Bilionários da tecnologia não deveriam direcionar o futuro da humanidade; leia análise


O argumento para a aceleração total do desenvolvimento tecnológico não é otimismo

Por Elizabeth Spiers

É preciso um certo tipo de pessoa para escrever manifestos grandiosos para consumo público, que não seja afetado por dúvidas ou livre de interesses próprios. O exemplo mais recente é Marc Andreessen, cofundador da empresa de capital de risco Andreessen Horowitz e mais conhecido, para aqueles de nós que atingiram a maioridade antes do TikTok, como cofundador do pioneiro navegador de Internet Netscape. Em “The Techno-Optimist Manifesto”, uma publicação recente de mais de 5.000 palavras no site da Andreessen Horowitz, Andreessen descreve uma visão dos tecnólogos como autores de um futuro no qual a “máquina de tecnocapital” produz tudo o que é bom no mundo.

Nessa visão, os tecnólogos ricos não são apenas líderes de seus negócios, mas donos da ordem social, livres do que Andreessen chama de “inimigos”: responsabilidade social, confiança e segurança, ética tecnológica, para citar alguns. Quanto ao restante de nós - as massas não lavadas, pessoas que têm empregos “não qualificados” ou diplomas inúteis em humanas, ou ambos - existimos principalmente como autômatos cujo valor total é medido em produtividade.

Essa visão atraiu muita controvérsia. Mas o verdadeiro problema com o manifesto de Andreessen pode não ser o fato de ser muito extravagante, mas sim o fato de ser muito exagerado. Porque, em um sentido muito real e consequente, essa visão já está consagrada em nossa cultura. Os principais pilares das políticas públicas a apoiam. Você pode vê-la nos requisitos de trabalho associados à assistência pública, que implicam que o principal valor das pessoas é o seu trabalho e que a recusa ou a incapacidade de contribuir é fundamentalmente antissocial.

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Marc Andreessen publicou manifesto "otimista" sobre a tecnologia  Foto: Mike Segar/Reuters

Você pode ver isso na forma como valorizamos os CEOs de empresas “unicórnio” (avaliadas acima de US$ bilhão) que expandiram sua riqueza muito além do que poderia ser justificado por suas contribuições individuais. E na forma como consideramos essa riqueza como produto de uma boa tomada de decisão e de um trabalho árduo e justo, independentemente de quantos bilhões de dólares de dinheiro dos investidores eles possam ter evaporado, de quantas outras pessoas contribuíram para seu sucesso ou de quanto dinheiro do governo o subsidiou.

No caso de indivíduos comuns, entretanto, a dívida é considerada não apenas um fracasso financeiro, mas também um fracasso moral. Se você é bem-sucedido e já pagou seu financiamento estudantil, tomá-los em primeiro lugar foi uma boa decisão. Se você não pagou e não pode pagar, você foi irresponsável e o governo não deve permitir que você fique à toa.

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Os aspirantes a monarcas corporativos, tendo consolidado o poder mesmo além de suas vastas riquezas, já persuadiram grande parte do restante da população a concordar com isso.

Como texto, o manifesto, que é divagante e muitas vezes contraditório, lembra o manifesto do Unabomber, mas não tem a coerência ideológica. Ele se insurge contra os sistemas centralizados de governo, ao mesmo tempo em que defende que os tecnólogos façam o planejamento central e governem o futuro da humanidade. Sua primeira linha é “Estão mentindo para nós”, seguida de uma lista de queixas, mas mais adiante ele expressa desdém pela “mentalidade de vítima”.

Seria fácil descartar esse tipo de coisa como sendo apenas o previsível interesse próprio de Andreessen, mas é mais do que isso. Ele articula (embora de forma poética, como um ímã de geladeira) um tipo de niilismo que ganhou força entre as elites tecnológicas e revela muito de como elas pensam sobre suas poucas responsabilidades para com a sociedade.

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O pensamento neorreacionário sustenta que o mundo funcionaria muito melhor nas mãos de algumas elites experientes em tecnologia em um sistema quase feudal. Andreessen, por meio dessa lente, acredita que o avanço da tecnologia é a coisa mais virtuosa que se pode fazer. Essa linha de pensamento desdenha da democracia e se opõe às instituições (uma imprensa livre, por exemplo) que a apoiam. Ela despreza o igualitarismo e vê a opressão de grupos marginalizados como um problema criado por eles mesmos. Defende uma aceleração extrema do avanço tecnológico, independentemente das consequências, de uma forma que faz com que o lema da tecnologia de “mover-se rapidamente e quebrar coisas” pareça modesto.

Se tudo isso parece assustador e de extrema direita, é porque é mesmo. Andreessen afirma ser contra o autoritarismo, mas, na verdade, é uma questão de escolher o autoritário - e o autoritário neorreacionário preferido deste grupo é um CEO que atua como rei.

