Por que o Netflix decepciona fãs de cinema


Catálogo de filmes oferecidos pelo serviço de streaming por vezes vai aquém do que um cinéfilo médio gostaria – mesmo quando as produções originais da empresa homenageiam esses filmes

Por Glenn Kenny

Há quase meio século, se você tivesse uma renda suficiente e alguma agilidade técnica, poderia ter seu próprio canal no YouTube, ou algo similar. Seria possível compartilhar seus vídeos com amigos que viriam à sua casa para assisti-los ou os emprestaria a colegas que possuíssem um hardware semelhante ao seu. A Sony lançou na década de 60 o Portapak, um gravador de vídeo com câmera que pesava nove quilos. A jornalista Lisa Robinson e seu marido Richard, escritor e produtor de discos, foram os primeiros a adotar a tecnologia.

“Procuramos por todos os lados esse aparelho”, relembrou Lisa. Eles gravaram programas ao vivo e suas próprias festas. “Gravamos Lou Reed e o crítico de rock Richard Meltzer em uma versão acústica da canção 'Walk on the Wild Side' em nossa casa". Quando a Sony lançou o Betamax VCR, na década seguinte, eles passaram a gravar programas de TV e exibiam o material gravado para amigos num sistema de projeção antigo.

O formato Betamax obrigava a um enfoque mais micro: os primeiros cassetes só comportavam material para apenas uma hora. Quando a rival da Sony, a JVC, lançou o formato VHS, se tornou era possível gravar duas horas de programa num único cassete. Mais tarde, com novos refinamentos, se tornou possível gravar em velocidades variadas, e a ideia de ter filmes de Hollywood num vídeo caseiro se tornou uma realidade.

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Os filmes em vídeo doméstico se tornaram uma nova fonte de receita bastante lucrativa para Hollywood. Mas em meados dos anos 80, quando trabalhei na Video Review, revista de produtos eletrônicos, soube que, mesmo que os vídeos domésticos dessem lucro, o setor cinematográfico sempre o detestou. A ideia de os consumidores na realidade se tornarem proprietários dos filmes era algo execrável para o setor.

Isto nunca mudou; à medida que o formato DVD deslanchou nos anos 90, lembro-me de uma conversa com um executivo do setor que me disse: “Hollywood não vê a hora de parar de produzir esses pequenos discos de alumínio”. Ninguém, pelo que eu saiba, jamais disse isto em público. Na verdade, hoje, embora tenha procurado muito um profissional de vídeo doméstico para fazer esse trabalho, não encontrei ninguém.

Isto nos leva aos filmes em streaming de vídeo. Por streaming, quero dizer o acesso teoricamente ilimitado a filmes na forma de arquivos digitais que podem ser vistos numa ampla variedade de aparelhos pessoais, desde um sistema de home theater até o telefone, acessível aos consumidores por meio de um número cada vez maior de serviços à la carte. Mesmo que você compre filmes para uso permanente, como vários serviços oferecem, não são coisas físicas que terá em sua casa. Não é como um disco que você pode comprar e emprestar a um amigo. (Muitos serviços permitem que membros da mesma casa os acessem com uma mesma conta, mas você não pode estender esse privilégio para conhecidos fortuitos).

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A propriedade de fato é assegurada (pirataria à parte) às empresas que detêm os direitos de propriedade do material. Embora elas estejam contentes, os artistas criativos se mostram mais incrédulos. “Se você assiste a um filme num celular, jamais, em um trilhão de anos, sentirá a real experiência do filme”, lamentou David Lynch há cerca de uma década.

Suas palavras não foram amplamente acatadas. Recentemente, no The Washington Post, um indivíduo alardeou que não só assiste séries de TV em streaming em qualquer aparelho, mas o faz em dupla velocidade.

