Por dentro da rede

Opinião|Antes os ipês-roxos, hoje as notícias falsas


Internet proporciona alcance maior para mentiras circularem e chegarem a suas vítimas

Por Demi Getschko

Começa o inverno, mas a cidade consegue se enfeitar. Nesta época do ano, por onde se vá, vêm-se ipês floridos em cachos roxos e rosas, desafiando o cinzento da estação. Isso me levou a reminiscências da juventude e lembrou-me algo que, no final dos anos 1960, gerara uma correria aos ipês, chegando inclusive a ameaçar sua existência: surgiram notícias, abonadas por cientistas da área, de que a casca do ipê-roxo, devidamente reduzida a pó, poderia ser usada em infusões e pomadas para combater uma série de moléstias, desde afecções de pele a até… o câncer.

Para dar mais consistência às memórias, recorri ao acervo do Estadão, e lá estava o artigo, na página 10 da edição de 17 de março de 1967: “Ipê-roxo já está esgotado”. Descrevia a comoção da moda, com detalhes. Por sorte não se extinguiram os ipês, e podemos apreciá-los em toda sua beleza. Por azar as doenças seguem impávidas, e o ipê não lhes causou mossa perceptível. Mas o ponto aqui é ressaltar que sempre estivemos sujeitos a notícias de credibilidade questionável, a “contos do vigário”, a venda de “terrenos na lua”, a oferta de “bilhetes premiados”. Ou seja, “nada há de novo sob o sol”.

Ipê-roxo entrou na moda durante os anos 1960, quando se acreditava ter propriedades médicas Foto: WILTON JUNIOR/ESTADÃO
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Não é o caso, creio, de aumento da credulidade humana, mas de um alcance muito maior provido pela Internet. As potenciais vítimas (sempre as houve) são hoje acessíveis instantaneamente e em qualquer parte do mundo. Recebi um dito espirituoso em espanhol, que tento traduzir, mesmo arriscando perder a verve original: “Lembram-se de que, antes da Internet, tributávamos um certo clima de ignorância geral à dificuldade da disseminação da informação? Bem, vê-se hoje que… não era isso!”.

Isso me leva a outro ponto interessante: na peça de Shakespeare, A Tempestade, há a conhecida citação, algo cínica e que também foi usada por Aldous Huxley, “admirável mundo novo…”. Uma das personagens, Caliban (habitante primitivo da ilha, filho de feiticeira, um ser algo disforme e brutal) foi objeto de “educação” por parte de nobres que, expulsos de Milão, fugiram para a ilha e lá o encontraram. Certamente há grande ressentimento de Caliban contra os invasores. Numa frase que poderia ser aplicada à comunicação que a Internet permitiu e estimulou, Caliban, amargamente, denuncia: “Me ensinaram uma nova linguagem e, a meu proveito, o que aprendi foi como usá-la para amaldiçoar”…

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A evolução meteórica da tecnologia nas décadas nos permitiu retomar com impulso inédito antigas ideias como a IA. Antes, elas mais se prestavam à ficção científica que à realidade, por exigirem poder do computação de que não dispúnhamos.

Steve Crocker, pioneiro da rede, em apresentação recente sumarizou: a tecnologia segue evoluindo segundo a lei de Moore, exponencialmente. Com isso, coisas antes apenas ideadas tornam-se realidade e um poder enorme está em nossas mãos; mas a natureza humana segue como sempre foi, com todas as suas nuances. Conclui a apresentação com “resta-nos torcer pela preservação do bom senso e por termos sorte nos caminhos que escolhermos”.

Começa o inverno, mas a cidade consegue se enfeitar. Nesta época do ano, por onde se vá, vêm-se ipês floridos em cachos roxos e rosas, desafiando o cinzento da estação. Isso me levou a reminiscências da juventude e lembrou-me algo que, no final dos anos 1960, gerara uma correria aos ipês, chegando inclusive a ameaçar sua existência: surgiram notícias, abonadas por cientistas da área, de que a casca do ipê-roxo, devidamente reduzida a pó, poderia ser usada em infusões e pomadas para combater uma série de moléstias, desde afecções de pele a até… o câncer.

Para dar mais consistência às memórias, recorri ao acervo do Estadão, e lá estava o artigo, na página 10 da edição de 17 de março de 1967: “Ipê-roxo já está esgotado”. Descrevia a comoção da moda, com detalhes. Por sorte não se extinguiram os ipês, e podemos apreciá-los em toda sua beleza. Por azar as doenças seguem impávidas, e o ipê não lhes causou mossa perceptível. Mas o ponto aqui é ressaltar que sempre estivemos sujeitos a notícias de credibilidade questionável, a “contos do vigário”, a venda de “terrenos na lua”, a oferta de “bilhetes premiados”. Ou seja, “nada há de novo sob o sol”.