É provável que haja uma palavra em alemão para descrever a combinação única de horror e bobagem que essa visão evoca, mas ela é levada a sério por pessoas que se imaginam potenciais CEOs autoritários ou, no mínimo, representantes. Isso inclui outro bilionário do Vale do Silício, Peter Thiel, que escreveu certa vez que acreditava que democracia e liberdade eram incompatíveis.

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É fácil ver como essa visão pode atrair pessoas como Andreessen e Thiel. Mas como eles conseguiram convencer tantas outras pessoas? Fingindo que, apesar de toda a sua riqueza e influência, eles não são as verdadeiras elites.

Quando Andreessen diz que “nós” estamos sendo enganados, ele inclui a si mesmo, e quando ele nomeia os mentirosos, eles são aqueles na “torre de marfim, a visão de mundo do especialista credenciado sabe-tudo”, que estão “desconectados do mundo real, delirantes, não eleitos e não responsáveis - brincando de Deus com a vida de todos os outros, com total isolamento das consequências”.

É um truque antigo e bom. Quando Donald Trump, um bilionário nova-iorquino educado em universidades Ivy League, se posiciona contra as elites americanas, com suas educações sofisticadas e palácios no litoral, seus apoiadores ignoram o fato de que ele incorpora o que diz se opor. “Dizem-nos que a tecnologia tira nossos empregos”, escreve Andreessen, “reduz nossos salários, aumenta a desigualdade, ameaça nossa saúde, arruína o meio ambiente, degrada nossa sociedade, corrompe nossos filhos, prejudica nossa humanidade, ameaça nosso futuro e está sempre prestes a arruinar tudo”. Quem está falando aqui e quem está sendo informado? Não é a tecnologia que está reduzindo os salários e aumentando a desigualdade - são os ultra-ricos, pessoas como Andreessen.

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É importante não se deixar enganar por esse desvio, ou pelo que Elon Musk faz quando publica memes infantis no X para demonstrar que está se insurgindo contra o establishment ao qual de fato pertence. O argumento para a aceleração total do desenvolvimento tecnológico não é otimismo, exceto no sentido de que os Andreessens, Thiels e Musks têm certeza de que serão bem-sucedidos. Trata-se de pessimismo em relação à democracia e, em última instância, à humanidade.

Em um sentido mais sombrio, talvez mais triste, o projeto neorreacionário sugere que as classes bilionárias do Vale do Silício estão frustradas por não poderem simplesmente acelerar seu caminho para o futuro, um futuro em que possam se tornar híbridos humanos/tecnológicos e viver para sempre em uma colônia em Marte. Em busca desse futuro acelerado pós-singularidade, qualquer dano que tenham causado ao planeta ou a outras pessoas é um dano colateral necessário. É a ilusão de pessoas que conseguiram comprar a saída de tudo o que era desconfortável, inconveniente ou doloroso e não aceitam o fato de que não podem comprar a saída da morte. /TRADUÇÃO POR BRUNO ROMANI

É preciso um certo tipo de pessoa para escrever manifestos grandiosos para consumo público, que não seja afetado por dúvidas ou livre de interesses próprios. O exemplo mais recente é Marc Andreessen, cofundador da empresa de capital de risco Andreessen Horowitz e mais conhecido, para aqueles de nós que atingiram a maioridade antes do TikTok, como cofundador do pioneiro navegador de Internet Netscape. Em “The Techno-Optimist Manifesto”, uma publicação recente de mais de 5.000 palavras no site da Andreessen Horowitz, Andreessen descreve uma visão dos tecnólogos como autores de um futuro no qual a “máquina de tecnocapital” produz tudo o que é bom no mundo.

Nessa visão, os tecnólogos ricos não são apenas líderes de seus negócios, mas donos da ordem social, livres do que Andreessen chama de “inimigos”: responsabilidade social, confiança e segurança, ética tecnológica, para citar alguns. Quanto ao restante de nós - as massas não lavadas, pessoas que têm empregos “não qualificados” ou diplomas inúteis em humanas, ou ambos - existimos principalmente como autômatos cujo valor total é medido em produtividade.

Essa visão atraiu muita controvérsia. Mas o verdadeiro problema com o manifesto de Andreessen pode não ser o fato de ser muito extravagante, mas sim o fato de ser muito exagerado. Porque, em um sentido muito real e consequente, essa visão já está consagrada em nossa cultura. Os principais pilares das políticas públicas a apoiam. Você pode vê-la nos requisitos de trabalho associados à assistência pública, que implicam que o principal valor das pessoas é o seu trabalho e que a recusa ou a incapacidade de contribuir é fundamentalmente antissocial.

