Apple construiu um império com a China, mas parceria entre as gigantes pode estar ruindo


Por problemas geopolíticos e locais no país asiático, companhia americana enfrenta baixa produção do iPhone, o que afeta vendas de fim de ano

Por Tripp Mickle, Chang Che e Daisuke Wakabayashi

THE NEW YORK TIMES - Todo mês de setembro, a Apple apresenta novos smartphones em seu campus futurista no Vale do Silício, na Califórnia, Estados Unidos. Algumas semanas depois, dezenas de milhões de seus aparelhos mais recentes, montados por legiões de trabalhadores sazonais contratados por seus fornecedores, são enviados de fábricas chinesas para clientes do mundo todo.

O lançamento anual do iPhone da Apple geralmente funciona como um mecanismo muito bem ajustado, um excelente exemplo de como a gigante de tecnologia dos Estados Unidos se tornou a empresa mais lucrativa da era da globalização por saber se aproveitar perfeitamente das maiores economias do mundo.

Mas, neste ano, o lançamento do iPhone 14 foi a mais recente vítima das crescentes dificuldades de produzir na China. A abordagem irrestrita de Pequim para deter a covid-19 e o aumento das tensões com os Estados Unidos forçaram a Apple a reexaminar os principais aspectos de seus negócios.

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Um recente surto de casos de coronavírus na região da maior fábrica de iPhones da Apple, em Zhengzhou, no centro da China, levou as autoridades locais a ordenar um lockdown de sete dias na semana passada. Como resultado, a empresa disse no domingo que não conseguirá produzir celulares suficientes para atender às demandas da temporada de festas de fim de ano.

Questão de geopolítica

Durante grande parte deste ano, a Apple também foi o foco de uma intervenção bipartidária em Washington, onde o alerta diante das provocações militares e ambições tecnológicas de Pequim derrubou a ortodoxia sobre o livre comércio.

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Em março, surgiram rumores de que a Apple estava em negociações com uma obscura fabricante chinesa de chips de memória, a Yangtze Memory Technology Corporation, ou YMTC, para fornecer componentes para o iPhone 14.

Isso colidiu com o trabalho feito por uma coalizão de parlamentares e mais de uma dúzia de assessores do Congresso americano, que passaram meses examinando os prós e contras da cadeia de suprimentos da Apple na China. No mês passado, o Departamento de Comércio emitiu restrições que proibiam as empresas americanas de vender maquinário para a YMTC, dificultando para a Apple avançar com o acordo.

A Apple está descobrindo que é a geopolítica que define os modelos de negócios – e não o contrário

Matthew Turpin, pesquisador da Hoover Institution

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A Apple confirmou publicamente que conversou com a YMTC, que não respondeu aos pedidos de comentários. Mas um porta-voz da Apple se recusou a comentar se a empresa havia abandonado a possibilidade de trabalhar com a fabricante chinesa.

Os acontecimentos recentes ressaltam como os laços estreitos da Apple com a China, antes considerados uma força de seus negócios, se transformaram em ponto fraco.

“A Apple está descobrindo que é a geopolítica que define os modelos de negócios – e não o contrário”, disse Matthew Turpin, pesquisador visitante da Hoover Institution especializado em política americana em relação à China. “Toda essa coleção de riscos da cadeia de suprimentos está criando um grande problema para eles”.

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O líder da China, Xi Jinping, forçou os líderes empresariais a reconsiderar antigos pressupostos sobre a operação no país. Por várias décadas, o crescimento econômico foi a principal prioridade do governo chinês. Mas Xi usou um importante congresso do Partido Comunista no mês passado para deixar claro que as questões de segurança e os pontos de vista mais ideológicos do partido teriam precedência sobre as preocupações comerciais.

A política de “covid zero” de Xi desacelerou a produção fabril e estrangulou o crescimento econômico do país, e seu governo enfrentou pressão de mercados e líderes empresariais para aliviar as restrições. Mas não sinalizou claramente que fará qualquer mudança.

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Vendas mais fracas em 2022

Afrouxar as restrições da covid pode permitir que a Apple atenda a parte da demanda, mas a empresa ainda perderá vendas nesta temporada de festas, disse Jeff Fieldhack, analista da Counterpoint Research, uma empresa de pesquisa de tecnologia.

Seria difícil para a Apple se desvencilhar da China. A empresa passou duas décadas trabalhando com parceiros para construir fábricas enormes, apoiadas por uma vasta rede de fornecedores no país. Com o tempo, foi adicionando mais componentes chineses aos seus produtos e se beneficiou de seus preços mais baixos.

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Em uma tentativa de limitar sua exposição à China, a Apple começou a fabricar uma pequena porcentagem de seus mais novos iPhones na Índia e transferiu a produção de vários outros produtos para o Vietnã. Mas ambos os mercados oferecem fábricas com apenas dezenas de milhares de trabalhadores – uma pequena fração da escala de que a Apple desfruta na China, onde seus parceiros empregam cerca de três milhões de trabalhadores.

A Apple depende de fábricas como de Zhengzhou, que é operada pela Foxconn, sua maior parceira de montagem. Quando os casos de covid-19 começaram a aumentar na área, a Foxconn fechou seus cerca de 200 mil trabalhadores dentro de uma fábrica que pode produzir até 85% dos iPhones do mundo todo, de acordo com a Counterpoint Research. Não demorou muito para que a covid começasse a se espalhar e a Foxconn enfrentasse dificuldades para equilibrar as demandas de negócios com a rígida política pandêmica do país.

