Sabe o que é feed zero? Entenda por que a geração Z parou de postar fotos nas redes sociais


Para jovens nascidos entre 1995 e 2010 publicar imagens é coisa do passado

Por Mariana Cury
Atualização:

Uma dos comportamentos mais comuns em redes sociais é postar fotos - foi assim que nasceram termos como “selfie” (autorretrato) e “biscoito” (foto que busca elogios). Mas a geração Z está começando a mudar isso. Os jovens nascidos entre 1995 e 2010 estão desenvolvendo aversão a publicar fotos, uma tendência conhecida como “feed zero”.

Entre os millennials (nascidos entre 1982 até 1994), as fotos são parte da cultura digital: Fotolog, Orkut, Facebook e Instagram estão entre os serviços que tinham imagens como parte importante da experiência. Mas algo mudou na geração seguinte, que relata baixa autoestima, perfeccionismo estético, vergonha e até preguiça, como justificativas para passar em branco nas plataformas atuais.

Rafaela Paredes é mais uma jovem que é adepta da tendência do "feed zero" Foto: Tiago Queiroz/Tiago Queiroz/Estadão
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Existe também a aversão a super exposição. A Gen Z é considerada a primeira geração de ‘nativos digitais’, ou seja, em sua maioria, não tiveram que aprender a lidar com as redes sociais, já que as principais plataformas foram criadas ao passo que cresciam. A presença excessiva dessas ferramentas pode estar contribuindo para um comportamento mais discreto.

“Eu acredito que o principal ponto que me faz não querer postar nas redes sociais é a sensação de uma exposição muito grande. Meu Instagram nunca foi como o de algumas pessoas em que só são aceitas pessoas bem próximas. Sempre aceitei muitas pessoas, mesmo com o perfil privado, e não necessariamente pessoas super próximas. Sinto que isso acaba me privando um pouco de postar, por vergonha ou receio de estar me expondo para quem que não tenho um contato íntimo”, conta Rafaela Paredes. A estudante de 20 anos não tem nenhuma publicação em seu perfil do Instagram.

Em entrevista à rádio americana NPR, Kim Garcia, gerente de estratégia e pesquisa cultural da Meta, comentou sobre o comportamento da geração Z.

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“Eles têm uma aversão sobre deixar ‘pegadas digitais’. Crescer em uma era em que tudo é tão público não dá a mesma liberdade de poder ser ‘esquisito’ ou se descobrir na internet, como a geração mais velha, os millenials, tiveram. Estamos vivendo uma saturação das redes”.

Alexandre Inagaki, consultor em redes sociais, lembra também que há uma maior consciência sobre o impacto negativo causado pela exposição nas redes. “Podemos falar desde cyberbullying até a ansiedade causada pela necessidade de validação de terceiros por meio de likes e comentários”, explica.

João Pedro Sena, 19, conta que não compartilha absolutamente nada nas redes sociais, apesar de ter perfil ativo na maioria das plataformas. Seu último story foi há mais de um ano. O jovem usa a mesma foto de perfil em todas as contas.

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Apesar de ser usuário da maioria das redes sociais, João Pedro também não publica fotos Foto: Tiago Queiroz/Tiago Queiroz/Estadão

“Eu sempre pensei que se eu fosse postar, seria alguma coisa que gostaria de compartilhar e não porque outras pessoas iriam querer ver. Se eu tiro alguma foto não preciso mostrar no Instagram, só deixo salvo na minha galeria’, explica.

Problemas com autoestima

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De acordo com uma pesquisa, realizada em 2023 pelo Panorama de Saúde Mental, jovens brasileiros de 10 a 24 anos apresentam baixos índices de autoestima.

Na pesquisa, 78% dos entrevistados relataram ter se sentido ‘feios ou pouco atraentes’ uma vez nas duas semanas que antecederam o estudo. Desses, 73% também relataram se sentir ‘pouco inteligentes’ e ainda, 45% afirmaram não ter saído com amigos no período.

Rafael Fabrizio, 18, que também não tem nenhuma foto publicada em seu perfil do Instagram, cita a pressão estética como um dos motivos do feed zero.

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“Hoje em dia postar uma foto é um processo intenso. Tem que tirar, escolher, editar e eu não gosto de tirar fotos minhas. Além de preguiça, acho que tem uma certa pressão estética envolvida, também”.

“Se eu publicasse fotos no feed que ficassem lá, permanentemente, gostaria que fossem fotos visualmente bonitas, não qualquer uma, o que dá trabalho, por isso, prefiro não postar nada”, explica Rafaela.

Antonio Gelfusa Jr., especialista em redes sociais, diz que mesmo quando esses jovens publicam fotos, é de uma forma quase misteriosa, escondendo partes do rosto.

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“Um fator natural dessa movimentação é a transição da adolescência, quando o corpo está mudando muito. O que observamos são fotos escondendo o rosto, sorriso e outras partes do corpo. A autoestima ainda está em construção nessa fase, isso influencia”.

Impactos da pandemia

Parte do que levou ao feed zero também é resultado da pandemia, pois a geração Z teve um período da adolescência travado pelo isolamento social. Ao trocar a escola pelo sistema EAD, festas por confraternizações por chamada de vídeo e exercícios em grupo por aulas pelo YouTube, todas as distrações daquele período estavam presas no mundo virtual. Isso levou a certa aversão por uma vida 100% conectada. Além disso, naquele período, a cultura do cancelamento - em que não era possível errar - estava no seu auge.

Inagaki explica que esse momento pós-pandêmico pode ser considerado uma ‘ressaca digital’. “Não podemos ignorar o peso da cultura do cancelamento. Em meio a tantas pressões já naturais da idade, o medo de ser julgado e condenado por alguma foto, vídeo ou opinião postada é outro motivo nada desprezível para que a geração Z opte por manter sua vida online restrita”, diz ele.

