THE NEW YORK TIMES - Uma nova editora começou a cortejar escritores de romances autopublicados no início deste ano. A proposta, enviada em um e-mail genérico, era impessoal e pouco original. Os termos não eram generosos, às vezes com um valor equivalente a apenas alguns milhares de dólares pelos direitos de um livro.
Então vinha o argumento arrebatador. A editora era a ByteDance, a empresa controladora do TikTok, a rede social de vídeos curtos e que, nos últimos anos, ajudou a criar alguns dos maiores best-sellers do mercado. Junto com um adiantamento e royalties, a empresa oferecia serviços completos de marketing on-line, de acordo com vários autores e profissionais do meio editorial a par das ofertas da ByteDance.
“Este pode ser o próximo grande acontecimento”, disse Mariah Dietz, autora de romances autopublicados, a respeito do braço editorial da ByteDance.
Mudança editorial
A empresa já mudou radicalmente a forma como os livros são descobertos na internet. E embora a ByteDance tenha se manifestado pouco publicamente sobre seus planos no meio editorial, que estão numa fase inicial, está claro como a empresa tem potencial para vender uma grande quantidade de livros.
Leia também
Mesmo sob um escrutínio cada vez maior das agências reguladoras devido a preocupações de que ela possa ser influenciada pelo governo chinês, a ByteDance pode atingir um público enorme e que continua crescendo. Muitos dos usuários do TikTok — mais de 150 milhões só nos Estados Unidos — estão interessados em livros. No ano passado, os vídeos com a hashtag #BookTok foram vistos mais de 91 bilhões de vezes, uma alta em comparação aos aproximadamente 60 bilhões de visualizações no ano anterior, de acordo com a empresa.
A exposição na plataforma tem levado muitos autores à lista dos mais vendidos — entre eles Colleen Hoover, que conquistou o topo dela. As publicações com a hashtag #ColleenHoover foram vistas mais de 4,2 bilhões de vezes e seus livros venderam mais de 24 milhões de cópias.
As vendas impulsionadas por mais de cem autores com um grupo fiel de seguidores no BookTok chegaram a US$ 760 milhões em 2022, um aumento de 60% em relação a 2021, de acordo com a Circana BookScan, que acompanha as vendas de livros físicos. Neste ano, até o momento, as vendas cresceram aproximadamente 40% em relação ao ano passado.
“Dizer que a rede é extremamente importante é um eufemismo neste momento”, disse Bess Braswell, diretora de publicações sênior da Harlequin.
A ByteDance entrou com um pedido de registro de marca para uma editora, a 8th Note Press, no final de abril, descrevendo-a como uma empresa que oferece um universo de produtos e serviços de publicação de livros. De acordo com a descrição, ela criaria um ecossistema onde as pessoas poderiam encontrar, comprar, ler, resenhar e discutir livros.
A empresa também contratou Katherine Pelz, uma veterana do setor de romances, como editora de aquisições.
A ByteDance se recusou a confirmar informações a respeito de suas operações de publicação e vendas, inclusive quais gêneros planeja publicar, quando serão lançados seus primeiros títulos e se eles serão vendidos nas lojas tradicionais.
Nasce uma gigante
Apesar do pouco que se sabe sobre suas intenções, a presença da ByteDance na área já suscitou preocupações.
Ao aproveitar a capacidade do TikTok de chamar a atenção para os livros e com sua coleção valiosa de dados dos usuários, a ByteDance poderia impulsionar seus próprios autores às custas de outros e tornar o BookTok menos orgânico e voltado para os usuários, uma perspectiva que preocupa muitos usuários e autores do TikTok.
A empresa também poderia colocar em posição de desvantagem as editoras tradicionais e os autores autopublicados. Mesmo depois de começar a usar a plataforma para promover seus livros, as editoras têm tido dificuldades para produzir virais sobre eles, já que os usuários tendem a rejeitar qualquer coisa que pareça corporativa ou forçada.
A preocupação delas é que a ByteDance possa mexer os pauzinhos para favorecer seus próprios projetos, deixando menos espaço para outros livros e publicações que se tornariam virais de forma orgânica. Em resposta a uma pergunta em relação aos seus planos promocionais, a empresa disse que a 8th Note Press é uma organização distinta do TikTok.
Por enquanto, os adiantamentos da ByteDance não competem com os das editoras tradicionais: embora algumas empresas independentes talvez paguem apenas alguns milhares ou algumas dezenas de milhares de dólares, no caso das maiores, os adiantamentos podem variar de cerca de US$ 50 mil a milhões. Segundo a ByteDance, ela não pode divulgar acordos financeiros com os autores, mas acredita que suas ofertas sejam competitivas com os padrões da indústria.