Ipê-roxo entrou na moda durante os anos 1960, quando se acreditava ter propriedades médicas Foto: WILTON JUNIOR/ESTADÃO

Não é o caso, creio, de aumento da credulidade humana, mas de um alcance muito maior provido pela Internet. As potenciais vítimas (sempre as houve) são hoje acessíveis instantaneamente e em qualquer parte do mundo. Recebi um dito espirituoso em espanhol, que tento traduzir, mesmo arriscando perder a verve original: “Lembram-se de que, antes da Internet, tributávamos um certo clima de ignorância geral à dificuldade da disseminação da informação? Bem, vê-se hoje que… não era isso!”.

Isso me leva a outro ponto interessante: na peça de Shakespeare, A Tempestade, há a conhecida citação, algo cínica e que também foi usada por Aldous Huxley, “admirável mundo novo…”. Uma das personagens, Caliban (habitante primitivo da ilha, filho de feiticeira, um ser algo disforme e brutal) foi objeto de “educação” por parte de nobres que, expulsos de Milão, fugiram para a ilha e lá o encontraram. Certamente há grande ressentimento de Caliban contra os invasores. Numa frase que poderia ser aplicada à comunicação que a Internet permitiu e estimulou, Caliban, amargamente, denuncia: “Me ensinaram uma nova linguagem e, a meu proveito, o que aprendi foi como usá-la para amaldiçoar”…

A evolução meteórica da tecnologia nas décadas nos permitiu retomar com impulso inédito antigas ideias como a IA. Antes, elas mais se prestavam à ficção científica que à realidade, por exigirem poder do computação de que não dispúnhamos.

Steve Crocker, pioneiro da rede, em apresentação recente sumarizou: a tecnologia segue evoluindo segundo a lei de Moore, exponencialmente. Com isso, coisas antes apenas ideadas tornam-se realidade e um poder enorme está em nossas mãos; mas a natureza humana segue como sempre foi, com todas as suas nuances. Conclui a apresentação com “resta-nos torcer pela preservação do bom senso e por termos sorte nos caminhos que escolhermos”.

Começa o inverno, mas a cidade consegue se enfeitar. Nesta época do ano, por onde se vá, vêm-se ipês floridos em cachos roxos e rosas, desafiando o cinzento da estação. Isso me levou a reminiscências da juventude e lembrou-me algo que, no final dos anos 1960, gerara uma correria aos ipês, chegando inclusive a ameaçar sua existência: surgiram notícias, abonadas por cientistas da área, de que a casca do ipê-roxo, devidamente reduzida a pó, poderia ser usada em infusões e pomadas para combater uma série de moléstias, desde afecções de pele a até… o câncer.

Para dar mais consistência às memórias, recorri ao acervo do Estadão, e lá estava o artigo, na página 10 da edição de 17 de março de 1967: “Ipê-roxo já está esgotado”. Descrevia a comoção da moda, com detalhes. Por sorte não se extinguiram os ipês, e podemos apreciá-los em toda sua beleza. Por azar as doenças seguem impávidas, e o ipê não lhes causou mossa perceptível. Mas o ponto aqui é ressaltar que sempre estivemos sujeitos a notícias de credibilidade questionável, a “contos do vigário”, a venda de “terrenos na lua”, a oferta de “bilhetes premiados”. Ou seja, “nada há de novo sob o sol”.

Ipê-roxo entrou na moda durante os anos 1960, quando se acreditava ter propriedades médicas Foto: WILTON JUNIOR/ESTADÃO

Não é o caso, creio, de aumento da credulidade humana, mas de um alcance muito maior provido pela Internet. As potenciais vítimas (sempre as houve) são hoje acessíveis instantaneamente e em qualquer parte do mundo. Recebi um dito espirituoso em espanhol, que tento traduzir, mesmo arriscando perder a verve original: “Lembram-se de que, antes da Internet, tributávamos um certo clima de ignorância geral à dificuldade da disseminação da informação? Bem, vê-se hoje que… não era isso!”.