Cansados do ‘Instagramável’?

Por fim, a movimentação da gen z pode estar atrelada ao fim do conceito de “Instagramável”, ou seja, do desejo de querer mostrar uma vida perfeita, e, muitas vezes, falsa, o que seria um passo positivo ao combate aos danos à saúde mental.

Inagaki observou a tendência do feed zero como uma busca pela volta da autenticidade perdida quando todos são ‘iguais’ nas redes sociais.

“Representa uma reação à fadiga catalisada por timelines repletas de fotos ‘perfeitas’ retratando momentos ‘perfeitos’ que todos já intuem que não existem. Tendências recentes como a onda das ‘ugly selfies’ refletiram nas redes a vontade de resgatar uma autenticidade que se perdeu. Nada soa mais legal do que só atualizar as redes sociais se e quando desejar”, explica ele.

“Não postei nenhuma foto minha nas últimas duas viagens que fiz, só de paisagem. Parece até que é fake”, brinca Fabrizio.

Sena concorda que os jovens tem se cansado dessa vida virtual perfeita. “Acho que as pessoas estão postando mais o que se sentem bem. Acho que essa pressão de tentar parecer um influencer, a todo momento, está passando”, comentou.

Se não no feed, onde?

Claro, a geração Z continua conectada, mas de uma forma diferente.

Contas secundárias, conhecidas como ‘dix’, ‘spam’, ‘zuado’, ‘daily’, ou ‘privado’, são uma forma mais íntima que possuem de estar em contato com sua comunidade. Em geral, nessas contas privadas, eles só aceitam amigos próximos, quem realmente faz parte do dia a dia. Dentro dessa seleção de pessoas, há mais um filtro, o recurso dos melhores amigos do Instagram, que permite publicações nos stories e no feed para seguidores ainda mais selecionados.

“Eu quase não uso meu perfil pessoal, só o ‘privado’ e nem lá eu posto, uso mais os melhores amigos, mesmo”, comentou Fabrizio.

Rafaela também compartilhou a mesma sensação de seletividade.

“Na minha faixa etária esses tipos de contas são bem fortes, e ter uma, apenas com pessoas próximas e escolhidas, cuidadosamente, por mim, me faz querer compartilhar a vida apenas por lá”.

Rafaela se sente mais confortável online quando pode selecionar quem está vendo suas publicações Foto: Tiago Queiroz/Tiago Queiroz/Estadão

Isso, claro, forçou mudanças também no Instagram. Também à NPR, o CEO do Instagram, Adam Mosseri, admitiu a ‘queda’ do uso do feed e disse que o aplicativo está investindo mais nos recursos das DMs que, juntamente com os stories, foram as áreas da rede social que tiveram mais crescimento.

“Os adolescentes passam muito mais tempo nas DMs do que passam nos stories, e ficam muito mais tempo nos stories do que ficam no feed”, disse Mosseri.

Ao Estadão, Kim Garcia, da Meta, comenta que a plataforma acompanha o comportamento de seus usuários.

“Queremos poder acompanhar a nossa comunidade de acordo com o seu momento atual e, por isso, estamos sempre melhorando os recursos para os quais os nossos usuários vão se direcionando — como os stories, as notas e as DMs, para tornar mais fácil e divertido se conectar com amigos. E estamos focados em tirar a pressão do compartilhamento no Instagram — por exemplo, recentemente lançamos a ferramenta de ‘melhores amigo’s para o feed, que permite que você compartilhe postagens para grupos menores de amigos, assim pode ter mais controle sobre quem vê o seu conteúdo”.

“O uso de meios mais fechados permite uma comunicação mais despreocupada e sincera, sem medo de julgamentos por causa de uma opinião ou de uma foto que não esteja produzida”, explicou Inagaki.

Uma dos comportamentos mais comuns em redes sociais é postar fotos - foi assim que nasceram termos como “selfie” (autorretrato) e “biscoito” (foto que busca elogios). Mas a geração Z está começando a mudar isso. Os jovens nascidos entre 1995 e 2010 estão desenvolvendo aversão a publicar fotos, uma tendência conhecida como “feed zero”.

Entre os millennials (nascidos entre 1982 até 1994), as fotos são parte da cultura digital: Fotolog, Orkut, Facebook e Instagram estão entre os serviços que tinham imagens como parte importante da experiência. Mas algo mudou na geração seguinte, que relata baixa autoestima, perfeccionismo estético, vergonha e até preguiça, como justificativas para passar em branco nas plataformas atuais.

Rafaela Paredes é mais uma jovem que é adepta da tendência do "feed zero" Foto: Tiago Queiroz/Tiago Queiroz/Estadão

Existe também a aversão a super exposição. A Gen Z é considerada a primeira geração de ‘nativos digitais’, ou seja, em sua maioria, não tiveram que aprender a lidar com as redes sociais, já que as principais plataformas foram criadas ao passo que cresciam. A presença excessiva dessas ferramentas pode estar contribuindo para um comportamento mais discreto.

“Eu acredito que o principal ponto que me faz não querer postar nas redes sociais é a sensação de uma exposição muito grande. Meu Instagram nunca foi como o de algumas pessoas em que só são aceitas pessoas bem próximas. Sempre aceitei muitas pessoas, mesmo com o perfil privado, e não necessariamente pessoas super próximas. Sinto que isso acaba me privando um pouco de postar, por vergonha ou receio de estar me expondo para quem que não tenho um contato íntimo”, conta Rafaela Paredes. A estudante de 20 anos não tem nenhuma publicação em seu perfil do Instagram.

Em entrevista à rádio americana NPR, Kim Garcia, gerente de estratégia e pesquisa cultural da Meta, comentou sobre o comportamento da geração Z.

“Eles têm uma aversão sobre deixar ‘pegadas digitais’. Crescer em uma era em que tudo é tão público não dá a mesma liberdade de poder ser ‘esquisito’ ou se descobrir na internet, como a geração mais velha, os millenials, tiveram. Estamos vivendo uma saturação das redes”.

Alexandre Inagaki, consultor em redes sociais, lembra também que há uma maior consciência sobre o impacto negativo causado pela exposição nas redes. “Podemos falar desde cyberbullying até a ansiedade causada pela necessidade de validação de terceiros por meio de likes e comentários”, explica.

João Pedro Sena, 19, conta que não compartilha absolutamente nada nas redes sociais, apesar de ter perfil ativo na maioria das plataformas. Seu último story foi há mais de um ano. O jovem usa a mesma foto de perfil em todas as contas.

Apesar de ser usuário da maioria das redes sociais, João Pedro também não publica fotos Foto: Tiago Queiroz/Tiago Queiroz/Estadão

“Eu sempre pensei que se eu fosse postar, seria alguma coisa que gostaria de compartilhar e não porque outras pessoas iriam querer ver. Se eu tiro alguma foto não preciso mostrar no Instagram, só deixo salvo na minha galeria’, explica.

Problemas com autoestima

De acordo com uma pesquisa, realizada em 2023 pelo Panorama de Saúde Mental, jovens brasileiros de 10 a 24 anos apresentam baixos índices de autoestima.

Na pesquisa, 78% dos entrevistados relataram ter se sentido ‘feios ou pouco atraentes’ uma vez nas duas semanas que antecederam o estudo. Desses, 73% também relataram se sentir ‘pouco inteligentes’ e ainda, 45% afirmaram não ter saído com amigos no período.

Rafael Fabrizio, 18, que também não tem nenhuma foto publicada em seu perfil do Instagram, cita a pressão estética como um dos motivos do feed zero.

“Hoje em dia postar uma foto é um processo intenso. Tem que tirar, escolher, editar e eu não gosto de tirar fotos minhas. Além de preguiça, acho que tem uma certa pressão estética envolvida, também”.

“Se eu publicasse fotos no feed que ficassem lá, permanentemente, gostaria que fossem fotos visualmente bonitas, não qualquer uma, o que dá trabalho, por isso, prefiro não postar nada”, explica Rafaela.

Antonio Gelfusa Jr., especialista em redes sociais, diz que mesmo quando esses jovens publicam fotos, é de uma forma quase misteriosa, escondendo partes do rosto.

“Um fator natural dessa movimentação é a transição da adolescência, quando o corpo está mudando muito. O que observamos são fotos escondendo o rosto, sorriso e outras partes do corpo. A autoestima ainda está em construção nessa fase, isso influencia”.

Impactos da pandemia

Parte do que levou ao feed zero também é resultado da pandemia, pois a geração Z teve um período da adolescência travado pelo isolamento social. Ao trocar a escola pelo sistema EAD, festas por confraternizações por chamada de vídeo e exercícios em grupo por aulas pelo YouTube, todas as distrações daquele período estavam presas no mundo virtual. Isso levou a certa aversão por uma vida 100% conectada. Além disso, naquele período, a cultura do cancelamento - em que não era possível errar - estava no seu auge.

Inagaki explica que esse momento pós-pandêmico pode ser considerado uma ‘ressaca digital’. “Não podemos ignorar o peso da cultura do cancelamento. Em meio a tantas pressões já naturais da idade, o medo de ser julgado e condenado por alguma foto, vídeo ou opinião postada é outro motivo nada desprezível para que a geração Z opte por manter sua vida online restrita”, diz ele.

Cansados do ‘Instagramável’?

Por fim, a movimentação da gen z pode estar atrelada ao fim do conceito de “Instagramável”, ou seja, do desejo de querer mostrar uma vida perfeita, e, muitas vezes, falsa, o que seria um passo positivo ao combate aos danos à saúde mental.

Inagaki observou a tendência do feed zero como uma busca pela volta da autenticidade perdida quando todos são ‘iguais’ nas redes sociais.

“Representa uma reação à fadiga catalisada por timelines repletas de fotos ‘perfeitas’ retratando momentos ‘perfeitos’ que todos já intuem que não existem. Tendências recentes como a onda das ‘ugly selfies’ refletiram nas redes a vontade de resgatar uma autenticidade que se perdeu. Nada soa mais legal do que só atualizar as redes sociais se e quando desejar”, explica ele.

“Não postei nenhuma foto minha nas últimas duas viagens que fiz, só de paisagem. Parece até que é fake”, brinca Fabrizio.

Sena concorda que os jovens tem se cansado dessa vida virtual perfeita. “Acho que as pessoas estão postando mais o que se sentem bem. Acho que essa pressão de tentar parecer um influencer, a todo momento, está passando”, comentou.

Se não no feed, onde?

Claro, a geração Z continua conectada, mas de uma forma diferente.

Contas secundárias, conhecidas como ‘dix’, ‘spam’, ‘zuado’, ‘daily’, ou ‘privado’, são uma forma mais íntima que possuem de estar em contato com sua comunidade. Em geral, nessas contas privadas, eles só aceitam amigos próximos, quem realmente faz parte do dia a dia. Dentro dessa seleção de pessoas, há mais um filtro, o recurso dos melhores amigos do Instagram, que permite publicações nos stories e no feed para seguidores ainda mais selecionados.

“Eu quase não uso meu perfil pessoal, só o ‘privado’ e nem lá eu posto, uso mais os melhores amigos, mesmo”, comentou Fabrizio.

Rafaela também compartilhou a mesma sensação de seletividade.

“Na minha faixa etária esses tipos de contas são bem fortes, e ter uma, apenas com pessoas próximas e escolhidas, cuidadosamente, por mim, me faz querer compartilhar a vida apenas por lá”.

Rafaela se sente mais confortável online quando pode selecionar quem está vendo suas publicações Foto: Tiago Queiroz/Tiago Queiroz/Estadão

Isso, claro, forçou mudanças também no Instagram. Também à NPR, o CEO do Instagram, Adam Mosseri, admitiu a ‘queda’ do uso do feed e disse que o aplicativo está investindo mais nos recursos das DMs que, juntamente com os stories, foram as áreas da rede social que tiveram mais crescimento.

“Os adolescentes passam muito mais tempo nas DMs do que passam nos stories, e ficam muito mais tempo nos stories do que ficam no feed”, disse Mosseri.

Ao Estadão, Kim Garcia, da Meta, comenta que a plataforma acompanha o comportamento de seus usuários.

“Queremos poder acompanhar a nossa comunidade de acordo com o seu momento atual e, por isso, estamos sempre melhorando os recursos para os quais os nossos usuários vão se direcionando — como os stories, as notas e as DMs, para tornar mais fácil e divertido se conectar com amigos. E estamos focados em tirar a pressão do compartilhamento no Instagram — por exemplo, recentemente lançamos a ferramenta de ‘melhores amigo’s para o feed, que permite que você compartilhe postagens para grupos menores de amigos, assim pode ter mais controle sobre quem vê o seu conteúdo”.

“O uso de meios mais fechados permite uma comunicação mais despreocupada e sincera, sem medo de julgamentos por causa de uma opinião ou de uma foto que não esteja produzida”, explicou Inagaki.

Uma dos comportamentos mais comuns em redes sociais é postar fotos - foi assim que nasceram termos como “selfie” (autorretrato) e “biscoito” (foto que busca elogios). Mas a geração Z está começando a mudar isso. Os jovens nascidos entre 1995 e 2010 estão desenvolvendo aversão a publicar fotos, uma tendência conhecida como “feed zero”.

Entre os millennials (nascidos entre 1982 até 1994), as fotos são parte da cultura digital: Fotolog, Orkut, Facebook e Instagram estão entre os serviços que tinham imagens como parte importante da experiência. Mas algo mudou na geração seguinte, que relata baixa autoestima, perfeccionismo estético, vergonha e até preguiça, como justificativas para passar em branco nas plataformas atuais.

Rafaela Paredes é mais uma jovem que é adepta da tendência do "feed zero" Foto: Tiago Queiroz/Tiago Queiroz/Estadão

Existe também a aversão a super exposição. A Gen Z é considerada a primeira geração de ‘nativos digitais’, ou seja, em sua maioria, não tiveram que aprender a lidar com as redes sociais, já que as principais plataformas foram criadas ao passo que cresciam. A presença excessiva dessas ferramentas pode estar contribuindo para um comportamento mais discreto.

“Eu acredito que o principal ponto que me faz não querer postar nas redes sociais é a sensação de uma exposição muito grande. Meu Instagram nunca foi como o de algumas pessoas em que só são aceitas pessoas bem próximas. Sempre aceitei muitas pessoas, mesmo com o perfil privado, e não necessariamente pessoas super próximas. Sinto que isso acaba me privando um pouco de postar, por vergonha ou receio de estar me expondo para quem que não tenho um contato íntimo”, conta Rafaela Paredes. A estudante de 20 anos não tem nenhuma publicação em seu perfil do Instagram.

Em entrevista à rádio americana NPR, Kim Garcia, gerente de estratégia e pesquisa cultural da Meta, comentou sobre o comportamento da geração Z.

“Eles têm uma aversão sobre deixar ‘pegadas digitais’. Crescer em uma era em que tudo é tão público não dá a mesma liberdade de poder ser ‘esquisito’ ou se descobrir na internet, como a geração mais velha, os millenials, tiveram. Estamos vivendo uma saturação das redes”.

Alexandre Inagaki, consultor em redes sociais, lembra também que há uma maior consciência sobre o impacto negativo causado pela exposição nas redes. “Podemos falar desde cyberbullying até a ansiedade causada pela necessidade de validação de terceiros por meio de likes e comentários”, explica.

João Pedro Sena, 19, conta que não compartilha absolutamente nada nas redes sociais, apesar de ter perfil ativo na maioria das plataformas. Seu último story foi há mais de um ano. O jovem usa a mesma foto de perfil em todas as contas.

Apesar de ser usuário da maioria das redes sociais, João Pedro também não publica fotos Foto: Tiago Queiroz/Tiago Queiroz/Estadão

“Eu sempre pensei que se eu fosse postar, seria alguma coisa que gostaria de compartilhar e não porque outras pessoas iriam querer ver. Se eu tiro alguma foto não preciso mostrar no Instagram, só deixo salvo na minha galeria’, explica.

Problemas com autoestima

De acordo com uma pesquisa, realizada em 2023 pelo Panorama de Saúde Mental, jovens brasileiros de 10 a 24 anos apresentam baixos índices de autoestima.

Na pesquisa, 78% dos entrevistados relataram ter se sentido ‘feios ou pouco atraentes’ uma vez nas duas semanas que antecederam o estudo. Desses, 73% também relataram se sentir ‘pouco inteligentes’ e ainda, 45% afirmaram não ter saído com amigos no período.

Rafael Fabrizio, 18, que também não tem nenhuma foto publicada em seu perfil do Instagram, cita a pressão estética como um dos motivos do feed zero.

“Hoje em dia postar uma foto é um processo intenso. Tem que tirar, escolher, editar e eu não gosto de tirar fotos minhas. Além de preguiça, acho que tem uma certa pressão estética envolvida, também”.

“Se eu publicasse fotos no feed que ficassem lá, permanentemente, gostaria que fossem fotos visualmente bonitas, não qualquer uma, o que dá trabalho, por isso, prefiro não postar nada”, explica Rafaela.

Antonio Gelfusa Jr., especialista em redes sociais, diz que mesmo quando esses jovens publicam fotos, é de uma forma quase misteriosa, escondendo partes do rosto.

“Um fator natural dessa movimentação é a transição da adolescência, quando o corpo está mudando muito. O que observamos são fotos escondendo o rosto, sorriso e outras partes do corpo. A autoestima ainda está em construção nessa fase, isso influencia”.

Impactos da pandemia

Parte do que levou ao feed zero também é resultado da pandemia, pois a geração Z teve um período da adolescência travado pelo isolamento social. Ao trocar a escola pelo sistema EAD, festas por confraternizações por chamada de vídeo e exercícios em grupo por aulas pelo YouTube, todas as distrações daquele período estavam presas no mundo virtual. Isso levou a certa aversão por uma vida 100% conectada. Além disso, naquele período, a cultura do cancelamento - em que não era possível errar - estava no seu auge.

Inagaki explica que esse momento pós-pandêmico pode ser considerado uma ‘ressaca digital’. “Não podemos ignorar o peso da cultura do cancelamento. Em meio a tantas pressões já naturais da idade, o medo de ser julgado e condenado por alguma foto, vídeo ou opinião postada é outro motivo nada desprezível para que a geração Z opte por manter sua vida online restrita”, diz ele.

Cansados do ‘Instagramável’?

Por fim, a movimentação da gen z pode estar atrelada ao fim do conceito de “Instagramável”, ou seja, do desejo de querer mostrar uma vida perfeita, e, muitas vezes, falsa, o que seria um passo positivo ao combate aos danos à saúde mental.

Inagaki observou a tendência do feed zero como uma busca pela volta da autenticidade perdida quando todos são ‘iguais’ nas redes sociais.

“Representa uma reação à fadiga catalisada por timelines repletas de fotos ‘perfeitas’ retratando momentos ‘perfeitos’ que todos já intuem que não existem. Tendências recentes como a onda das ‘ugly selfies’ refletiram nas redes a vontade de resgatar uma autenticidade que se perdeu. Nada soa mais legal do que só atualizar as redes sociais se e quando desejar”, explica ele.

“Não postei nenhuma foto minha nas últimas duas viagens que fiz, só de paisagem. Parece até que é fake”, brinca Fabrizio.

Sena concorda que os jovens tem se cansado dessa vida virtual perfeita. “Acho que as pessoas estão postando mais o que se sentem bem. Acho que essa pressão de tentar parecer um influencer, a todo momento, está passando”, comentou.

Se não no feed, onde?

Claro, a geração Z continua conectada, mas de uma forma diferente.

Contas secundárias, conhecidas como ‘dix’, ‘spam’, ‘zuado’, ‘daily’, ou ‘privado’, são uma forma mais íntima que possuem de estar em contato com sua comunidade. Em geral, nessas contas privadas, eles só aceitam amigos próximos, quem realmente faz parte do dia a dia. Dentro dessa seleção de pessoas, há mais um filtro, o recurso dos melhores amigos do Instagram, que permite publicações nos stories e no feed para seguidores ainda mais selecionados.

“Eu quase não uso meu perfil pessoal, só o ‘privado’ e nem lá eu posto, uso mais os melhores amigos, mesmo”, comentou Fabrizio.

Rafaela também compartilhou a mesma sensação de seletividade.

“Na minha faixa etária esses tipos de contas são bem fortes, e ter uma, apenas com pessoas próximas e escolhidas, cuidadosamente, por mim, me faz querer compartilhar a vida apenas por lá”.

Rafaela se sente mais confortável online quando pode selecionar quem está vendo suas publicações Foto: Tiago Queiroz/Tiago Queiroz/Estadão

Isso, claro, forçou mudanças também no Instagram. Também à NPR, o CEO do Instagram, Adam Mosseri, admitiu a ‘queda’ do uso do feed e disse que o aplicativo está investindo mais nos recursos das DMs que, juntamente com os stories, foram as áreas da rede social que tiveram mais crescimento.

“Os adolescentes passam muito mais tempo nas DMs do que passam nos stories, e ficam muito mais tempo nos stories do que ficam no feed”, disse Mosseri.

Ao Estadão, Kim Garcia, da Meta, comenta que a plataforma acompanha o comportamento de seus usuários.

“Queremos poder acompanhar a nossa comunidade de acordo com o seu momento atual e, por isso, estamos sempre melhorando os recursos para os quais os nossos usuários vão se direcionando — como os stories, as notas e as DMs, para tornar mais fácil e divertido se conectar com amigos. E estamos focados em tirar a pressão do compartilhamento no Instagram — por exemplo, recentemente lançamos a ferramenta de ‘melhores amigo’s para o feed, que permite que você compartilhe postagens para grupos menores de amigos, assim pode ter mais controle sobre quem vê o seu conteúdo”.

“O uso de meios mais fechados permite uma comunicação mais despreocupada e sincera, sem medo de julgamentos por causa de uma opinião ou de uma foto que não esteja produzida”, explicou Inagaki.

Uma dos comportamentos mais comuns em redes sociais é postar fotos - foi assim que nasceram termos como “selfie” (autorretrato) e “biscoito” (foto que busca elogios). Mas a geração Z está começando a mudar isso. Os jovens nascidos entre 1995 e 2010 estão desenvolvendo aversão a publicar fotos, uma tendência conhecida como “feed zero”.

Entre os millennials (nascidos entre 1982 até 1994), as fotos são parte da cultura digital: Fotolog, Orkut, Facebook e Instagram estão entre os serviços que tinham imagens como parte importante da experiência. Mas algo mudou na geração seguinte, que relata baixa autoestima, perfeccionismo estético, vergonha e até preguiça, como justificativas para passar em branco nas plataformas atuais.

Rafaela Paredes é mais uma jovem que é adepta da tendência do "feed zero" Foto: Tiago Queiroz/Tiago Queiroz/Estadão

Existe também a aversão a super exposição. A Gen Z é considerada a primeira geração de ‘nativos digitais’, ou seja, em sua maioria, não tiveram que aprender a lidar com as redes sociais, já que as principais plataformas foram criadas ao passo que cresciam. A presença excessiva dessas ferramentas pode estar contribuindo para um comportamento mais discreto.

“Eu acredito que o principal ponto que me faz não querer postar nas redes sociais é a sensação de uma exposição muito grande. Meu Instagram nunca foi como o de algumas pessoas em que só são aceitas pessoas bem próximas. Sempre aceitei muitas pessoas, mesmo com o perfil privado, e não necessariamente pessoas super próximas. Sinto que isso acaba me privando um pouco de postar, por vergonha ou receio de estar me expondo para quem que não tenho um contato íntimo”, conta Rafaela Paredes. A estudante de 20 anos não tem nenhuma publicação em seu perfil do Instagram.

Em entrevista à rádio americana NPR, Kim Garcia, gerente de estratégia e pesquisa cultural da Meta, comentou sobre o comportamento da geração Z.

“Eles têm uma aversão sobre deixar ‘pegadas digitais’. Crescer em uma era em que tudo é tão público não dá a mesma liberdade de poder ser ‘esquisito’ ou se descobrir na internet, como a geração mais velha, os millenials, tiveram. Estamos vivendo uma saturação das redes”.

Alexandre Inagaki, consultor em redes sociais, lembra também que há uma maior consciência sobre o impacto negativo causado pela exposição nas redes. “Podemos falar desde cyberbullying até a ansiedade causada pela necessidade de validação de terceiros por meio de likes e comentários”, explica.

João Pedro Sena, 19, conta que não compartilha absolutamente nada nas redes sociais, apesar de ter perfil ativo na maioria das plataformas. Seu último story foi há mais de um ano. O jovem usa a mesma foto de perfil em todas as contas.

Apesar de ser usuário da maioria das redes sociais, João Pedro também não publica fotos Foto: Tiago Queiroz/Tiago Queiroz/Estadão

“Eu sempre pensei que se eu fosse postar, seria alguma coisa que gostaria de compartilhar e não porque outras pessoas iriam querer ver. Se eu tiro alguma foto não preciso mostrar no Instagram, só deixo salvo na minha galeria’, explica.

Problemas com autoestima

De acordo com uma pesquisa, realizada em 2023 pelo Panorama de Saúde Mental, jovens brasileiros de 10 a 24 anos apresentam baixos índices de autoestima.

Na pesquisa, 78% dos entrevistados relataram ter se sentido ‘feios ou pouco atraentes’ uma vez nas duas semanas que antecederam o estudo. Desses, 73% também relataram se sentir ‘pouco inteligentes’ e ainda, 45% afirmaram não ter saído com amigos no período.

Rafael Fabrizio, 18, que também não tem nenhuma foto publicada em seu perfil do Instagram, cita a pressão estética como um dos motivos do feed zero.

“Hoje em dia postar uma foto é um processo intenso. Tem que tirar, escolher, editar e eu não gosto de tirar fotos minhas. Além de preguiça, acho que tem uma certa pressão estética envolvida, também”.

“Se eu publicasse fotos no feed que ficassem lá, permanentemente, gostaria que fossem fotos visualmente bonitas, não qualquer uma, o que dá trabalho, por isso, prefiro não postar nada”, explica Rafaela.

Antonio Gelfusa Jr., especialista em redes sociais, diz que mesmo quando esses jovens publicam fotos, é de uma forma quase misteriosa, escondendo partes do rosto.

“Um fator natural dessa movimentação é a transição da adolescência, quando o corpo está mudando muito. O que observamos são fotos escondendo o rosto, sorriso e outras partes do corpo. A autoestima ainda está em construção nessa fase, isso influencia”.

Impactos da pandemia

Parte do que levou ao feed zero também é resultado da pandemia, pois a geração Z teve um período da adolescência travado pelo isolamento social. Ao trocar a escola pelo sistema EAD, festas por confraternizações por chamada de vídeo e exercícios em grupo por aulas pelo YouTube, todas as distrações daquele período estavam presas no mundo virtual. Isso levou a certa aversão por uma vida 100% conectada. Além disso, naquele período, a cultura do cancelamento - em que não era possível errar - estava no seu auge.

Inagaki explica que esse momento pós-pandêmico pode ser considerado uma ‘ressaca digital’. “Não podemos ignorar o peso da cultura do cancelamento. Em meio a tantas pressões já naturais da idade, o medo de ser julgado e condenado por alguma foto, vídeo ou opinião postada é outro motivo nada desprezível para que a geração Z opte por manter sua vida online restrita”, diz ele.

Cansados do ‘Instagramável’?

Por fim, a movimentação da gen z pode estar atrelada ao fim do conceito de “Instagramável”, ou seja, do desejo de querer mostrar uma vida perfeita, e, muitas vezes, falsa, o que seria um passo positivo ao combate aos danos à saúde mental.

Inagaki observou a tendência do feed zero como uma busca pela volta da autenticidade perdida quando todos são ‘iguais’ nas redes sociais.

“Representa uma reação à fadiga catalisada por timelines repletas de fotos ‘perfeitas’ retratando momentos ‘perfeitos’ que todos já intuem que não existem. Tendências recentes como a onda das ‘ugly selfies’ refletiram nas redes a vontade de resgatar uma autenticidade que se perdeu. Nada soa mais legal do que só atualizar as redes sociais se e quando desejar”, explica ele.

“Não postei nenhuma foto minha nas últimas duas viagens que fiz, só de paisagem. Parece até que é fake”, brinca Fabrizio.

Sena concorda que os jovens tem se cansado dessa vida virtual perfeita. “Acho que as pessoas estão postando mais o que se sentem bem. Acho que essa pressão de tentar parecer um influencer, a todo momento, está passando”, comentou.

Se não no feed, onde?

Claro, a geração Z continua conectada, mas de uma forma diferente.

Contas secundárias, conhecidas como ‘dix’, ‘spam’, ‘zuado’, ‘daily’, ou ‘privado’, são uma forma mais íntima que possuem de estar em contato com sua comunidade. Em geral, nessas contas privadas, eles só aceitam amigos próximos, quem realmente faz parte do dia a dia. Dentro dessa seleção de pessoas, há mais um filtro, o recurso dos melhores amigos do Instagram, que permite publicações nos stories e no feed para seguidores ainda mais selecionados.

“Eu quase não uso meu perfil pessoal, só o ‘privado’ e nem lá eu posto, uso mais os melhores amigos, mesmo”, comentou Fabrizio.

Rafaela também compartilhou a mesma sensação de seletividade.

“Na minha faixa etária esses tipos de contas são bem fortes, e ter uma, apenas com pessoas próximas e escolhidas, cuidadosamente, por mim, me faz querer compartilhar a vida apenas por lá”.

Rafaela se sente mais confortável online quando pode selecionar quem está vendo suas publicações Foto: Tiago Queiroz/Tiago Queiroz/Estadão

Isso, claro, forçou mudanças também no Instagram. Também à NPR, o CEO do Instagram, Adam Mosseri, admitiu a ‘queda’ do uso do feed e disse que o aplicativo está investindo mais nos recursos das DMs que, juntamente com os stories, foram as áreas da rede social que tiveram mais crescimento.

“Os adolescentes passam muito mais tempo nas DMs do que passam nos stories, e ficam muito mais tempo nos stories do que ficam no feed”, disse Mosseri.

Ao Estadão, Kim Garcia, da Meta, comenta que a plataforma acompanha o comportamento de seus usuários.

“Queremos poder acompanhar a nossa comunidade de acordo com o seu momento atual e, por isso, estamos sempre melhorando os recursos para os quais os nossos usuários vão se direcionando — como os stories, as notas e as DMs, para tornar mais fácil e divertido se conectar com amigos. E estamos focados em tirar a pressão do compartilhamento no Instagram — por exemplo, recentemente lançamos a ferramenta de ‘melhores amigo’s para o feed, que permite que você compartilhe postagens para grupos menores de amigos, assim pode ter mais controle sobre quem vê o seu conteúdo”.

“O uso de meios mais fechados permite uma comunicação mais despreocupada e sincera, sem medo de julgamentos por causa de uma opinião ou de uma foto que não esteja produzida”, explicou Inagaki.

Uma dos comportamentos mais comuns em redes sociais é postar fotos - foi assim que nasceram termos como “selfie” (autorretrato) e “biscoito” (foto que busca elogios). Mas a geração Z está começando a mudar isso. Os jovens nascidos entre 1995 e 2010 estão desenvolvendo aversão a publicar fotos, uma tendência conhecida como “feed zero”.

Entre os millennials (nascidos entre 1982 até 1994), as fotos são parte da cultura digital: Fotolog, Orkut, Facebook e Instagram estão entre os serviços que tinham imagens como parte importante da experiência. Mas algo mudou na geração seguinte, que relata baixa autoestima, perfeccionismo estético, vergonha e até preguiça, como justificativas para passar em branco nas plataformas atuais.

Rafaela Paredes é mais uma jovem que é adepta da tendência do "feed zero" Foto: Tiago Queiroz/Tiago Queiroz/Estadão

Existe também a aversão a super exposição. A Gen Z é considerada a primeira geração de ‘nativos digitais’, ou seja, em sua maioria, não tiveram que aprender a lidar com as redes sociais, já que as principais plataformas foram criadas ao passo que cresciam. A presença excessiva dessas ferramentas pode estar contribuindo para um comportamento mais discreto.

“Eu acredito que o principal ponto que me faz não querer postar nas redes sociais é a sensação de uma exposição muito grande. Meu Instagram nunca foi como o de algumas pessoas em que só são aceitas pessoas bem próximas. Sempre aceitei muitas pessoas, mesmo com o perfil privado, e não necessariamente pessoas super próximas. Sinto que isso acaba me privando um pouco de postar, por vergonha ou receio de estar me expondo para quem que não tenho um contato íntimo”, conta Rafaela Paredes. A estudante de 20 anos não tem nenhuma publicação em seu perfil do Instagram.

Em entrevista à rádio americana NPR, Kim Garcia, gerente de estratégia e pesquisa cultural da Meta, comentou sobre o comportamento da geração Z.

“Eles têm uma aversão sobre deixar ‘pegadas digitais’. Crescer em uma era em que tudo é tão público não dá a mesma liberdade de poder ser ‘esquisito’ ou se descobrir na internet, como a geração mais velha, os millenials, tiveram. Estamos vivendo uma saturação das redes”.

Alexandre Inagaki, consultor em redes sociais, lembra também que há uma maior consciência sobre o impacto negativo causado pela exposição nas redes. “Podemos falar desde cyberbullying até a ansiedade causada pela necessidade de validação de terceiros por meio de likes e comentários”, explica.

João Pedro Sena, 19, conta que não compartilha absolutamente nada nas redes sociais, apesar de ter perfil ativo na maioria das plataformas. Seu último story foi há mais de um ano. O jovem usa a mesma foto de perfil em todas as contas.

Apesar de ser usuário da maioria das redes sociais, João Pedro também não publica fotos Foto: Tiago Queiroz/Tiago Queiroz/Estadão

“Eu sempre pensei que se eu fosse postar, seria alguma coisa que gostaria de compartilhar e não porque outras pessoas iriam querer ver. Se eu tiro alguma foto não preciso mostrar no Instagram, só deixo salvo na minha galeria’, explica.

Problemas com autoestima

De acordo com uma pesquisa, realizada em 2023 pelo Panorama de Saúde Mental, jovens brasileiros de 10 a 24 anos apresentam baixos índices de autoestima.

Na pesquisa, 78% dos entrevistados relataram ter se sentido ‘feios ou pouco atraentes’ uma vez nas duas semanas que antecederam o estudo. Desses, 73% também relataram se sentir ‘pouco inteligentes’ e ainda, 45% afirmaram não ter saído com amigos no período.

Rafael Fabrizio, 18, que também não tem nenhuma foto publicada em seu perfil do Instagram, cita a pressão estética como um dos motivos do feed zero.

“Hoje em dia postar uma foto é um processo intenso. Tem que tirar, escolher, editar e eu não gosto de tirar fotos minhas. Além de preguiça, acho que tem uma certa pressão estética envolvida, também”.

“Se eu publicasse fotos no feed que ficassem lá, permanentemente, gostaria que fossem fotos visualmente bonitas, não qualquer uma, o que dá trabalho, por isso, prefiro não postar nada”, explica Rafaela.

Antonio Gelfusa Jr., especialista em redes sociais, diz que mesmo quando esses jovens publicam fotos, é de uma forma quase misteriosa, escondendo partes do rosto.

“Um fator natural dessa movimentação é a transição da adolescência, quando o corpo está mudando muito. O que observamos são fotos escondendo o rosto, sorriso e outras partes do corpo. A autoestima ainda está em construção nessa fase, isso influencia”.

Impactos da pandemia

Parte do que levou ao feed zero também é resultado da pandemia, pois a geração Z teve um período da adolescência travado pelo isolamento social. Ao trocar a escola pelo sistema EAD, festas por confraternizações por chamada de vídeo e exercícios em grupo por aulas pelo YouTube, todas as distrações daquele período estavam presas no mundo virtual. Isso levou a certa aversão por uma vida 100% conectada. Além disso, naquele período, a cultura do cancelamento - em que não era possível errar - estava no seu auge.

Inagaki explica que esse momento pós-pandêmico pode ser considerado uma ‘ressaca digital’. “Não podemos ignorar o peso da cultura do cancelamento. Em meio a tantas pressões já naturais da idade, o medo de ser julgado e condenado por alguma foto, vídeo ou opinião postada é outro motivo nada desprezível para que a geração Z opte por manter sua vida online restrita”, diz ele.

Cansados do ‘Instagramável’?

Por fim, a movimentação da gen z pode estar atrelada ao fim do conceito de “Instagramável”, ou seja, do desejo de querer mostrar uma vida perfeita, e, muitas vezes, falsa, o que seria um passo positivo ao combate aos danos à saúde mental.

Inagaki observou a tendência do feed zero como uma busca pela volta da autenticidade perdida quando todos são ‘iguais’ nas redes sociais.

“Representa uma reação à fadiga catalisada por timelines repletas de fotos ‘perfeitas’ retratando momentos ‘perfeitos’ que todos já intuem que não existem. Tendências recentes como a onda das ‘ugly selfies’ refletiram nas redes a vontade de resgatar uma autenticidade que se perdeu. Nada soa mais legal do que só atualizar as redes sociais se e quando desejar”, explica ele.

“Não postei nenhuma foto minha nas últimas duas viagens que fiz, só de paisagem. Parece até que é fake”, brinca Fabrizio.

Sena concorda que os jovens tem se cansado dessa vida virtual perfeita. “Acho que as pessoas estão postando mais o que se sentem bem. Acho que essa pressão de tentar parecer um influencer, a todo momento, está passando”, comentou.

Se não no feed, onde?

Claro, a geração Z continua conectada, mas de uma forma diferente.

Contas secundárias, conhecidas como ‘dix’, ‘spam’, ‘zuado’, ‘daily’, ou ‘privado’, são uma forma mais íntima que possuem de estar em contato com sua comunidade. Em geral, nessas contas privadas, eles só aceitam amigos próximos, quem realmente faz parte do dia a dia. Dentro dessa seleção de pessoas, há mais um filtro, o recurso dos melhores amigos do Instagram, que permite publicações nos stories e no feed para seguidores ainda mais selecionados.

“Eu quase não uso meu perfil pessoal, só o ‘privado’ e nem lá eu posto, uso mais os melhores amigos, mesmo”, comentou Fabrizio.

Rafaela também compartilhou a mesma sensação de seletividade.

“Na minha faixa etária esses tipos de contas são bem fortes, e ter uma, apenas com pessoas próximas e escolhidas, cuidadosamente, por mim, me faz querer compartilhar a vida apenas por lá”.

Rafaela se sente mais confortável online quando pode selecionar quem está vendo suas publicações Foto: Tiago Queiroz/Tiago Queiroz/Estadão

Isso, claro, forçou mudanças também no Instagram. Também à NPR, o CEO do Instagram, Adam Mosseri, admitiu a ‘queda’ do uso do feed e disse que o aplicativo está investindo mais nos recursos das DMs que, juntamente com os stories, foram as áreas da rede social que tiveram mais crescimento.

“Os adolescentes passam muito mais tempo nas DMs do que passam nos stories, e ficam muito mais tempo nos stories do que ficam no feed”, disse Mosseri.

Ao Estadão, Kim Garcia, da Meta, comenta que a plataforma acompanha o comportamento de seus usuários.

“Queremos poder acompanhar a nossa comunidade de acordo com o seu momento atual e, por isso, estamos sempre melhorando os recursos para os quais os nossos usuários vão se direcionando — como os stories, as notas e as DMs, para tornar mais fácil e divertido se conectar com amigos. E estamos focados em tirar a pressão do compartilhamento no Instagram — por exemplo, recentemente lançamos a ferramenta de ‘melhores amigo’s para o feed, que permite que você compartilhe postagens para grupos menores de amigos, assim pode ter mais controle sobre quem vê o seu conteúdo”.

“O uso de meios mais fechados permite uma comunicação mais despreocupada e sincera, sem medo de julgamentos por causa de uma opinião ou de uma foto que não esteja produzida”, explicou Inagaki.

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