A fábrica Foxconn é responsável por produzir o iPhone na China, de onde o smartphone é vendido para o mundo Foto: Tyrone Siu/Reuters

Quando as histórias de agitação e escassez de alimentos inundaram as mídias sociais chinesas, os trabalhadores começaram a temer por suas vidas. Centenas fugiram. A montadora inicialmente ofereceu aos trabalhadores US$ 14 extras por dia para continuarem trabalhando. Mais tarde, quase quadruplicou esse valor, para US$ 55 por dia.

Quando as autoridades ordenaram o lockdown da região, a fábrica foi forçada a operar com “capacidade significativamente reduzida”, disse a Apple no domingo. Não está claro quando as operações retornarão à capacidade total.

A desaceleração da produção em Zhengzhou forçou a Apple a alertar aos investidores – pela terceira vez em três anos – que as interrupções da pandemia em suas operações na China afetariam as vendas.

Inspeção americana

Enquanto as rigorosas políticas de covid de Pequim vêm prejudicando os planos de produção do iPhone da Apple, Washington está observando cuidadosamente o que vai dentro de seus produtos.

A YMTC, a pequena fabricante chinesa de chips, foi fundada em 2016 com um investimento governamental de US$ 2,9 bilhões e a missão de ajudar a reduzir a dependência da China de fabricantes estrangeiros de chips.

A Apple, que se recusou a comentar, estava em negociações sobre um acordo de fornecimento com a empresa chinesa, segundo duas pessoas familiarizadas com as conversas. Os chips de memória, especialidade da YMTC, são um dos componentes mais caros do iPhone, respondendo por cerca de 25% de seus custos de material, segundo a Susquehanna International Group, uma empresa financeira.

Como a Apple ofereceria preços mais baixos para ganhar participação de mercado, a YMTC poderia ajudá-la a pressionar seus atuais fornecedores ocidentais a reduzir seus custos, disse Walter Coon, analista de semicondutores do Yole Group, uma empresa de pesquisa de mercado.

Mas a importância da YMTC para a China a tornou alvo de pesquisadores de segurança nacional dos Estados Unidos. No final de 2020, uma equipe liderada por James Mulvenon, linguista e pesquisador da empresa de defesa SOS International, divulgou um relatório de 17 páginas que detalhava as conexões da YMTC, por meio de sua controladora, a Tsinghua Unigroup, com entidades que vendiam produtos para o exército chinês.

Nunca fez sentido agrupar toda a cadeia de suprimentos em um país que era a mais potente ameaça cibernética para os Estados Unidos

James Mulvenon, pesquisador da SOS International

Em fevereiro de 2021, Mulvenon apresentou suas descobertas a cerca de duas dúzias de assessores republicanos e democratas no Capitólio. Ele delineou os riscos que acreditava que a YMTC representava, porque seus subsídios governamentais poderiam capacitá-la a reduzir os preços dos concorrentes.

“Nunca fez sentido agrupar toda a cadeia de suprimentos em um país que era a mais potente ameaça cibernética para os Estados Unidos”, disse Mulvenon.

Enquanto a Apple se preparava para o lançamento do iPhone neste ano, analistas do Credit Suisse divulgaram um relatório dizendo que a Apple talvez incluísse chips YMTC nos próximos modelos. Embora a Apple e a YMTC não tenham confirmado nem negado o relatório, o possível acordo levou parlamentares, entre eles os senadores Chuck Schumer, democrata de Nova York e líder da maioria, e Marco Rubio, republicano da Flórida e membro do Comitê de Inteligência do Senado, a enviar cartas instando o governo Biden a investigar os planos da Apple.

Autoridades da indústria de semicondutores também levantaram junto aos parlamentares preocupações de que a Apple tenha ajudado a recrutar engenheiros de empresas ocidentais para ajudar a YMTC a melhorar sua produção, segundo três pessoas familiarizadas com o assunto.

Mais tarde, a Apple procurou tranquilizar os parlamentares dizendo que usaria chips YMTC apenas nos iPhones vendidos na China. Mas isso não atendeu à maior preocupação dos líderes do Congresso de que qualquer compra da YMTC prejudicaria o mercado de chips de memória.

Os parlamentares instaram Gina Raimondo, a secretária de comércio, a colocar a YMTC na “lista de entidades” dos Estados Unidos, uma designação que a impediria de comprar tecnologia e componentes americanos. O departamento chegou perto de fazê-lo em 7 de outubro, quando impôs restrições à exportação para a YMTC e 30 empresas que se acredita terem ligações com o exército chinês.

As novas restrições custaram à YMTC o acesso a máquinas americanas fundamentais para uma nova fábrica em Wuhan e podem limitar sua capacidade de trabalhar com uma empresa como a Apple.

Nos dias seguintes à imposição das restrições, o jornal japonês Nikkei publicou uma reportagem dizendo que a Apple havia desistido de seus planos de usar a YMTC. Um porta-voz da Apple se recusou a comentar se a matéria do Nikkei estava correta.

Os parlamentares continuam pressionando a Apple e a YMTC.

