Em 24 de abril deste ano, em votação apertada (3 a 2), a Federal Communications Comission (FCC) americana reverteu um entendimento de 2017 que havia alterado o conceito de “neutralidade de rede”, estabelecido em 2014. Ou seja, em termos de “neutralidade”, volta-se a 2014. Não é uma discussão simples, como aliás denota o movimento pendular da FCC no tema e a posição de diversos importantes personagens na área, mas vale a pena tentar olhar melhor o que se esconde no vai-e-vem regulatório (o verbete da Wikipédia sobre neutralidade de rede nos EUA é alentado e traz bastante informação).
FCC, a agência reguladora de telecomunicações americana, tem mais ou menos um papel como o da Anatel no Brasil. Na origem, esta discussão está ligada a quando houve uma rápida expansão da banda larga para o provimento de acesso à Internet. Os provedores de banda larga são, muitas vezes, simultaneamente provedores de serviços de telecomunicação. Assim, surge uma superposição de Internet e telecomunicações no tema. A FCC age no âmbito da telecomunicação, e não da informação… Se “banda larga” para Internet for serviço de “informação”, os provedores podem ter a liberdade de criar tarifas diferenciadas, ou bloqueios a sites de concorrentes. Em termos de internet, não seria o que se entende por “neutralidade”.
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Na regra original criada em 2014 (e notemos que o Marco Civil, também de 2014, alinha-se), há seis pontos a observar: 1: Um provedor de banda larga não pode, a seu talante, bloquear conteúdo legal, aplicativos ou serviços; 2: É vedado ao provedor, com base no conteúdo, degradar ou acelerar intencionalmente uma conexão; 3: Deve haver transparência sobre as regras em uso, o desempenho e características da rede; 4: Inovadores e consumidores devem ter direito a “jogo equânime”; 5: Pode haver eventual gestão no roteamento por motivos técnicos, desde que de forma razoável e transparente; e 6: Não pode haver priorização paga, dando vantagem a serviços que paguem extra…
Em 17 de julho de 2017, um documento assinado por 200 pioneiros da Internet, criticava tecnicamente a decisão da FCC e, em dezembro, um conjunto de 20 das mais conhecidas personalidades da Internet redigiu uma carta aberta onde, quase literalmente, argumentava que a “FCC não havia entendido o que era a Internet”. Entre os signatários, Steve Crocker, Steve Wozniak, Tim Berners-Lee, Vint Cerf e outros. O parágrafo final da carta conclamava o chefe da FCC Ajit Pai, que cancelasse a votação “apressada e tecnicamente falha”, que visava a abolir as proteções de neutralidade da rede: “Um risco iminente à Internet que trabalhamos tanto em criar”.
Para a FCC ter poder de regular algo, isso deve ser considerado um “serviço de telecomunicação”. Com a votação de abril, o fornecimento de banda larga volta a ser um serviço de telecomunicação e, com isso, sujeito à regulação nos termos que a decisão de 2017 definia. Estou entre os que se alegram bastante com essa retomada da neutralidade. Pode, entretanto, não ser um sentimento unânime... Aguardemos os desdobramentos.