É o que chamamos opção do consumidor. E há muitos descontentes. A expectativa de que o vídeo em streaming criaria uma jardim de prazeres cinematográficos quase sem fim sob muitos aspectos está começando a ser satisfeita; websites como Fandor, Mubi, o serviço Warner Archive e Filmstruck parecem paraísos individuais para os aficionados de cinema, mas os grandes protagonistas –como Netflix e Amazon – parecem menos preocupados com o que lhes parece interesses de nicho.

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Em outubro Matt Zoller Seitz, crítico de cinema e TV da New York Magazine e do rogerebert.com, observou no Twitter: “preocupo-me que o predomínio cultural da Netflix, que não mais se interessa por filmes antigos, está destruindo a cinefilia como nós a conhecíamos”.

O que deu início a uma discussão, que ainda persiste, e de vez em quando emerge no Film Twitter, rendendo observações como esta: “A seleção de filme da Netflix é muito pior do que do Blockbuster. É como uma coleção de DVD de um posto de gasolina”.

A provedora tem 47 milhões de assinantes nos Estados Unidos e sua biblioteca de filmes é afetada não apenas pelas limitações dos acordos de licenciamento particulares, o que significa que o número de títulos constantemente contrai e se expande, mas também pelo que os assinantes realmente assistem.

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A Netflix pode afirmar que seu enfoque é mais no sentido de uma curadoria dos filmes, adequada a um produto de consumo e não a um museu. Sua missão não é de preservação dos filmes. E a dura verdade sobre o futuro dos serviços de streaming é que, mesmo aqueles com ambições mais nobres serão obrigados a equilibrar tais ambições com a demanda do mercado.

Devido à interface da Netflix, seu menu de filmes e o enorme volume de material para navegar – sem mencionar o que Seitz chama de predomínio cultural – muitos usuários têm a impressão de que o serviço é uma loja de entretenimento que tem tudo. O que não é verdade. E a provedora não aspira, nem pretende, ter tudo.

E num paradoxo acidental, uma das mais aclamadas séries da Netflix, Stranger Things, história que mistura horror e ficção científica e se passa nos anos 80 se baseia numa variedade de influências cinematográficas daquela era, incluindo o ET, os primeiros filmes da quadrilogia Alien, A Coisa, de John Carpenter, Firestarter, e outros, nenhum deles hoje pode ser visto na Netflix. (ET foi oferecido pela provedora, mas recentemente não está mais no menu. Netflix tem um acordo com a Amblin de Steven Spielberg para oferecer um grupo de filmes e assim o ET deverá retornar ao menu).

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Uma das peculiaridades mais desconcertantes do vídeo em streaming é que esta situação pode mudar da noite para o dia. Não peço nenhum crédito se algum executivo de programação da Netflix reunir um pacote de filmes intitulado Deeper Into ‘Stranger Things'/ TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO

Há quase meio século, se você tivesse uma renda suficiente e alguma agilidade técnica, poderia ter seu próprio canal no YouTube, ou algo similar. Seria possível compartilhar seus vídeos com amigos que viriam à sua casa para assisti-los ou os emprestaria a colegas que possuíssem um hardware semelhante ao seu. A Sony lançou na década de 60 o Portapak, um gravador de vídeo com câmera que pesava nove quilos. A jornalista Lisa Robinson e seu marido Richard, escritor e produtor de discos, foram os primeiros a adotar a tecnologia.

“Procuramos por todos os lados esse aparelho”, relembrou Lisa. Eles gravaram programas ao vivo e suas próprias festas. “Gravamos Lou Reed e o crítico de rock Richard Meltzer em uma versão acústica da canção 'Walk on the Wild Side' em nossa casa". Quando a Sony lançou o Betamax VCR, na década seguinte, eles passaram a gravar programas de TV e exibiam o material gravado para amigos num sistema de projeção antigo.

O formato Betamax obrigava a um enfoque mais micro: os primeiros cassetes só comportavam material para apenas uma hora. Quando a rival da Sony, a JVC, lançou o formato VHS, se tornou era possível gravar duas horas de programa num único cassete. Mais tarde, com novos refinamentos, se tornou possível gravar em velocidades variadas, e a ideia de ter filmes de Hollywood num vídeo caseiro se tornou uma realidade.