Marc Andreessen publicou manifesto "otimista" sobre a tecnologia  Foto: Mike Segar/Reuters

Você pode ver isso na forma como valorizamos os CEOs de empresas “unicórnio” (avaliadas acima de US$ bilhão) que expandiram sua riqueza muito além do que poderia ser justificado por suas contribuições individuais. E na forma como consideramos essa riqueza como produto de uma boa tomada de decisão e de um trabalho árduo e justo, independentemente de quantos bilhões de dólares de dinheiro dos investidores eles possam ter evaporado, de quantas outras pessoas contribuíram para seu sucesso ou de quanto dinheiro do governo o subsidiou.

No caso de indivíduos comuns, entretanto, a dívida é considerada não apenas um fracasso financeiro, mas também um fracasso moral. Se você é bem-sucedido e já pagou seu financiamento estudantil, tomá-los em primeiro lugar foi uma boa decisão. Se você não pagou e não pode pagar, você foi irresponsável e o governo não deve permitir que você fique à toa.

Os aspirantes a monarcas corporativos, tendo consolidado o poder mesmo além de suas vastas riquezas, já persuadiram grande parte do restante da população a concordar com isso.

Como texto, o manifesto, que é divagante e muitas vezes contraditório, lembra o manifesto do Unabomber, mas não tem a coerência ideológica. Ele se insurge contra os sistemas centralizados de governo, ao mesmo tempo em que defende que os tecnólogos façam o planejamento central e governem o futuro da humanidade. Sua primeira linha é “Estão mentindo para nós”, seguida de uma lista de queixas, mas mais adiante ele expressa desdém pela “mentalidade de vítima”.

Seria fácil descartar esse tipo de coisa como sendo apenas o previsível interesse próprio de Andreessen, mas é mais do que isso. Ele articula (embora de forma poética, como um ímã de geladeira) um tipo de niilismo que ganhou força entre as elites tecnológicas e revela muito de como elas pensam sobre suas poucas responsabilidades para com a sociedade.

O pensamento neorreacionário sustenta que o mundo funcionaria muito melhor nas mãos de algumas elites experientes em tecnologia em um sistema quase feudal. Andreessen, por meio dessa lente, acredita que o avanço da tecnologia é a coisa mais virtuosa que se pode fazer. Essa linha de pensamento desdenha da democracia e se opõe às instituições (uma imprensa livre, por exemplo) que a apoiam. Ela despreza o igualitarismo e vê a opressão de grupos marginalizados como um problema criado por eles mesmos. Defende uma aceleração extrema do avanço tecnológico, independentemente das consequências, de uma forma que faz com que o lema da tecnologia de “mover-se rapidamente e quebrar coisas” pareça modesto.

Se tudo isso parece assustador e de extrema direita, é porque é mesmo. Andreessen afirma ser contra o autoritarismo, mas, na verdade, é uma questão de escolher o autoritário - e o autoritário neorreacionário preferido deste grupo é um CEO que atua como rei.

É provável que haja uma palavra em alemão para descrever a combinação única de horror e bobagem que essa visão evoca, mas ela é levada a sério por pessoas que se imaginam potenciais CEOs autoritários ou, no mínimo, representantes. Isso inclui outro bilionário do Vale do Silício, Peter Thiel, que escreveu certa vez que acreditava que democracia e liberdade eram incompatíveis.

É fácil ver como essa visão pode atrair pessoas como Andreessen e Thiel. Mas como eles conseguiram convencer tantas outras pessoas? Fingindo que, apesar de toda a sua riqueza e influência, eles não são as verdadeiras elites.

Quando Andreessen diz que “nós” estamos sendo enganados, ele inclui a si mesmo, e quando ele nomeia os mentirosos, eles são aqueles na “torre de marfim, a visão de mundo do especialista credenciado sabe-tudo”, que estão “desconectados do mundo real, delirantes, não eleitos e não responsáveis - brincando de Deus com a vida de todos os outros, com total isolamento das consequências”.

É um truque antigo e bom. Quando Donald Trump, um bilionário nova-iorquino educado em universidades Ivy League, se posiciona contra as elites americanas, com suas educações sofisticadas e palácios no litoral, seus apoiadores ignoram o fato de que ele incorpora o que diz se opor. “Dizem-nos que a tecnologia tira nossos empregos”, escreve Andreessen, “reduz nossos salários, aumenta a desigualdade, ameaça nossa saúde, arruína o meio ambiente, degrada nossa sociedade, corrompe nossos filhos, prejudica nossa humanidade, ameaça nosso futuro e está sempre prestes a arruinar tudo”. Quem está falando aqui e quem está sendo informado? Não é a tecnologia que está reduzindo os salários e aumentando a desigualdade - são os ultra-ricos, pessoas como Andreessen.

