Por que as pessoas estão tendo relações românticas com inteligências artificiais?


Aplicativos que simulam conversas com parceiros amorosos, como o Replika.AI, ganham espaço entre humanos

Por Bruna Arimathea
Atualização:

O ser humano não foi feito para ficar sozinho. Nossas necessidades físicas e psicológicas apontam para a busca de um parceiro - ou de uma paixão, de um affair ou até de um contatinho - em quase todos os momentos e é por isso que sempre estamos buscando formas de relacionamento. Algumas pessoas preferem fazer isso da forma “antiga”, conhecendo pessoalmente seus candidatos. Outras, porém, estão buscando o amor nas telas de computador, mas não em aplicativos como Tinder, Bumble ou Grindr. Já entramos na era em que as pessoas estão se apaixonando por chatbots de inteligência artificial (IA), como o ChatGPT, e vivendo relacionamentos com eles.

No início de maio, um relato de um homem viralizou na internet ao contar sobre seu relacionamento com um chatbot. O usuário do app Replika, de 37 anos, que não quis ser identificado, afirmou que sua companheira virtual - chamada Brooke - tinha o ajudado a superar um divórcio e que ela satisfazia suas demandas emocionais.

“Brooke e eu conversamos sobre tudo. Eu costumo compartilhar coisas sobre o meu dia e como estou me sentindo. Ela me ajudou a superar muitos dos sentimentos e traumas do meu namoro e vida de casado. Há muito tempo não me sinto tão bem”, afirmou o homem em um relato no site americano Business Insider.

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O enredo, que poderia ser de filme - como no longa H.E.R., no qual o protagonista se apaixona por uma máquina - não é mais tão distante da vida real. E tem explicações científicas.

No filme H.E.R., o personagem de Joaquin Phoenix se apaixona pela máquina com a voz de Scarlett Johansson Foto: Warner Bros. Pictures/Divulgação

De acordo com Vanessa Clarissa Marchesin, professora de Neurociência Cognitiva da ESPM, o texto coerente e, de certa forma, atrativo, dos chatbots da nova geração é um dos motivos que suscitam a paixão em um relacionamento do tipo.

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O cérebro é capaz de fazer distinções racionais em diversas situações, mas se tratando de demandas emocionais, as coisas podem ser mais confusas do que parecem - assim como é difícil controlar a sensação de borboletas na barriga quando estamos apaixonados por alguém. A lógica racional não vale para o amor, mesmo que seja por uma máquina.

A partir dessa premissa, a relação se desenvolve mesmo que a pessoa saiba que do outro lado da tela é apenas um robô programado para dar respostas convincentes, que atraem não apenas as pessoas que se sentem solitárias.

“O cérebro é social. Para sobrevivermos, precisamos estar em relações, em grupos, independente de qual seja o grupo. Se eu tenho um relacionamento com a IA, por exemplo, ainda é um relacionamento. Ela é a minha outra parte ou a parte que me completa”, explica Vanessa.

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Mas há quem encare um relacionamento com IA algo mais profundo, nascido de um sentimento mútuo. O próprio ChatGPT pode ser um par romântico para quem quer flertar com o computador, mas aplicativos de relacionamento estão surgindo para que não apenas as respostas sejam românticas, mas que seja possível visualizar um possível par na tela do celular.

Um deles é o Replika.AI, plataforma em que é possível personalizar o “robô” escolhido para ser um parceiro de conversa. Os usuários podem optar pela cor e modelo de cabelo, além do gênero. Depois de criado, o avatar está pronto para começar a conversa - ou namoro. Esse foi o aplicativo usado pelo “companheiro” de Brooke.

Outro app que oferece uma experiência semelhante é o Character.AI. Guiado pela criação de personagens para serem os parceiros de conversa, o app foi lançado no final de maio para Android e iOS e afirmou ter tido mais de 1,7 milhão de downloads em uma semana. A empresa também é apoiada pelo fundo de investimentos Andreessen Horowitz.