Os filmes em vídeo doméstico se tornaram uma nova fonte de receita bastante lucrativa para Hollywood. Mas em meados dos anos 80, quando trabalhei na Video Review, revista de produtos eletrônicos, soube que, mesmo que os vídeos domésticos dessem lucro, o setor cinematográfico sempre o detestou. A ideia de os consumidores na realidade se tornarem proprietários dos filmes era algo execrável para o setor.

Isto nunca mudou; à medida que o formato DVD deslanchou nos anos 90, lembro-me de uma conversa com um executivo do setor que me disse: “Hollywood não vê a hora de parar de produzir esses pequenos discos de alumínio”. Ninguém, pelo que eu saiba, jamais disse isto em público. Na verdade, hoje, embora tenha procurado muito um profissional de vídeo doméstico para fazer esse trabalho, não encontrei ninguém.

Isto nos leva aos filmes em streaming de vídeo. Por streaming, quero dizer o acesso teoricamente ilimitado a filmes na forma de arquivos digitais que podem ser vistos numa ampla variedade de aparelhos pessoais, desde um sistema de home theater até o telefone, acessível aos consumidores por meio de um número cada vez maior de serviços à la carte. Mesmo que você compre filmes para uso permanente, como vários serviços oferecem, não são coisas físicas que terá em sua casa. Não é como um disco que você pode comprar e emprestar a um amigo. (Muitos serviços permitem que membros da mesma casa os acessem com uma mesma conta, mas você não pode estender esse privilégio para conhecidos fortuitos).

A propriedade de fato é assegurada (pirataria à parte) às empresas que detêm os direitos de propriedade do material. Embora elas estejam contentes, os artistas criativos se mostram mais incrédulos. “Se você assiste a um filme num celular, jamais, em um trilhão de anos, sentirá a real experiência do filme”, lamentou David Lynch há cerca de uma década.

Suas palavras não foram amplamente acatadas. Recentemente, no The Washington Post, um indivíduo alardeou que não só assiste séries de TV em streaming em qualquer aparelho, mas o faz em dupla velocidade.

É o que chamamos opção do consumidor. E há muitos descontentes. A expectativa de que o vídeo em streaming criaria uma jardim de prazeres cinematográficos quase sem fim sob muitos aspectos está começando a ser satisfeita; websites como Fandor, Mubi, o serviço Warner Archive e Filmstruck parecem paraísos individuais para os aficionados de cinema, mas os grandes protagonistas –como Netflix e Amazon – parecem menos preocupados com o que lhes parece interesses de nicho.

Em outubro Matt Zoller Seitz, crítico de cinema e TV da New York Magazine e do rogerebert.com, observou no Twitter: “preocupo-me que o predomínio cultural da Netflix, que não mais se interessa por filmes antigos, está destruindo a cinefilia como nós a conhecíamos”.

O que deu início a uma discussão, que ainda persiste, e de vez em quando emerge no Film Twitter, rendendo observações como esta: “A seleção de filme da Netflix é muito pior do que do Blockbuster. É como uma coleção de DVD de um posto de gasolina”.

A provedora tem 47 milhões de assinantes nos Estados Unidos e sua biblioteca de filmes é afetada não apenas pelas limitações dos acordos de licenciamento particulares, o que significa que o número de títulos constantemente contrai e se expande, mas também pelo que os assinantes realmente assistem.

A Netflix pode afirmar que seu enfoque é mais no sentido de uma curadoria dos filmes, adequada a um produto de consumo e não a um museu. Sua missão não é de preservação dos filmes. E a dura verdade sobre o futuro dos serviços de streaming é que, mesmo aqueles com ambições mais nobres serão obrigados a equilibrar tais ambições com a demanda do mercado.

Devido à interface da Netflix, seu menu de filmes e o enorme volume de material para navegar – sem mencionar o que Seitz chama de predomínio cultural – muitos usuários têm a impressão de que o serviço é uma loja de entretenimento que tem tudo. O que não é verdade. E a provedora não aspira, nem pretende, ter tudo.