Em uma declaração ao New York Times, Rubio disse, referindo-se ao executivo-chefe da Apple: “Se Tim Cook entende os riscos que a YMTC e o resto dos esforços de fabricação de chips do Partido Comunista Chinês representam para a segurança nacional dos Estados Unidos e de nossos aliados, então ele e sua empresa devem se comprometer claramente a não prosseguir”. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

Ana Swanson e Edward Wong contribuíram com reportagem em Washington.

THE NEW YORK TIMES - Todo mês de setembro, a Apple apresenta novos smartphones em seu campus futurista no Vale do Silício, na Califórnia, Estados Unidos. Algumas semanas depois, dezenas de milhões de seus aparelhos mais recentes, montados por legiões de trabalhadores sazonais contratados por seus fornecedores, são enviados de fábricas chinesas para clientes do mundo todo.

O lançamento anual do iPhone da Apple geralmente funciona como um mecanismo muito bem ajustado, um excelente exemplo de como a gigante de tecnologia dos Estados Unidos se tornou a empresa mais lucrativa da era da globalização por saber se aproveitar perfeitamente das maiores economias do mundo.

Mas, neste ano, o lançamento do iPhone 14 foi a mais recente vítima das crescentes dificuldades de produzir na China. A abordagem irrestrita de Pequim para deter a covid-19 e o aumento das tensões com os Estados Unidos forçaram a Apple a reexaminar os principais aspectos de seus negócios.

Um recente surto de casos de coronavírus na região da maior fábrica de iPhones da Apple, em Zhengzhou, no centro da China, levou as autoridades locais a ordenar um lockdown de sete dias na semana passada. Como resultado, a empresa disse no domingo que não conseguirá produzir celulares suficientes para atender às demandas da temporada de festas de fim de ano.

Questão de geopolítica

Durante grande parte deste ano, a Apple também foi o foco de uma intervenção bipartidária em Washington, onde o alerta diante das provocações militares e ambições tecnológicas de Pequim derrubou a ortodoxia sobre o livre comércio.

Em março, surgiram rumores de que a Apple estava em negociações com uma obscura fabricante chinesa de chips de memória, a Yangtze Memory Technology Corporation, ou YMTC, para fornecer componentes para o iPhone 14.

Isso colidiu com o trabalho feito por uma coalizão de parlamentares e mais de uma dúzia de assessores do Congresso americano, que passaram meses examinando os prós e contras da cadeia de suprimentos da Apple na China. No mês passado, o Departamento de Comércio emitiu restrições que proibiam as empresas americanas de vender maquinário para a YMTC, dificultando para a Apple avançar com o acordo.

A Apple está descobrindo que é a geopolítica que define os modelos de negócios – e não o contrário

Matthew Turpin, pesquisador da Hoover Institution

A Apple confirmou publicamente que conversou com a YMTC, que não respondeu aos pedidos de comentários. Mas um porta-voz da Apple se recusou a comentar se a empresa havia abandonado a possibilidade de trabalhar com a fabricante chinesa.

Os acontecimentos recentes ressaltam como os laços estreitos da Apple com a China, antes considerados uma força de seus negócios, se transformaram em ponto fraco.

“A Apple está descobrindo que é a geopolítica que define os modelos de negócios – e não o contrário”, disse Matthew Turpin, pesquisador visitante da Hoover Institution especializado em política americana em relação à China. “Toda essa coleção de riscos da cadeia de suprimentos está criando um grande problema para eles”.

O líder da China, Xi Jinping, forçou os líderes empresariais a reconsiderar antigos pressupostos sobre a operação no país. Por várias décadas, o crescimento econômico foi a principal prioridade do governo chinês. Mas Xi usou um importante congresso do Partido Comunista no mês passado para deixar claro que as questões de segurança e os pontos de vista mais ideológicos do partido teriam precedência sobre as preocupações comerciais.

A política de “covid zero” de Xi desacelerou a produção fabril e estrangulou o crescimento econômico do país, e seu governo enfrentou pressão de mercados e líderes empresariais para aliviar as restrições. Mas não sinalizou claramente que fará qualquer mudança.

Vendas mais fracas em 2022

Afrouxar as restrições da covid pode permitir que a Apple atenda a parte da demanda, mas a empresa ainda perderá vendas nesta temporada de festas, disse Jeff Fieldhack, analista da Counterpoint Research, uma empresa de pesquisa de tecnologia.

Seria difícil para a Apple se desvencilhar da China. A empresa passou duas décadas trabalhando com parceiros para construir fábricas enormes, apoiadas por uma vasta rede de fornecedores no país. Com o tempo, foi adicionando mais componentes chineses aos seus produtos e se beneficiou de seus preços mais baixos.

Em uma tentativa de limitar sua exposição à China, a Apple começou a fabricar uma pequena porcentagem de seus mais novos iPhones na Índia e transferiu a produção de vários outros produtos para o Vietnã. Mas ambos os mercados oferecem fábricas com apenas dezenas de milhares de trabalhadores – uma pequena fração da escala de que a Apple desfruta na China, onde seus parceiros empregam cerca de três milhões de trabalhadores.

A Apple depende de fábricas como de Zhengzhou, que é operada pela Foxconn, sua maior parceira de montagem. Quando os casos de covid-19 começaram a aumentar na área, a Foxconn fechou seus cerca de 200 mil trabalhadores dentro de uma fábrica que pode produzir até 85% dos iPhones do mundo todo, de acordo com a Counterpoint Research. Não demorou muito para que a covid começasse a se espalhar e a Foxconn enfrentasse dificuldades para equilibrar as demandas de negócios com a rígida política pandêmica do país.