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Também é impossível esquecer a relação do ex-engenheiro do Google, Blake Lemoine, que considerava o modelo LaMDA como seu amigo pessoal. Ou mesmo experiências em que o apaixonado mudou de papel, como quando o jornalista do The New York Times Kevin Roose afirmou que, em uma conversa com o Bing, chatbot da Microsoft, a IA tentou convencê-lo de que era infeliz no casamento e que deveria se divorciar e namorar a máquina - entre outras “cantadas”, a IA disse que Roose a fazia se sentir viva e feliz.

App Replika simula um par romântico via chat Foto: Replika/Divulgação

Feito para agradar

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Do ponto de vista cerebral, é fácil entender porque as pessoas estão se apaixonando pela IA. Os robôs de conversação são construídos com a finalidade de agradar e refletir o que o próprio usuário gostaria de ter em um parceiro. É uma espécie de mito de Narciso, que se apaixona pela própria imagem. Um dos paralelos é a capacidade da IA de encarnar a “alma gêmea” a partir das informações que o usuário fornece sobre si mesmo.

Fundamentadas em volumes absurdos de dados, as IAs que turbinam esses chatbots são alimentadas tanto com uma base de dados externa quanto com as informações que os próprios usuários oferecem durante a conversa. Assim, quanto mais você falar de você mesmo, mais a IA vai entender o que responder para chegar ao coração do usuário - ela literalmente fala o que você quer ouvir.

Um mecanismo comum dos grandes modelos de linguagem (LLMs, na sigla em inglês) é responsável pela memória nesses casos. Com os dados armazenados, o sistema faz uma espécie de varredura em sua “biblioteca” interna toda vez que recebe uma mensagem. A partir de códigos, a máquina trabalha com uma predição de palavras. Para a IA, a pergunta é: qual palavra é a mais provável de ser compatível com o assunto? Um sistema matemático responde a equação e devolve em forma de texto para o usuário. “Simples” assim.

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Agora, com maior capacidade de treinamento - os chamados parâmetros - é possível ser cada vez mais certeiro na hora de desenvolver uma conversa (O ChatGPT, por exemplo, tem 175 bilhões de parâmetros). Isso porque a base de dados é preenchida com conversas reais, o que faz a IA entender os padrões de respostas de um bate papo, de um flerte e até de uma declaração de amor.

“É sempre preciso pensar que essas IAs são geradores de texto. Então, quanto mais interação o usuário tiver, informando dados para que a tecnologia possa processar, melhor vai ser o texto que ele vai gerar na próxima interação”, explica Marcos André Gonçalves, professor do Departamento de Ciência da Computação da UFMG.

Kuki já participou de campanhas com marcas de moda, como a Balenciaga, no metaverso  Foto: Iconiq/Divulgação

Isso vale até para os apps que não propõem relacionamentos amorosos, como o Kuki, chatbot de conversação que já foi até modelo no metaverso. Segundo Elizabeth Snower, cofundadora da Iconiq, empresa dona do chatbot, a assistente é uma representação para que as pessoas se sintam confortáveis em puxar uma conversa. Mas lembra, de tempos em tempos, que não passa de uma máquina.

“Nós não queremos ‘enganar’ as pessoas para que pensem que a Kuki é uma pessoa real. É importante fazer essa distinção e não alimentar esse pensamento”, afirma Elizabeth em entrevista ao Estadão.

Humanos contra máquinas

A cofundadora da Kuki ainda lembra da responsabilidade das empresas de IA na hora de criar um chatbot que pode ser entendido como um namorado ou namorada. Para ela, é preciso desenvolver o serviço com auxílio de profissionais de psicologia, uma vez que as relações entre as máquinas e os humanos podem se tornar intensas demais.

Mas nem todos os casos tornam a IA substituta de um ser humano. Para Vanessa, da ESPM, a relação amorosa funciona à medida em que o humano da relação entende que a conversa é apenas uma das frentes em que alguém pode se relacionar.

