANA/ESTADÃO CONTEÚDO

Apesar de as novelinhas retratarem costumes distantes da realidade brasileira, foram essas particularidades que cativaram a aposentada Rosaly Maria Stefani, 77. Segundo ela, a presença marcante de pessoas idosas nos elencos chamou a atenção.

“Eu vejo as novelas coreanas e é bem diferente o estilo de vida deles, a alimentação, os costumes. Os doramas dão muito valor para a história, para os antepassados. Isso a gente não vê muito na cultura americana. Até tem idosos, mas não é uma característica forte, como é nos dramas coreanos”, conta Rosaly Maria.

O termo “dorama” vem da palavra “drama” em japonês, e, originalmente, era usado para se referir apenas às produções japonesas, mas atualmente, a palavra engloba qualquer novela ou série asiática. Hoje em dia, as produções de maior sucesso são os chamados “doramas coreanos” ou “K-dramas”, que ganharam muita popularidade em escala global nos últimos anos.

“Esse fenômeno da globalização da cultura coreana vem como uma onda, vem um pouco, molha, e quando você vê, já está encharcado”, explica a criadora de conteúdo e dona do canal do YouTube Coreanismo, Manuella Gerino. “Com a pandemia, filmes, séries e músicas coreanas começaram a crescer. O momento foi ótimo para as plataformas de streaming passarem a divulgar mais esses conteúdos, que já existiam antes mas que ainda não eram tão populares”.

Com essa divulgação em massa, Rosaly Maria conta que começou a assistir os dramas coreanos sem querer. “Eu já tinha Netflix e assistia vários filmes na pandemia, até que comecei a ver os anúncios desses dramas. Comecei a assistir e não parei mais”.

Outro aspecto comum dos doramas e que popularizou ainda mais o gênero entre o público mais velho, são os temas leves e sem conteúdos explícitos. “O que acho legal é que é tudo inocente. São histórias que não tem apelo, não tem essas coisas mais explícitas que a gente vê em séries e novelas normalmente”, diz a aposentada e dona de um brechó, Maria Aparecida Icasatti, 62.

Maria Aparecida Icassati se interessou pelos doramas pelos temas leves que eles trazem Foto: ALEX SILVA/ESTADAO CONTEUDO

Manuella também explica que mesmo dramas coreanos com classificações indicativas mais altas e considerados violentos ainda não chegam a ser tão explícitos quanto às produções brasileiras ou americanas que costumamos assistir.

Para a pesquisadora de comunicação digital, cultura de fãs e cultura pop, Giovana Carlos, a forma como as personagens dos doramas são representadas também é um fator que chama a atenção. “Muitas vezes tem aqueles clichês, personagens caricatos que já estamos acostumados a ver. Além disso, as personagens coreanas são mais parecidas, digamos assim, com as brasileiras, do que, por exemplo, com as japonesas, que são mais “infantilizadas”. É interessante que os coreanos também tem alguns maneirismos na fala, expressões parecidas com as que o brasileiro usa”, explica.

Rosaly Maria conta que se interessou tanto pelo idioma coreano depois que passou a assistir aos doramas que quis aprender. “Eu fiquei tão influenciada que eu comecei a prestar atenção na língua. E eu gostei tanto daquela sonoridade linguística que eu comecei a fazer um curso online para aprender a falar coreano”.

Conexão com os netos

Em alguns casos, a descoberta de pessoas mais velhas por doramas ajudou a criar novas conexões entre avós e netos. E há motivos para isso: entre jovens adultos a música pop coreana, ou K-pop, é um grande sucesso. Assim, o entretenimento coreano virou um improvável ponto de encontro entre diferentes gerações.

“O público do dorama realmente é bem variado. Tem dois caminhos para entrar no mundo dos doramas: o pessoal mais novo vem pelo K-pop, por conta dos músicos que também são atores em dramas. O pessoal mais velho vem pelas plataformas de streaming, principalmente agora que as pessoas assistem menos TV aberta”, explicou Manuella.

Mesmo com a comunidade dos “dorameiros” (como são chamados os fãs dos dramas) sendo composta pelo público mais velho, essas produções são comumente associadas apenas aos fãs de K-pop. Ao descobrir o interesse da avó por doramas, Isabella Livoratti, 21, neta de Maria Aparecida, foi surpreendida: “Quem eu imagino gostando de dorama são os fãs de K-pop e não a minha avó”.