A fábrica Foxconn é responsável por produzir o iPhone na China, de onde o smartphone é vendido para o mundo Foto: Tyrone Siu/Reuters

Quando as histórias de agitação e escassez de alimentos inundaram as mídias sociais chinesas, os trabalhadores começaram a temer por suas vidas. Centenas fugiram. A montadora inicialmente ofereceu aos trabalhadores US$ 14 extras por dia para continuarem trabalhando. Mais tarde, quase quadruplicou esse valor, para US$ 55 por dia.

Quando as autoridades ordenaram o lockdown da região, a fábrica foi forçada a operar com “capacidade significativamente reduzida”, disse a Apple no domingo. Não está claro quando as operações retornarão à capacidade total.

A desaceleração da produção em Zhengzhou forçou a Apple a alertar aos investidores – pela terceira vez em três anos – que as interrupções da pandemia em suas operações na China afetariam as vendas.

Inspeção americana

Enquanto as rigorosas políticas de covid de Pequim vêm prejudicando os planos de produção do iPhone da Apple, Washington está observando cuidadosamente o que vai dentro de seus produtos.

A YMTC, a pequena fabricante chinesa de chips, foi fundada em 2016 com um investimento governamental de US$ 2,9 bilhões e a missão de ajudar a reduzir a dependência da China de fabricantes estrangeiros de chips.

A Apple, que se recusou a comentar, estava em negociações sobre um acordo de fornecimento com a empresa chinesa, segundo duas pessoas familiarizadas com as conversas. Os chips de memória, especialidade da YMTC, são um dos componentes mais caros do iPhone, respondendo por cerca de 25% de seus custos de material, segundo a Susquehanna International Group, uma empresa financeira.

Como a Apple ofereceria preços mais baixos para ganhar participação de mercado, a YMTC poderia ajudá-la a pressionar seus atuais fornecedores ocidentais a reduzir seus custos, disse Walter Coon, analista de semicondutores do Yole Group, uma empresa de pesquisa de mercado.

Mas a importância da YMTC para a China a tornou alvo de pesquisadores de segurança nacional dos Estados Unidos. No final de 2020, uma equipe liderada por James Mulvenon, linguista e pesquisador da empresa de defesa SOS International, divulgou um relatório de 17 páginas que detalhava as conexões da YMTC, por meio de sua controladora, a Tsinghua Unigroup, com entidades que vendiam produtos para o exército chinês.

Nunca fez sentido agrupar toda a cadeia de suprimentos em um país que era a mais potente ameaça cibernética para os Estados Unidos

James Mulvenon, pesquisador da SOS International

Em fevereiro de 2021, Mulvenon apresentou suas descobertas a cerca de duas dúzias de assessores republicanos e democratas no Capitólio. Ele delineou os riscos que acreditava que a YMTC representava, porque seus subsídios governamentais poderiam capacitá-la a reduzir os preços dos concorrentes.

“Nunca fez sentido agrupar toda a cadeia de suprimentos em um país que era a mais potente ameaça cibernética para os Estados Unidos”, disse Mulvenon.

Enquanto a Apple se preparava para o lançamento do iPhone neste ano, analistas do Credit Suisse divulgaram um relatório dizendo que a Apple talvez incluísse chips YMTC nos próximos modelos. Embora a Apple e a YMTC não tenham confirmado nem negado o relatório, o possível acordo levou parlamentares, entre eles os senadores Chuck Schumer, democrata de Nova York e líder da maioria, e Marco Rubio, republicano da Flórida e membro do Comitê de Inteligência do Senado, a enviar cartas instando o governo Biden a investigar os planos da Apple.

Autoridades da indústria de semicondutores também levantaram junto aos parlamentares preocupações de que a Apple tenha ajudado a recrutar engenheiros de empresas ocidentais para ajudar a YMTC a melhorar sua produção, segundo três pessoas familiarizadas com o assunto.

Mais tarde, a Apple procurou tranquilizar os parlamentares dizendo que usaria chips YMTC apenas nos iPhones vendidos na China. Mas isso não atendeu à maior preocupação dos líderes do Congresso de que qualquer compra da YMTC prejudicaria o mercado de chips de memória.

Os parlamentares instaram Gina Raimondo, a secretária de comércio, a colocar a YMTC na “lista de entidades” dos Estados Unidos, uma designação que a impediria de comprar tecnologia e componentes americanos. O departamento chegou perto de fazê-lo em 7 de outubro, quando impôs restrições à exportação para a YMTC e 30 empresas que se acredita terem ligações com o exército chinês.

As novas restrições custaram à YMTC o acesso a máquinas americanas fundamentais para uma nova fábrica em Wuhan e podem limitar sua capacidade de trabalhar com uma empresa como a Apple.

Nos dias seguintes à imposição das restrições, o jornal japonês Nikkei publicou uma reportagem dizendo que a Apple havia desistido de seus planos de usar a YMTC. Um porta-voz da Apple se recusou a comentar se a matéria do Nikkei estava correta.

Os parlamentares continuam pressionando a Apple e a YMTC.

Em uma declaração ao New York Times, Rubio disse, referindo-se ao executivo-chefe da Apple: “Se Tim Cook entende os riscos que a YMTC e o resto dos esforços de fabricação de chips do Partido Comunista Chinês representam para a segurança nacional dos Estados Unidos e de nossos aliados, então ele e sua empresa devem se comprometer claramente a não prosseguir”. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

Ana Swanson e Edward Wong contribuíram com reportagem em Washington.