E num paradoxo acidental, uma das mais aclamadas séries da Netflix, Stranger Things, história que mistura horror e ficção científica e se passa nos anos 80 se baseia numa variedade de influências cinematográficas daquela era, incluindo o ET, os primeiros filmes da quadrilogia Alien, A Coisa, de John Carpenter, Firestarter, e outros, nenhum deles hoje pode ser visto na Netflix. (ET foi oferecido pela provedora, mas recentemente não está mais no menu. Netflix tem um acordo com a Amblin de Steven Spielberg para oferecer um grupo de filmes e assim o ET deverá retornar ao menu).

Uma das peculiaridades mais desconcertantes do vídeo em streaming é que esta situação pode mudar da noite para o dia. Não peço nenhum crédito se algum executivo de programação da Netflix reunir um pacote de filmes intitulado Deeper Into ‘Stranger Things'/ TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO

Há quase meio século, se você tivesse uma renda suficiente e alguma agilidade técnica, poderia ter seu próprio canal no YouTube, ou algo similar. Seria possível compartilhar seus vídeos com amigos que viriam à sua casa para assisti-los ou os emprestaria a colegas que possuíssem um hardware semelhante ao seu. A Sony lançou na década de 60 o Portapak, um gravador de vídeo com câmera que pesava nove quilos. A jornalista Lisa Robinson e seu marido Richard, escritor e produtor de discos, foram os primeiros a adotar a tecnologia.

“Procuramos por todos os lados esse aparelho”, relembrou Lisa. Eles gravaram programas ao vivo e suas próprias festas. “Gravamos Lou Reed e o crítico de rock Richard Meltzer em uma versão acústica da canção 'Walk on the Wild Side' em nossa casa". Quando a Sony lançou o Betamax VCR, na década seguinte, eles passaram a gravar programas de TV e exibiam o material gravado para amigos num sistema de projeção antigo.

O formato Betamax obrigava a um enfoque mais micro: os primeiros cassetes só comportavam material para apenas uma hora. Quando a rival da Sony, a JVC, lançou o formato VHS, se tornou era possível gravar duas horas de programa num único cassete. Mais tarde, com novos refinamentos, se tornou possível gravar em velocidades variadas, e a ideia de ter filmes de Hollywood num vídeo caseiro se tornou uma realidade.

Os filmes em vídeo doméstico se tornaram uma nova fonte de receita bastante lucrativa para Hollywood. Mas em meados dos anos 80, quando trabalhei na Video Review, revista de produtos eletrônicos, soube que, mesmo que os vídeos domésticos dessem lucro, o setor cinematográfico sempre o detestou. A ideia de os consumidores na realidade se tornarem proprietários dos filmes era algo execrável para o setor.

Isto nunca mudou; à medida que o formato DVD deslanchou nos anos 90, lembro-me de uma conversa com um executivo do setor que me disse: “Hollywood não vê a hora de parar de produzir esses pequenos discos de alumínio”. Ninguém, pelo que eu saiba, jamais disse isto em público. Na verdade, hoje, embora tenha procurado muito um profissional de vídeo doméstico para fazer esse trabalho, não encontrei ninguém.

Isto nos leva aos filmes em streaming de vídeo. Por streaming, quero dizer o acesso teoricamente ilimitado a filmes na forma de arquivos digitais que podem ser vistos numa ampla variedade de aparelhos pessoais, desde um sistema de home theater até o telefone, acessível aos consumidores por meio de um número cada vez maior de serviços à la carte. Mesmo que você compre filmes para uso permanente, como vários serviços oferecem, não são coisas físicas que terá em sua casa. Não é como um disco que você pode comprar e emprestar a um amigo. (Muitos serviços permitem que membros da mesma casa os acessem com uma mesma conta, mas você não pode estender esse privilégio para conhecidos fortuitos).

