Em uma época não muito distante, o menu de redes sociais ia bem além de plataformas gigantes, como TikTok, Instagram e Facebook. Mas não se engane: ainda é possível acessar serviços alternativos, que venceram o teste do tempo. Entre eles estão o Last.fm, o Pinterest e o ASKfm. Mas o que explica o sucesso delas – e o que as impede de desaparecer?
“Dá para conhecer pessoas novas com gostos parecidos com os meus, receber sugestões de filmes, memes, comidas”, conta Daniela Stähelin, 29, que utiliza o ASKfm semanalmente. “É um ambiente legal, inspirador. Eu me conheço mais respondendo às perguntas”, diz.
Lançado em 2010, o serviço surgiu como um concorrente da então popular rede social Formspring. Trata-se de um site de perguntas e respostas onde é possível participar de forma anônima ou não. Assim, é possível fazer questões de até 300 caracteres para outras pessoas, que escolhem se aceitam ou não responder. Na ausência de questionamentos feitos por pessoas, existe a opção de responder questões aleatórias.
Se, para muitos, a rede social já havia encontrado seu fim após ter um boom de usuários no começo da década passada, para outros, ainda se trata de uma fonte de entretenimento importante. E também sinaliza como um serviço desses resiste.
“Nós nos acostumamos com redes sociais muito grandes, com todos dentro do alcance de um clique. Recentemente, vemos uma certa vontade de ter redes mais fechadas, em que se conecta apenas com pessoas do mesmo interesse – é o caso do ASKfm”, diz David Nemer, professor do departamento de estudos de mídia e antropologia na Universidade de Virgínia (EUA).
Outro exemplo de rede social que possivelmente já passou pelo seu boom de usuários, mas que continua bastante viva é o Pinterest. Lançado oficialmente também em 2010, o serviço obteve sucesso ao apresentar uma nova maneira de colecionar ideias e imagens em um mesmo lugar. Dessa forma, é possível salvar fotos e vídeos em pastas para criar referências ou formar inspirações.
O Pinterest se encaixa perfeitamente em uma categoria de redes que trazem uma funcionalidade específica que a torna útil, mesmo com o passar do tempo.
É o que conta Helena Fleury, 23.
“Acho que o Pinterest continua vivo porque ele faz muito bem o que se propõe a fazer. Ele junta uma comunidade de pessoas com os mesmos interesses que você e possibilita a pesquisa de diversos assuntos diferentes”, comenta. “Dentro do nicho de pessoas que gostam de ir atrás de referências, o Pinterest ainda é muito usado.”
Ela relata que entra no Pinterest de três a quatro vezes por semana. “É uma plataforma em que sempre fico de olho, especialmente quando quero me sentir inspirada ou produtiva”, diz Helena. “Para mim, ele quase substitui o Google Imagens.”
“Há um movimento de cansaço de redes que tudo fazem, em direção de comunidades mais específicas. Estamos caminhando para plataformas mais íntimas”, argumenta Nemer.
David Nemer, professor do departamento de estudos de mídia e antropologia na Universidade de Virgínia (EUA)
A volta dos que não foram
“O que acontece é que, às vezes, uma rede social fica restrita a uma bolha, e, quando se esbarra em uma dessas bolhas, nos parece que a rede ‘voltou’. A verdade é que elas nunca se foram de verdade”, afirma Edney Souza, professor da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) e especialista em mídias digitais. “Alguns fatores podem explicar essas ‘voltas’: a nostalgia, a presença de funcionalidade específica para um fim, entre outros.”
Para André Loureiro, diretor-executivo do Pinterest para a América Latina, há três fatores que fazem com que ele , não só resista ao tempo, mas que tenha ganhado relevância. “O Pinterest tem um papel único na vida das pessoas, um ambiente que valoriza o que é positivo e uma tecnologia diferenciada”, opina.
Leia mais
Ainda segundo Loureiro, o público da rede tem mudado. “As plataformas sociais, em geral, amadurecem junto com as suas audiências, mas nós temos crescido nas audiências mais jovens. Continuamos fortes com a audiência que vive o Pinterest desde sua origem em 2010, mas hoje a geração Z tem se destacado como o nosso público que mais cresce, já respondem por mais de 40% dos nossos usuários mensais globais”, diz.