É importante não se deixar enganar por esse desvio, ou pelo que Elon Musk faz quando publica memes infantis no X para demonstrar que está se insurgindo contra o establishment ao qual de fato pertence. O argumento para a aceleração total do desenvolvimento tecnológico não é otimismo, exceto no sentido de que os Andreessens, Thiels e Musks têm certeza de que serão bem-sucedidos. Trata-se de pessimismo em relação à democracia e, em última instância, à humanidade.

Em um sentido mais sombrio, talvez mais triste, o projeto neorreacionário sugere que as classes bilionárias do Vale do Silício estão frustradas por não poderem simplesmente acelerar seu caminho para o futuro, um futuro em que possam se tornar híbridos humanos/tecnológicos e viver para sempre em uma colônia em Marte. Em busca desse futuro acelerado pós-singularidade, qualquer dano que tenham causado ao planeta ou a outras pessoas é um dano colateral necessário. É a ilusão de pessoas que conseguiram comprar a saída de tudo o que era desconfortável, inconveniente ou doloroso e não aceitam o fato de que não podem comprar a saída da morte. /TRADUÇÃO POR BRUNO ROMANI

É preciso um certo tipo de pessoa para escrever manifestos grandiosos para consumo público, que não seja afetado por dúvidas ou livre de interesses próprios. O exemplo mais recente é Marc Andreessen, cofundador da empresa de capital de risco Andreessen Horowitz e mais conhecido, para aqueles de nós que atingiram a maioridade antes do TikTok, como cofundador do pioneiro navegador de Internet Netscape. Em “The Techno-Optimist Manifesto”, uma publicação recente de mais de 5.000 palavras no site da Andreessen Horowitz, Andreessen descreve uma visão dos tecnólogos como autores de um futuro no qual a “máquina de tecnocapital” produz tudo o que é bom no mundo.

Nessa visão, os tecnólogos ricos não são apenas líderes de seus negócios, mas donos da ordem social, livres do que Andreessen chama de “inimigos”: responsabilidade social, confiança e segurança, ética tecnológica, para citar alguns. Quanto ao restante de nós - as massas não lavadas, pessoas que têm empregos “não qualificados” ou diplomas inúteis em humanas, ou ambos - existimos principalmente como autômatos cujo valor total é medido em produtividade.

Essa visão atraiu muita controvérsia. Mas o verdadeiro problema com o manifesto de Andreessen pode não ser o fato de ser muito extravagante, mas sim o fato de ser muito exagerado. Porque, em um sentido muito real e consequente, essa visão já está consagrada em nossa cultura. Os principais pilares das políticas públicas a apoiam. Você pode vê-la nos requisitos de trabalho associados à assistência pública, que implicam que o principal valor das pessoas é o seu trabalho e que a recusa ou a incapacidade de contribuir é fundamentalmente antissocial.

Marc Andreessen publicou manifesto "otimista" sobre a tecnologia  Foto: Mike Segar/Reuters

Você pode ver isso na forma como valorizamos os CEOs de empresas “unicórnio” (avaliadas acima de US$ bilhão) que expandiram sua riqueza muito além do que poderia ser justificado por suas contribuições individuais. E na forma como consideramos essa riqueza como produto de uma boa tomada de decisão e de um trabalho árduo e justo, independentemente de quantos bilhões de dólares de dinheiro dos investidores eles possam ter evaporado, de quantas outras pessoas contribuíram para seu sucesso ou de quanto dinheiro do governo o subsidiou.

No caso de indivíduos comuns, entretanto, a dívida é considerada não apenas um fracasso financeiro, mas também um fracasso moral. Se você é bem-sucedido e já pagou seu financiamento estudantil, tomá-los em primeiro lugar foi uma boa decisão. Se você não pagou e não pode pagar, você foi irresponsável e o governo não deve permitir que você fique à toa.

Os aspirantes a monarcas corporativos, tendo consolidado o poder mesmo além de suas vastas riquezas, já persuadiram grande parte do restante da população a concordar com isso.

Como texto, o manifesto, que é divagante e muitas vezes contraditório, lembra o manifesto do Unabomber, mas não tem a coerência ideológica. Ele se insurge contra os sistemas centralizados de governo, ao mesmo tempo em que defende que os tecnólogos façam o planejamento central e governem o futuro da humanidade. Sua primeira linha é “Estão mentindo para nós”, seguida de uma lista de queixas, mas mais adiante ele expressa desdém pela “mentalidade de vítima”.

Seria fácil descartar esse tipo de coisa como sendo apenas o previsível interesse próprio de Andreessen, mas é mais do que isso. Ele articula (embora de forma poética, como um ímã de geladeira) um tipo de niilismo que ganhou força entre as elites tecnológicas e revela muito de como elas pensam sobre suas poucas responsabilidades para com a sociedade.