THE NEW YORK TIMES - Todo mês de setembro, a Apple apresenta novos smartphones em seu campus futurista no Vale do Silício, na Califórnia, Estados Unidos. Algumas semanas depois, dezenas de milhões de seus aparelhos mais recentes, montados por legiões de trabalhadores sazonais contratados por seus fornecedores, são enviados de fábricas chinesas para clientes do mundo todo.

O lançamento anual do iPhone da Apple geralmente funciona como um mecanismo muito bem ajustado, um excelente exemplo de como a gigante de tecnologia dos Estados Unidos se tornou a empresa mais lucrativa da era da globalização por saber se aproveitar perfeitamente das maiores economias do mundo.

Mas, neste ano, o lançamento do iPhone 14 foi a mais recente vítima das crescentes dificuldades de produzir na China. A abordagem irrestrita de Pequim para deter a covid-19 e o aumento das tensões com os Estados Unidos forçaram a Apple a reexaminar os principais aspectos de seus negócios.

Um recente surto de casos de coronavírus na região da maior fábrica de iPhones da Apple, em Zhengzhou, no centro da China, levou as autoridades locais a ordenar um lockdown de sete dias na semana passada. Como resultado, a empresa disse no domingo que não conseguirá produzir celulares suficientes para atender às demandas da temporada de festas de fim de ano.

Questão de geopolítica

Durante grande parte deste ano, a Apple também foi o foco de uma intervenção bipartidária em Washington, onde o alerta diante das provocações militares e ambições tecnológicas de Pequim derrubou a ortodoxia sobre o livre comércio.

Em março, surgiram rumores de que a Apple estava em negociações com uma obscura fabricante chinesa de chips de memória, a Yangtze Memory Technology Corporation, ou YMTC, para fornecer componentes para o iPhone 14.

Isso colidiu com o trabalho feito por uma coalizão de parlamentares e mais de uma dúzia de assessores do Congresso americano, que passaram meses examinando os prós e contras da cadeia de suprimentos da Apple na China. No mês passado, o Departamento de Comércio emitiu restrições que proibiam as empresas americanas de vender maquinário para a YMTC, dificultando para a Apple avançar com o acordo.

A Apple está descobrindo que é a geopolítica que define os modelos de negócios – e não o contrário

Matthew Turpin, pesquisador da Hoover Institution

A Apple confirmou publicamente que conversou com a YMTC, que não respondeu aos pedidos de comentários. Mas um porta-voz da Apple se recusou a comentar se a empresa havia abandonado a possibilidade de trabalhar com a fabricante chinesa.

Os acontecimentos recentes ressaltam como os laços estreitos da Apple com a China, antes considerados uma força de seus negócios, se transformaram em ponto fraco.

“A Apple está descobrindo que é a geopolítica que define os modelos de negócios – e não o contrário”, disse Matthew Turpin, pesquisador visitante da Hoover Institution especializado em política americana em relação à China. “Toda essa coleção de riscos da cadeia de suprimentos está criando um grande problema para eles”.

O líder da China, Xi Jinping, forçou os líderes empresariais a reconsiderar antigos pressupostos sobre a operação no país. Por várias décadas, o crescimento econômico foi a principal prioridade do governo chinês. Mas Xi usou um importante congresso do Partido Comunista no mês passado para deixar claro que as questões de segurança e os pontos de vista mais ideológicos do partido teriam precedência sobre as preocupações comerciais.

A política de “covid zero” de Xi desacelerou a produção fabril e estrangulou o crescimento econômico do país, e seu governo enfrentou pressão de mercados e líderes empresariais para aliviar as restrições. Mas não sinalizou claramente que fará qualquer mudança.

Vendas mais fracas em 2022

Afrouxar as restrições da covid pode permitir que a Apple atenda a parte da demanda, mas a empresa ainda perderá vendas nesta temporada de festas, disse Jeff Fieldhack, analista da Counterpoint Research, uma empresa de pesquisa de tecnologia.

Seria difícil para a Apple se desvencilhar da China. A empresa passou duas décadas trabalhando com parceiros para construir fábricas enormes, apoiadas por uma vasta rede de fornecedores no país. Com o tempo, foi adicionando mais componentes chineses aos seus produtos e se beneficiou de seus preços mais baixos.

Em uma tentativa de limitar sua exposição à China, a Apple começou a fabricar uma pequena porcentagem de seus mais novos iPhones na Índia e transferiu a produção de vários outros produtos para o Vietnã. Mas ambos os mercados oferecem fábricas com apenas dezenas de milhares de trabalhadores – uma pequena fração da escala de que a Apple desfruta na China, onde seus parceiros empregam cerca de três milhões de trabalhadores.

A Apple depende de fábricas como de Zhengzhou, que é operada pela Foxconn, sua maior parceira de montagem. Quando os casos de covid-19 começaram a aumentar na área, a Foxconn fechou seus cerca de 200 mil trabalhadores dentro de uma fábrica que pode produzir até 85% dos iPhones do mundo todo, de acordo com a Counterpoint Research. Não demorou muito para que a covid começasse a se espalhar e a Foxconn enfrentasse dificuldades para equilibrar as demandas de negócios com a rígida política pandêmica do país.