Talvez, seja uma informação que surpreenda os próprios dorameiros. “Hoje em dia, o maior público do meu canal, que fala sobre doramas, é o público mais idoso e nem eles mesmos sabem que são maioria. Vejo comentários de pessoas mais velhas dizendo “sei que sou o único da minha idade que acompanha o canal”, mas não é assim”, diz Manuella.

SÃO PAULO 06/11/2023 CIDADE DORAMAS - doramas (novelinhas coreanas) em plataformas de streaming, como Netflix e entrevistamos duas pessoas, a Maria Aparecida Icassati - FOTO ALEX SILVA/ESTADAO  Foto: ALEX SILVA/ESTADAO

Beatriz Passarelli, 21, neta de Rosaly Maria, assume que, no início, achou estranho o interesse da avó por doramas. A estudante de biomedicina não tem os mesmos gostos que Rosaly, mas para ela “isso nos aproximou, porque qualquer coisa que a minha avó gosta, ela me fala, e eu gosto de escutar. Sempre conversamos por ligação, ainda mais agora que estou morando na Espanha. Esse assunto, mesmo não tendo contato com a cultura, virou algo nosso”.

Idosos no streaming

Segundo a pesquisa sobre o Uso das Tecnologias de Informação e Comunicação nos Domicílios Brasileiros, realizada pelo Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br), o número de acessos à internet por usuários acima de 60 anos cresceu de 34%, em 2019, para 48% em 2021, com as conexões mais voltadas para buscar entretenimento e serviços, como o streaming.

O período da pandemia não apenas ajudou a descobrir novas tecnologias, mas permitiu também descobertas de séries televisivas. A aposentada e passadeira Jane Casella, 82, assim como Rosaly Maria, começou a assistir doramas durante a pandemia. “‘Pousando no amor’ foi o primeiro que eu vi. Depois entrei em um grupo no Facebook de novelistas coreanos e fui assistindo o que iam indicando. Tenho até uma lista com todos que já assisti e com os que estão na fila”, conta ela.

Jane, Maria Aparecida e Rosaly Maria são assinantes da Netflix e têm preferência por assistir aos programas pela televisão, em vez de assistir pelo computador ou pelo celular. “Eu acho fácil usar a Netflix, uso junto com a conta da minha nora. Vejo durante o dia pela televisão e de noite, quando vou para o quarto, pelo celular. Eu coloco o filme e vou fazer minhas coisas, então também não preciso mexer muito”, explica Jane.

“Essa coisa de falar que pessoas idosas e tecnologia não se dão bem é mentira, é puro preconceito. Isso depende muito do interesse da pessoa. Muitas vezes ela não se dá bem com um celular, mas tem facilidade com a plataforma de streaming porque é o que a interessa”, diz a professora de Comunicação e Práticas de Consumo da ESPM e pesquisadora em envelhecimento e longevidade, Gisela Castro.

Beatriz, neta de Rosaly, acredita que o gosto da avó aproximou as duas Foto: WERTHER SANTANA/ESTADÃO CONTEÚDO

Maria Aparecida, apesar de preferir assistir às novelas coreanas pela TV, não vê problemas em usar outros aparelhos para assistir seus programas. “Se eu estiver no computador, para mim tudo bem. Eu acesso a internet, vejo tudo, tem muitos sites que gosto. No celular é um pouco mais difícil, porque é muito pequeno, então normalmente acabo optando pela TV”.

Segundo Gisela, a preferência pela televisão na hora de acessar o streaming varia conforme o perfil de uso de tecnologia da pessoa. “O pessoal mais velho sempre usou muito mais a TV, e da TV para o streaming o salto não é tão grande, mas da TV para um aplicativo é”.

“Às vezes eu até tenho um pouco de dificuldade, mas meus netos e meu marido sempre me ajudam”, conta Jane, “então não é um problema”. “Adoro assistir às minhas novelas, acho lindas, inclusive se eu pudesse fazer uma viagem, eu com certeza iria pra Coreia do Sul”, brinca.

*Alice Labate é estagiária sob supervisão do editor Bruno Romani

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