A língua é fundamental para que possamos elaborar pensamentos. Mesmo sem ir a Orwell, sabemos que quem domina a língua das pessoas domina o seu pensamento.
Heidegger já dizia que “nós achamos que dominamos a linguagem, mas é ela que nos domina”. E Wittgenstein alerta-nos que “os limites de nosso pensamento são os limites de nossa linguagem”.
Não sei avaliar o impacto que as redes sociais – não a internet – causam em nossa linguagem, mas, vendo a facilidade e a leviandade com que nos manifestamos nelas, lembro-me da resposta de Hamlet a Polônio quando este, ao vê-lo no jardim com um livro na mão, pergunta: “O que lês, meu senhor?”. E Hamlet retruca: “Palavras, palavras, palavras”… Incisivamente adiciona que as tais palavras são “maledicências: afirmam que os velhos têm barba cinza e pele enrugada…”
Há múltiplas facetas por onde poderíamos examinar o que ocorre com nossa língua, e que parcela de responsabilidade se pode atribuir à exuberância de imediata expressão, que temos com a Internet. Há um misto de deslumbramento com vocábulos estrangeiros, alguns com perfeita tradução para o português, e um esnobismo que nos leva a usá-los. Não se descarte, também, o comodismo que nos faz preferir o que está mais à mão – comodismo que é também fator para a centralização que ocorre em torno de plataformas, e representa estímulo ao uso de algoritmos por parte delas.
Tive a sorte de ouvir de ótimos professores de português no colégio que “a língua é dinâmica” e que, portanto, pode e deve ser enriquecida com conceitos que não tínhamos.
Certamente não se quer traduzir “bit” e “byte”, conceitos novos, mas por que “delivery” teria mais riqueza semântica que “entrega à domicílio”? Ou “coffee break” exprimiria melhor a ideia de um intervalo “para café”? Aceitemos, como exemplo, que “live” ou “site” carreguem um conceito mais amplo que “ao vivo” ou “sítio”, visto que se referem a situações novas. Muito bem! Então que tal aportuguesarmos para “laive” e “saite” (aliás, Millor escrevia “saite”!) como já fizéramos com “abajur” e “futebol”? Imaginar que um “i” em português soe como “ai” parece-me totalmente descabido.
Dói ver como se tem lidado com a “última flor do Lácio”, de tanta tradição e que nos deu obras imortais (e nem pretendo abrir discussão sobre outra tendência discutível, a de “novipalavras” numa pretensa “linguagem neutra”). Sinceramente, torço para que o português, que conhecemos e que respeitamos, preserve sua forma e riqueza. Retomando Hamlet, “o resto é silêncio”.