O efeito lateral da tecnologia é sua interferência na linguagem. Mas arrisco colocar minha colher torta nisso: causa um certo desconforto ver a introdução descuidada de novos vocábulos. A área de tecnologia, que sempre está à frente em novidades, precisa que palavras sejam criadas, que neologismos que expressem melhor novos entes e conceitos sejam adicionados. Nada há de errado nisso, mas deveríamos ter cuidado na ânsia de nos mostrarmos “atualizados”. Penso que há, ao menos, três aspectos a avaliar no momento de usarmos um neologismo ou um estrangeirismo: que sua necessidade seja real (não apenas um sinônimo charmoso de palavra já existente), que se busque, assim que possível, seu “aportuguesamento” conforme as regras da linguagem, e que, na criação de eventuais compostos, respeitemos as regras e a semântica dos radicais usados (por exemplo, com terminações como “fobia”, que significa medo, etc).
Por aqui, adotou-se “futebol”, a versão em português do importado “football” (e que prevaleceu sobre propostas bizarras, como “ludopédio” ou “pedibólio”). Nesse caso, não há como, nem porque, insistir numa inglória luta ao que caiu no uso popular. A mesma lógica gerou abajur, charme, sutiã e, recentemente, copidesque (copydesk), leiaute (layout), becape (backup) - vocábulos “aportuguesados” que enriquecem o idioma.
O risco é que, no desejo de inovar, esquecem-se expressões preexistentes perfeitas. Precisaríamos de “delivery” no lugar de nossa antiga “entrega a domicílio”? (e, sendo proparoxítona, que ao menos se gravasse “delíveri”). A disseminação de “delivery” parece irreprimível, mas por que usamos “printar” no lugar de “imprimir”, ou “off” se temos a palavra “desconto”? Monstrengos ainda piores grassam por aí: outro dia mesmo ouvi no rádio “profitizar” no sentido de lucrar, render (do inglês “profit”).
Há quem use “bet” como sinônimo de “aposta” e “odds” como alternativa para “probabidade”. Parece que um “poder oculto” é conferido para quem utiliza palavras importadas, mesmo quando há sua conhecida correspondente nacional.
Um último ponto que, talvez, mereça alguma atenção é o uso de sons de caracteres que não faziam parte do idioma de Camões. Esses estrangeirismos ainda não “aportuguesados”, segundo Napoleão Mendes de Almeida, deveriam aparecer apoiados em muletas: aspas ou itálico. Ouvir um “i” ter som de “ai”, como em “site”, dificulta os que estão aprendendo português. O brilhante e saudoso Millôr escrevia “saite” para sítio na internet: uma palavra que os anglófonos importaram do latim e nós, ao reimportarmos, aceitamos usar seu “i” com som de “ai”.
Miremo-nos no exemplo de futebol, basquete, beque, que se “vestiram de português” para bem frequentar nossa língua. Para encerrar a encrenca em que me meti, leio que, depois de Carlos I, e Carlos II, temos agora Charles III. Se no passado nomes de reis eram convertidos ao nosso idioma sempre que possível, agora os mantemos na língua de origem? Não será mais Luiz XV, mas Louis XV? Teremos Richard, the Lionheart em lugar de Ricardo Coração de Leão? Pedro, o Grande, passará a Pyotr?