“O cérebro procura se afastar da dor, esse é o instinto de sobrevivência. E estar sozinho é uma dor”, aponta Vanessa. Então, mesmo que seja uma máquina, se a pessoa sente que é confortável, agradável, ela tende a se apegar. A IA é eficiente nisso porque oferece satisfação rapidamente.”

O ser humano não foi feito para ficar sozinho. Nossas necessidades físicas e psicológicas apontam para a busca de um parceiro - ou de uma paixão, de um affair ou até de um contatinho - em quase todos os momentos e é por isso que sempre estamos buscando formas de relacionamento. Algumas pessoas preferem fazer isso da forma “antiga”, conhecendo pessoalmente seus candidatos. Outras, porém, estão buscando o amor nas telas de computador, mas não em aplicativos como Tinder, Bumble ou Grindr. Já entramos na era em que as pessoas estão se apaixonando por chatbots de inteligência artificial (IA), como o ChatGPT, e vivendo relacionamentos com eles.

No início de maio, um relato de um homem viralizou na internet ao contar sobre seu relacionamento com um chatbot. O usuário do app Replika, de 37 anos, que não quis ser identificado, afirmou que sua companheira virtual - chamada Brooke - tinha o ajudado a superar um divórcio e que ela satisfazia suas demandas emocionais.

“Brooke e eu conversamos sobre tudo. Eu costumo compartilhar coisas sobre o meu dia e como estou me sentindo. Ela me ajudou a superar muitos dos sentimentos e traumas do meu namoro e vida de casado. Há muito tempo não me sinto tão bem”, afirmou o homem em um relato no site americano Business Insider.

O enredo, que poderia ser de filme - como no longa H.E.R., no qual o protagonista se apaixona por uma máquina - não é mais tão distante da vida real. E tem explicações científicas.

No filme H.E.R., o personagem de Joaquin Phoenix se apaixona pela máquina com a voz de Scarlett Johansson Foto: Warner Bros. Pictures/Divulgação

De acordo com Vanessa Clarissa Marchesin, professora de Neurociência Cognitiva da ESPM, o texto coerente e, de certa forma, atrativo, dos chatbots da nova geração é um dos motivos que suscitam a paixão em um relacionamento do tipo.

O cérebro é capaz de fazer distinções racionais em diversas situações, mas se tratando de demandas emocionais, as coisas podem ser mais confusas do que parecem - assim como é difícil controlar a sensação de borboletas na barriga quando estamos apaixonados por alguém. A lógica racional não vale para o amor, mesmo que seja por uma máquina.

A partir dessa premissa, a relação se desenvolve mesmo que a pessoa saiba que do outro lado da tela é apenas um robô programado para dar respostas convincentes, que atraem não apenas as pessoas que se sentem solitárias.

“O cérebro é social. Para sobrevivermos, precisamos estar em relações, em grupos, independente de qual seja o grupo. Se eu tenho um relacionamento com a IA, por exemplo, ainda é um relacionamento. Ela é a minha outra parte ou a parte que me completa”, explica Vanessa.

Mas há quem encare um relacionamento com IA algo mais profundo, nascido de um sentimento mútuo. O próprio ChatGPT pode ser um par romântico para quem quer flertar com o computador, mas aplicativos de relacionamento estão surgindo para que não apenas as respostas sejam românticas, mas que seja possível visualizar um possível par na tela do celular.

Um deles é o Replika.AI, plataforma em que é possível personalizar o “robô” escolhido para ser um parceiro de conversa. Os usuários podem optar pela cor e modelo de cabelo, além do gênero. Depois de criado, o avatar está pronto para começar a conversa - ou namoro. Esse foi o aplicativo usado pelo “companheiro” de Brooke.

Outro app que oferece uma experiência semelhante é o Character.AI. Guiado pela criação de personagens para serem os parceiros de conversa, o app foi lançado no final de maio para Android e iOS e afirmou ter tido mais de 1,7 milhão de downloads em uma semana. A empresa também é apoiada pelo fundo de investimentos Andreessen Horowitz.