A propriedade de fato é assegurada (pirataria à parte) às empresas que detêm os direitos de propriedade do material. Embora elas estejam contentes, os artistas criativos se mostram mais incrédulos. “Se você assiste a um filme num celular, jamais, em um trilhão de anos, sentirá a real experiência do filme”, lamentou David Lynch há cerca de uma década.

Suas palavras não foram amplamente acatadas. Recentemente, no The Washington Post, um indivíduo alardeou que não só assiste séries de TV em streaming em qualquer aparelho, mas o faz em dupla velocidade.

É o que chamamos opção do consumidor. E há muitos descontentes. A expectativa de que o vídeo em streaming criaria uma jardim de prazeres cinematográficos quase sem fim sob muitos aspectos está começando a ser satisfeita; websites como Fandor, Mubi, o serviço Warner Archive e Filmstruck parecem paraísos individuais para os aficionados de cinema, mas os grandes protagonistas –como Netflix e Amazon – parecem menos preocupados com o que lhes parece interesses de nicho.

Em outubro Matt Zoller Seitz, crítico de cinema e TV da New York Magazine e do rogerebert.com, observou no Twitter: “preocupo-me que o predomínio cultural da Netflix, que não mais se interessa por filmes antigos, está destruindo a cinefilia como nós a conhecíamos”.

O que deu início a uma discussão, que ainda persiste, e de vez em quando emerge no Film Twitter, rendendo observações como esta: “A seleção de filme da Netflix é muito pior do que do Blockbuster. É como uma coleção de DVD de um posto de gasolina”.

A provedora tem 47 milhões de assinantes nos Estados Unidos e sua biblioteca de filmes é afetada não apenas pelas limitações dos acordos de licenciamento particulares, o que significa que o número de títulos constantemente contrai e se expande, mas também pelo que os assinantes realmente assistem.

A Netflix pode afirmar que seu enfoque é mais no sentido de uma curadoria dos filmes, adequada a um produto de consumo e não a um museu. Sua missão não é de preservação dos filmes. E a dura verdade sobre o futuro dos serviços de streaming é que, mesmo aqueles com ambições mais nobres serão obrigados a equilibrar tais ambições com a demanda do mercado.

Devido à interface da Netflix, seu menu de filmes e o enorme volume de material para navegar – sem mencionar o que Seitz chama de predomínio cultural – muitos usuários têm a impressão de que o serviço é uma loja de entretenimento que tem tudo. O que não é verdade. E a provedora não aspira, nem pretende, ter tudo.

E num paradoxo acidental, uma das mais aclamadas séries da Netflix, Stranger Things, história que mistura horror e ficção científica e se passa nos anos 80 se baseia numa variedade de influências cinematográficas daquela era, incluindo o ET, os primeiros filmes da quadrilogia Alien, A Coisa, de John Carpenter, Firestarter, e outros, nenhum deles hoje pode ser visto na Netflix. (ET foi oferecido pela provedora, mas recentemente não está mais no menu. Netflix tem um acordo com a Amblin de Steven Spielberg para oferecer um grupo de filmes e assim o ET deverá retornar ao menu).

Uma das peculiaridades mais desconcertantes do vídeo em streaming é que esta situação pode mudar da noite para o dia. Não peço nenhum crédito se algum executivo de programação da Netflix reunir um pacote de filmes intitulado Deeper Into ‘Stranger Things'/ TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO

Há quase meio século, se você tivesse uma renda suficiente e alguma agilidade técnica, poderia ter seu próprio canal no YouTube, ou algo similar. Seria possível compartilhar seus vídeos com amigos que viriam à sua casa para assisti-los ou os emprestaria a colegas que possuíssem um hardware semelhante ao seu. A Sony lançou na década de 60 o Portapak, um gravador de vídeo com câmera que pesava nove quilos. A jornalista Lisa Robinson e seu marido Richard, escritor e produtor de discos, foram os primeiros a adotar a tecnologia.