No momento, a ByteDance parece focada em fantasia, romance e mistério, gêneros que são populares na plataforma.
Tricia O’Malley, autora de romances best-sellers que publicou por conta própria cerca de 40 livros, recebeu uma oferta da ByteDance em abril pelos direitos de dois deles. O acordo incluía uma campanha de marketing nas redes sociais, royalties e um adiantamento de US$ 3.500 por livro – menos do que os títulos rendem todos os meses, disse Tricia.
A empresa estava interessada em fantasia e romance, livros antigos e novos, histórias que eram “saudáveis, divertidas e sensuais, mas nada muito erótico ou sombrio”, disse ela.
Ela recusou a oferta, mas disse ter ficado tentada: “A realidade é que o BookTok está vendendo livros”.
Para outros, pode ser difícil resistir à promessa da empresa de oferecer marketing on-line extensivo para seus autores.
De acordo com Ella Fox, autora de romances autopublicados e consultora de publicidade que administra campanhas publicitárias para outros escritores no TikTok, ao que tudo indica, a ByteDance poderia garantir a priorização de seus livros pelo algoritmo. “As pessoas dariam o braço direito para ter acesso a esse público e serem impulsionadas dessa maneira”, disse ela.
Dificuldades no mundo real
Alguns no setor duvidam que a ByteDance possa conquistar uma fatia considerável do mercado, em parte porque as editoras continuam sendo um negócio resolutamente analógico e orientado pelas relações. As vendas de livros físicos ainda representam mais de 70% da receita comercial das editoras, de acordo com a Association of American Publishers; qualquer nova grande empresa do ramo precisaria de recursos para impressão e distribuição, além de se relacionar com os livreiros.
“Não estou tão preocupada com a possibilidade de o TikTok se tornar uma editora amanhã”, disse Dominique Raccah, publisher e CEO da editora Sourcebooks, “porque construir uma infraestrutura editorial que funcione – isso não é fácil.”
Não está claro quais são os planos de distribuição de edições impressas da empresa e se ela pretende vender seus livros em lojas físicas. Em um e-mail verificado pelo New York Times, a ByteDance disse a um autor que planeja focar nos livros digitais com impressão limitada sob demanda até que o TikTok lance uma loja de varejo on-line.
A rede social já mudou a forma como os livros são adquiridos. Antes, os leitores descobriam novos autores com os vendedores de livros. Agora, as editoras estão conhecendo autores virais por meio das livrarias, que chegam até elas com os pedidos dos leitores.
A Bloom Books, um selo editorial que publica romances e ficções escritas por mulheres da Sourcebooks, assinou contratos com várias autoras que antes eram autopublicadas – incluindo Scarlett St.Clair, Piper C.J. e L.J. Shen – depois de ficar sabendo que os livros delas estavam sendo requisitados por clientes do Walmart e da Barnes & Noble.
“Começamos a ouvir relatos de que ‘este autor está fazendo sucesso no TikTok, mas não conseguimos estoque deles’””, disse Molly Waxman, diretora-executiva de marketing do departamento de ficção adulta impressa da Sourcebooks.
A Berkley adquiriu os livros de Ruby Dixon, autora da série “Ice Planet Barbarians” (Bárbaros do planeta de gelo, em tradução livre), que começou se autopublicando e virou um dos primeiros fenômenos do TikTok, e das irmãs gêmeas Krista e Becca Ritchie, que publicaram por conta própria a série “Viciado em você”. A Avon, selo de ficção comercial da HarperCollins, assinou um contrato com a autora autopublicada Mariana Zapata, que atraiu mais de 280 milhões de visualizações no TikTok.
Alguns editores e editoras também se perguntam se a ByteDance será capaz de identificar autores autopublicados virais quando começarem a fazer sucesso e correr para fechar contratos com eles antes de se tornarem alvos óbvios para outras editoras.
Há veteranos do setor que se consolam com o fato de a ByteDance provavelmente vir a encarar os mesmos desafios das editoras tradicionais: os leitores são inconstantes e, no fim das contas, os vídeos virais não criarão automaticamente um sucesso de público se os próprios livros não forem interessantes.
“Eles podem ter mais visualizações, mas será que isso vai se traduzir em vendas?”, questionou Cindy Hwang, vice-presidente e diretora editorial da Berkley. “Não é sobre apenas conquistar os que fazem sucesso, tem a ver com fazer com que os leitores comprem o livro.”/Tradução de Romina Cácia