O presidente Luiz Inácio Lula da Silva recebeu nesta terça-feira, 30, a proposta para um plano nacional de ações voltadas para a inteligência artificial (IA) no Brasil, entregue pelo Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia (CCT). Com pontos que visam o uso da tecnologia nas áreas de saúde, educação, indústria e agricultura, o plano prevê o investimento de até R$ 23 bilhões em quatro anos. Para especialistas, a proposta é ambiciosa e positiva para o País, mas ainda deve ser discutida.
A proposta de plano, de autoria do Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia e intitulada “IA para o Bem de Todos”, é um documento que visa indicar melhorias e aplicações de serviços e sistemas de IA em diversas áreas da economia que já existem. O plano contempla, por exemplo, usos da tecnologia no SUS, na Caixa Econômica Federal, no Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) e no MEC.
De acordo com Bruno Bioni, Diretor do Data Privacy Brasil, o plano significa um marco importante para o domínio da tecnologia que pode ser aplicada em diversas áreas de serviços no País.
“É um plano ambicioso de quatro anos, cujo um dos resultados esperados é garantir a soberania tecnológica do País tendo como um dos principais vetores a chamada ‘infraestrutura nacional de dados’. Isso é o que está na antessala da Inteligência Artificial em vista de que tais tecnologias são, necessariamente, treinadas e modeladas por dados”, explica Bioni.
A proposta prevê R$ 23,03 bilhões de investimentos nos anos de vigência, entre 2024 e 2028. Maior parte desses recursos, R$ 12,72 bilhões, é oriunda de créditos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FDNCT) e do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
Outros R$ 5,57 bilhões correspondem ao recurso não-reembolsável do FNDCT; R$ 2,90 bilhões, à Lei Orçamentária Anual (LOA), sem FNDCT não-reembolsável; R$ 1,06 bilhão, ao setor privado, com investimentos e contrapartidas; R$ 430 milhões, a empresas estatais; e R$ 360 milhões de demais fontes.
Além disso, um supercomputador está previsto no plano. Para Rodrigo Nogueira, CEO da startup Maritaca AI, que treina modelos de IA em português, esse é um dos principais pontos que reforça o controle. O total investido na máquina deve girar em torno de R$ 1,8 bilhões.
“Acho que o valor (do investimento total), é competitivo, principalmente na parte do supercomputador. Imagino que com esse investimento já dê para treinar algumas IAs competitivas com o que tem de mediano em open source lá fora. A infraestrutura ainda vai ficar devendo um pouco para nos levar para o que há de melhor, mas já é uma excelente notícia”, explica Nogueira.
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Dentro do plano entregue nesta terça, estão previstas aplicações da IA nas áreas de saúde, meio ambiente, agricultura, educação, gestão do serviço público, desenvolvimento social e indústria, comércio e serviços. Para cada área, estão previstas verbas específicas que variam conforme o projeto.
“A nossa inteligência artificial começa por aí: a gente criar uma estrutura para que todos os dados deste País estejam compilados e à disposição da sociedade brasileira. Não tem que ter segredo”, afirmou o presidente Lula em discurso na 5ª Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação, quando recebeu o plano. O presidente ainda afirmou que vai marcar uma reunião com ministros na próxima semana para discutir ações de inteligência artificial.
No Sistema Único de Saúde (SUS), por exemplo, o plano visa investir em tecnologias de IA para automatizar a transcrição de teleconsultas, para dar suporte a decisões de compras de medicamentos e para previsão de patologias do sistema cardiovascular, entre outros projetos.
Já para a agricultura, o governo apontou a possibilidade do uso da IA para cálculo de peso bovino por câmera 3D e em serviços de orientação técnica digital que possam disponibilizar dados climáticos, territoriais e meteorológicos.
“É uma mensagem política de extrema importância por parte do Executivo em um momento em que se avança a discussão do marco regulatório”, aponta Bioni, citando o texto do Marco de regulação da IA, que está em processo de análise pelo Senado. “Há, inclusive, forte convergência entre o plano nacional e o atual texto em discussão, já que ambos consideram sustentabilidade, proteção ao trabalhador e aos direitos autorais como vetores estratégicos”.
Bruno Bioni, Diretor do Data Privacy Brasil
Dados
Uma parte importante, destacada por Lula na apresentação do plano, é a capacidade do Brasil desenvolver um banco de dados próprio para alimentar soluções em que a IA pode ser utilizada no País. O presidente afirmou que o país já tem informações o suficiente para alimentar IAs que possam gerar dados voltados para serviços brasileiros.
“O governo possivelmente tenha o mais importante banco de dados que esse País já teve, nós temos. Agora, o banco de dados no governo é pessoal, nós temos o banco de dados do SUS, do CadÚnico, da Previdência, do Ministério do Trabalho, da Receita. Peraí. E o banco de dados do Brasil? A gente não vai ter?”, disse Lula nesta terça.
Na sequência, a ministra de Ciência e Tecnologia, Luciana Santos, afirmou que o Plano Brasileiro de Inteligência Artificial (IA) irá debater a criação de uma “nuvem brasileira”, denominada de “nuvem soberana”. Segundo ela, tal mecanismo, que deve contar com investimento de cerca de R$ 1 bilhão previsto na Lei Orçamentária da União (LOA), não irá depender da capacidade de armazenamento das empresas.
Uma grande quantidade de dados é essencial para que um modelo de linguagem, que alimenta a IA, seja treinado. Quanto mais dados o sistema tiver, mais fácil é gerar resultados que se assemelham a situações reais. Isso porque o treinamento dos modelos, baseados em dados reais, são projetados para que o sistema consiga identificar padrões e aplicá-los de forma ter um resultado preciso.
Bioni também acredita que o uso dos dados em prol da aplicação da IA em serviços brasileiros pode ser um diferencial para alcançar a soberania do País em relação ao uso da tecnologia.
“Se bem implementada, o Brasil terá não só IAs aterradas às oportunidades e desafios locais, como, também, possíveis quebras de barreiras de entradas em vista de que o cenário atual é de enorme concentração dadocêntrica”, explica Bioni.
Apesar do otimismo, alguns pontos poderiam ser mais claros e menos pulverizados, afirma Nogueira, da Maritaca AI. No plano, estão previstas 31 ações em sete áreas diferentes, o que pode acabar dividindo muito a verba total.
“Acho que às vezes um erro é ter 30 programas diferentes, cada um com 30 milhões e daí não dá para fazer muita coisa com cada um desses pequenos programas. Talvez teria sido melhor fazer alguns poucos, menos programas com mais dinheiro cada um dos programas, mas também entendo que diversidade mitiga o risco”, aponta Nogueira./COLABORARAM SOFIA AGUIAR E VICTOR OHANA