Se fosse um áudio do WhatsApp, este texto teria 3:19 minutos e certamente muitas pessoas não gostariam de recebê-lo. A estudante de engenharia Catharine Queiroz, de 19 anos, é uma delas: a paulistana não suporta ver a notificação e deixa o botão de ‘play’ esperando por horas. Mas há quem pense o contrário. Para Geovana Almeida, que estuda psicologia, as entonações das mensagens de voz ajudam a interpretar mais profundamente aquilo que chega em seu celular.
Essa divisão de opiniões provavelmente está presente na sua agenda de contatos e deve ter se intensificado na quarentena – em março, a consultoria Kantar registrou crescimento de 76% no uso de WhatsApp. Com esse aumento, inclusive no trabalho remoto, cresceram também as dúvidas sobre qual é a melhor forma de usar o áudio.
De fato, o recurso é confuso. É voz, mas não é uma ligação. É mensagem de app, mas não é texto. Trata-se de uma comunicação de voz assíncrona, explica Lucia Filgueiras, professora de engenharia da computação na Escola Politécnica da Universidade de São Paulo. “Diferentemente da ligação, em que duas pessoas se falam ao mesmo tempo, nos áudios, o momento de resposta pode ser ajustado, conforme a disponibilidade”, diz.
Nos últimos meses, Jessica Marques chegou a ser alvo de piadas dos amigos. “Já gostava de mandar antes da quarentena, mas agora mando para todo mundo. Já cheguei a mandar mensagem de 10 minutos. De tanto reclamarem, comecei a mandar vários áudios de dois minutos”, conta a professora de inglês de 37 anos. Ela afirma estar se policiando para ser mais sucinta. E é bom que ela faça isso mesmo.
Para algumas pessoas, esse tipo de comportamento é inaceitável – não serve nem para matar a saudade na quarentena. A analista de sistemas Júlia Nogueira começou um relacionamento no período e logo deixou claro para sua namorada Lorraene que ‘áudio no zap’ não era uma opção – ela acredita que o formato não é prático.
O ultimato foi importante para que a relação à distância começasse sem atritos. “Quando a gente estava se conhecendo, ela me mandava muitos áudios. No primeiro, eu já falei que não gostava. Quando a gente quer conversar, é por ligação.”
Rapidez
Para Edney Souza, diretor da Digital House Brasil, essa repulsa pelo áudio tem bastante relação com as mensagens já recebidas anteriormente. Áudios que não chegam direto ao ponto podem saturar e fazer com que o formato não seja mais bem aceito. “O problema do áudio é que não existe o botão de deletar palavras. Se ficou mais ou menos ruim, você manda e começa a se explicar. De repente, fica uma mensagem repetitiva. O que poderia ser três linhas vira três minutos."
Além disso, no áudio, há o fato de que quem controla a velocidade da comunicação é quem está falando. “Quando é escrito, você passa os olhos rapidamente, decide se quer aprofundar ou detalhar a leitura. Quando é áudio, você não sabe o que vai vir depois”, explica Souza.
Paulo Annunziata, psicólogo do Laboratório de Estudos de Psicologia e Tecnologias da Informação e Comunicação da PUC-SP, também lembra que a digitalização do mundo moderno nos leva a simplificar e encurtar os processos. Nesse contexto, além da forma como nos comunicamos, está implícita também a maneira como queremos que as informações sejam recebidas. “Estamos ficando mal acostumados com informações curtas e rápidas. Isso se torna ruim quando a gente perde tolerância em relação àquilo que de fato necessita uma mensagem mais longa”, afirma.
Etiqueta
Existe então alguma “etiqueta ideal” para enviar áudio? Para Souza, sim. “Se você precisa mandar, avise sobre o assunto. O texto dá margem para processar algumas coisas que o áudio não dá.”
O tamanho da mensagem e a prolixidade – a famosa enrolação – também pode entrar para a lista do que se atentar na hora de optar pelo formato.
No ambiente de trabalho, a mesma regra pode ser aplicada, afirma Amelia Caetano, consultora especializada em home office do Instituto Trabalho Portátil. No expediente remoto, o ideal é resolver pendências fora do app. “Ao passar o áudio, a pessoa pode acreditar que está sendo mais ágil, mas quando escrevemos elaboramos melhor o pensamento”, explica.
Inclusão
Apesar dos muitos contras, Souza relembra que a ferramenta não deve ser vilanizada, pois é uma aliada na inclusão da comunicação.
Para Dona Olga dos Santos, de 83 anos – que já é adepta do WhatsApp há 5 anos –, além da facilidade de usar o recurso de voz, as mensagens são lembranças que ela pode guardar de parentes e pessoas queridas.
“Gosto mais de áudio. Mando recadinho todo dia para as amigas e para netos. Áudio é mais fácil, aperto o botão e mando. Digitar é mais difícil”, conta.
“A voz é inclusiva e tem um grande valor. O que a gente precisa aprender é melhorar a etiqueta digital”, afirma Souza.