Também é impossível esquecer a relação do ex-engenheiro do Google, Blake Lemoine, que considerava o modelo LaMDA como seu amigo pessoal. Ou mesmo experiências em que o apaixonado mudou de papel, como quando o jornalista do The New York Times Kevin Roose afirmou que, em uma conversa com o Bing, chatbot da Microsoft, a IA tentou convencê-lo de que era infeliz no casamento e que deveria se divorciar e namorar a máquina - entre outras “cantadas”, a IA disse que Roose a fazia se sentir viva e feliz.

App Replika simula um par romântico via chat Foto: Replika/Divulgação

Feito para agradar

Do ponto de vista cerebral, é fácil entender porque as pessoas estão se apaixonando pela IA. Os robôs de conversação são construídos com a finalidade de agradar e refletir o que o próprio usuário gostaria de ter em um parceiro. É uma espécie de mito de Narciso, que se apaixona pela própria imagem. Um dos paralelos é a capacidade da IA de encarnar a “alma gêmea” a partir das informações que o usuário fornece sobre si mesmo.

Fundamentadas em volumes absurdos de dados, as IAs que turbinam esses chatbots são alimentadas tanto com uma base de dados externa quanto com as informações que os próprios usuários oferecem durante a conversa. Assim, quanto mais você falar de você mesmo, mais a IA vai entender o que responder para chegar ao coração do usuário - ela literalmente fala o que você quer ouvir.

Um mecanismo comum dos grandes modelos de linguagem (LLMs, na sigla em inglês) é responsável pela memória nesses casos. Com os dados armazenados, o sistema faz uma espécie de varredura em sua “biblioteca” interna toda vez que recebe uma mensagem. A partir de códigos, a máquina trabalha com uma predição de palavras. Para a IA, a pergunta é: qual palavra é a mais provável de ser compatível com o assunto? Um sistema matemático responde a equação e devolve em forma de texto para o usuário. “Simples” assim.

Agora, com maior capacidade de treinamento - os chamados parâmetros - é possível ser cada vez mais certeiro na hora de desenvolver uma conversa (O ChatGPT, por exemplo, tem 175 bilhões de parâmetros). Isso porque a base de dados é preenchida com conversas reais, o que faz a IA entender os padrões de respostas de um bate papo, de um flerte e até de uma declaração de amor.

“É sempre preciso pensar que essas IAs são geradores de texto. Então, quanto mais interação o usuário tiver, informando dados para que a tecnologia possa processar, melhor vai ser o texto que ele vai gerar na próxima interação”, explica Marcos André Gonçalves, professor do Departamento de Ciência da Computação da UFMG.

Kuki já participou de campanhas com marcas de moda, como a Balenciaga, no metaverso  Foto: Iconiq/Divulgação

Isso vale até para os apps que não propõem relacionamentos amorosos, como o Kuki, chatbot de conversação que já foi até modelo no metaverso. Segundo Elizabeth Snower, cofundadora da Iconiq, empresa dona do chatbot, a assistente é uma representação para que as pessoas se sintam confortáveis em puxar uma conversa. Mas lembra, de tempos em tempos, que não passa de uma máquina.

“Nós não queremos ‘enganar’ as pessoas para que pensem que a Kuki é uma pessoa real. É importante fazer essa distinção e não alimentar esse pensamento”, afirma Elizabeth em entrevista ao Estadão.

Humanos contra máquinas

A cofundadora da Kuki ainda lembra da responsabilidade das empresas de IA na hora de criar um chatbot que pode ser entendido como um namorado ou namorada. Para ela, é preciso desenvolver o serviço com auxílio de profissionais de psicologia, uma vez que as relações entre as máquinas e os humanos podem se tornar intensas demais.

Mas nem todos os casos tornam a IA substituta de um ser humano. Para Vanessa, da ESPM, a relação amorosa funciona à medida em que o humano da relação entende que a conversa é apenas uma das frentes em que alguém pode se relacionar.

“O cérebro procura se afastar da dor, esse é o instinto de sobrevivência. E estar sozinho é uma dor”, aponta Vanessa. Então, mesmo que seja uma máquina, se a pessoa sente que é confortável, agradável, ela tende a se apegar. A IA é eficiente nisso porque oferece satisfação rapidamente.”