Um fator determinante para a sobrevivência de redes sociais mais antigas pode ser a sua capacidade de adaptação. “As redes sociais estão monitorando o comportamento dos usuários o tempo inteiro para entender o que eles querem”, afirma David Nemer. “O Facebook de hoje é bastante diferente do Facebook de antigamente, já que ele foi continuamente atualizado de acordo com as vontades do usuário e do mercado. O mesmo vale para o Instagram, que criou o Reels para competir com o TikTok, por exemplo.”
“No geral, as plataformas continuam atualizando suas funcionalidades, recursos e focando em inovação, o que pode levar os usuários a redescobrirem algumas delas”, afirma Renata Turlão, diretora de social media e inteligência de conteúdo da mediatech Play9.
Assim, o sentimento de nostalgia pode ter menos relação com o passado do que com o presente - e o futuro - desses serviços. “Problemas em outras redes, como mudanças nos algoritmos, uso de dados, aumento de anúncios ou alterações no comportamento dos consumidores, podem despertar sentimentos nostálgicos nos usuários e levá-los a buscar ambientes que proporcionem segurança ou conforto,” diz Renata.
Renata Turlão, diretora de social media e inteligência da mediatech Play9
Problemas nas grandes redes ajuda
Ao olhar para presente e futuro das grandes redes, os usuários podem não encontrar os elementos sociais que nos conectaram em massa pela primeira vez, com o surgimento do Orkut, em 2004.
Serviços como Facebook, Instagram, X e TikTok podem representar o fim para redes sociais como conhecemos. Na evolução desses serviços, algoritmos e sistemas de inteligência artificial (IA) passaram a mediar as interações dos usuários. Quando o feed para de ser gerado por seus amigos para ser construído por um algoritmo, não há mais elemento social presente - e sim, uma grande plataforma de mídia à caça de atenção.
Ou seja, se, no começo, elas eram uma forma de se conectar com pessoas no ambiente virtual e criar comunidades com interesses semelhantes, hoje elas são ambientes recheados de inteligência artificial e publicidade. Isso sem contar a polarização e o volume de desinformação.
É assim que Camila Roque, 23, mantém a fidelidade ao Last.fm. De 2002, a rede é basicamente um site com rádio online que cria comunidades com base na música. Assim, são coletadas informações acerca do gosto musical do usuário, e, com o uso da ferramenta conhecida como scrobbler, é possível obter dados como quantas vezes você ouviu determinada música ou artista.
Ela tem uma conta ativa na plataforma desde 2014, mas a usa regularmente desde 2017. Hoje em dia, o acesso à conta é diário.
“Sempre entro no site ou no app para conferir a quantidade de scrobbles que eu estou dando e se o aplicativo está contabilizando certinho”, conta Camila. “O Last.fm é uma ferramenta única pelo serviço que oferece, que é o que a torna viciante, com as métricas de tudo que escuto”.
De acordo com ela, o fato de usar a rede social há bastante tempo torna a experiência ainda melhor, porque possibilita o acesso a informações sobre seus hábitos musicais ao longo dos anos.
“Outro motivo que me faz usar a plataforma é o acompanhamento de quantos streams estou dando para os artistas de que gosto. Posso ver o quanto estou ajudando os meus preferidos”, diz. “O Last.fm continua único.”
Futuro das redes
Para Renata, da Play9, o número de pessoas interessadas nas mídias sociais não deve cair - até mesmo os daquelas que já passaram pelos seus dias de glória. “Atualmente, existem mais de 5 bilhões de usuários de redes sociais no mundo, com uma projeção de ultrapassarmos os 6 bilhões até 2028. Observamos um constante movimento de criação de novas redes e crescimento de criadores de conteúdo, muitos dos quais se tornarão influenciadores”, acredita.
Pode ser um interesse econômico, mas a uma necessidade mais profunda. Há desejo de criar relações com outros também no meio digital. “Temos essa vontade de estar conectados e manter comunicação com outras pessoas”, diz Nemer.