Por dentro da rede

Opinião|Inteligência artificial que produz textos amplifica cultura do cancelamento


É preciso reconhecer que esses sistemas são uma ‘terra incógnita’

Por Demi Getschko

Se hoje a tecnologia avança em passos de sete léguas, o mesmo progresso não parece haver no componente humano. Pode ser que seja aturdimento pelo ambiente mutável, ou deslumbramento pelas possibilidades, mas é difícil saber se o novo estado de coisas gera no espírito humano progresso, estagnação ou, até, involução.

Enquanto ouvia um baixo cantando a famosa ária da calúnia do Barbeiro de Sevilha, veio-me um lampejo: naquela ária, Dom Basílio, professor de canto de Rosina, filha do Dr. Bartolo, aconselha-o a usar da calúnia para frear os avanços de um intrometido pretendente à filha. Permito-me traduzir toscamente trechos da ária em questão: “A calúnia é uma brisa gentil, que começa sutilmente e vai ganhando corpo. Com destreza entra pelas orelhas das pessoas e as faz desconfiar. Depois, com força redobrada, sai de suas bocas e vai ganhando energia até se tornar um trovão. Como um tiro de canhão que ressoa pelos ares, a calúnia cria um tumulto geral. E a pobre vítima, caluniada, aviltada, espezinhada, ainda terá sorte se morrer em tempo…”.

Não parece muito diferente do que acontece com a “cultura do cancelamento” nas. Se Dr. Bartolo quisesse hoje prejudicar o tal pretendente, teria facilidade para seguir os conselhos de Don Basílio: bastaria colocar algo bombástico na rede, e seus seguidores fariam o serviço de amplificar a notícia. Há aí um enorme erro de escala e de tempo: em vez da calúnia se espalhar das bocas às orelhas, até atingir toda população local, com a rede hoje a coisa se espalha a partir dos influenciadores e seus seguidores. Do ponto de vista humano, pode não haver “nada de novo sob o sol” mas, com a amplificação e velocidade imprimidas pela tecnologia, o “tumulto geral” que Dom Basílio intentava chegará hoje numa ínfima fração de tempo.

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E agora Dom Basílio ganhou um aliado: a inteligência artificial (IA) com suas habilidades de gerar textos críveis, mesmo que inseguros. Ainda temos algum discernimento que permita distinguir o que pareça inverdade, mas conseguiremos sobrenadar, ou entregaremos os pontos? Até porque é cômodo assumir o que o GPT nos entrega. Há que se reconhecer que estamos nos metendo em “terra incógnita”.

Conversando com um amigo sobre a qualidade das repostas da IA, ele ponderou: “da leitura dos clássicos, passamos à leitura de adaptações, releituras, e até versões em quadrinhos. Agora temos a IA que escreve texto, resumindo o que seleciona. Fala-se no risco de a IA vir dar causa à extinção da humanidade. Parece que estamos trabalhando bastante para que a perda seja mínima”.

Se hoje a tecnologia avança em passos de sete léguas, o mesmo progresso não parece haver no componente humano. Pode ser que seja aturdimento pelo ambiente mutável, ou deslumbramento pelas possibilidades, mas é difícil saber se o novo estado de coisas gera no espírito humano progresso, estagnação ou, até, involução.

Enquanto ouvia um baixo cantando a famosa ária da calúnia do Barbeiro de Sevilha, veio-me um lampejo: naquela ária, Dom Basílio, professor de canto de Rosina, filha do Dr. Bartolo, aconselha-o a usar da calúnia para frear os avanços de um intrometido pretendente à filha. Permito-me traduzir toscamente trechos da ária em questão: “A calúnia é uma brisa gentil, que começa sutilmente e vai ganhando corpo. Com destreza entra pelas orelhas das pessoas e as faz desconfiar. Depois, com força redobrada, sai de suas bocas e vai ganhando energia até se tornar um trovão. Como um tiro de canhão que ressoa pelos ares, a calúnia cria um tumulto geral. E a pobre vítima, caluniada, aviltada, espezinhada, ainda terá sorte se morrer em tempo…”.