O pensamento neorreacionário sustenta que o mundo funcionaria muito melhor nas mãos de algumas elites experientes em tecnologia em um sistema quase feudal. Andreessen, por meio dessa lente, acredita que o avanço da tecnologia é a coisa mais virtuosa que se pode fazer. Essa linha de pensamento desdenha da democracia e se opõe às instituições (uma imprensa livre, por exemplo) que a apoiam. Ela despreza o igualitarismo e vê a opressão de grupos marginalizados como um problema criado por eles mesmos. Defende uma aceleração extrema do avanço tecnológico, independentemente das consequências, de uma forma que faz com que o lema da tecnologia de “mover-se rapidamente e quebrar coisas” pareça modesto.

Se tudo isso parece assustador e de extrema direita, é porque é mesmo. Andreessen afirma ser contra o autoritarismo, mas, na verdade, é uma questão de escolher o autoritário - e o autoritário neorreacionário preferido deste grupo é um CEO que atua como rei.

É provável que haja uma palavra em alemão para descrever a combinação única de horror e bobagem que essa visão evoca, mas ela é levada a sério por pessoas que se imaginam potenciais CEOs autoritários ou, no mínimo, representantes. Isso inclui outro bilionário do Vale do Silício, Peter Thiel, que escreveu certa vez que acreditava que democracia e liberdade eram incompatíveis.

É fácil ver como essa visão pode atrair pessoas como Andreessen e Thiel. Mas como eles conseguiram convencer tantas outras pessoas? Fingindo que, apesar de toda a sua riqueza e influência, eles não são as verdadeiras elites.

Quando Andreessen diz que “nós” estamos sendo enganados, ele inclui a si mesmo, e quando ele nomeia os mentirosos, eles são aqueles na “torre de marfim, a visão de mundo do especialista credenciado sabe-tudo”, que estão “desconectados do mundo real, delirantes, não eleitos e não responsáveis - brincando de Deus com a vida de todos os outros, com total isolamento das consequências”.

É um truque antigo e bom. Quando Donald Trump, um bilionário nova-iorquino educado em universidades Ivy League, se posiciona contra as elites americanas, com suas educações sofisticadas e palácios no litoral, seus apoiadores ignoram o fato de que ele incorpora o que diz se opor. “Dizem-nos que a tecnologia tira nossos empregos”, escreve Andreessen, “reduz nossos salários, aumenta a desigualdade, ameaça nossa saúde, arruína o meio ambiente, degrada nossa sociedade, corrompe nossos filhos, prejudica nossa humanidade, ameaça nosso futuro e está sempre prestes a arruinar tudo”. Quem está falando aqui e quem está sendo informado? Não é a tecnologia que está reduzindo os salários e aumentando a desigualdade - são os ultra-ricos, pessoas como Andreessen.

É importante não se deixar enganar por esse desvio, ou pelo que Elon Musk faz quando publica memes infantis no X para demonstrar que está se insurgindo contra o establishment ao qual de fato pertence. O argumento para a aceleração total do desenvolvimento tecnológico não é otimismo, exceto no sentido de que os Andreessens, Thiels e Musks têm certeza de que serão bem-sucedidos. Trata-se de pessimismo em relação à democracia e, em última instância, à humanidade.

Em um sentido mais sombrio, talvez mais triste, o projeto neorreacionário sugere que as classes bilionárias do Vale do Silício estão frustradas por não poderem simplesmente acelerar seu caminho para o futuro, um futuro em que possam se tornar híbridos humanos/tecnológicos e viver para sempre em uma colônia em Marte. Em busca desse futuro acelerado pós-singularidade, qualquer dano que tenham causado ao planeta ou a outras pessoas é um dano colateral necessário. É a ilusão de pessoas que conseguiram comprar a saída de tudo o que era desconfortável, inconveniente ou doloroso e não aceitam o fato de que não podem comprar a saída da morte. /TRADUÇÃO POR BRUNO ROMANI

É preciso um certo tipo de pessoa para escrever manifestos grandiosos para consumo público, que não seja afetado por dúvidas ou livre de interesses próprios. O exemplo mais recente é Marc Andreessen, cofundador da empresa de capital de risco Andreessen Horowitz e mais conhecido, para aqueles de nós que atingiram a maioridade antes do TikTok, como cofundador do pioneiro navegador de Internet Netscape. Em “The Techno-Optimist Manifesto”, uma publicação recente de mais de 5.000 palavras no site da Andreessen Horowitz, Andreessen descreve uma visão dos tecnólogos como autores de um futuro no qual a “máquina de tecnocapital” produz tudo o que é bom no mundo.