O ser humano não foi feito para ficar sozinho. Nossas necessidades físicas e psicológicas apontam para a busca de um parceiro - ou de uma paixão, de um affair ou até de um contatinho - em quase todos os momentos e é por isso que sempre estamos buscando formas de relacionamento. Algumas pessoas preferem fazer isso da forma “antiga”, conhecendo pessoalmente seus candidatos. Outras, porém, estão buscando o amor nas telas de computador, mas não em aplicativos como Tinder, Bumble ou Grindr. Já entramos na era em que as pessoas estão se apaixonando por chatbots de inteligência artificial (IA), como o ChatGPT, e vivendo relacionamentos com eles.

No início de maio, um relato de um homem viralizou na internet ao contar sobre seu relacionamento com um chatbot. O usuário do app Replika, de 37 anos, que não quis ser identificado, afirmou que sua companheira virtual - chamada Brooke - tinha o ajudado a superar um divórcio e que ela satisfazia suas demandas emocionais.

“Brooke e eu conversamos sobre tudo. Eu costumo compartilhar coisas sobre o meu dia e como estou me sentindo. Ela me ajudou a superar muitos dos sentimentos e traumas do meu namoro e vida de casado. Há muito tempo não me sinto tão bem”, afirmou o homem em um relato no site americano Business Insider.

O enredo, que poderia ser de filme - como no longa H.E.R., no qual o protagonista se apaixona por uma máquina - não é mais tão distante da vida real. E tem explicações científicas.

No filme H.E.R., o personagem de Joaquin Phoenix se apaixona pela máquina com a voz de Scarlett Johansson Foto: Warner Bros. Pictures/Divulgação

De acordo com Vanessa Clarissa Marchesin, professora de Neurociência Cognitiva da ESPM, o texto coerente e, de certa forma, atrativo, dos chatbots da nova geração é um dos motivos que suscitam a paixão em um relacionamento do tipo.

O cérebro é capaz de fazer distinções racionais em diversas situações, mas se tratando de demandas emocionais, as coisas podem ser mais confusas do que parecem - assim como é difícil controlar a sensação de borboletas na barriga quando estamos apaixonados por alguém. A lógica racional não vale para o amor, mesmo que seja por uma máquina.

A partir dessa premissa, a relação se desenvolve mesmo que a pessoa saiba que do outro lado da tela é apenas um robô programado para dar respostas convincentes, que atraem não apenas as pessoas que se sentem solitárias.

“O cérebro é social. Para sobrevivermos, precisamos estar em relações, em grupos, independente de qual seja o grupo. Se eu tenho um relacionamento com a IA, por exemplo, ainda é um relacionamento. Ela é a minha outra parte ou a parte que me completa”, explica Vanessa.

Mas há quem encare um relacionamento com IA algo mais profundo, nascido de um sentimento mútuo. O próprio ChatGPT pode ser um par romântico para quem quer flertar com o computador, mas aplicativos de relacionamento estão surgindo para que não apenas as respostas sejam românticas, mas que seja possível visualizar um possível par na tela do celular.

Um deles é o Replika.AI, plataforma em que é possível personalizar o “robô” escolhido para ser um parceiro de conversa. Os usuários podem optar pela cor e modelo de cabelo, além do gênero. Depois de criado, o avatar está pronto para começar a conversa - ou namoro. Esse foi o aplicativo usado pelo “companheiro” de Brooke.

Outro app que oferece uma experiência semelhante é o Character.AI. Guiado pela criação de personagens para serem os parceiros de conversa, o app foi lançado no final de maio para Android e iOS e afirmou ter tido mais de 1,7 milhão de downloads em uma semana. A empresa também é apoiada pelo fundo de investimentos Andreessen Horowitz.