Não parece muito diferente do que acontece com a “cultura do cancelamento” nas. Se Dr. Bartolo quisesse hoje prejudicar o tal pretendente, teria facilidade para seguir os conselhos de Don Basílio: bastaria colocar algo bombástico na rede, e seus seguidores fariam o serviço de amplificar a notícia. Há aí um enorme erro de escala e de tempo: em vez da calúnia se espalhar das bocas às orelhas, até atingir toda população local, com a rede hoje a coisa se espalha a partir dos influenciadores e seus seguidores. Do ponto de vista humano, pode não haver “nada de novo sob o sol” mas, com a amplificação e velocidade imprimidas pela tecnologia, o “tumulto geral” que Dom Basílio intentava chegará hoje numa ínfima fração de tempo.

E agora Dom Basílio ganhou um aliado: a inteligência artificial (IA) com suas habilidades de gerar textos críveis, mesmo que inseguros. Ainda temos algum discernimento que permita distinguir o que pareça inverdade, mas conseguiremos sobrenadar, ou entregaremos os pontos? Até porque é cômodo assumir o que o GPT nos entrega. Há que se reconhecer que estamos nos metendo em “terra incógnita”.

Conversando com um amigo sobre a qualidade das repostas da IA, ele ponderou: “da leitura dos clássicos, passamos à leitura de adaptações, releituras, e até versões em quadrinhos. Agora temos a IA que escreve texto, resumindo o que seleciona. Fala-se no risco de a IA vir dar causa à extinção da humanidade. Parece que estamos trabalhando bastante para que a perda seja mínima”.

Se hoje a tecnologia avança em passos de sete léguas, o mesmo progresso não parece haver no componente humano. Pode ser que seja aturdimento pelo ambiente mutável, ou deslumbramento pelas possibilidades, mas é difícil saber se o novo estado de coisas gera no espírito humano progresso, estagnação ou, até, involução.

Enquanto ouvia um baixo cantando a famosa ária da calúnia do Barbeiro de Sevilha, veio-me um lampejo: naquela ária, Dom Basílio, professor de canto de Rosina, filha do Dr. Bartolo, aconselha-o a usar da calúnia para frear os avanços de um intrometido pretendente à filha. Permito-me traduzir toscamente trechos da ária em questão: “A calúnia é uma brisa gentil, que começa sutilmente e vai ganhando corpo. Com destreza entra pelas orelhas das pessoas e as faz desconfiar. Depois, com força redobrada, sai de suas bocas e vai ganhando energia até se tornar um trovão. Como um tiro de canhão que ressoa pelos ares, a calúnia cria um tumulto geral. E a pobre vítima, caluniada, aviltada, espezinhada, ainda terá sorte se morrer em tempo…”.

Não parece muito diferente do que acontece com a “cultura do cancelamento” nas. Se Dr. Bartolo quisesse hoje prejudicar o tal pretendente, teria facilidade para seguir os conselhos de Don Basílio: bastaria colocar algo bombástico na rede, e seus seguidores fariam o serviço de amplificar a notícia. Há aí um enorme erro de escala e de tempo: em vez da calúnia se espalhar das bocas às orelhas, até atingir toda população local, com a rede hoje a coisa se espalha a partir dos influenciadores e seus seguidores. Do ponto de vista humano, pode não haver “nada de novo sob o sol” mas, com a amplificação e velocidade imprimidas pela tecnologia, o “tumulto geral” que Dom Basílio intentava chegará hoje numa ínfima fração de tempo.

E agora Dom Basílio ganhou um aliado: a inteligência artificial (IA) com suas habilidades de gerar textos críveis, mesmo que inseguros. Ainda temos algum discernimento que permita distinguir o que pareça inverdade, mas conseguiremos sobrenadar, ou entregaremos os pontos? Até porque é cômodo assumir o que o GPT nos entrega. Há que se reconhecer que estamos nos metendo em “terra incógnita”.

Conversando com um amigo sobre a qualidade das repostas da IA, ele ponderou: “da leitura dos clássicos, passamos à leitura de adaptações, releituras, e até versões em quadrinhos. Agora temos a IA que escreve texto, resumindo o que seleciona. Fala-se no risco de a IA vir dar causa à extinção da humanidade. Parece que estamos trabalhando bastante para que a perda seja mínima”.

Opinião por Demi Getschko

É engenheiro eletricista

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