“Procuramos por todos os lados esse aparelho”, relembrou Lisa. Eles gravaram programas ao vivo e suas próprias festas. “Gravamos Lou Reed e o crítico de rock Richard Meltzer em uma versão acústica da canção 'Walk on the Wild Side' em nossa casa". Quando a Sony lançou o Betamax VCR, na década seguinte, eles passaram a gravar programas de TV e exibiam o material gravado para amigos num sistema de projeção antigo.

O formato Betamax obrigava a um enfoque mais micro: os primeiros cassetes só comportavam material para apenas uma hora. Quando a rival da Sony, a JVC, lançou o formato VHS, se tornou era possível gravar duas horas de programa num único cassete. Mais tarde, com novos refinamentos, se tornou possível gravar em velocidades variadas, e a ideia de ter filmes de Hollywood num vídeo caseiro se tornou uma realidade.

Os filmes em vídeo doméstico se tornaram uma nova fonte de receita bastante lucrativa para Hollywood. Mas em meados dos anos 80, quando trabalhei na Video Review, revista de produtos eletrônicos, soube que, mesmo que os vídeos domésticos dessem lucro, o setor cinematográfico sempre o detestou. A ideia de os consumidores na realidade se tornarem proprietários dos filmes era algo execrável para o setor.

Isto nunca mudou; à medida que o formato DVD deslanchou nos anos 90, lembro-me de uma conversa com um executivo do setor que me disse: “Hollywood não vê a hora de parar de produzir esses pequenos discos de alumínio”. Ninguém, pelo que eu saiba, jamais disse isto em público. Na verdade, hoje, embora tenha procurado muito um profissional de vídeo doméstico para fazer esse trabalho, não encontrei ninguém.

Isto nos leva aos filmes em streaming de vídeo. Por streaming, quero dizer o acesso teoricamente ilimitado a filmes na forma de arquivos digitais que podem ser vistos numa ampla variedade de aparelhos pessoais, desde um sistema de home theater até o telefone, acessível aos consumidores por meio de um número cada vez maior de serviços à la carte. Mesmo que você compre filmes para uso permanente, como vários serviços oferecem, não são coisas físicas que terá em sua casa. Não é como um disco que você pode comprar e emprestar a um amigo. (Muitos serviços permitem que membros da mesma casa os acessem com uma mesma conta, mas você não pode estender esse privilégio para conhecidos fortuitos).

A propriedade de fato é assegurada (pirataria à parte) às empresas que detêm os direitos de propriedade do material. Embora elas estejam contentes, os artistas criativos se mostram mais incrédulos. “Se você assiste a um filme num celular, jamais, em um trilhão de anos, sentirá a real experiência do filme”, lamentou David Lynch há cerca de uma década.

Suas palavras não foram amplamente acatadas. Recentemente, no The Washington Post, um indivíduo alardeou que não só assiste séries de TV em streaming em qualquer aparelho, mas o faz em dupla velocidade.

É o que chamamos opção do consumidor. E há muitos descontentes. A expectativa de que o vídeo em streaming criaria uma jardim de prazeres cinematográficos quase sem fim sob muitos aspectos está começando a ser satisfeita; websites como Fandor, Mubi, o serviço Warner Archive e Filmstruck parecem paraísos individuais para os aficionados de cinema, mas os grandes protagonistas –como Netflix e Amazon – parecem menos preocupados com o que lhes parece interesses de nicho.

Em outubro Matt Zoller Seitz, crítico de cinema e TV da New York Magazine e do rogerebert.com, observou no Twitter: “preocupo-me que o predomínio cultural da Netflix, que não mais se interessa por filmes antigos, está destruindo a cinefilia como nós a conhecíamos”.

O que deu início a uma discussão, que ainda persiste, e de vez em quando emerge no Film Twitter, rendendo observações como esta: “A seleção de filme da Netflix é muito pior do que do Blockbuster. É como uma coleção de DVD de um posto de gasolina”.

A provedora tem 47 milhões de assinantes nos Estados Unidos e sua biblioteca de filmes é afetada não apenas pelas limitações dos acordos de licenciamento particulares, o que significa que o número de títulos constantemente contrai e se expande, mas também pelo que os assinantes realmente assistem.