Nessa visão, os tecnólogos ricos não são apenas líderes de seus negócios, mas donos da ordem social, livres do que Andreessen chama de “inimigos”: responsabilidade social, confiança e segurança, ética tecnológica, para citar alguns. Quanto ao restante de nós - as massas não lavadas, pessoas que têm empregos “não qualificados” ou diplomas inúteis em humanas, ou ambos - existimos principalmente como autômatos cujo valor total é medido em produtividade.

Essa visão atraiu muita controvérsia. Mas o verdadeiro problema com o manifesto de Andreessen pode não ser o fato de ser muito extravagante, mas sim o fato de ser muito exagerado. Porque, em um sentido muito real e consequente, essa visão já está consagrada em nossa cultura. Os principais pilares das políticas públicas a apoiam. Você pode vê-la nos requisitos de trabalho associados à assistência pública, que implicam que o principal valor das pessoas é o seu trabalho e que a recusa ou a incapacidade de contribuir é fundamentalmente antissocial.

Marc Andreessen publicou manifesto "otimista" sobre a tecnologia  Foto: Mike Segar/Reuters

Você pode ver isso na forma como valorizamos os CEOs de empresas “unicórnio” (avaliadas acima de US$ bilhão) que expandiram sua riqueza muito além do que poderia ser justificado por suas contribuições individuais. E na forma como consideramos essa riqueza como produto de uma boa tomada de decisão e de um trabalho árduo e justo, independentemente de quantos bilhões de dólares de dinheiro dos investidores eles possam ter evaporado, de quantas outras pessoas contribuíram para seu sucesso ou de quanto dinheiro do governo o subsidiou.

No caso de indivíduos comuns, entretanto, a dívida é considerada não apenas um fracasso financeiro, mas também um fracasso moral. Se você é bem-sucedido e já pagou seu financiamento estudantil, tomá-los em primeiro lugar foi uma boa decisão. Se você não pagou e não pode pagar, você foi irresponsável e o governo não deve permitir que você fique à toa.

Os aspirantes a monarcas corporativos, tendo consolidado o poder mesmo além de suas vastas riquezas, já persuadiram grande parte do restante da população a concordar com isso.

Como texto, o manifesto, que é divagante e muitas vezes contraditório, lembra o manifesto do Unabomber, mas não tem a coerência ideológica. Ele se insurge contra os sistemas centralizados de governo, ao mesmo tempo em que defende que os tecnólogos façam o planejamento central e governem o futuro da humanidade. Sua primeira linha é “Estão mentindo para nós”, seguida de uma lista de queixas, mas mais adiante ele expressa desdém pela “mentalidade de vítima”.

Seria fácil descartar esse tipo de coisa como sendo apenas o previsível interesse próprio de Andreessen, mas é mais do que isso. Ele articula (embora de forma poética, como um ímã de geladeira) um tipo de niilismo que ganhou força entre as elites tecnológicas e revela muito de como elas pensam sobre suas poucas responsabilidades para com a sociedade.

O pensamento neorreacionário sustenta que o mundo funcionaria muito melhor nas mãos de algumas elites experientes em tecnologia em um sistema quase feudal. Andreessen, por meio dessa lente, acredita que o avanço da tecnologia é a coisa mais virtuosa que se pode fazer. Essa linha de pensamento desdenha da democracia e se opõe às instituições (uma imprensa livre, por exemplo) que a apoiam. Ela despreza o igualitarismo e vê a opressão de grupos marginalizados como um problema criado por eles mesmos. Defende uma aceleração extrema do avanço tecnológico, independentemente das consequências, de uma forma que faz com que o lema da tecnologia de “mover-se rapidamente e quebrar coisas” pareça modesto.

Se tudo isso parece assustador e de extrema direita, é porque é mesmo. Andreessen afirma ser contra o autoritarismo, mas, na verdade, é uma questão de escolher o autoritário - e o autoritário neorreacionário preferido deste grupo é um CEO que atua como rei.

É provável que haja uma palavra em alemão para descrever a combinação única de horror e bobagem que essa visão evoca, mas ela é levada a sério por pessoas que se imaginam potenciais CEOs autoritários ou, no mínimo, representantes. Isso inclui outro bilionário do Vale do Silício, Peter Thiel, que escreveu certa vez que acreditava que democracia e liberdade eram incompatíveis.

É fácil ver como essa visão pode atrair pessoas como Andreessen e Thiel. Mas como eles conseguiram convencer tantas outras pessoas? Fingindo que, apesar de toda a sua riqueza e influência, eles não são as verdadeiras elites.

Quando Andreessen diz que “nós” estamos sendo enganados, ele inclui a si mesmo, e quando ele nomeia os mentirosos, eles são aqueles na “torre de marfim, a visão de mundo do especialista credenciado sabe-tudo”, que estão “desconectados do mundo real, delirantes, não eleitos e não responsáveis - brincando de Deus com a vida de todos os outros, com total isolamento das consequências”.

