Um artigo do Estadão trouxe o conceito de “ludita”, que parecia estar esquecido. O ludismo, do início do século XIX na Inglaterra, foi uma reação às alterações que a rápida industrialização trazia, como risco de desemprego e queda de salários. Era a época da chegada de teares mecânicos movidos a vapor, com a consequente redução de vagas. Alguns teares foram destruídos e o movimento de Ned Ludd ganhou tração.
Não é nova essa discussão sobre impactos da tecnologia. Nos diálogos de Platão, Sócrates era reticente quanto à própria introdução da escrita, porque ela amorteceria a discussão e deterioraria a memória: afinal eles sabiam recitar de cor odes como a Odisseia. Quanto às vantagens da mecanização no campo e na indústria hoje há pouco questionamento, e assim o ludismo podia ser apenas um dado histórico. Mas as circunstâncias que temos parecem propiciar a que alguma parcela da população recupere aquelas ideias. No texto citado, por exemplo, um grupos de adolescentes advogam – e isso reforçado pelas medidas de isolamento que a pandemia trouxe – reuniões físicas para troca de ideias e discussão sobre leituras. E o abandono de equipamentos como “smartphone”.
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Nessa linha, ouso dizer que a preocupação hoje poderia voltar-se a outro tipo de “desemprego”: quanto de nossa visão e análise prescindimos com o uso de “muletas” que a tecnologia cria? Exemplo enviesado: até há dois anos, para me locomover na cidade usava o Guia de São Paulo, guardado no porta-luvas do carro. Quantos hoje saberiam se movimentar sem o uso de ferramentas de orientação? Para meu espanto, até motoristas de táxi só iniciam a corrida quando o app define um caminho. Esse conforto nos alivia, mas também gera um distanciamento da topologia da cidade.
Há uns meses continuo a me surpreender com o ChatGPT. Não apenas responde em correto português, como entabola conversa com o humano, reconhecendo erros que cometeu e gerando textos elaborados que nos dispensariam de pesquisas mais profundas. Pode ser que logo estejamos aceitando como “verdade” tudo o que ele diz, como já fazemos com o app de trânsito.
Pesquisas mostram ter havido uma diminuição mensurável da inteligência humana. Desenvolver apps como os citados exige profissionais extremamente qualificados, mas é provável que o nível médio de qualificação humana não tenha pressão para subir. A abordagem ludita coloca uma pulga atrás de muitas orelhas: é importante a visão estratégica sobre para qual destino a nau humana parece aproar...