Nesta semana, a Apple realizou seu principal evento do ano, apresentando a nova família do iPhone. Com uma hora e meia de duração, revelou como vai ser o próximo celular da firma e o novo relógio inteligente. Mas a companhia praticamente ignorou o principal assunto do mercado de tecnologia em 2023: inteligência artificial.
Na verdade, a companhia já havia ignorado o boom da IA em junho passado, quando revelou os óculos de realidade virtual da marca, batizados de Vision Pro, com vendas planejadas para começar no primeiro trimestre de 2024. O produto é o primeiro passo da empresa em direção ao metaverso — palavra que era favorita no mercado de tecnologia até a chegada do ChatGPT, em novembro do ano passado. Tanto na época como agora, a companhia não falou de IA.
Enquanto isso, gigantes como Google, Microsoft, Meta e Amazon anunciaram serviços e produtos com base em inteligência artificial generativa, nome dado à tecnologia que permite que o ChatGPT, por exemplo, crie textos, fórmulas, escreva códigos de programação e crie conteúdos. Startups do ramo floresceram, como Anthropic, Character.AI e, claro, a OpenAI, dona do ChatGPT.
Durante o período, a Apple permaneceu quieta, como de praxe. Sobre a tencnologia, a empresa se manifestou poucas vezes. Em entrevista à agência de notícia Reuters em agosto passado, o presidente executivo da Apple, Tim Cook, garantiu que a companhia está investindo em pesquisa e desenvolvimento (P&D), o que inclui inteligência IA generativa.
“Há anos fazemos pesquisas em uma ampla gama de tecnologias de IA, incluindo IA generativa. Vamos continuar investindo, inovando e avançando de forma responsável em nossos produtos com essas tecnologias para ajudar a enriquecer a vida das pessoas”, disse Cook à Reuters. “Obviamente, estamos investindo muito, e isso está aparecendo nos gastos com P&D.”
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Em outro momento, em maio, o CEO foi mais enfático: “O potencial da IA generativa e dos modelos amplos de linguagem é definitivamente promissor”, declarou durante conferência com investidores. “Mas há claramente uma série de questões e preocupações a serem abordadas e, por isso, acho que é muito importante ser deliberado e cuidadoso no desenvolvimento e na implantação desses modelos.”
Vale lembrar que a Apple já experimento com IA ao lançar a Siri, assistente de voz do iPhone 4S, lançado em 2011. Desde então, diversas rivais surgiram, como a Cortana, da Microsoft, o serviço do Google e, claro, a Alexa, da Amazon.
Porém, especialistas apontam que essas IAs de voz não inovaram o suficiente nos últimos anos. Com isso, elas perderam o espaço para a naturalidade da linguagem do ChatGPT e outros chatbots por texto — algo que as empresas certamente vão tentar recuperar nos próximos meses, visando tornar a utilização por voz mais natural.
Quem chega por último chega melhor?
Quando se trata do mercado de tecnologia, desbravar primeiro um mercado com uma inovação pode ser a diferença entre a vida e a morte das empresas — nem sempre é válido aquele velho ditado: “Quem chega por último chega melhor”. Mas, quando se trata de Apple, essa máxima pode se aplicar.
A dona do iPhone não é conhecida por lançar produtos antes das concorrentes, mas sim por aprimorá-los com versões mais finalizadas para o consumidor, com menos cara de protótipo. Foi assim com o iPod (tocadores de música portáteis já existiam), com o iPhone (smartphones começavam a surgir, mas ainda com aspecto de geringonças), iPad, Apple Watch e, mais recentemente, os óculos Vision Pro.
Dan Ives, consultor da WedBush
“Acreditamos que a Apple está jogando um jogo de longo prazo e estará focada em mais funcionalidades de IA em 2024″, explica ao Estadão o analista Dan Ives, da consultoria WedBush. Conhecido pelo otimismo com o futuro da empresa, ele aponta que a base de consumidores de mais de 1 bilhão de dispositivos conectados da marca é um impulso para entrar nesse ramo.
Ives aposta que a empresa deve aplicar recursos de IA na loja de aplicativos em 2025, após desembolsar mais de US$ 10 bilhões em pesquisas em inteligência artificial e aprendizado de máquina nos últimos anos, diz. “A Apple está sempre jogando xadrez, enquanto as outras jogam damas”, ressalta.
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A agência de notícias Bloomberg informou em julho passado que, em meio à onda do ChatGPT e similares, a Apple estaria planejando lançar uma solução própria de modelo amplo de linguagem, batizado internamente de Ajax. Essa estrutura permitiria que a companhia lançasse um “AppleGPT”, que poderia ser utilizado nos canais de compras das lojas digitais, por exemplo.
Caso a companhia fracasse na implementação de inteligência artificial generativa no ecossistema de produtos e serviços próprios, seu reinado na tecnologia pode estar ameaçado. As possibilidades e tentativas dos rivais são grandes: a Microsoft já experimenta com as tecnologias da OpenAI no buscador Bing e no pacote corporativo (que inclui o Word e PowerPoint). Enquanto isso, o Google desenvolve diversas IAs, como o Bard, que podem turbinar o sistema operacional Android.
Se tudo jogar contra, a Apple pode, pela primeira vez em muitos anos, ficar para trás. Ou seja, investir em IA pode ser questão fundamental para o futuro da empresa.
Apple aposta em IA ‘intuitiva’
Pouco afeita a modismos do mercado de tecnologia, a Apple tem lançado recursos de inteligência artificial e aprendizado de máquina— mas a firma evita utilizar o termo, que se tornou tão banal quanto metaverso nos últimos anos.
A revista de tecnologia Wired batizou esse comportamento de “IA intuitiva”, em oposição ao nome “IA generativa”. Para a publicação, a Apple tem investido em funcionalidades discretas, mas importantes para o consumidor, que sequer nota que se trata de inteligência artificial.
Exemplos dessa “intuitividade” na tecnologia da empresa podem ser encontrados aos montes. Em junho passado, o iOS 17 (próxima geração do sistema operacional do iPhone) deve trazer alguns avanços nessa área, como melhorias na correção automática de teclado, sugestões de frases ao digitar e transcrição de áudios no app Mensagens. O sistema vai ser liberado para celulares compatíveis em 18 de setembro
Além disso, o novo processador do iPhone 15 Pro, batizado de A17 Pro, é focado em aprendizado de máquina. Por exemplo, o microfone do celular da marca pode “silenciar” sons ambientes para que a voz saia mais clara, bem como a câmera consegue identificar animais e pessoas em imagens para transformá-los em retratos, depois que a fotografia foi tirada. Resta saber, se esses recursos serão suficientes para nadar no novo oceano de possibilidades da IA.