É um truque antigo e bom. Quando Donald Trump, um bilionário nova-iorquino educado em universidades Ivy League, se posiciona contra as elites americanas, com suas educações sofisticadas e palácios no litoral, seus apoiadores ignoram o fato de que ele incorpora o que diz se opor. “Dizem-nos que a tecnologia tira nossos empregos”, escreve Andreessen, “reduz nossos salários, aumenta a desigualdade, ameaça nossa saúde, arruína o meio ambiente, degrada nossa sociedade, corrompe nossos filhos, prejudica nossa humanidade, ameaça nosso futuro e está sempre prestes a arruinar tudo”. Quem está falando aqui e quem está sendo informado? Não é a tecnologia que está reduzindo os salários e aumentando a desigualdade - são os ultra-ricos, pessoas como Andreessen.

É importante não se deixar enganar por esse desvio, ou pelo que Elon Musk faz quando publica memes infantis no X para demonstrar que está se insurgindo contra o establishment ao qual de fato pertence. O argumento para a aceleração total do desenvolvimento tecnológico não é otimismo, exceto no sentido de que os Andreessens, Thiels e Musks têm certeza de que serão bem-sucedidos. Trata-se de pessimismo em relação à democracia e, em última instância, à humanidade.

Em um sentido mais sombrio, talvez mais triste, o projeto neorreacionário sugere que as classes bilionárias do Vale do Silício estão frustradas por não poderem simplesmente acelerar seu caminho para o futuro, um futuro em que possam se tornar híbridos humanos/tecnológicos e viver para sempre em uma colônia em Marte. Em busca desse futuro acelerado pós-singularidade, qualquer dano que tenham causado ao planeta ou a outras pessoas é um dano colateral necessário. É a ilusão de pessoas que conseguiram comprar a saída de tudo o que era desconfortável, inconveniente ou doloroso e não aceitam o fato de que não podem comprar a saída da morte. /TRADUÇÃO POR BRUNO ROMANI

É preciso um certo tipo de pessoa para escrever manifestos grandiosos para consumo público, que não seja afetado por dúvidas ou livre de interesses próprios. O exemplo mais recente é Marc Andreessen, cofundador da empresa de capital de risco Andreessen Horowitz e mais conhecido, para aqueles de nós que atingiram a maioridade antes do TikTok, como cofundador do pioneiro navegador de Internet Netscape. Em “The Techno-Optimist Manifesto”, uma publicação recente de mais de 5.000 palavras no site da Andreessen Horowitz, Andreessen descreve uma visão dos tecnólogos como autores de um futuro no qual a “máquina de tecnocapital” produz tudo o que é bom no mundo.

Nessa visão, os tecnólogos ricos não são apenas líderes de seus negócios, mas donos da ordem social, livres do que Andreessen chama de “inimigos”: responsabilidade social, confiança e segurança, ética tecnológica, para citar alguns. Quanto ao restante de nós - as massas não lavadas, pessoas que têm empregos “não qualificados” ou diplomas inúteis em humanas, ou ambos - existimos principalmente como autômatos cujo valor total é medido em produtividade.

Essa visão atraiu muita controvérsia. Mas o verdadeiro problema com o manifesto de Andreessen pode não ser o fato de ser muito extravagante, mas sim o fato de ser muito exagerado. Porque, em um sentido muito real e consequente, essa visão já está consagrada em nossa cultura. Os principais pilares das políticas públicas a apoiam. Você pode vê-la nos requisitos de trabalho associados à assistência pública, que implicam que o principal valor das pessoas é o seu trabalho e que a recusa ou a incapacidade de contribuir é fundamentalmente antissocial.

Marc Andreessen publicou manifesto "otimista" sobre a tecnologia  Foto: Mike Segar/Reuters

Você pode ver isso na forma como valorizamos os CEOs de empresas “unicórnio” (avaliadas acima de US$ bilhão) que expandiram sua riqueza muito além do que poderia ser justificado por suas contribuições individuais. E na forma como consideramos essa riqueza como produto de uma boa tomada de decisão e de um trabalho árduo e justo, independentemente de quantos bilhões de dólares de dinheiro dos investidores eles possam ter evaporado, de quantas outras pessoas contribuíram para seu sucesso ou de quanto dinheiro do governo o subsidiou.

No caso de indivíduos comuns, entretanto, a dívida é considerada não apenas um fracasso financeiro, mas também um fracasso moral. Se você é bem-sucedido e já pagou seu financiamento estudantil, tomá-los em primeiro lugar foi uma boa decisão. Se você não pagou e não pode pagar, você foi irresponsável e o governo não deve permitir que você fique à toa.

Os aspirantes a monarcas corporativos, tendo consolidado o poder mesmo além de suas vastas riquezas, já persuadiram grande parte do restante da população a concordar com isso.