A Netflix pode afirmar que seu enfoque é mais no sentido de uma curadoria dos filmes, adequada a um produto de consumo e não a um museu. Sua missão não é de preservação dos filmes. E a dura verdade sobre o futuro dos serviços de streaming é que, mesmo aqueles com ambições mais nobres serão obrigados a equilibrar tais ambições com a demanda do mercado.

Devido à interface da Netflix, seu menu de filmes e o enorme volume de material para navegar – sem mencionar o que Seitz chama de predomínio cultural – muitos usuários têm a impressão de que o serviço é uma loja de entretenimento que tem tudo. O que não é verdade. E a provedora não aspira, nem pretende, ter tudo.

E num paradoxo acidental, uma das mais aclamadas séries da Netflix, Stranger Things, história que mistura horror e ficção científica e se passa nos anos 80 se baseia numa variedade de influências cinematográficas daquela era, incluindo o ET, os primeiros filmes da quadrilogia Alien, A Coisa, de John Carpenter, Firestarter, e outros, nenhum deles hoje pode ser visto na Netflix. (ET foi oferecido pela provedora, mas recentemente não está mais no menu. Netflix tem um acordo com a Amblin de Steven Spielberg para oferecer um grupo de filmes e assim o ET deverá retornar ao menu).

Uma das peculiaridades mais desconcertantes do vídeo em streaming é que esta situação pode mudar da noite para o dia. Não peço nenhum crédito se algum executivo de programação da Netflix reunir um pacote de filmes intitulado Deeper Into ‘Stranger Things'/ TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO

Há quase meio século, se você tivesse uma renda suficiente e alguma agilidade técnica, poderia ter seu próprio canal no YouTube, ou algo similar. Seria possível compartilhar seus vídeos com amigos que viriam à sua casa para assisti-los ou os emprestaria a colegas que possuíssem um hardware semelhante ao seu. A Sony lançou na década de 60 o Portapak, um gravador de vídeo com câmera que pesava nove quilos. A jornalista Lisa Robinson e seu marido Richard, escritor e produtor de discos, foram os primeiros a adotar a tecnologia.

“Procuramos por todos os lados esse aparelho”, relembrou Lisa. Eles gravaram programas ao vivo e suas próprias festas. “Gravamos Lou Reed e o crítico de rock Richard Meltzer em uma versão acústica da canção 'Walk on the Wild Side' em nossa casa". Quando a Sony lançou o Betamax VCR, na década seguinte, eles passaram a gravar programas de TV e exibiam o material gravado para amigos num sistema de projeção antigo.

O formato Betamax obrigava a um enfoque mais micro: os primeiros cassetes só comportavam material para apenas uma hora. Quando a rival da Sony, a JVC, lançou o formato VHS, se tornou era possível gravar duas horas de programa num único cassete. Mais tarde, com novos refinamentos, se tornou possível gravar em velocidades variadas, e a ideia de ter filmes de Hollywood num vídeo caseiro se tornou uma realidade.

Os filmes em vídeo doméstico se tornaram uma nova fonte de receita bastante lucrativa para Hollywood. Mas em meados dos anos 80, quando trabalhei na Video Review, revista de produtos eletrônicos, soube que, mesmo que os vídeos domésticos dessem lucro, o setor cinematográfico sempre o detestou. A ideia de os consumidores na realidade se tornarem proprietários dos filmes era algo execrável para o setor.

Isto nunca mudou; à medida que o formato DVD deslanchou nos anos 90, lembro-me de uma conversa com um executivo do setor que me disse: “Hollywood não vê a hora de parar de produzir esses pequenos discos de alumínio”. Ninguém, pelo que eu saiba, jamais disse isto em público. Na verdade, hoje, embora tenha procurado muito um profissional de vídeo doméstico para fazer esse trabalho, não encontrei ninguém.