A fábrica Foxconn é responsável por produzir o iPhone na China, de onde o smartphone é vendido para o mundo Foto: Tyrone Siu/Reuters

Quando as histórias de agitação e escassez de alimentos inundaram as mídias sociais chinesas, os trabalhadores começaram a temer por suas vidas. Centenas fugiram. A montadora inicialmente ofereceu aos trabalhadores US$ 14 extras por dia para continuarem trabalhando. Mais tarde, quase quadruplicou esse valor, para US$ 55 por dia.

Quando as autoridades ordenaram o lockdown da região, a fábrica foi forçada a operar com “capacidade significativamente reduzida”, disse a Apple no domingo. Não está claro quando as operações retornarão à capacidade total.

A desaceleração da produção em Zhengzhou forçou a Apple a alertar aos investidores – pela terceira vez em três anos – que as interrupções da pandemia em suas operações na China afetariam as vendas.

Inspeção americana

Enquanto as rigorosas políticas de covid de Pequim vêm prejudicando os planos de produção do iPhone da Apple, Washington está observando cuidadosamente o que vai dentro de seus produtos.

A YMTC, a pequena fabricante chinesa de chips, foi fundada em 2016 com um investimento governamental de US$ 2,9 bilhões e a missão de ajudar a reduzir a dependência da China de fabricantes estrangeiros de chips.

A Apple, que se recusou a comentar, estava em negociações sobre um acordo de fornecimento com a empresa chinesa, segundo duas pessoas familiarizadas com as conversas. Os chips de memória, especialidade da YMTC, são um dos componentes mais caros do iPhone, respondendo por cerca de 25% de seus custos de material, segundo a Susquehanna International Group, uma empresa financeira.

Como a Apple ofereceria preços mais baixos para ganhar participação de mercado, a YMTC poderia ajudá-la a pressionar seus atuais fornecedores ocidentais a reduzir seus custos, disse Walter Coon, analista de semicondutores do Yole Group, uma empresa de pesquisa de mercado.

Mas a importância da YMTC para a China a tornou alvo de pesquisadores de segurança nacional dos Estados Unidos. No final de 2020, uma equipe liderada por James Mulvenon, linguista e pesquisador da empresa de defesa SOS International, divulgou um relatório de 17 páginas que detalhava as conexões da YMTC, por meio de sua controladora, a Tsinghua Unigroup, com entidades que vendiam produtos para o exército chinês.

Nunca fez sentido agrupar toda a cadeia de suprimentos em um país que era a mais potente ameaça cibernética para os Estados Unidos

James Mulvenon, pesquisador da SOS International

Em fevereiro de 2021, Mulvenon apresentou suas descobertas a cerca de duas dúzias de assessores republicanos e democratas no Capitólio. Ele delineou os riscos que acreditava que a YMTC representava, porque seus subsídios governamentais poderiam capacitá-la a reduzir os preços dos concorrentes.

“Nunca fez sentido agrupar toda a cadeia de suprimentos em um país que era a mais potente ameaça cibernética para os Estados Unidos”, disse Mulvenon.

Enquanto a Apple se preparava para o lançamento do iPhone neste ano, analistas do Credit Suisse divulgaram um relatório dizendo que a Apple talvez incluísse chips YMTC nos próximos modelos. Embora a Apple e a YMTC não tenham confirmado nem negado o relatório, o possível acordo levou parlamentares, entre eles os senadores Chuck Schumer, democrata de Nova York e líder da maioria, e Marco Rubio, republicano da Flórida e membro do Comitê de Inteligência do Senado, a enviar cartas instando o governo Biden a investigar os planos da Apple.

Autoridades da indústria de semicondutores também levantaram junto aos parlamentares preocupações de que a Apple tenha ajudado a recrutar engenheiros de empresas ocidentais para ajudar a YMTC a melhorar sua produção, segundo três pessoas familiarizadas com o assunto.

Mais tarde, a Apple procurou tranquilizar os parlamentares dizendo que usaria chips YMTC apenas nos iPhones vendidos na China. Mas isso não atendeu à maior preocupação dos líderes do Congresso de que qualquer compra da YMTC prejudicaria o mercado de chips de memória.

Os parlamentares instaram Gina Raimondo, a secretária de comércio, a colocar a YMTC na “lista de entidades” dos Estados Unidos, uma designação que a impediria de comprar tecnologia e componentes americanos. O departamento chegou perto de fazê-lo em 7 de outubro, quando impôs restrições à exportação para a YMTC e 30 empresas que se acredita terem ligações com o exército chinês.

As novas restrições custaram à YMTC o acesso a máquinas americanas fundamentais para uma nova fábrica em Wuhan e podem limitar sua capacidade de trabalhar com uma empresa como a Apple.

Nos dias seguintes à imposição das restrições, o jornal japonês Nikkei publicou uma reportagem dizendo que a Apple havia desistido de seus planos de usar a YMTC. Um porta-voz da Apple se recusou a comentar se a matéria do Nikkei estava correta.

Os parlamentares continuam pressionando a Apple e a YMTC.

Em uma declaração ao New York Times, Rubio disse, referindo-se ao executivo-chefe da Apple: “Se Tim Cook entende os riscos que a YMTC e o resto dos esforços de fabricação de chips do Partido Comunista Chinês representam para a segurança nacional dos Estados Unidos e de nossos aliados, então ele e sua empresa devem se comprometer claramente a não prosseguir”. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

Ana Swanson e Edward Wong contribuíram com reportagem em Washington.