Como texto, o manifesto, que é divagante e muitas vezes contraditório, lembra o manifesto do Unabomber, mas não tem a coerência ideológica. Ele se insurge contra os sistemas centralizados de governo, ao mesmo tempo em que defende que os tecnólogos façam o planejamento central e governem o futuro da humanidade. Sua primeira linha é “Estão mentindo para nós”, seguida de uma lista de queixas, mas mais adiante ele expressa desdém pela “mentalidade de vítima”.

Seria fácil descartar esse tipo de coisa como sendo apenas o previsível interesse próprio de Andreessen, mas é mais do que isso. Ele articula (embora de forma poética, como um ímã de geladeira) um tipo de niilismo que ganhou força entre as elites tecnológicas e revela muito de como elas pensam sobre suas poucas responsabilidades para com a sociedade.

O pensamento neorreacionário sustenta que o mundo funcionaria muito melhor nas mãos de algumas elites experientes em tecnologia em um sistema quase feudal. Andreessen, por meio dessa lente, acredita que o avanço da tecnologia é a coisa mais virtuosa que se pode fazer. Essa linha de pensamento desdenha da democracia e se opõe às instituições (uma imprensa livre, por exemplo) que a apoiam. Ela despreza o igualitarismo e vê a opressão de grupos marginalizados como um problema criado por eles mesmos. Defende uma aceleração extrema do avanço tecnológico, independentemente das consequências, de uma forma que faz com que o lema da tecnologia de “mover-se rapidamente e quebrar coisas” pareça modesto.

Se tudo isso parece assustador e de extrema direita, é porque é mesmo. Andreessen afirma ser contra o autoritarismo, mas, na verdade, é uma questão de escolher o autoritário - e o autoritário neorreacionário preferido deste grupo é um CEO que atua como rei.

É provável que haja uma palavra em alemão para descrever a combinação única de horror e bobagem que essa visão evoca, mas ela é levada a sério por pessoas que se imaginam potenciais CEOs autoritários ou, no mínimo, representantes. Isso inclui outro bilionário do Vale do Silício, Peter Thiel, que escreveu certa vez que acreditava que democracia e liberdade eram incompatíveis.

É fácil ver como essa visão pode atrair pessoas como Andreessen e Thiel. Mas como eles conseguiram convencer tantas outras pessoas? Fingindo que, apesar de toda a sua riqueza e influência, eles não são as verdadeiras elites.

Quando Andreessen diz que “nós” estamos sendo enganados, ele inclui a si mesmo, e quando ele nomeia os mentirosos, eles são aqueles na “torre de marfim, a visão de mundo do especialista credenciado sabe-tudo”, que estão “desconectados do mundo real, delirantes, não eleitos e não responsáveis - brincando de Deus com a vida de todos os outros, com total isolamento das consequências”.

É um truque antigo e bom. Quando Donald Trump, um bilionário nova-iorquino educado em universidades Ivy League, se posiciona contra as elites americanas, com suas educações sofisticadas e palácios no litoral, seus apoiadores ignoram o fato de que ele incorpora o que diz se opor. “Dizem-nos que a tecnologia tira nossos empregos”, escreve Andreessen, “reduz nossos salários, aumenta a desigualdade, ameaça nossa saúde, arruína o meio ambiente, degrada nossa sociedade, corrompe nossos filhos, prejudica nossa humanidade, ameaça nosso futuro e está sempre prestes a arruinar tudo”. Quem está falando aqui e quem está sendo informado? Não é a tecnologia que está reduzindo os salários e aumentando a desigualdade - são os ultra-ricos, pessoas como Andreessen.

É importante não se deixar enganar por esse desvio, ou pelo que Elon Musk faz quando publica memes infantis no X para demonstrar que está se insurgindo contra o establishment ao qual de fato pertence. O argumento para a aceleração total do desenvolvimento tecnológico não é otimismo, exceto no sentido de que os Andreessens, Thiels e Musks têm certeza de que serão bem-sucedidos. Trata-se de pessimismo em relação à democracia e, em última instância, à humanidade.

Em um sentido mais sombrio, talvez mais triste, o projeto neorreacionário sugere que as classes bilionárias do Vale do Silício estão frustradas por não poderem simplesmente acelerar seu caminho para o futuro, um futuro em que possam se tornar híbridos humanos/tecnológicos e viver para sempre em uma colônia em Marte. Em busca desse futuro acelerado pós-singularidade, qualquer dano que tenham causado ao planeta ou a outras pessoas é um dano colateral necessário. É a ilusão de pessoas que conseguiram comprar a saída de tudo o que era desconfortável, inconveniente ou doloroso e não aceitam o fato de que não podem comprar a saída da morte. /TRADUÇÃO POR BRUNO ROMANI

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