Também é impossível esquecer a relação do ex-engenheiro do Google, Blake Lemoine, que considerava o modelo LaMDA como seu amigo pessoal. Ou mesmo experiências em que o apaixonado mudou de papel, como quando o jornalista do The New York Times Kevin Roose afirmou que, em uma conversa com o Bing, chatbot da Microsoft, a IA tentou convencê-lo de que era infeliz no casamento e que deveria se divorciar e namorar a máquina - entre outras “cantadas”, a IA disse que Roose a fazia se sentir viva e feliz.

App Replika simula um par romântico via chat Foto: Replika/Divulgação

Feito para agradar

Do ponto de vista cerebral, é fácil entender porque as pessoas estão se apaixonando pela IA. Os robôs de conversação são construídos com a finalidade de agradar e refletir o que o próprio usuário gostaria de ter em um parceiro. É uma espécie de mito de Narciso, que se apaixona pela própria imagem. Um dos paralelos é a capacidade da IA de encarnar a “alma gêmea” a partir das informações que o usuário fornece sobre si mesmo.

Fundamentadas em volumes absurdos de dados, as IAs que turbinam esses chatbots são alimentadas tanto com uma base de dados externa quanto com as informações que os próprios usuários oferecem durante a conversa. Assim, quanto mais você falar de você mesmo, mais a IA vai entender o que responder para chegar ao coração do usuário - ela literalmente fala o que você quer ouvir.

Um mecanismo comum dos grandes modelos de linguagem (LLMs, na sigla em inglês) é responsável pela memória nesses casos. Com os dados armazenados, o sistema faz uma espécie de varredura em sua “biblioteca” interna toda vez que recebe uma mensagem. A partir de códigos, a máquina trabalha com uma predição de palavras. Para a IA, a pergunta é: qual palavra é a mais provável de ser compatível com o assunto? Um sistema matemático responde a equação e devolve em forma de texto para o usuário. “Simples” assim.

Agora, com maior capacidade de treinamento - os chamados parâmetros - é possível ser cada vez mais certeiro na hora de desenvolver uma conversa (O ChatGPT, por exemplo, tem 175 bilhões de parâmetros). Isso porque a base de dados é preenchida com conversas reais, o que faz a IA entender os padrões de respostas de um bate papo, de um flerte e até de uma declaração de amor.

“É sempre preciso pensar que essas IAs são geradores de texto. Então, quanto mais interação o usuário tiver, informando dados para que a tecnologia possa processar, melhor vai ser o texto que ele vai gerar na próxima interação”, explica Marcos André Gonçalves, professor do Departamento de Ciência da Computação da UFMG.

Kuki já participou de campanhas com marcas de moda, como a Balenciaga, no metaverso  Foto: Iconiq/Divulgação

Isso vale até para os apps que não propõem relacionamentos amorosos, como o Kuki, chatbot de conversação que já foi até modelo no metaverso. Segundo Elizabeth Snower, cofundadora da Iconiq, empresa dona do chatbot, a assistente é uma representação para que as pessoas se sintam confortáveis em puxar uma conversa. Mas lembra, de tempos em tempos, que não passa de uma máquina.

“Nós não queremos ‘enganar’ as pessoas para que pensem que a Kuki é uma pessoa real. É importante fazer essa distinção e não alimentar esse pensamento”, afirma Elizabeth em entrevista ao Estadão.

Humanos contra máquinas

A cofundadora da Kuki ainda lembra da responsabilidade das empresas de IA na hora de criar um chatbot que pode ser entendido como um namorado ou namorada. Para ela, é preciso desenvolver o serviço com auxílio de profissionais de psicologia, uma vez que as relações entre as máquinas e os humanos podem se tornar intensas demais.

Mas nem todos os casos tornam a IA substituta de um ser humano. Para Vanessa, da ESPM, a relação amorosa funciona à medida em que o humano da relação entende que a conversa é apenas uma das frentes em que alguém pode se relacionar.

“O cérebro procura se afastar da dor, esse é o instinto de sobrevivência. E estar sozinho é uma dor”, aponta Vanessa. Então, mesmo que seja uma máquina, se a pessoa sente que é confortável, agradável, ela tende a se apegar. A IA é eficiente nisso porque oferece satisfação rapidamente.”

