Há dois meses, com as tensões crescendo entre Estados Unidos e China, os principais executivos do TikTok se reuniram para decidir seus próximos passos. Vanessa Pappas, de 41 anos, estava preocupada. Líder dos negócios da empresa nos EUA desde 2018, ela sabia que estava prestes a entrar na confusão. O presidente Donald Trump ameaçava banir do país a TikTok por causa da sua proprietária chinesa, a ByteDance. Do outro lado, uma boa parte dos mais de 100 milhões de usuários do app nos EUA estava indignada.
Nas primeiras horas de 1º de agosto, Pappas gravou um vídeo de 59 segundos no seu escritório em Los Angeles para acalmar os criadores da plataforma e seus fãs. “Tivemos conhecimento do seu apoio efusivo e desejamos agradecer”, disse ela no vídeo que viralizou na hashtag #SaveTikTok. “Não estamos planejando ir para qualquer outro lugar”.
Ela agora vem repetindo essa mensagem, ao assumir uma função de responsabilidade ainda mais desafiadora.No mês passado, Kevin Mayer, que era o presidente executivo global do TikTok, deixou a empresa citando a situação política incerta. Pappas foi então nomeada diretora global interina da companhia, no momento em que o aplicativo se depara com um futuro ainda mais nebuloso – neste domingo, o app foi retirado das lojas de aplicativos de Google e Apple nos EUA, após fracassar em negociar com o governo americano uma solução para se manter no ar.
Numa recente entrevista pelo Zoom, feita a partir da sua casa, Pappas disse que as dificuldades do TikTok são algo “único” e descreveu o que é tentar abrir caminho num “momento problemático”. Mas não quis falar especificamente sobre as conversações envolvendo a venda do aplicativo e disse não estar envolvida nelas.
Por outro lado, afirmou que está focada no futuro do TikTok. E sobretudo, disse, ela está dobrando sua aposta e colocando a comunidade de criadores e usuários do TikTok – dos que postam vídeos de decoração de bolos aos que fazem break dance, em primeiro lugar.E acrescentou que tem conversado regularmente com o fundador e diretor executivo da ByteDance, Zhang Yiming, sobre todos esses assuntos.
Focada na sua comunidade, o TikTok formou em julho um Creator Fund. Avaliado em US$ 200 milhões, a iniciativa permite que os criadores possam faturar com suas criações e visualizações. Com a pandemia obrigando as pessoas a ficarem fechadas em casa num futuro previsível, Pappas disse que ela e sua equipe vêm trabalhando para tornar o aplicativo um local estimulante para visitar. No mês passado, a companhia lançou sua maior campanha de publicidade para todo o país, na TV e na mídia digital, dando destaque para mais de 30 criadores populares com o lema “It starts on TikTok”. “Criamos este produto para centenas de milhões de pessoas e não pretendemos mudar”, disse Pappas.
Satisfação
Mas manter a comunidade feliz num período tão turbulento pode ser difícil. Alguns criadores e fãs estão inquietos com as medidas de Trump contra o aplicativo. Desde a ordem executiva do presidente, em julho, as pessoas nos EUA instalaram o TikTok cerca de 6,5 milhões de vezes, uma queda em comparação com o ano passado, segundo a empresa de análise Sensor Tower.
Os concorrentes também se precipitaram. Em agosto, o Facebook lançou o Reels, um clone do TikTok dentro do Instagram. A rede social também distribuiu milhões de dólares para algumas das grandes estrelas do TikTok para atraí-las para o Reels. Pappas disse não estar preocupada com o Facebook e o Reels do Instagram. “Você consegue copiar um programa, mas não uma comunidade. Acho que é realmente difícil copiar”.
Para Tom Keiser, diretor executivo do Hootsuite, empresa de administração de redes sociais, o TikTok está certa em fazer dos usuários uma prioridade. “Eles precisam investir nesse pessoal. Há muitas coisas fora do seu controle, mas o seu crescimento futuro é baseado na possibilidade de os influencers e criadores continuarem a evoluir e crescer e se beneficiarem das novas capacidades que o TikTok vem desenvolvendo”.
Origens
Pappas trabalhou no mundo dos influenciadores online desde o início. Metade grega por nascimento, ela cresceu na Austrália. Mudou-se para Londres quando estava com 20 anos de idade e depois migrou para Nova York. Em 2007, ingressou na Next New Networks, empresa que ajudava criadores de vídeo na Internet a ganharem pelas suas atividades.
O YouTube comprou a Next New Networks em 2011. Pappas foi para o YouTube e rapidamente subiu na carreira. Foi a primeira líder de desenvolvimento de audiência do YouTube, função que a colocou em conexão com os produtores de conteúdo. Sua divisão no YouTube desenvolveu e popularizou o termo “criador” e ajudou a transformar o chamado “vlogging” num emprego em tempo integral.
Ela escreveu um livro, The YouTube Creator Playbook, sobre como os criadores podem lucrar financeiramente criando uma base de seguidores. Ela depois criou a Academia de Criadores do YouTube, um portal de conteúdo educacional que ensina os criadores como formar uma empresa no YouTube e um programa de certificação, em que aprendem sobre como lidar com os direitos autorais, além de questões legais e análise avançada de dados.
No final de 2018, ela foi para o TikTok para se tornar gerente geral e diretora para a América do Norte, sediada em Los Angeles. Na época, a companhia começava a expandir globalmente. Foi um novo desafio para Pappas, que disse que sempre quis estar na base do próximo grande movimento de criadores de conteúdo.
Ao contrário do Facebook ou do Twitter, disse ela, a TikTok não é totalmente dependente da figura social de uma pessoa ou de quantos amigos ela possui. O algoritmo do aplicativo, pelo contrário, emerge do conteúdo popular das pessoas com uma base de seguidores grande e pequena, mantendo os usuários mais tempo no aplicativo e retornando a ele com mais frequência.
“Qualquer um acha que pode ser um criador. Tenho amigos com apenas alguns seguidores que viralizaram”, disse Greg Justice, chefe de programação de conteúdo do aplicativo.
Justice que trabalha muito próximo de Pappas, afirmou que o estilo de liderança dela é impulsionado por dados e que com frequência ela pede informações para as pessoas para respaldar seus projetos e propostas, o que ajudou a empresa a evitar personalidades dominantes, e a política no ambiente de trabalho dita a maneira como ela é administrada, disse ele. “Ela democratizou o processo de tomadas de decisão e conduz a empresa no sentido de mais objetividade”. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO