THE NEW YORK TIMES - A Nature, uma das mais prestigiadas revistas científicas, retirou nesta terça-feira, 7, um artigo que havia publicado em março no qual revelava a descoberta de um material supercondutor que funcionava em temperaturas ambiente.
Esse foi o segundo artigo sobre supercondutores envolvendo Ranga P. Dias, professor de engenharia mecânica e física da Universidade de Rochester, EUA, a ser removido pela revista em pouco mais de um ano.
A pesquisa de Dias era a mais recente de uma longa lista de supostas descobertas de supercondutores de temperatura ambiente que não se concretizaram. A retratação, porém, levantou questões incômodas para a Nature sobre por que os editores da revista divulgaram a pesquisa depois de já terem examinado e removido um artigo anterior do mesmo grupo de pesquisadores.
O porta-voz de Dias diz que o cientista negou as alegações de má conduta na pesquisa. “O professor Dias pretende reenviar o artigo científico para uma revista com um processo editorial mais independente”, afirma o representante.
Descobertos pela primeira vez em 1911, os supercondutores podem parecer quase mágicos - eles conduzem eletricidade sem resistência. Entretanto, nenhum material conhecido é supercondutor em condições cotidianas. A maioria exige temperaturas ultrafrias, e os avanços recentes em direção a supercondutores que funcionam em temperaturas mais altas exigem pressões esmagadoras.
Um supercondutor que funcione em temperaturas e pressões cotidianas poderia ser usado em scanners de ressonância magnética, novos dispositivos eletrônicos e trens que levitam.
Os supercondutores se tornaram inesperadamente um tópico viral nas redes sociais, quando um grupo diferente de cientistas, na Coreia do Sul, também afirmou ter descoberto um supercondutor de temperatura ambiente, chamado LK-99. Em algumas semanas, a empolgação diminuiu depois que outros cientistas não conseguiram confirmar as observações de supercondutividade e apresentaram explicações alternativas plausíveis.
Embora tenha sido publicada em uma revista de alto nível, a afirmação de Dias sobre um supercondutor de temperatura ambiente não provocou euforia como o LK-99, porque muitos cientistas da área já consideravam seu trabalho duvidoso.
No artigo da Nature publicado em março, Dias e seus colegas informaram que haviam descoberto um material - hidreto de lutécio com adição de nitrogênio - capaz de superconduzir eletricidade a temperaturas de até 21 graus Celsius. Ainda assim, era necessária uma pressão de 145.000 libras por polegada quadrada, o que não é difícil de aplicar em um laboratório. O material adquiriu uma tonalidade vermelha quando comprimido, o que levou Dias a apelidá-lo de “reddmatter” (matéria vermelha), em homenagem a uma substância do filme “Jornada nas Estrelas”.
Menos de três anos antes, a Nature publicou um artigo de Dias e de muitos dos mesmos cientistas. Ele descrevia um material diferente que, segundo eles, também era um supercondutor, embora somente a pressões de esmagamento de quase 40 milhões de libras por polegada quadrada. Mas outros pesquisadores questionaram alguns dos dados do artigo. Depois de uma investigação, a Nature concordou, retratando o artigo em setembro de 2022, apesar das objeções dos autores.
Em agosto deste ano, a revista Physical Review Letters retirou um artigo de 2021 de Dias que descrevia propriedades elétricas intrigantes, embora não supercondutividade, em outro composto químico, o sulfeto de manganês.
James Hamlin, professor de física da Universidade da Flórida, EUA, disse aos editores da Physical Review Letters que as curvas em uma das figuras do artigo que descreviam a resistência elétrica no sulfeto de manganês eram semelhantes aos gráficos da tese de doutorado de Dias que descrevia o comportamento de um material diferente.
Especialistas externos recrutados pela revista concordaram que os dados pareciam suspeitosamente semelhantes, e o artigo foi removido. Ao contrário da retratação anterior da Nature, todos os nove coautores de Dias concordaram com a retratação da Physical Review Letters. Dias foi o único a resistir e afirmou que o artigo retratava com precisão os resultados da pesquisa.
Em maio, Hamlin e Brad J. Ramshaw, professor de física da Cornell University, EUA, enviaram aos editores da Nature suas preocupações sobre os dados do hidreto de lutécio no artigo de março.
Após a retratação da Physical Review Letters, a maioria dos autores do artigo sobre o hidreto de lutécio concluiu que a pesquisa de seu artigo também era falha.
Em uma carta datada de 8 de setembro, oito dos 11 autores pediram a retratação do artigo da Nature. “Dias não agiu de boa fé em relação à preparação e à apresentação do manuscrito”, disseram eles aos editores da Nature.
Os autores da carta incluíam cinco estudantes recém-formados que trabalharam no laboratório de Dias, bem como Ashkan Salamat, professor de física da Universidade de Nevada, EUA, que colaborou com Dias nos dois artigos retratados anteriormente. Dias e Salamat fundaram a Unearthly Materials, uma empresa que tinha como objetivo transformar as descobertas sobre supercondutores em produtos comerciais.
Salamat, que era o presidente e executivo-chefe da empresa, não é mais funcionário da mesma. Ele não respondeu a um pedido de comentário sobre a retratação.
No aviso de retratação publicado nesta terça-feira, a Nature disse que os oito autores que escreveram a carta em setembro expressaram a opinião de que “o artigo publicado não reflete com precisão a procedência dos materiais investigados, as medições experimentais realizadas e os protocolos de processamento de dados aplicados”.
Esses problemas, segundo os autores, “prejudicam a integridade do artigo publicado”.
Dias e dois outros autores, seus ex-alunos, “não declararam se concordam ou discordam dessa retratação”, diz a nota. Uma porta-voz da Nature disse que eles não responderam à proposta de retratação.
“Essa tem sido uma situação profundamente frustrante”, disse Karl Ziemelis, editor-chefe de ciências físicas e aplicadas da Nature, em um comunicado.
Ziemelis defendeu a forma como a revista lidou com o artigo. “De fato, como acontece com frequência, os revisores especialistas altamente qualificados que selecionamos levantaram uma série de questões sobre a submissão original, que foram amplamente resolvidas em revisões posteriores”, diz ele. “É assim que funciona a revisão por pares.”
Ele acrescentou: “O que o processo de revisão por pares não pode detectar é se o artigo, tal como foi escrito, reflete com precisão a pesquisa tal como foi realizada”.
Para Ramshaw, a retratação forneceu validação. “Quando estamos analisando o trabalho de outra pessoa, sempre nos perguntamos se estamos apenas vendo coisas ou interpretando demais”, disse ele.
As decepções com o LK-99 e as alegações de Dias podem não impedir outros cientistas de investigar possíveis supercondutores. Há duas décadas, um cientista dos Laboratórios Bell, J. Hendrik Schön, publicou uma série de descobertas impressionantes, incluindo novos supercondutores. As investigações mostraram que ele havia inventado a maioria de seus dados.
Isso não impediu grandes descobertas posteriores sobre supercondutores. Em 2014, um grupo liderado por Mikhail Eremets, do Instituto Max Planck de Química, na Alemanha, demonstrou que os compostos contendo hidrogênio são supercondutores a temperaturas surpreendentemente quentes quando comprimidos sob pressões ultraelevadas. Essas descobertas ainda são amplamente aceitas.
Autores do artigo junto de Ranga P. Dias a revista Nature
Russell J. Hemley, professor de física e química da Universidade de Illinois, EUA, que acompanhou o trabalho de Eremets com experimentos que descobriram outro material que também era supercondutor em condições de pressão ultra-alta, continua a acreditar nas descobertas de Dias. Em junho, Hemley e seus colaboradores informaram que também haviam medido o desaparecimento aparente da resistência elétrica em uma amostra fornecida por Dias e, na terça-feira, Hemley disse que continuava confiante de que as descobertas seriam reproduzidas por outros cientistas.
Após a retratação da Physical Review Letters, a Universidade de Rochester, EUA, confirmou que havia iniciado uma “investigação abrangente” por especialistas não afiliados à escola. Uma porta-voz da universidade disse que não havia planos de tornar públicas as descobertas da investigação.
A Universidade de Rochester removeu os vídeos do YouTube que produziu em março e que apresentavam funcionários da universidade elogiando a pesquisa de Dias como um avanço. /TRADUZIDO POR ALICE LABATE