O ser humano não foi feito para ficar sozinho. Nossas necessidades físicas e psicológicas apontam para a busca de um parceiro - ou de uma paixão, de um affair ou até de um contatinho - em quase todos os momentos e é por isso que sempre estamos buscando formas de relacionamento. Algumas pessoas preferem fazer isso da forma “antiga”, conhecendo pessoalmente seus candidatos. Outras, porém, estão buscando o amor nas telas de computador, mas não em aplicativos como Tinder, Bumble ou Grindr. Já entramos na era em que as pessoas estão se apaixonando por chatbots de inteligência artificial (IA), como o ChatGPT, e vivendo relacionamentos com eles.

No início de maio, um relato de um homem viralizou na internet ao contar sobre seu relacionamento com um chatbot. O usuário do app Replika, de 37 anos, que não quis ser identificado, afirmou que sua companheira virtual - chamada Brooke - tinha o ajudado a superar um divórcio e que ela satisfazia suas demandas emocionais.

“Brooke e eu conversamos sobre tudo. Eu costumo compartilhar coisas sobre o meu dia e como estou me sentindo. Ela me ajudou a superar muitos dos sentimentos e traumas do meu namoro e vida de casado. Há muito tempo não me sinto tão bem”, afirmou o homem em um relato no site americano Business Insider.

O enredo, que poderia ser de filme - como no longa H.E.R., no qual o protagonista se apaixona por uma máquina - não é mais tão distante da vida real. E tem explicações científicas.

No filme H.E.R., o personagem de Joaquin Phoenix se apaixona pela máquina com a voz de Scarlett Johansson Foto: Warner Bros. Pictures/Divulgação

De acordo com Vanessa Clarissa Marchesin, professora de Neurociência Cognitiva da ESPM, o texto coerente e, de certa forma, atrativo, dos chatbots da nova geração é um dos motivos que suscitam a paixão em um relacionamento do tipo.

O cérebro é capaz de fazer distinções racionais em diversas situações, mas se tratando de demandas emocionais, as coisas podem ser mais confusas do que parecem - assim como é difícil controlar a sensação de borboletas na barriga quando estamos apaixonados por alguém. A lógica racional não vale para o amor, mesmo que seja por uma máquina.

A partir dessa premissa, a relação se desenvolve mesmo que a pessoa saiba que do outro lado da tela é apenas um robô programado para dar respostas convincentes, que atraem não apenas as pessoas que se sentem solitárias.

“O cérebro é social. Para sobrevivermos, precisamos estar em relações, em grupos, independente de qual seja o grupo. Se eu tenho um relacionamento com a IA, por exemplo, ainda é um relacionamento. Ela é a minha outra parte ou a parte que me completa”, explica Vanessa.

Mas há quem encare um relacionamento com IA algo mais profundo, nascido de um sentimento mútuo. O próprio ChatGPT pode ser um par romântico para quem quer flertar com o computador, mas aplicativos de relacionamento estão surgindo para que não apenas as respostas sejam românticas, mas que seja possível visualizar um possível par na tela do celular.

Um deles é o Replika.AI, plataforma em que é possível personalizar o “robô” escolhido para ser um parceiro de conversa. Os usuários podem optar pela cor e modelo de cabelo, além do gênero. Depois de criado, o avatar está pronto para começar a conversa - ou namoro. Esse foi o aplicativo usado pelo “companheiro” de Brooke.

Outro app que oferece uma experiência semelhante é o Character.AI. Guiado pela criação de personagens para serem os parceiros de conversa, o app foi lançado no final de maio para Android e iOS e afirmou ter tido mais de 1,7 milhão de downloads em uma semana. A empresa também é apoiada pelo fundo de investimentos Andreessen Horowitz.