THE NEW YORK TIMES - Todo mês de setembro, a Apple apresenta novos smartphones em seu campus futurista no Vale do Silício, na Califórnia, Estados Unidos. Algumas semanas depois, dezenas de milhões de seus aparelhos mais recentes, montados por legiões de trabalhadores sazonais contratados por seus fornecedores, são enviados de fábricas chinesas para clientes do mundo todo.

O lançamento anual do iPhone da Apple geralmente funciona como um mecanismo muito bem ajustado, um excelente exemplo de como a gigante de tecnologia dos Estados Unidos se tornou a empresa mais lucrativa da era da globalização por saber se aproveitar perfeitamente das maiores economias do mundo.

Mas, neste ano, o lançamento do iPhone 14 foi a mais recente vítima das crescentes dificuldades de produzir na China. A abordagem irrestrita de Pequim para deter a covid-19 e o aumento das tensões com os Estados Unidos forçaram a Apple a reexaminar os principais aspectos de seus negócios.

Um recente surto de casos de coronavírus na região da maior fábrica de iPhones da Apple, em Zhengzhou, no centro da China, levou as autoridades locais a ordenar um lockdown de sete dias na semana passada. Como resultado, a empresa disse no domingo que não conseguirá produzir celulares suficientes para atender às demandas da temporada de festas de fim de ano.

Questão de geopolítica

Durante grande parte deste ano, a Apple também foi o foco de uma intervenção bipartidária em Washington, onde o alerta diante das provocações militares e ambições tecnológicas de Pequim derrubou a ortodoxia sobre o livre comércio.

Em março, surgiram rumores de que a Apple estava em negociações com uma obscura fabricante chinesa de chips de memória, a Yangtze Memory Technology Corporation, ou YMTC, para fornecer componentes para o iPhone 14.

Isso colidiu com o trabalho feito por uma coalizão de parlamentares e mais de uma dúzia de assessores do Congresso americano, que passaram meses examinando os prós e contras da cadeia de suprimentos da Apple na China. No mês passado, o Departamento de Comércio emitiu restrições que proibiam as empresas americanas de vender maquinário para a YMTC, dificultando para a Apple avançar com o acordo.

A Apple está descobrindo que é a geopolítica que define os modelos de negócios – e não o contrário

Matthew Turpin, pesquisador da Hoover Institution

A Apple confirmou publicamente que conversou com a YMTC, que não respondeu aos pedidos de comentários. Mas um porta-voz da Apple se recusou a comentar se a empresa havia abandonado a possibilidade de trabalhar com a fabricante chinesa.

Os acontecimentos recentes ressaltam como os laços estreitos da Apple com a China, antes considerados uma força de seus negócios, se transformaram em ponto fraco.

“A Apple está descobrindo que é a geopolítica que define os modelos de negócios – e não o contrário”, disse Matthew Turpin, pesquisador visitante da Hoover Institution especializado em política americana em relação à China. “Toda essa coleção de riscos da cadeia de suprimentos está criando um grande problema para eles”.

O líder da China, Xi Jinping, forçou os líderes empresariais a reconsiderar antigos pressupostos sobre a operação no país. Por várias décadas, o crescimento econômico foi a principal prioridade do governo chinês. Mas Xi usou um importante congresso do Partido Comunista no mês passado para deixar claro que as questões de segurança e os pontos de vista mais ideológicos do partido teriam precedência sobre as preocupações comerciais.

A política de “covid zero” de Xi desacelerou a produção fabril e estrangulou o crescimento econômico do país, e seu governo enfrentou pressão de mercados e líderes empresariais para aliviar as restrições. Mas não sinalizou claramente que fará qualquer mudança.

Vendas mais fracas em 2022

Afrouxar as restrições da covid pode permitir que a Apple atenda a parte da demanda, mas a empresa ainda perderá vendas nesta temporada de festas, disse Jeff Fieldhack, analista da Counterpoint Research, uma empresa de pesquisa de tecnologia.

Seria difícil para a Apple se desvencilhar da China. A empresa passou duas décadas trabalhando com parceiros para construir fábricas enormes, apoiadas por uma vasta rede de fornecedores no país. Com o tempo, foi adicionando mais componentes chineses aos seus produtos e se beneficiou de seus preços mais baixos.

Em uma tentativa de limitar sua exposição à China, a Apple começou a fabricar uma pequena porcentagem de seus mais novos iPhones na Índia e transferiu a produção de vários outros produtos para o Vietnã. Mas ambos os mercados oferecem fábricas com apenas dezenas de milhares de trabalhadores – uma pequena fração da escala de que a Apple desfruta na China, onde seus parceiros empregam cerca de três milhões de trabalhadores.

A Apple depende de fábricas como de Zhengzhou, que é operada pela Foxconn, sua maior parceira de montagem. Quando os casos de covid-19 começaram a aumentar na área, a Foxconn fechou seus cerca de 200 mil trabalhadores dentro de uma fábrica que pode produzir até 85% dos iPhones do mundo todo, de acordo com a Counterpoint Research. Não demorou muito para que a covid começasse a se espalhar e a Foxconn enfrentasse dificuldades para equilibrar as demandas de negócios com a rígida política pandêmica do país.

