No momento em que a indústria da tecnologia começou a lidar com a realidade de uma eleição presidencial que não trouxe o resultado esperado, muitos no Vale do Silício adotaram a ideia de que a disseminada desinformação espalhada online foi um dos principais fatores por trás do resultado da votação.
Tanto Google quanto Facebook alteraram suas políticas para proibir que sites que divulgam notícias falsas lucrem com mentiras. Apesar de tardia, provavelmente essa correção é válida. A internet afrouxou nossa compreensão coletiva sobre a verdade e vale a pena adotar iniciativas para combater isso.
Porém, seria um equívoco finalizar essa investigação nas notícias falsas. Na verdade, os perigos trazidos por elas são um sintoma de uma verdade profunda que agora se torna clara para o mundo: com bilhões de pessoas grudadas nas redes sociais, tais serviços se tornam uma força política cada vez mais poderosa, a ponto de seus efeitos começarem a alterar o curso dos eventos globais.
A eleição de Donald Trump talvez seja o exemplo mais claro de que, em todo o mundo, as redes sociais estão ajudando a dar novo formato à sociedade. Elas subordinaram a imprensa tradicional. Elas desfizeram as vantagens políticas tradicionais, como arrecadação de fundos e acesso à publicidade. E estão desestabilizando instituições antigas, como partidos políticos e organizações transnacionais.
Como esses serviços permitem que as pessoas se comuniquem livremente, estão ajudando a criar organizações sociais de influência surpreendente entre grupos antes marginalizados. Esses movimentos sociais específicos variam muito em sua forma, desde supremacistas brancos nos EUA até os coletivos de hackers na Europa Oriental.
Cada um a seu jeito, eles agora exercem um poder anteriormente impensável, resultando em espasmos geopolíticos imprevisíveis e, às vezes, desestabilizadores.
“Existem bilhões de pessoas na internet e a maioria delas não está feliz com a situação. Elas acham que o governo local é autoritário ou que estão no lado errado do sistema”, afirma Ian Bremmer, presidente do Eurasia Group, empresa de pesquisa que prevê riscos globais.
Segundo Bremmer, no passado, as opiniões dos apoiadores de Trump poderiam ter sido ignoradas e, com isso, sua candidatura teria afundado. Afinal, ele era descartado pelos grandes gurus e tinha desvantagens em recursos, organização e experiência política. Mas, ao divulgar uma mensagem que repercutia na internet, Trump superou a ordem estabelecida. “Se não fosse pelas redes sociais, Trump não venceria”, diz Bremmer. O próprio presidente eleito já admitiu isso.
Para as pessoas que gostam de um mundo previsível, esse é o fato assustador: que o alcance de uma rede social lhe dá poder real para mudar a história de formas imprevisíveis.
Mas é nessa situação em que nos encontramos. É hora de reconhecer que as redes sociais estão virando as forças esmagadoras. Isso vale para o Brexit ou para a eleição do presidente das Filipinas. Para arregimentar terroristas para o Estado Islâmico e para inflar a candidatura de Trump. Por que tudo isso está ocorrendo? Clay Shirky, professor da New York University que estuda os efeitos das redes sociais, sugeriu explicações.
Onipresença. Uma delas é o fato de que quase um quarto da população mundial – 1,8 bilhão de pessoas, para ser exato – está no Facebook todos os meses. Como as redes sociais se alimentam de várias permutas de interações entre as pessoas, elas se tornam visivelmente mais poderosas à medida que crescem. “É no momento em que a tecnologia fica chata que os efeitos sociais malucos se tornam interessantes”, diz Shirky.
Desde o começo dos anos 1980 até um passado muito recente, parecia insensato para os políticos cortejarem visões fora da cultura predominante, como expressões racistas. Mas a internet mudou isso. “Todo mundo que estava sentado no porão gritando para a TV sobre imigrantes não sabia quantas pessoas tinham a mesma visão”, afirma o professor.
Graças à rede, agora cada pessoa com visões antes consideradas malignas pode ver que não está sozinha. E, quando elas se encontram, podem fazer coisas que incentivam suas perspectivas e depois invadem a cultura geral. Os grupos também se tornam alvos prontos para figuras políticas como Trump, que reconhecem sua energia e entusiasmo, tirando proveito deles para vencer no mundo real. “Sem dúvida, teremos mais candidatos insurgentes e efeitos sociais malucos”, diz Shirky.
Trump é só a ponta do iceberg. Prepare-se para tempos interessantes.