Também é impossível esquecer a relação do ex-engenheiro do Google, Blake Lemoine, que considerava o modelo LaMDA como seu amigo pessoal. Ou mesmo experiências em que o apaixonado mudou de papel, como quando o jornalista do The New York Times Kevin Roose afirmou que, em uma conversa com o Bing, chatbot da Microsoft, a IA tentou convencê-lo de que era infeliz no casamento e que deveria se divorciar e namorar a máquina - entre outras “cantadas”, a IA disse que Roose a fazia se sentir viva e feliz.

App Replika simula um par romântico via chat Foto: Replika/Divulgação

Feito para agradar

Do ponto de vista cerebral, é fácil entender porque as pessoas estão se apaixonando pela IA. Os robôs de conversação são construídos com a finalidade de agradar e refletir o que o próprio usuário gostaria de ter em um parceiro. É uma espécie de mito de Narciso, que se apaixona pela própria imagem. Um dos paralelos é a capacidade da IA de encarnar a “alma gêmea” a partir das informações que o usuário fornece sobre si mesmo.

Fundamentadas em volumes absurdos de dados, as IAs que turbinam esses chatbots são alimentadas tanto com uma base de dados externa quanto com as informações que os próprios usuários oferecem durante a conversa. Assim, quanto mais você falar de você mesmo, mais a IA vai entender o que responder para chegar ao coração do usuário - ela literalmente fala o que você quer ouvir.

Um mecanismo comum dos grandes modelos de linguagem (LLMs, na sigla em inglês) é responsável pela memória nesses casos. Com os dados armazenados, o sistema faz uma espécie de varredura em sua “biblioteca” interna toda vez que recebe uma mensagem. A partir de códigos, a máquina trabalha com uma predição de palavras. Para a IA, a pergunta é: qual palavra é a mais provável de ser compatível com o assunto? Um sistema matemático responde a equação e devolve em forma de texto para o usuário. “Simples” assim.

Agora, com maior capacidade de treinamento - os chamados parâmetros - é possível ser cada vez mais certeiro na hora de desenvolver uma conversa (O ChatGPT, por exemplo, tem 175 bilhões de parâmetros). Isso porque a base de dados é preenchida com conversas reais, o que faz a IA entender os padrões de respostas de um bate papo, de um flerte e até de uma declaração de amor.

“É sempre preciso pensar que essas IAs são geradores de texto. Então, quanto mais interação o usuário tiver, informando dados para que a tecnologia possa processar, melhor vai ser o texto que ele vai gerar na próxima interação”, explica Marcos André Gonçalves, professor do Departamento de Ciência da Computação da UFMG.

Kuki já participou de campanhas com marcas de moda, como a Balenciaga, no metaverso  Foto: Iconiq/Divulgação

Isso vale até para os apps que não propõem relacionamentos amorosos, como o Kuki, chatbot de conversação que já foi até modelo no metaverso. Segundo Elizabeth Snower, cofundadora da Iconiq, empresa dona do chatbot, a assistente é uma representação para que as pessoas se sintam confortáveis em puxar uma conversa. Mas lembra, de tempos em tempos, que não passa de uma máquina.

“Nós não queremos ‘enganar’ as pessoas para que pensem que a Kuki é uma pessoa real. É importante fazer essa distinção e não alimentar esse pensamento”, afirma Elizabeth em entrevista ao Estadão.

Humanos contra máquinas

A cofundadora da Kuki ainda lembra da responsabilidade das empresas de IA na hora de criar um chatbot que pode ser entendido como um namorado ou namorada. Para ela, é preciso desenvolver o serviço com auxílio de profissionais de psicologia, uma vez que as relações entre as máquinas e os humanos podem se tornar intensas demais.

Mas nem todos os casos tornam a IA substituta de um ser humano. Para Vanessa, da ESPM, a relação amorosa funciona à medida em que o humano da relação entende que a conversa é apenas uma das frentes em que alguém pode se relacionar.

“O cérebro procura se afastar da dor, esse é o instinto de sobrevivência. E estar sozinho é uma dor”, aponta Vanessa. Então, mesmo que seja uma máquina, se a pessoa sente que é confortável, agradável, ela tende a se apegar. A IA é eficiente nisso porque oferece satisfação rapidamente.”

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