Isso me leva a outro ponto interessante: na peça de Shakespeare, A Tempestade, há a conhecida citação, algo cínica e que também foi usada por Aldous Huxley, “admirável mundo novo…”. Uma das personagens, Caliban (habitante primitivo da ilha, filho de feiticeira, um ser algo disforme e brutal) foi objeto de “educação” por parte de nobres que, expulsos de Milão, fugiram para a ilha e lá o encontraram. Certamente há grande ressentimento de Caliban contra os invasores. Numa frase que poderia ser aplicada à comunicação que a Internet permitiu e estimulou, Caliban, amargamente, denuncia: “Me ensinaram uma nova linguagem e, a meu proveito, o que aprendi foi como usá-la para amaldiçoar”…

A evolução meteórica da tecnologia nas décadas nos permitiu retomar com impulso inédito antigas ideias como a IA. Antes, elas mais se prestavam à ficção científica que à realidade, por exigirem poder do computação de que não dispúnhamos.

Steve Crocker, pioneiro da rede, em apresentação recente sumarizou: a tecnologia segue evoluindo segundo a lei de Moore, exponencialmente. Com isso, coisas antes apenas ideadas tornam-se realidade e um poder enorme está em nossas mãos; mas a natureza humana segue como sempre foi, com todas as suas nuances. Conclui a apresentação com “resta-nos torcer pela preservação do bom senso e por termos sorte nos caminhos que escolhermos”.

Começa o inverno, mas a cidade consegue se enfeitar. Nesta época do ano, por onde se vá, vêm-se ipês floridos em cachos roxos e rosas, desafiando o cinzento da estação. Isso me levou a reminiscências da juventude e lembrou-me algo que, no final dos anos 1960, gerara uma correria aos ipês, chegando inclusive a ameaçar sua existência: surgiram notícias, abonadas por cientistas da área, de que a casca do ipê-roxo, devidamente reduzida a pó, poderia ser usada em infusões e pomadas para combater uma série de moléstias, desde afecções de pele a até… o câncer.

Para dar mais consistência às memórias, recorri ao acervo do Estadão, e lá estava o artigo, na página 10 da edição de 17 de março de 1967: “Ipê-roxo já está esgotado”. Descrevia a comoção da moda, com detalhes. Por sorte não se extinguiram os ipês, e podemos apreciá-los em toda sua beleza. Por azar as doenças seguem impávidas, e o ipê não lhes causou mossa perceptível. Mas o ponto aqui é ressaltar que sempre estivemos sujeitos a notícias de credibilidade questionável, a “contos do vigário”, a venda de “terrenos na lua”, a oferta de “bilhetes premiados”. Ou seja, “nada há de novo sob o sol”.

Ipê-roxo entrou na moda durante os anos 1960, quando se acreditava ter propriedades médicas Foto: WILTON JUNIOR/ESTADÃO

Não é o caso, creio, de aumento da credulidade humana, mas de um alcance muito maior provido pela Internet. As potenciais vítimas (sempre as houve) são hoje acessíveis instantaneamente e em qualquer parte do mundo. Recebi um dito espirituoso em espanhol, que tento traduzir, mesmo arriscando perder a verve original: “Lembram-se de que, antes da Internet, tributávamos um certo clima de ignorância geral à dificuldade da disseminação da informação? Bem, vê-se hoje que… não era isso!”.

Isso me leva a outro ponto interessante: na peça de Shakespeare, A Tempestade, há a conhecida citação, algo cínica e que também foi usada por Aldous Huxley, “admirável mundo novo…”. Uma das personagens, Caliban (habitante primitivo da ilha, filho de feiticeira, um ser algo disforme e brutal) foi objeto de “educação” por parte de nobres que, expulsos de Milão, fugiram para a ilha e lá o encontraram. Certamente há grande ressentimento de Caliban contra os invasores. Numa frase que poderia ser aplicada à comunicação que a Internet permitiu e estimulou, Caliban, amargamente, denuncia: “Me ensinaram uma nova linguagem e, a meu proveito, o que aprendi foi como usá-la para amaldiçoar”…

A evolução meteórica da tecnologia nas décadas nos permitiu retomar com impulso inédito antigas ideias como a IA. Antes, elas mais se prestavam à ficção científica que à realidade, por exigirem poder do computação de que não dispúnhamos.

Steve Crocker, pioneiro da rede, em apresentação recente sumarizou: a tecnologia segue evoluindo segundo a lei de Moore, exponencialmente. Com isso, coisas antes apenas ideadas tornam-se realidade e um poder enorme está em nossas mãos; mas a natureza humana segue como sempre foi, com todas as suas nuances. Conclui a apresentação com “resta-nos torcer pela preservação do bom senso e por termos sorte nos caminhos que escolhermos”.

Opinião por Demi Getschko

É engenheiro eletricista

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