A fábrica Foxconn é responsável por produzir o iPhone na China, de onde o smartphone é vendido para o mundo Foto: Tyrone Siu/Reuters

Quando as histórias de agitação e escassez de alimentos inundaram as mídias sociais chinesas, os trabalhadores começaram a temer por suas vidas. Centenas fugiram. A montadora inicialmente ofereceu aos trabalhadores US$ 14 extras por dia para continuarem trabalhando. Mais tarde, quase quadruplicou esse valor, para US$ 55 por dia.

Quando as autoridades ordenaram o lockdown da região, a fábrica foi forçada a operar com “capacidade significativamente reduzida”, disse a Apple no domingo. Não está claro quando as operações retornarão à capacidade total.

A desaceleração da produção em Zhengzhou forçou a Apple a alertar aos investidores – pela terceira vez em três anos – que as interrupções da pandemia em suas operações na China afetariam as vendas.

Inspeção americana

Enquanto as rigorosas políticas de covid de Pequim vêm prejudicando os planos de produção do iPhone da Apple, Washington está observando cuidadosamente o que vai dentro de seus produtos.

A YMTC, a pequena fabricante chinesa de chips, foi fundada em 2016 com um investimento governamental de US$ 2,9 bilhões e a missão de ajudar a reduzir a dependência da China de fabricantes estrangeiros de chips.

A Apple, que se recusou a comentar, estava em negociações sobre um acordo de fornecimento com a empresa chinesa, segundo duas pessoas familiarizadas com as conversas. Os chips de memória, especialidade da YMTC, são um dos componentes mais caros do iPhone, respondendo por cerca de 25% de seus custos de material, segundo a Susquehanna International Group, uma empresa financeira.

Como a Apple ofereceria preços mais baixos para ganhar participação de mercado, a YMTC poderia ajudá-la a pressionar seus atuais fornecedores ocidentais a reduzir seus custos, disse Walter Coon, analista de semicondutores do Yole Group, uma empresa de pesquisa de mercado.

Mas a importância da YMTC para a China a tornou alvo de pesquisadores de segurança nacional dos Estados Unidos. No final de 2020, uma equipe liderada por James Mulvenon, linguista e pesquisador da empresa de defesa SOS International, divulgou um relatório de 17 páginas que detalhava as conexões da YMTC, por meio de sua controladora, a Tsinghua Unigroup, com entidades que vendiam produtos para o exército chinês.

Nunca fez sentido agrupar toda a cadeia de suprimentos em um país que era a mais potente ameaça cibernética para os Estados Unidos

James Mulvenon, pesquisador da SOS International

Em fevereiro de 2021, Mulvenon apresentou suas descobertas a cerca de duas dúzias de assessores republicanos e democratas no Capitólio. Ele delineou os riscos que acreditava que a YMTC representava, porque seus subsídios governamentais poderiam capacitá-la a reduzir os preços dos concorrentes.

“Nunca fez sentido agrupar toda a cadeia de suprimentos em um país que era a mais potente ameaça cibernética para os Estados Unidos”, disse Mulvenon.

Enquanto a Apple se preparava para o lançamento do iPhone neste ano, analistas do Credit Suisse divulgaram um relatório dizendo que a Apple talvez incluísse chips YMTC nos próximos modelos. Embora a Apple e a YMTC não tenham confirmado nem negado o relatório, o possível acordo levou parlamentares, entre eles os senadores Chuck Schumer, democrata de Nova York e líder da maioria, e Marco Rubio, republicano da Flórida e membro do Comitê de Inteligência do Senado, a enviar cartas instando o governo Biden a investigar os planos da Apple.

Autoridades da indústria de semicondutores também levantaram junto aos parlamentares preocupações de que a Apple tenha ajudado a recrutar engenheiros de empresas ocidentais para ajudar a YMTC a melhorar sua produção, segundo três pessoas familiarizadas com o assunto.

Mais tarde, a Apple procurou tranquilizar os parlamentares dizendo que usaria chips YMTC apenas nos iPhones vendidos na China. Mas isso não atendeu à maior preocupação dos líderes do Congresso de que qualquer compra da YMTC prejudicaria o mercado de chips de memória.

Os parlamentares instaram Gina Raimondo, a secretária de comércio, a colocar a YMTC na “lista de entidades” dos Estados Unidos, uma designação que a impediria de comprar tecnologia e componentes americanos. O departamento chegou perto de fazê-lo em 7 de outubro, quando impôs restrições à exportação para a YMTC e 30 empresas que se acredita terem ligações com o exército chinês.

As novas restrições custaram à YMTC o acesso a máquinas americanas fundamentais para uma nova fábrica em Wuhan e podem limitar sua capacidade de trabalhar com uma empresa como a Apple.

Nos dias seguintes à imposição das restrições, o jornal japonês Nikkei publicou uma reportagem dizendo que a Apple havia desistido de seus planos de usar a YMTC. Um porta-voz da Apple se recusou a comentar se a matéria do Nikkei estava correta.

Os parlamentares continuam pressionando a Apple e a YMTC.

Em uma declaração ao New York Times, Rubio disse, referindo-se ao executivo-chefe da Apple: “Se Tim Cook entende os riscos que a YMTC e o resto dos esforços de fabricação de chips do Partido Comunista Chinês representam para a segurança nacional dos Estados Unidos e de nossos aliados, então ele e sua empresa devem se comprometer claramente a não prosseguir”. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

Ana Swanson e Edward Wong contribuíram com reportagem em Washington.

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