Isto nos leva aos filmes em streaming de vídeo. Por streaming, quero dizer o acesso teoricamente ilimitado a filmes na forma de arquivos digitais que podem ser vistos numa ampla variedade de aparelhos pessoais, desde um sistema de home theater até o telefone, acessível aos consumidores por meio de um número cada vez maior de serviços à la carte. Mesmo que você compre filmes para uso permanente, como vários serviços oferecem, não são coisas físicas que terá em sua casa. Não é como um disco que você pode comprar e emprestar a um amigo. (Muitos serviços permitem que membros da mesma casa os acessem com uma mesma conta, mas você não pode estender esse privilégio para conhecidos fortuitos).

A propriedade de fato é assegurada (pirataria à parte) às empresas que detêm os direitos de propriedade do material. Embora elas estejam contentes, os artistas criativos se mostram mais incrédulos. “Se você assiste a um filme num celular, jamais, em um trilhão de anos, sentirá a real experiência do filme”, lamentou David Lynch há cerca de uma década.

Suas palavras não foram amplamente acatadas. Recentemente, no The Washington Post, um indivíduo alardeou que não só assiste séries de TV em streaming em qualquer aparelho, mas o faz em dupla velocidade.

É o que chamamos opção do consumidor. E há muitos descontentes. A expectativa de que o vídeo em streaming criaria uma jardim de prazeres cinematográficos quase sem fim sob muitos aspectos está começando a ser satisfeita; websites como Fandor, Mubi, o serviço Warner Archive e Filmstruck parecem paraísos individuais para os aficionados de cinema, mas os grandes protagonistas –como Netflix e Amazon – parecem menos preocupados com o que lhes parece interesses de nicho.

Em outubro Matt Zoller Seitz, crítico de cinema e TV da New York Magazine e do rogerebert.com, observou no Twitter: “preocupo-me que o predomínio cultural da Netflix, que não mais se interessa por filmes antigos, está destruindo a cinefilia como nós a conhecíamos”.

O que deu início a uma discussão, que ainda persiste, e de vez em quando emerge no Film Twitter, rendendo observações como esta: “A seleção de filme da Netflix é muito pior do que do Blockbuster. É como uma coleção de DVD de um posto de gasolina”.

A provedora tem 47 milhões de assinantes nos Estados Unidos e sua biblioteca de filmes é afetada não apenas pelas limitações dos acordos de licenciamento particulares, o que significa que o número de títulos constantemente contrai e se expande, mas também pelo que os assinantes realmente assistem.

A Netflix pode afirmar que seu enfoque é mais no sentido de uma curadoria dos filmes, adequada a um produto de consumo e não a um museu. Sua missão não é de preservação dos filmes. E a dura verdade sobre o futuro dos serviços de streaming é que, mesmo aqueles com ambições mais nobres serão obrigados a equilibrar tais ambições com a demanda do mercado.

Devido à interface da Netflix, seu menu de filmes e o enorme volume de material para navegar – sem mencionar o que Seitz chama de predomínio cultural – muitos usuários têm a impressão de que o serviço é uma loja de entretenimento que tem tudo. O que não é verdade. E a provedora não aspira, nem pretende, ter tudo.

E num paradoxo acidental, uma das mais aclamadas séries da Netflix, Stranger Things, história que mistura horror e ficção científica e se passa nos anos 80 se baseia numa variedade de influências cinematográficas daquela era, incluindo o ET, os primeiros filmes da quadrilogia Alien, A Coisa, de John Carpenter, Firestarter, e outros, nenhum deles hoje pode ser visto na Netflix. (ET foi oferecido pela provedora, mas recentemente não está mais no menu. Netflix tem um acordo com a Amblin de Steven Spielberg para oferecer um grupo de filmes e assim o ET deverá retornar ao menu).

Uma das peculiaridades mais desconcertantes do vídeo em streaming é que esta situação pode mudar da noite para o dia. Não peço nenhum crédito se algum executivo de programação da Netflix reunir um pacote de filmes intitulado Deeper Into ‘Stranger Things'/ TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO

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